Pelo fim do genocídio na Palestina

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Imagem: Vectonauta no Freepik

 

Em 16 de outubro do ano passado, pouco mais de uma semana após a ofensiva israelense sobre os territórios palestinos em Gaza, a AJD emitiu uma nota condenando os ataques do grupo Hamas contra civis judeus israelenses, mas principalmente condenando com veemência as ações das forças de Israel naquele território. A sucessão de abusos contra civis, especialmente mulheres, idosos e crianças, deixava claro que a ação de Israel se caracterizava como terrorismo de Estado.

Hoje, quatro meses após o início dos bombardeios israelenses sobre Gaza, o número de mortos aproxima-se dos 30 mil, sendo a maioria mulheres e crianças. Mais de 70 mil pessoas estão feridas. Segundo o Comitê para Proteger Jornalistas (Committee to Protect Journalists, CPJ), as ações militares de Israel em Gaza fizeram com que os assassinatos de jornalistas em 2023 atingissem um recorde devastador: 99 profissionais mortos. Desses, 72 foram mortos em Gaza. Hospitais, escolas e vários outros alvos civis foram atacados. O avanço dos das forças de Israel seguiu um alinhamento sistemático que evidenciava o objetivo de eliminar do território palestino construções e pessoas, em evidente limpeza étnica. O Governo do Israel, desde o início do massacre, ordenou que os civis palestinos migrassem para o sul, na região da Rafah, o que ocasionou uma das maiores migrações forçadas das últimas décadas. A população de Rafah saltou de 250 mil, antes do conflito, para cerca de 1,5 milhão, o que a ONU denunciava, na ocasião, como crime de guerra  e inaceitável violação aos Direitos Humanos. Agora, o Governo de Israel ameaça bombardear precisamente Rafah, em sua alegada obsessão de “derrotar totalmente o Hamas”.

Inúmeras vozes denunciam, há anos, o caráter genocida da política israelense na Palestina (Cisjordânia e Faixa de Gaza), com evidente violação dos Direitos Humanos, dos Acordos de Oslo e do Direito Internacional. É o caso de vários intelectuais e personalidades de origem judaica, muitos deles sobreviventes do Holocausto ou seus descendentes, como Edgar Morin, Norman Filkenstein, Noam Chomsky ou a jornalista Masha Gessen. Alguns deles, e tantos outros, há anos denunciam a manipulação praticada pela extrema-direita israelense no sentido de tentar justificar, com a tragédia do Holocausto e o direito de defesa de Israel, a guerra genocida que praticam contra os palestinos. A estratégia dos extremistas sionistas é sempre a mesma: acusar de antissemitismo e desrespeito com à memória das vítimas do Holocausto aqueles que condenam a carnificina de palestinos.

É em meio a esse contexto que se instala suposta crise diplomática entre Brasil e Israel, a partir de declarações do Presidente Lula de que aquilo que Israel hoje faz com os palestinos não tem paralelo recente no mundo, a não ser no que Hitler fez com os judeus da Europa. A reação inaceitável de Netanyahu é uma tentativa de manipular as palavras do Presidente brasileiro para seguir retorcendo os fatos, como se a oposição ao massacre realizado por Israel fosse obra de antissemitas, como se não houvesse diferença entre o Governo de Israel e os judeus do mundo, ou seja, a mesma estratégia acima mencionada para tentar silenciar quem se levanta contra o genocídio palestino em curso.

Rapidamente, setores de extrema-direita sionista e não sionista, no Brasil e em outros países, buscaram alinhar-se com a extrema-direita israelense, porque o que os une não é sionismo ou não sionismo, antissemitismo ou não, mas o uso indiscriminado de práticas fascistas e antidemocráticas que vem sendo denunciada, inclusive por importantes personalidades de origem judaica, como Hannah Arendt e Albert Einstein, desde o nascimento do Estado de Israel, em 1948. Esta não é uma postura “dos judeus”, pois há muitas pessoas e organizações judaicas, em Israel, no Brasil e em todo o mundo, que se opõem ao genocídio promovido pelo governo protofascista de Netanyahu, engolfado por denúncias de corrupção e tentativas de silenciar a oposição e o Poder Judiciário israelense. Lula não fez comparações diretas entre o genocídio em Gaza e o Holocausto, nem atacou o povo judeu, mas o governo que comete sucessivos crimes de guerra contra civis, que move uma poderosa engrenagem militar e política contra civis indefesos, mulheres e crianças principalmente, e essa semelhanças com as estratégias fascistas do século passado não passa a muitos observadores do massacre que ocorre diante do mundo, ante o silêncio das grandes potências. Organizações como o Vozes Judaicas por Libertação apoiaram o discurso presidencial, evidenciando não se tratar de discurso antissemita: “A contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós”.

Quatro meses de ataques contra civis, sem ceder a qualquer pressão por um cessar-fogo humanitário, com dezenas de milhares de mortos, demonstra com clareza que em Gaza há um genocídio em curso, e que Israel, achincalhando a memória dos mártires do Holocausto, usa-os como repulsivo pretexto para promover um outro Holocausto, compelindo as pessoas a migrações massivas, confinando-as em guetos e depois bombardeando esses mesmos guetos. Antes do conflito atual, muitos denominavam a Faixa de Gaza um campo de concentração a céu aberto. Hoje não se pode ter qualquer dúvida disso. A estratégia israelense é inaceitável e injustificável sob qualquer pretexto, pouco importando se reivindicada por judeus, árabes, caucasianos, eslavos, seja quem for: é uma guerra étnica, de eliminação e limpeza, de tomada ilegal de território, de terrorismo de Estado, e merece a mais veemente repulsa, indignação e contestação de toda a comunidade internacional e todos os setores sociais comprometidos com a Democracia, os Direitos Humanos e o Direito Internacional.

A AJD repele as ações terroristas do Hamas e do Estado de Israel. Além disso, expressa sua solidariedade às inúmeras personalidades ou cidadãos comuns israelenses e palestinos que denunciam a guerra de extermínio levada a cabo pela extrema-direita israelense, muito bem sintetizada nas palavras do grande intelectual francês, Edgar Morin, judeu sefardita de 102 anos de idade que, com absoluta lucidez, diz: “Eu estou ao mesmo tempo chocado e indignado pelo fato de que aqueles que representam os descendentes de um povo que foi perseguido por séculos por razões religiosas ou raciais, que os descendentes desse povo, que são hoje os tomadores de decisão do Estado de Israel, poderiam não só colonizar um povo inteiro, expulsá-lo de sua terra, tentar expulsá-lo para sempre, mas, além disso, depois do massacre de 7 de outubro, envolverem-se em uma carnificina massiva da população de Gaza, e continuar, incessantemente, atingindo mulheres, crianças e civis.”