Decisão Liminar - Implementação das medidas emergenciais pelos hospitais - MG

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

 

DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA COM PEDIDO LIMINAR SUSCITANTE: SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE - SINDEESS SUSCITADO: SINDICATO DOS HOSPITAIS, CLÍNICAS E CASAS DE SAÚDE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

 

 

 

Vistos os autos.

SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE – SINDEESS propõe DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA, com

pedido de liminar, em face do SINDICATO DOS HOSPITAIS, CLÍNICAS E CASAS DE SAÚDE DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

 

Inicialmente, relata o suscitante ser o legítimo representante dos empregados em estabelecimento dos serviços de saúde dos municípios de Belo Horizonte, Caeté, Vespasiano e Sabará, nos termos do artigo 8º, III e V, da CR/88.

Narra a existência de dúvida sobre a possibilidade ou não de as empresas de estabelecimentos de serviços de saúde, em especial os hospitais gerais, em lançar mão das modalidades de redução de jornada e de suspensão do contrato de trabalho previstas no artigo 2º, II, da MP 936/2020.

Argumenta que se trata de empresas e entidades prestadoras de serviço essencial, o que deve ser levado em conta para a manutenção do funcionamento dos serviços de saúde sem quaisquer reduções.

Registra, ainda, que os hospitais possuem garantia de continuidade das atividades, não somente pela permissão de funcionamento, mas também pela crescente demanda dos serviços emergenciais de saúde, de forma que esses estabelecimentos de serviços de saúde somente podem se

 

valer das previsões contidas na MP 936/2020 se houver real comprovação de considerável perda financeira.

Pondera que a redução dos custos de pessoal, como previsto na Medida Provisória, se faz através de pagamento de benefício governamental, de forma que o abuso quanto à sua utilização poderia implicar em dilapidação do erário, com inestimáveis prejuízos à nação.

Alerta sobre o dever de informação intrínseco às partes negociantes e sobre o princípio da moralidade; invoca a observância à cláusula 38ª dos instrumentos normativos e, ao final, requer seja declarado o alcance dos artigos 2º e 3º da MP 936/2020 para os Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde que tratem pacientes infectados ou suspeitos de infecção pelo Covid- 19.

Prossegue, argumentando que o conceito de salário previsto no artigo 8º, §5º, da MP 936/2020 deve ser entendido à luz do disposto no artigo 457, §1º da CLT, de modo que a ajuda compensatória mensal de 30% do salário devida ao empregado pela empresa que, no ano de 2019, tenha auferido receita bruta superior a R$4.8000.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), engloba os adicionais habitualmente percebidos, não se tratando apenas do salário-base como tem entendido as empresas e entidades representadas pelo suscitado.

Solicita especial atenção para a base de cálculo do benefício emergencial previsto no artigo 6º da MP 936/2020, em consonância com o artigo 5º da Lei 7998/90, ressaltando que entendimento contrário poderia provocar prejuízos incalculáveis aos empregados, bem como falsear a negociação coletiva obrigatória, resultando em condutas antissindicais.

Requer seja declarado o alcance do artigo 8º, §5º, da MP 936/2020, para esclarecer que a ajuda compensatória prevista é de 30% do valor do salário, entendido como "a importância fixa estipulada somada aos adicionais percebidos pelos empregados envolvidos anteriormente à suspensão contratual".

Ao final requer:

"A) concessão de medida LIMINAR, inaudita altera pars para:

 

 

eventualmente prejudicados, nos termos da cláusula 37ª da CCT anexa, por violação da Cláusula 9ª da mesma CCT;

 

antes da suspensão contratual, devendo sobre tal somatório incidir o percentual da Ajuda Compensatória ali descrita, sob pena de nulidade da suspensão contratual que não observar tais parâmetros, além de fixação de astreintes em valor a ser arbitrado por este douto juízo, para forçar o cumprimento da decisão, além da multa convencional de 20% sobre o salário nominal dos empregados eventualmente prejudicados, nos termos da cláusula 37ª da CCT anexa, por violação da Cláusula 9ª da mesma CCT;

Deu à causa o valor de R$5.000,00.

Carreou aos autos Procuração e demais documentos

que entendeu pertinentes.

Recebi, em 11/04/2020, o presente dissídio coletivo de natureza jurídica, na qualidade de Desembargadora Plantonista.

É o relatório.

ADEQUAÇÃO DA AÇÃO COLETIVA

 

Em primeiro lugar, é preciso analisar a adequação da ação coletiva proposta pelo suscitante.

Trata-se de dissídio coletivo de natureza jurídica proposto pelo SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS DE

 

SERVIÇOS DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE – SINDEESS, com pedido liminar, em face do SINDICATO DOS HOSPITAIS, CLÍNICAS E CASAS DE

SAÚDE DO ESTADO DE MINAS GERAIS em que se formulam pretensões atinentes às normas previstas na Medida Provisória 936/2020, especificamente artigos 2º, 3º e 8º, §5º, para fins de negociação coletiva.

O suscitante busca condicionar a implementação das medidas emergenciais pelos hospitais clínicas e casas de saúde, que tratam de pacientes infectados ou com suspeita de infecção pelo Covid-19, na sua base territorial, à apresentação de documentação que comprove o risco real à continuidade do funcionamento sem a implementação das medidas previstas no artigo 3° da MP 936/2020, em prazo não superior a 48 horas após provocada a negociação coletiva, independentemente da parte que a provocou, sob pena de nulidade de qualquer redução de jornada ou suspensão contratual.

Pretende, ainda, a condenação da empregadora envolvida ao pagamento dos salários e consectários legais de forma integral, fixação de astreintes e pagamento de multa convencional.

