Nota de pesar por Valdirzão e Guege, assassinados no assentamento Olga Benário do MST
Com tristeza e indignação, a Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) manifesta seu pesar e sua solidariedade às famílias de Valdir do Nascimento de Jesus, de 52 anos (Conhecido como Valdirzão), e Gleison Barbosa de Carvalho, de 28 anos (Também conhecido como Guegue), vítimas de um atentado ocorrido na noite de ontem, 10 de janeiro, no assentamento do MST Olga Benário, em Tremembé (SP). O atentado criminoso que lhes ceifou a vida feriu outras seis pessoas e representa mais um inaceitável episódio de violência e banditismo, alimentado pelo discurso de ódio e pela violência neofascista presente em segmentos da sociedade brasileira e amplamente propagados nas mídias sociais. A responsabilização penal e civil dos autores e mandantes, embora imprescindível, não é suficiente para superar o estado de conflagração social, no campo e na cidade, fomentado ideologicamente por forças retrógradas. O Brasil precisa se reencontrar com a paz, na perspectiva da construção de uma sociedade fraterna e igualitária, em que a efetivação da reforma agrária seja imperativa, em cumprimento aos princípios e desígnios estabelecidos na Constituição da República.
Em defesa dos Guarani em Guaíra e Terra Roxa
É inaceitável a violência contra comunidades indígenas nos Municípios de Guaíra e Terra Roxa no Paraná, entre outros tantos no Brasil. Inaceitáveis disparos de armas de fogo, indígenas com ferimentos a bala, incluindo crianças, incêndio de habitações, alimentos e plantações para a preservação de uso de terras por não indígenas visando precípua e exclusivamente desenvolvimento econômico dissociado do social, a ser buscado mediante diálogo pacífico, sem discriminação, com participação de todas e todos os envolvidos e com respeito à diversidade. Inaceitável a não conclusão sobre autoria de tamanha covardia, com tantos inquéritos policiais arquivados. Inaceitável a não responsabilização das pessoas que tem praticado tais crimes.A Associação Juízas e Juízes para a Democracia clama às autoridades públicas deste país, em especial aos Poderes Constituídos do Estado do Paraná e dos Municípios de Guaíra e de Terra Roxa a imediata aplicação da Convenção 169 da OIT e da Constituição Federal (art.231), mediante ações imediatas para salvaguardar a vida, a integridade física e o meio ambiente que os indígenas ocupam e, a longo prazo, medidas que assegurem aos indígenas a escolha, por eles, de suas prioridades, de como querem viver, crenças e tradições, de modo que não mais se repitam as práticas colonizadoras que ainda hoje insistem em aparecer no âmbito das relações públicas e privadas.
Carta do Rio de Janeiro
“Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações.” (Ulysses Guimarães) Lapa - Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2024. O mundo contemporâneo vem passando por grandes transformações que, no rastro dos avanços tecnológicos, vêm modificando as estruturas das relações de trabalho e da própria produção, os laços de sociabilidade humana e a real possibilidade de construção de uma sociedade democrática. A perda de relevância do trabalho industrial convencional, o fim da proteção do trabalhador como regra geral, a expansão dos negócios em linha, das redes sociais e do trabalho organizado em torno de plataformas digitais (uberização do trabalho) modificam completamente as formas de organização das classes trabalhadoras, as quais passam a não contar mais com uma proteção legislativa e, consequentemente, jurisdicional efetiva, tensionando os laços humanos, em afronta à democracia tal como até hoje praticada nas sociedades ditas ocidentais. Nesse contexto, proliferam os meios autoritários que ampliam a repressão às classes trabalhadoras, em especial nas periferias, com a militarização crescente das polícias, das guardas municipais, das milícias, até mesmo das escolas – enfim, uma militarização da vida. Em todo o mundo, as redes sociais têm sido usadas pela extrema direita para a difusão de desinformação, criação de narrativas negacionistas e conspiratórias e ataques às instituições representativas e aos poderes constituídos. Galvanizada em torno de uma agenda de costumes retrógrada, misógina, lgbtfóbica, xenófoba, essa extrema direita, de cunho neofascista, avança sobre as bases eleitorais populares e de periferia, constituindo-se como um nefasto movimento de massas contra a democracia e a inclusão social. A partir desta agenda de costumes retrógrada, obtém artificial e parcial apoio popular para articulações golpistas, como no ataque às sedes dos três poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, e, com isso, reforça as iniciativas antipopulares nos terrenos do controle social, da precarização e da degradação do trabalho, da expansão infinita dos mercados e da intensificação da repressão à população, em especial na periferia. O neofascismo em rede social é a nova forma política do neoliberalismo econômico, retrocedendo direitos e garantias conquistados ao longo de dois séculos de luta das classes trabalhadoras, e mantendo-as sob crescente controle militarizado. Nos últimos dias, o Brasil ficou chocado com a apresentação do relatório final do inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado de 2023, em que se evidenciou um plano detalhado e articulado para assassinato do Presidente e do Vice-Presidente