Manifesto sobre as Súmulas Vinculantes

Núcleo de Estudos Críticos – Rio Grande do Sul


A positivação no ordenamento jurídico brasileiro do instrumento denominado súmula vinculante estabelece inaceitável retrocesso na forma de soluções dos conflitos, porque agrega inquestionável crise de legitimidade à atividade jurisdicional. A dinâmica histórica do fenômeno judicial denuncia que as contradições impostas pela noção liberal-individualista levaram ao favorecimento de um ambiente propício aos conceitos mais críticos do direito, valorizando o pluralismo jurídico como novo paradigma, percebido a partir do movimento de novos atores coletivos que buscam direitos fundamentais.

Os antigos mitos da linguagem do direito já não mais atendem os anseios sociais. A superação dessas insuficiências aparece como possível pelo reconhecimento da pluralidade como valor intrínseco à atividade jurisdicional. Uma supressão ou mesmo redução do controle difuso de constitucionalidade atinge a pluralidade jurisdicional e por conseqüência a democracia.

Concluímos, em razão disso, que a súmula vinculante:

a) Enseja em violação da separação dos poderes garantida como cláusula pétrea, por força do art. 60, § 4º, inc. III, da CF. No momento em que uma interpretação de texto normativo tenha eficácia geral, abstrata e vinculante, passará o Poder Judiciário a atuar como um legislador sem controle. Mais grave ainda é que o órgão a editar as súmulas vinculantes é o STF, responsável pelo julgamento de matérias constitucionais, ensejando desta forma na edição de súmulas com força de norma constitucional, acarretando por conseguinte que uma interpretação da norma, converta-se em verdadeira reforma constitucional.

b) Viola o princípio da tipicidade das leis (art. 59, da CF), que deve supor um processo legislativo, alicerçado na vontade popular manifestada através do voto;

c) Põe por terra a independência do Poder Judiciário garantida no art. 2º da CF, que na verdade também é a independência da cada juiz, no momento que a súmula vinculante induz em uma decisão hierarquicamente imposta;

d) Desrespeita o princípio do pluralismo político, contido nos fundamentos do Estado Brasileiro (CF, art. 1º, V), ao impor a sociedade o pensamento único em matéria de interpretação legislativa, em detrimento de outros entendimentos, levando em conta que a democracia supõe a diversidade de idéias, de ideologias e de pensamentos;

e) Viola o princípio do juízo natural, preconizado no art. 5º, incs. LIII e XXXVII, da CF reforçado pela necessária imparcialidade do juiz, como direito universalmente reconhecido (art. 10, da Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos);

f) Também viola o princípio da tutela ordinária dos direitos fundamentais, amparado pelo art. 5º, § 1º da CF, que garante eficácia imediata aos direitos e garantias fundamentais. Gize-se que tais direitos, por força do art. 60, § 2º, IV, da CF, são cláusulas pétreas;

g) Atinge dispositivos contidos no art. 5º, da CF, como o acesso ao judiciário (inc. XXXV), impede o duplo grau de jurisdição, desrespeitando a garantia da ampla defesa (inc. LV) e o princípio de devido processo legal (LIV) e, ao preconizar força de lei, a súmula viola o princípio da legalidade contido no inciso II, do referido art. 5º;

h) Desatende o modelo constitucional brasileiro de criação do direito que garante uma participação ativa da cidadania (CF art. 14, III e 61, § 2º), de forma direta, ou por representantes eleitos.

Assim, nós, Juízes integrantes do Núcleo de Estudos Críticos de Direito (NEC), denunciamos que a súmula de efeito vinculante representa um controle sobre as instâncias inferiores do Poder Judiciário e pretende ser uma tentativa de universalização conceitual que desconsidera a singularidade dos casos e impede a necessária alteridade hermenêutica, implicando na eliminação do pluralismo e da vitalidade do direito enquanto instrumento de mediação entre a dominação e a liberdade.

Neste cenário de descompasso com os anseios populares, o que inclusive coloca em cheque a legitimidade da reforma, propomos, desde já, no exercício da autonomia que ainda não nos foi subtraída, a declaração expressa e pública de que não nos curvaremos às vinculações que o STF venha a estabelecer e que cada um, no seu espaço próprio de jurisdição, compreender que não se constitui na melhor JUSTIÇA.


A coordenação do NEC.