E, por fim, propugna por declaração quanto ao alcance do artigo 8º, §5º, da MP 936/2020, de modo a esclarecer que o salário mencionado na referida Medida Provisória engloba não só a parcela fixa como também eventuais adicionais percebidos pelo empregado antes da suspensão contratual, devendo, sobre o somatório, incidir o percentual relativo à ajuda compensatória, sob pena de nulidade da suspensão contratual que não observar tais parâmetros, com fixação de astreintes e condenação ao pagamento de multa convencional.

Via de regra, o escopo do dissídio coletivo de natureza jurídica é estabelecer a interpretação jurídica e adequada da norma, determinando, com a maior precisão possível, o seu alcance e interpretando normas jurídicas preexistentes.

O dissídio coletivo de natureza jurídica, nestes termos, ostenta natureza declaratória.

Confira-se a jurisprudência do TRT/3ª Região:

 

AÇÃO DE CUMPRIMENTO. DISSÍDIO COLETIVO DE

NATUREZA JURIDICA. OBJETO. Sendo o dissídio coletivo ação de natureza declaratória-interpretativa, não possui a parte interesse processual quando busca, na realidade, a implementação de norma coletiva, consistente em pagamento de parcela avençada, em sua integralidade. Tal pretensão, face ao nítido caráter condenatório, deve ser postulada por intermédio de ação de cumprimento, a qual comporta a interpretação de norma coletiva, caso necessário, para o provimento jurisdicional final que se busca. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010128-17.2016.5.03.0000 (DC); Disponibilização: 31/07/2017, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 321; Órgão Julgador: Seção de Dissídios Coletivos; Relator: Anemar Pereira Amaral)

DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA. ALEGAÇÃO DE DISPENSA EM MASSA. PRETENSÃO A PROVIMENTO   JURISDICIONAL   CONDENATÓRIO. O

escopo do Dissídio Coletivo de Natureza Jurídica é fixar, para efeito de maior precisão possível, a interpretação juridicamente relevante e adequada de norma controversa que, no plano de regulação das relações coletivas, guarde pertinência com direito, interesse ou fato que se devem aclarar no seu significado e alcance, por isso que o provimento jurisdicional que lhe corresponde reveste-se de natureza declaratória. No presente feito, entretanto, o Suscitante pretende que se declare (i) a nulidade da alegada dispensa em massa de empregados, uma vez que não precedida de negociação coletiva, (ii) a consequente reintegração no emprego destes trabalhadores, "com o pagamento de todos os direitos correlatos", bem assim, (iii) a condenação das Suscitadas em danos morais coletivos. O problema, como se vê, é que tal postulação não concerne, na sua essência, a uma qualquer controvérsia acerca de norma preexistente sobre cuja aplicação devesse o Tribunal, por sentença de origem, expedir logo

 

tutela jurídica de caráter interpretativo-declaratório. O pedido, em verdade, busca que se liguem efeitos puramente                               constitutivo-condenatórios                             (antes, desconstitutivos) a provimento jurisdicional sobre a situação específica de um grupo de empregados dispensados, de sorte que, nulificadas as dispensas, resultem, a título de injunção e reparação pecuniária, obrigações de fazer e de indenizar, respectivamente, por isso que (o pedido) não se compraz com a via processual do Dissídio Coletivo. Em verdade, a questão concernente à adequação da via processual não se insere, por assim dizer, no campo puramente estratégico de interesse da parte, pois não se trata exatamente de escolha, mas de iniciativa sempre vinculada a um pressuposto impermutável, qual seja, o da competência do juízo, que é, como se sabe, a medida operante da jurisdição, porquanto conforma a esfera de atribuições dos órgãos judicantes. Invocar-se a tutela jurisdicional supõe sempre que se deduza a pretensão no juízo investido de competência funcional para prestá-la, pena de sua supressão (do juízo) improrrogável. Precedentes, no mesmo sentido, do Eg. Tribunal Superior do Trabalho e da douta Seção de Dissídios Coletivos deste Tribunal. Competência funcional do juízo da Vara do Trabalho, que se reafirma. À ausência de pressupostos, extingue-se o processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 485, IV, do CPC. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010817-61.2016.5.03.0000 (DC);

Disponibilização: 22/11/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 115; Órgão Julgador: Seção de Dissídios Coletivos; Relator: Marcus Moura Ferreira)

No mesmo sentido, a jurisprudência do Col. TST:

"RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA JURÍDICA. DISPENSA COLETIVA DE EMPREGADOS.

 

INADEQUAÇÃO  DA VIA  ELEITA. REINTEGRAÇÃO  DE

EMPREGADOS DISPENSADOS. 1. A doutrina clássica distingue os dissídios obreiro-patronais em dois gêneros: dissídios individuais e dissídios coletivos. No dissídio individual há conflito de interesses concretos, tendo por escopo a aplicação de norma jurídica preexistente, ao passo que no dissídio coletivo está em jogo o interesse geral e abstrato de grupo ou categoria, OU com vistas à criação de condições de trabalho genericamente consideradas, com caráter normativo (dissídio coletivo de natureza econômica), OU com vistas à interpretação de norma jurídica preexistente (dissídio coletivo de natureza jurídica). O dissídio coletivo de natureza jurídica, portanto, não se destina ao acertamento de qualquer questão jurídica controvertida, mas exclusivamente revelar o alcance de norma preexistente. 2. Assim, o dissídio coletivo de natureza jurídica não é o remédio processual idôneo para a anulação do ato de dispensa coletiva, nem tampouco para se impor ao empregador a obrigação de reintegrar, com base em suposta violação de direito já consumada. Interesses concretos de pessoas determinadas, referentes a lesões a direitos já consumadas, não são passível de dissídio coletivo de natureza jurídica. Pedidos desse jaez comportam reclamação trabalhista típica dirigida à Vara do Trabalho territorialmente competente, sob a forma de dissídio individual plúrimo, ou do sindicato, na qualidade de substituto processual. 3. Não é preciosismo formal a prevalência do processo adequado para a tutela postulada porquanto questão estreitamente vinculada à competência funcional absoluta: em caso de dissídio coletivo de natureza jurídica, há competência funcional originária dos Tribunais do Trabalho, distintamente do dissídio individual em que a causa deve ingressar em Vara do Trabalho. Logo, permitir que um dissídio individual típico, como aqui, ingresse diretamente em Regional significa suplantar, "per saltum", um grau de jurisdição da Justiça do Trabalho. 4. Recurso Ordinário provido para extinguir o processo, sem resolução de mérito, em face da inadequação da via eleita.