da República eleitos, e de ao menos um Ministro do Supremo Tribunal Federal, plano este gestado e desenvolvido por altos oficiais das Forças Armadas e autoridades de destaque do Governo anterior, de dentro do Palácio do Planalto. As investigações da Polícia Federal evidenciam que tropas de elite do Exército e oficiais de alta patente tramavam contra a democracia e a vida de autoridades eleitas e articulavam denúncias sabidamente falsas sobre fraude eleitoral como via de mobilização popular contra o novo governo, visando impedir sua posse e constituir um governo golpista, de viés autoritário, a começar por sua origem. Ainda segundo aquele relatório, Jair Bolsonaro sabia de todos os passos do plano e detinha o domínio efetivo de comando dos meios utilizados para a trama golpista que, afinal, não se materializou em virtude da não adesão da maior parte da cúpula militar, da falta de apoio internacional e da legitimidade do governo democraticamente eleito. A gravidade dos fatos revelados pelas investigações policiais traz à tona o papel degradado e degradante que as forças armadas desempenharam e seguem desempenhando em sua relação com a política, de resto vedada pela Ordem Constitucional Democrática. Ainda que o alto generalato não tenha aderido ao plano golpista, tampouco tomou iniciativas que se impunham para barrá-lo, como denunciar e responsabilizar os seus autores, tornando públicos os gravíssimos fatos descobertos. Além de bradarmos com decisão “sem anistia para o 8 de janeiro”, é preciso organizar as forças populares para que gritemos todos juntos e com determinação – RESPONSABILIZAÇÃO DOS TRAIDORES DA CONSTITUIÇÃO E DA PÁTRIA, PRISÃO AOS GOLPISTAS DO 8 DE JANEIRO. Nessa linha, faz-se necessário medidas para desmilitarizar a vida, desmilitarizado as polícias e as guardas municipais, bem assim renovando o ensino militar de modo a focar na defesa da democracia. Como já dito, o ascenso destes ataques às instituições democráticas não decorrem apenas de sonhos autoritários de candidatos a ditador. Repousa, de fato, na necessidade de dar forma autoritária ao aprofundamento da supressão de direitos das classes trabalhadoras, avançar na subtração de direitos sociais, no enfraquecimento dos mecanismos de sua defesa, como a Justiça do Trabalho, fragilizar e precarizar o trabalho e suas formas de organização e protesto, ao tempo em que amplifica o Estado policial repressor sobre pobres, pretos, periféricos, imigrantes. A agenda de costumes conservadora visa apenas atrair adesão popular a um programa que, de fato, é brutalmente antipopular e contra as trabalhadoras e os trabalhadores, e contra toda forma de regulamentação ou limitação da lógica perversa do mercado e à ação multiplamente predatória dos grandes conglomerados econômicos: aniquilamento da resistência popular, aniquilamento dos direitos trabalhistas, aniquilamento dos povos tradicionais e de suas culturas, aniquilamento do meio ambiente e de uma perspectiva de desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável e da possibilidade de resistência e organização do povo. A defesa consequente dos segmentos que estão no centro dos ataques desta agenda neoliberal conservadora – trabalhadores, mulheres, negros, populações originárias, imigrantes, pessoas LGBTQIAPN+, diante deste quadro, não se pode concretizar apenas nos limites de uma luta identitária de cunho liberal; ela somente pode se dar através da articulação profunda destas pautas com o resgate da centralidade do trabalho nas propostas democráticas e inclusivas de sociedade futura, bem assim da desmilitarização da vida. Uma grande rearticulação de lutas interseccionais que compreenda que a forma concreta e a finalidade dos ataques atuais a estas populações não são fruto apenas de um discurso moralista reacionário exacerbado, mas de um ataque frontal às limitações constitucionais à exploração absoluta do trabalho, em um retrocesso histórico ao século XIX, com suas jornadas brutais de trabalho e ausência de regulações protetivas dos trabalhadores. Devemos articular as agendas de respeito aos direitos humanos destas populações e reconhecê-las, também e fundamentalmente, como pessoas submetidas a uma brutal exploração como força de trabalho e à crescente repressão militarizada, que atinge estas pessoas com um peso ainda maior e mais desproporcional. A luta decidida pelo fim da precarização do trabalho, assim como pelo fim do regime de trabalho 6x1, neste contexto, e a defesa de um horizonte do trabalho fundado em um regime de 4x3 devem estar no centro do debate e da movimentação social promovidos pelas forças democráticas do país, além da defesa dos sindicatos e dos movimentos sociais, da auto-organização e da Justiça do Trabalho como instituição protetiva de tais direitos sociais. A AJD conclama toda a sociedade brasileira e toda a sociedade civil organizada a defender o Estado Democrático de Direito, a Constituição, os Poderes Constituídos, as liberdades asseguradas pela Constituição, os direitos sociais das classes trabalhadoras, o regime de trabalho de 4x3, a Justiça do Trabalho, os mecanismos de contenção e regulação dos mercados e a desmilitarização da vida, apoiando iniciativas, inclusive legislativas, neste sentido. Defende, também, o afastamento cautelar, observado o devido processo legal, dos militares envolvidos com a trama golpista. Viva a Constituição e viva a Democracia.