 

(RODC-2005800-86.2006.5.02.0000, Redator Ministro:

João Oreste Dalazen; data de julgamento: 14/09/2009; Seção Especializada em Dissídios Coletivos; data de publicação: DEJT 29/10/2009)".

Todavia, o momento é de total excepcionalidade e a situação jurídica retratada no presente dissídio externa exatamente esta condição e impõe o seu exame como um conflito coletivo cuja titularidade recai sobre as entidades sindicais, assumindo máxima importância social no contexto em que vivem e laboram os trabalhadores nos estabelecimentos de saúde.

Em situações como tais, graves e únicas, torna-se imperativo aplicar a ratio decidendi constante no RODC - 30900- 12.2009.5.15.0000, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, de relatoria do douto Ministro Maurício Godinho Delgado, que se tornam parte integrante desta decisão liminar, consoante enxerto a seguir:

"Efetivamente, o dissídio coletivo de natureza jurídica tem como finalidade específica interpretar e declarar o alcance das cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais atinentes à categoria profissional ou econômica e de atos normativos.

A hipótese dos autos, no entanto, é excepcionalíssima, não se enquadrando inteiramente na figura clássica do dissídio coletivo de natureza jurídica.

Contudo, a matéria central aqui enfocada é eminentemente jurídica, envolvendo a interpretação quanto a aspecto fundamental da ordem jurídica: se as dispensas massivas são, ou não, regidas do mesmo modo normativo do que as dispensas meramente individuais e, não o sendo, quais as consequências jurídicas de sua regência normativa específica. Nesta medida, o presente dissídio é

 

fundamental e preponderantemente jurídico, embora se reconheça sua natureza algo mista, quer dizer, é dissídio coletivo preponderantemente jurídico, mas também com dimensões econômicas.

Por outro lado, observa-se que não há regramento específico na ordem jurídica prevendo de que maneira o conflito aqui discutido deverá ser decidido. Trata-se de figura incomum, diferindo das demais hipóteses já previstas no ordenamento e devidamente regulamentadas por lei, pela doutrina e pela jurisprudência.

Nesse sentido, torna-se inviável a aplicação, ao evento dos autos, de requisitos formais previstos para situações diversas, com o objetivo de impossibilitar o julgamento da                              causa.

No entanto, na ausência de normas específicas, não pode o julgador se furtar da obrigação de dirimir a ação, não importando a nomenclatura a ela conferida, devendo encontrar soluções adequadas que possibilitem     a     devida     prestação  jurisdicional.

A Justiça do Trabalho tem competência constitucional para dirimir os conflitos coletivos, não importando a denominação. Após a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, restou atribuída à Justiça do Trabalho a competência para julgar "as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores" (art. 114, III, da Carta Política), fixando ainda a competência dessa justiça especializada para, "recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao  trabalho,

 

bem como as convencionadas anteriormente" (art. 114, §2o).

Além disso, a Constituição Federal prevê, em seu art. 8o, III, que cabe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.

Dessarte, é inevitável a conclusão de que a apreciação da causa deve se dar pela Justiça do Trabalho, e através de dissídio coletivo genericamente considerado, já que este é o instrumento adequado para análise de questões envolvendo entes coletivos normativamente especificados.

Ademais, conforme destacado pela Corte Regional, trata-se de conflito social de máxima relevância, que não pode ser desprezado por mera formalidade processual. As repercussões do fato aqui julgados influenciam não apenas os diretamente interessados, mas a sociedade como um todo, devendo o Direito dar uma resposta concreta à questão trazida à análise." (TST. RODC - 30900-12.2009.5.15.0000.

Orgão Judicante: Seção Especializada em Dissídios Coletivos. Relator: MAURICIO GODINHO DELGADO. Julgamento: 10/08/2009. Publicação: 04/09/2009).

Portanto, por todos os fundamentos e considerações acima é de se reputar cabível o dissídio coletivo ajuizado pelo Sindicato-autor.

FUNDAMENTAÇÃO   REFERENTE   AO    PEDIDO

LIMINAR

 

 

 

De plano, em atenção ao pedido liminar, destaco que, nos termos do artigo 300 do CPC, "a tutela de urgência será concedida quando

 

houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". Presentes os requisitos legais (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo) e inexistindo perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, a tutela de urgência deverá ser concedida como poder-dever do magistrado.

A situação de calamidade pública, que traz consigo graves efeitos econômicos e sociais, associada às incertezas quanto aos riscos aos quais exposta considerável parte da população, justificam a probabilidade do direito e o perigo de dano, posto que se discutem medidas que afetam diretamente o salário dos trabalhadores, verba de natureza reconhecidamente alimentar.

Assim esclarecido, registro que, em 12/04/2020 (acesso às 12h 57m) no site oficial da ANVISA - https://covid.saude.gov.br - constava a seguinte informação: 20. 727 infectadas e 1124 óbitos, sendo a taxa de letalidade da ordem de 5,4%, sendo a região sudeste do País a que tem o maior número de casos – 12125 casos – e porcentagem – 58,5%.

Nos gráficos que se encontravam no referido site foi possível verificar que, a partir da 12ª semana epidemiológica, os casos começaram a aumentar de forma significativa. Entre a 13ª semana e a 15ª semana foi possível verificar que foram infectados por volta de 3 mil pessoas, sendo que na 15ª semana o número saltou para mais de 10 mil pessoas na semana. O gráfico que mostrava os casos acumulados também demonstrava a curva ascendente a partir de 31/3, aumentando de forma vertiginosa a partir de 06/04, sem demonstrar qualquer tipo de alteração na curva ascendente. E os óbitos começam a subir exatamente a partir dessa mesma data (06/04/2020).

O portal  da  FIOCRUZ  –  Fundação  Oswaldo  Cruz- h ttps://portal.fiocruz.br - tem uma série de informações que vão desde flyers para informações em redes sociais desde uma biblioteca temática sobre o COVID-19 incluindo base de informação científica nacionais e internacionais, como Dynamed, UpToDate, MEDLINE, Portal CAPES, Lancet e ARCA, dentre

outros            - h ttps://portal.fiocruz.br/coronavirus-2019-ncov-informacoes-para-

 pesquisadores.  O              painel              painel              coronavírus              Brasil

-  h ttp://painel.covid19br.org da   FIOCRUZ   informa   que   são   20.992  casos

confirmados e 1138 óbitos – acesso em 12/04/20 às 13 horas.

 

Como centro de pesquisa do Coronavirus, se destaca no cenário mundial o Coronavirus Resource Center da Johns Hopkins University & Medicine que, desde o início da então epidemia, na cidade chinesa de Wuhan, se colocou a estudar e a mapear o que estava a acontecer no mundo, recebendo informações de todos os centros de pesquisas de países e cientistas com os quais mantem relações em rede para a pesquisa do referido vírus. O acesso na data de 12/04/202 às 13h 02m ao site da referida Instituição de renome mundial: h ttps://coronavirus.jhu.edu/map.html demonstra que o Brasil, no dia e horário acima contava com 21.042 casos confirmados e 1.144 mortes. E, se na data de 10/04/2020, era possível ver no referido site que 173 pessoas haviam se recuperado, na data de 12/04/202, referida informação já não é possível mais ser extraída.1 O país que possuía um maior número de casos confirmados era o Estados Unidos, com 530.830 casos, 20.646 óbitos, tendo sido hospitalizadas 82.809 pessoas. Não existem mais informações sobre “recuperados”, mas sim sobre hospitalizados. Em 12/04/2020 às 13h 20m já são 1.800.791 casos no mundo todo, sendo 110.892 óbitos. A China que foi a primeira a enfrentar a epidemia em seu solo, tem 83.134 casos, com 3.343 óbitos. Na data e horário acima não há mais existem dados de pessoas recuperadas para nenhum dos países.

Os números mundiais são espantosos se pensarmos que estamos no século XXI com os mais avançados meios de comunicação, inteligência artificial e tecnologia, mas que ainda não foi descoberto e testado, de forma eficaz e perene, nem uma vacina, nem um remédio em face do covid

19  (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/04/09/Além-da-cloroquina-o-

 que-a-ciência-testa-contra-a-covid-19                             e                             também

 https://portal.fiocruz.br/pergunta/existe-alguma-vacina-medicamento-ou-

 tratamento-para-o-covid-19).

Análises em números costumam ser frias e parecem não dizer muita coisa, mas aqui, não. Não é possível não entender que são seres humanos os números acima. Pessoas que, nas suas mais diferentes condições

 

este dado era encontrado no site e foi consignado naquela decisão. Na data de hoje e no horário consultado não existe mais “data available” na parte que fazia referência a número de recuperados no Brasil, como também não há informação disponível sobre o número de hospitalizados no Brasil.

 

físicas, econômicas, sociais e mentais, não venceram o vírus, após terem sido infeccionados. Repita-se para que não paire dúvidas: são pessoas que vieram a óbito em decorrência do COVID-19. Se a doença é tão letal como os números nos demonstram de forma inequívoca e contundente, além da facilidade com que se pode ser infectado, é preciso trabalhar, é preciso agir com redobrado cuidado e com a máxima prevenção, para não ser infectado, não infectar outras pessoas, não criar, desenvolver ou manter ambientes em que a doença possa se desenvolver e/ou se desenvolva. É uma doença que, agora já se tem essa noção, não escolhe idade, hora, nem corpo para se instalar. O próprio perfil etário (mais de 65 anos) que aparecia nas pesquisas inicial na China como sendo o grupo de risco, hoje, já não pode ser afirmado com segurança científica. Da mesma forma, sequer pode ser afirmado com cientificidade e/ou segurança sanitária que a maioria dos infectados ou dos que vieram a óbito tem mais de 65 anos.

As únicas informações e/ou determinações que não tem mudado de forma significativa são aquelas que dizem respeito a cuidados higiênicos e sanitários para o enfretamento do vírus, da infecção e da doença provocada pelo COVID-19 quanto a distância, isolamento, higiene, uso de EPIs por profissionais de saúde e mais alguns específicos.

A Anvisa Brasil tem o seguinte link para informações sobre                            transmissão:                  https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-

 doenca#transmissao.

As orientações para trato do tema localmente advém da Prefeitura do Município de Belo Horizonte (PBMH). Referido Ente Público que compõe a estrutura política e administrativa do Brasil, uma vez que o país se trata de uma República Federativa, possui portal acessível na rede mundial de computadores e com informações as mais variadas sobre o COVID-19 (também                       denominado                      de                       CORONAVÍRUS):

 https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/informacoes-sobre-coronavirus-covid-19.

Os serviços de saúde, neste contexto, assumem papel de destaque, uma vez que tanto os estabelecimentos, quanto os profissionais da área de saúde são aqueles que atuara, atuam e atuarão na linha de frente do combate ao coronavírus. A categoria, seja profissional, seja econômica, serão as mais requisitadas e cada vez mais. No Brasil, o vírus chegou com certa temporalidade e a cidade de Belo Horizonte tem tomado

 

medidas que são as mais recomendadas por países que estão lidando com o tema de forma mais cuidadosa e restritiva para que a sua curva de infecção não suba de forma incontrolável, nem sobrecarregue os serviços de saúde além do que eles possam receber, atender, lidar e tratar.

Hodiernamente, qualquer leigo, quiçá aqueles que estão lidando com a questão na linha de frente são capazes de apontar que se tem uma atividade que já está e estará cada vez mais na linha de frente da pandemia referente ao COVID-19 é o setor de HOSPITAIS, CLÍNICAS E CASAS DE SAÚDE DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

E, assim afirmo, já sabendo que medidas que Belo Horizonte tem tomado, mas que outros municípios do Estado de Minas Gerais não estão tomando, repercutirão na malha de saúde da cidade de Belo Horizonte. As medidas de “fechamento”2 de cidades - v.g. Belo Horizonte - não ocorrem sem um estudo científico consistente e cuidadoso -, ao reverso de medidas liberatórias que podem gerar uma crise sanitária e humanitária no Estado sem precedentes. Portanto, se por um lado o isolamento adotado na cidade de Belo Horizonte pode fazer com que o sistema de saúde venha a aguentar a subida do pico de internações, por outro lado, a chegada de pessoas doentes de outras cidades, inclusive vizinhas, virão a sobrecarregar um sistema que deveria funcionar sob outro molde, qual seja, um modelo de respeito à ciência e com responsabilidade face aos cidadãos e à atividade econômica exercida pelas empresas da atividade econômica do Sindicato Suscitado.

In casu, trata-se da atividade econômica que estará na linha de frente e que tem, inclusive, redes científicas mundiais de trocas de boas práticas, informações e atuação.

O Repositório de Recomendações e Boas Práticas Internacionais (Volume 1 – 3a Edição – 30/03/2020) dá página 77 até 82 trata do tema – SAÚDE, com os seguintes sub-temas: Atendimento Médico-Página 77 / Atendimento Remoto-Página 78 / Cooperação Internacional-Página 79 / Medidas de Reforço ao Atendimento-Página 80.

Cita-se trechos constantes no documento acima mencionado que balizam a atuação municipal no tema:

 

 

REPOSITÓRIO DE RECOMENDAÇÕES E BOAS PRÁTICAS INTERNACIONAIS – VOLUME 1 – 3A EDIÇÃO - CONTEXTO

A evolução da crise decorrente da pandemia da COVID-19 tem gerado, globalmente, profundos impactos políticos, econômicos e sociais. Considerando a população mundial majoritariamente urbana (55%), que no Brasil alcança 85% de seus 210 milhões de habitantes, as grandes metrópoles, como centros políticos, econômicos e culturais - e de conexão e destino para viajantes internacionais - são as maiores e principais afetadas com a emergência do novo coronavírus.

Globalmente, as cidades são onde se registra o maior número de contaminações e mortes, tendo suas dinâmicas - em todas as dimensões e setores - significativamente impactadas pelas medidas preventivas para a redução do risco de contágio e escalada da crise epidemiológica. É necessário proteger a vida e saúde da população, em primeiro lugar, com atenção para os demais impactos que a disrupção da vida cotidiana pode trazer ao futuro dos centros urbanos.

Neste contexto, cidades de todo o mundo têm assumido a liderança na implementação de medidas frente à pandemia global, até mesmo antecipando a mobilização de seus respectivos governos nacionais. Como terceira maior metrópole brasileira e sétima da América Latina, a Prefeitura de Belo Horizonte tem atuado com coragem e determinação, dentro das atuais condições de excepcionalidade, para conter o avanço da maior crise internacional da história recente.

PROPOSTA

Com o objetivo de subsidiar a administração municipal nas ações para a gestão da atual crise e seus impactos, a Diretoria de Relações Internacionais (SUAIE/SMDE) da Prefeitura de Belo

 

Horizonte produzirá semanalmente o “Repositório de Recomendações e Boas Práticas Internacionais em Resposta ao COVID-19” (RRBPI-19). Trazendo as principais diretrizes e recomendações de organizações internacionais especializados, bem como experiências e referências de governos de todo o mundo, o documento apresenta ações, projetos, programas e políticas que podem ser apropriados e adaptados para a realidade local.

O trabalho aponta, inicialmente, iniciativas nas seguintes áreas: Ações e Serviços Públicos, Assistência Social, Comunicação, Cultura, Turismo, Economia, Educação, Mobilidade e Saúde. Nesta 3a Edição concentram-se todos as ações mapeados entre 18 e 27 de março, incluindo 1a e na 2a Edição do RRBPI-19.

Foram adicionadas análises qualitativas sobre as medidas apresentadas pelos demais governos, em uma nova classificação de temas e subtemas para melhor indexação do documento, apontando tendências para qualificar e subsidiar o processo de tomada de decisão dos gestores no enfrentamento da crise. Também são apresentadas análises quantitativas, trazendo gráficos, tabelas e dados atualizados da disseminação do novo coronavírus no mundo, no Brasil, em Minas Gerais e Belo Horizonte, além de uma matriz da frequência das iniciativas no mundo, por área temática.

(…)

AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS - BOAS PRÁTICAS INTERNACIONAIS - AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS

Os governos locais são chamados a assumirem papel protagonista na resposta e gestão da crise decorrente da pandemia do COVID-19. Na condição de governantes mais próximos das pessoas, prefeitos e suas equipes têm promovido esforços significativos em todo o mundo para conter o avanço e a ameaça do vírus.

 

Muitos assumiram o papel de principais promotores de medidas de distanciamento e lockdown, mas diversas outras medidas de prevenção e minimização da pandemia cabem aos governos locais. Tais governos têm buscado dar suporte aos serviços públicos diante da necessidade de alteração no funcionamento, ou diante do aumento expressivo da demanda, como no caso dos serviços de saúde.

Nota-se, também, a tendência de concentração, na esfera dos governos locais, das decisões relativas ao tratamento de vítimas da COVID-19, assim como decisões sobre medidas preventivas, como a restrição da circulação de pessoas, de aglomerações, fechamento de locais públicos e manutenção de serviços essenciais.

(…)

1. Quarentena e isolamento

Uma das principais ações preventivas que vêm sendo adotadas é a quarentena obrigatória, ou distanciamento social. Essa medida visa diminuir, por meio da contenção do contato social, o número de contaminados pelo novo coronavírus, e, com isso, diminuir o número de infectados e mortos. Essa determinação tem como base os resultados comparativos apresentados na gestão de outras epidemias - como SARS, MERS, Gripe Espanhola - entre países que adotaram o distanciamento social obrigatório e outros que não o adotaram.

(…)

SAÚDE

A rapidez com a qual o novo coronavírus espalha pelo mundo, requer que medidas de saúde sejam implementadas de maneira célere e eficaz a fim de garantir a segurança e saúde de todos. Para isso, diversos países estão implementando a quarentena obrigatória como maneira de diminuir o número de pessoas infectadas, assim como medidas que buscam incentivar o setor médico e possibilitar que esse tenha capacidade de atender aos necessitados.

 

Isso envolve a realização de investimentos para que as indústrias do setor de saúde possam aumentar a sua produção, assim como a utilização de estádios, ginásios e outros locais públicos para atendimento médico de forma temporária. Esforços também têm sido despendidos no tratamento de vítimas do vírus em vários países.

Os serviços de saúde precisam, contudo, ter grande atenção às populações na faixa de risco, às capacidades dos hospitais, à disponibilidade de insumos de atendimento médico e aos riscos de infecção em ambientes hospitalares. Nas diversas ações mapeadas, pode-se notar grande esforço na melhoria dos diagnósticos para qualificação dos dados e atendimento correto, protocolos de ação com pessoas doentes, proteção a idosos, soluções tecnológicas de atendimento e mobilizações multinível para reforço da capacidade de atendimento.”

 https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutu

 ra-de-

 governo/saude/2020/boas_praticas_internacionais_c

 ovid_3ed_pt.pdf.

Relembre-se que o Dia 7 de abril é o Dia Mundial da Saúde e, neste dia, a FIOCRUZ divulgou uma carta aos trabalhadores, que merece ser aqui transcrita, ainda que parcialmente:

"7 de abril de 2020. Na data em que se comemora o Dia Mundial da Saúde, o planeta enfrenta uma das mais graves e desafiadoras crises sanitárias: a pandemia da Covid-19. Causada por um tipo de coronavírus até então desconhecido, a doença, desde sua identificação em Wuhan, na China, vem progressivamente afetando países dos diferentes continentes e colocando em risco de colapso os sistemas   de   saúde    em    todo    o    mundo.  Mais do que nunca, a saúde como valor e direito

 

universal precisa ser afirmada, ao mesmo tempo em que se fortalece a importância de políticas públicas baseadas nas melhores evidências científicas. Fica claro o papel dos sistemas universais de saúde, como é o caso do Sistema Único de Saúde (SUS), um patrimônio da sociedade brasileira e um legado da Constituição Cidadã de 1988.

Tema caro desde sua criação, a visão sistêmica do SUS (que une vigilância, integralidade da atenção, promoção da saúde e desenvolvimento de uma base científica e tecnológica) ganha mais peso, à medida em que o conceito do Complexo Econômico Industrial da Saúde revela-se um importante fator para o desenvolvimento econômico, social e ambiental dos países em desenvolvimento. No caso da pandemia em pauta, a falta de insumos para testes diagnósticos, de equipamentos de proteção, de respiradores para tratamento das formas mais graves da doença e de leitos de UTI é um indicador preciso de lacunas que requerem a convergência entre as políticas de saúde, de ciência, tecnologia e inovação, e industrial.

A partir de uma base científica e tecnológica dedicada ao fortalecimento do SUS e da saúde global, a Fiocruz reafirma seu compromisso e sua missão histórica neste momento crítico de enfrentamento à pandemia no país, quando se inicia o aumento mais intenso do número de casos. Trata-se de uma realidade ainda mais complexa devido à grande desigualdade social e à densidade demográfica dos territórios mais vulneráveis, o que requer políticas de saúde e de proteção social eficazes para mitigar um quadro potencial de desastre social e  crise  humanitária. (…)

Este Dia Mundial da Saúde será lembrado na Fiocruz como uma data para reafirmar o compromisso firmado há 120 anos: desenvolver ciência em defesa

 

da vida. Ao celebrá-lo em um contexto tão desafiador, é imperativa a valorização dos trabalhadores da instituição e de todos os trabalhadores da saúde. Dedicamos  a   todos   eles   este   7   de   abril. Nísia         Trindade                                               Lima Presidente          da  Fiocruz”. (https://portal.fiocruz.br/noticia/dia-mundial-da-

 saude-fiocruz-divulga-carta-aos-trabalhadores)

Os dados acima expostos demonstram tanto as medidas responsáveis que foram anunciadas e realizadas pelas autoridades municipais, bem como a gravidade da situação vivenciada, não apenas no Brasil, mas também no mundo, além da forma exponencial que o vírus se propaga e contamina.

Neste quadro, a Organização Internacional do Trabalho - OIT classificou a pandemia atualmente vivenciada como a pior crise desde a 2ª Guerra Mundial, especialmente no que diz respeito ao acirramento do desemprego e da precariedade do trabalho.

Veja-se no original, em inglês:

“During the past two weeks, the COVID-19 pandemic has intensified and expanded in terms of its global reach, with huge impacts on public health and unprecedented shocks to economies and labour markets. It is the worst global crisis since the Second World ar.” h ttps://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/-

 --dgreports/---

 dcomm/documents/briefingnote/wcms_740877.pdf

No dia 9 de abril de 2020, no site da Organização Internacional do Trabalho era possível ler a seguinte notícia:

“GENEBRA (Notícias OIT) - A  pandemia de COVID-

19 afetou os mercados de trabalho em quase todos os países do mundo, causando perdas sem precedentes   de   horas   de   trabalho   e  emprego.

 

De    acordo    com    a    mais     recente     edição do Observatório da OIT: COVID-19 e o mundo do trabalho (em inglês), para diminuir o impacto da pandemia, são necessárias medidas políticas integradas e de larga escala, concentradas em quatro pilares: apoiar as empresas, o emprego e a renda; e stimular   a   economia   e   o  emprego; proteger

 as(os) trabalhadoras(es) no local de trabalho; e, utilizar o diálogo social entre governo, trabalhadores e      empregadores      para      encontrar    soluções.

Muitos dos 187 Estados-membros da OIT estão tomando medidas sem precedentes para diminuir o impacto da crise sobre empresas, empregos e as pessoas     mais     vulneráveis     nas     sociedades.

Essas medidas incluem políticas fiscais e monetárias, ampliação da proteção social, reforço da saúde e segurança no trabalho e fortalecimento do diálogo social.

"Esta não é apenas uma crise de saúde, é uma emergência econômica e trabalhista que excede em muito os efeitos da crise financeira de 2008-9", disse Greg Vines, vice-diretor geral de gerenciamento e reforma.

"Houve uma resposta política ampla e sem precedentes de nossos Estados-membros, em reconhecimento à necessidade de tomar medidas urgentes para garantir que essa pandemia não deixe cicatrizes duradouras nas economias, nas pessoas e nos            empregos".

 https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_741420/l

 ang--pt/index.htm. Acesso em 10 de abril de 2020 às 16h 56m. (GRIFOU-SE)

 

 

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE avaliou que o mundo vai levar anos para se recuperar dos impactos      causados      pelo                                           coronavírus (https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52002332, acesso em 11/04/2020).

Segundo Angel Gurría, Secretário-geral da entidade, o choque econômico já é maior do que aqueles vivenciados nas crises financeiras de 2001 e 2008. Sequer as maiores economias do mundo serão poupadas, ante as incertezas instaladas pela pandemia, já que não é possível precisar com exatidão o número de desempregados, assim como o número de empresas de médio e pequeno porte que sofrerão graves impactos, motivo pelo qual governos de todo o mundo vem adotando medidas para apoiar trabalhadores e empresas.

No Brasil, a decretação de calamidade pública ocorreu em 20 de março de 2020 pelo Decreto Legislativo 6/2020. A determinação do isolamento social no intuito de se evitar ou retardar a disseminação da doença, preservando as atividades essenciais, ocorreu pelo Decreto do Governo Federal de n. 10282, de 20 de março de 2020, no qual encontram-se definidos os serviços públicos e atividades essenciais.

Dentre os serviços considerados essenciais estão aqueles relacionados à saúde, conforme se verifica do artigo 3º, I, do referido decreto:

Art.  3º  As  medidas  previstas  na Lei  nº  13.979, de

 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º. § 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais                                como:

I - assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares;

 

Conclui-se, assim, que a necessidade de adoção de medidas sanitárias para se combater as graves repercussões do contágio massivo do coronavírus, concomitantemente à adoção de estratégias e políticas destinadas à preservação da saúde econômica e, principalmente à imperiosa necessidade de se cuidar das pessoas em condição de vulnerabilidade social, impõem desafios às pessoas, aos governos e às empresas.

Como se trata de uma pandemia e algo que assola quase todos os países e, mais recentemente, de uma forma abrupta a América, seja a do Norte, seja a Central, seja a do Sul, a Corte Interamericana de Direitos Humanos editou recente Resolução sobre a pandemia, que tem o número 01/2020 e consta o seguinte preâmbulo:

TEXTO ORIGINAL EM ESPANHOL:

 

B. PARTE CONSIDERATIVA

I. El derecho humano a la salud y otros DESCA en el contexto de las pandemias.

Considerando que, si bien existen impactos sobre todos los derechos humanos frente a los diversos contextos ocasionados por la pandemia, especialmente en relación al derecho a la vida, la salud e integridad personal, se ven seriamente afectados el derecho al trabajo, a la seguridad social, a la educación, a la alimentación, al agua y a la vivienda, entre otros DESCA.

 

Subrayando que los contextos de pandemia y sus consecuencias acentúan la importancia del cumplimiento y observancia de las obligaciones internacionales en materia de derechos humanos, y particularmente aquéllas referidas a los DESCA, en las decisiones económicas y políticas adoptadas por los Estados, sea individualmente o como integrantes de instituciones multilaterales de financiamiento u órganos internacionales.

Recordando que, en el contexto de la pandemia, los Estados tienen la obligación reforzada de

 

 

respetar y garantizar los derechos humanos en el marco de actividades empresariales, incluyendo la aplicación extraterritorial de dicha obligación, de conformidad con los estándares interamericanos en la materia.

 

Recordando que en el contexto específico de pandemia, los Estados tienen el deber de incentivar la investigación aplicada, la innovación y la difusión de nuevas tecnologías científicas directamente aplicables a la lucha contra la propagación del patógeno y, muy especialmente, al descubrimiento de nuevas alternativas de tratamiento del mismo, incluso compatibilizando la protección integral de la vida humana con reglas y procedimientos que regulen la propiedad intelectual sobre tales tecnologías y hallazgos.

Recordando que los Estados del hemisferio han reconocido la alta relevancia de la protección de los DESCA como condición esencial para la democracia, el Estado de Derecho y el desarrollo sostenible; y que la salud es un derecho humano reconocido en el corpus iuris internacional de los derechos humanos.

Observando que las pandemias tienen el potencial de afectar gravemente el derecho a la salud directa e indirectamente, por el riesgo sanitario inherente en la transmisión y adquisición de la infección, la exposición sobre el personal de salud y la alta incidencia en la organización social y los sistemas de salud, saturando la asistencia sanitaria general.

 

Destacando que la salud es un bien público que debe ser protegido por todos los Estados y que el derecho humano a la salud es un derecho de carácter inclusivo, que guarda correspondencia con el goce de otros derechos, que comprende

 

 

sus determinantes básicos y sociales como el conjunto de factores que condicionan su efectivo ejercicio y disfrute. Que el contenido del derecho a la salud se refiere al derecho de toda persona a gozar del más alto nivel de bienestar físico, mental y social. Asimismo, que este derecho incluye la atención de salud oportuna y apropiada, así como los elementos esenciales e interrelacionados      de       disponibilidad, accesibilidad, aceptabilidad y calidad de los servicios, bienes e instalaciones de salud, incluyendo los medicamentos y los beneficios del progreso científico en esta área, en condiciones de igualdad y no discriminación.

 

Subrayando que los contextos de pandemia y sus consecuencias, incluyendo las medidas de contención implementadas por los Estados, generan serios impactos en la salud mental como parte del derecho a la salud de la población, particularmente respecto de ciertas personas y grupos en mayor riesgo.

Observando que la generalidad de las personas trabajadoras, en especial las que viven en situación de pobreza o con bajos salarios, dependen por definición de sus ingresos económicos laborales para su subsistencia y tomando en cuenta, que existen ciertas categorías de trabajos que exponen especialmente a las personas a mayores riesgos de ver afectados sus derechos humanos por la pandemia y sus consecuencias, tales como personas trabajadoras de la salud, producción y distribución de alimentos, limpieza, cuidado, trabajadores rurales, informales o precarizados, entre otros.”         (Grifou-se)

(http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucio

 n-1-20-es.pdf - acesso em 12/04/2020 às 16h 02m)

 

TEXTO TRADUZIDO PARA O PORTUGUÊS CONSIDERANDOS

I. O direito humano à saúde e outros DESCA no

contexto de pandemias.

Considerando que, embora haja impactos em todos os direitos humanos nos diferentes contextos causados pela pandemia, principalmente em relação ao direito à vida, à saúde e à integridade pessoal, o direito ao trabalho e à seguridade social, educação, alimentação, água e moradia, entre outros DESCA são seriamente afetados.

 

Salientando que os contextos da pandemia e suas conseqüências enfatizam a importância do cumprimento e da observação das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, e particularmente as relacionadas à DESCA, nas decisões políticas e econômicas tomadas pelos Estados, individualmente ou como membros de instituições financeiras multilaterais ou organismos internacionais.

Lembrando que, no contexto da pandemia, os Estados têm uma obrigação reforçada de respeitar e garantir os direitos humanos no contexto das atividades comerciais, incluindo a aplicação extraterritorial dessa obrigação, de acordo com as normas interamericanas sobre o assunto.

 

Lembrando que, no contexto específico de uma pandemia, os Estados têm o dever de incentivar a pesquisa aplicada, a inovação e a difusão de novas tecnologias científicas diretamente aplicáveis ao combate à disseminação do patógeno e, principalmente, à descoberta de novas alternativas para tratamento, inclusive tornando a proteção abrangente da vida humana compatível com regras e procedimentos que regulam a propriedade intelectual sobre essas tecnologias e descobertas.

 

Lembrando que os estados do hemisfério reconheceram a alta relevância da proteção dos DESCA como condição essencial para a democracia, o Estado de direito e o desenvolvimento sustentável; e que a saúde é um direito humano reconhecido no corpus iuris internacional de direitos humanos.

 

Observando que as pandemias têm o potencial de afetar seriamente o direito à saúde direta e indiretamente, devido ao risco à saúde inerente à transmissão e aquisição de infecções, exposição do pessoal de saúde e à alta incidência na organização social e sistemas de saúde, saturando cuidados de saúde em geral.

 

Salientando que a saúde é um bem público que deve ser protegido por todos os Estados e que o direito humano à saúde é um direito inclusivo, que corresponde ao gozo de outros direitos, que inclui seus determinantes básicos e sociais, como conjunto de fatores que condicionam seu exercício e prazer efetivos. Que o conteúdo do direito à saúde se refere ao direito de cada pessoa de desfrutar do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social. Da mesma forma, esse direito inclui assistência médica oportuna e adequada, bem como os elementos essenciais e inter-relacionados            de       disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade dos serviços, bens e instalações de saúde, incluindo medicamentos e os benefícios do progresso científico nesta área, em condições de igualdade e não discriminação.

 

Salientando que os contextos de uma pandemia e suas consequências, incluindo as medidas de contenção implementadas pelos Estados, geram sérios impactos na saúde mental como parte do direito à saúde da população, particularmente no que diz respeito a certos indivíduos e grupos de maior risco.

Observando que a maioria das pessoas que trabalham, especialmente as que vivem em situação de pobreza ou com baixos salários, depende, por definição, de sua renda econômica

 

 

do trabalho para sua subsistência e levando em conta que existem certas categorias de empregos que as expõem especialmente a pessoas em maior risco de ter seus direitos humanos afetados pela pandemia e suas consequências, como trabalhadores da saúde, produção e distribuição de alimentos, limpeza, assistência, trabalhadores rurais, informais ou precários, entre        outros.                                   (Grifou-se) (http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucio

 n-1-20-es.pdf - acesso em 12/04/2020 às 16h 02m).

A Resolução n. 01/2020 possui algumas recomendações que merecem ser destacadas nesta decisão, porque a ela dizem respeito, são elas, a de n. 5, 10 e 19:

(...)

TEXTO ORIGINAL EM ESPANHOL:

 

5. Proteger los derechos humanos, y particularmente los DESCA, de las personas trabajadoras en mayor situación de riesgo por la pandemia y sus consecuencias. Es importante tomar medidas que velen por asegurar ingresos económicos y medios de subsistencia de todas las personas trabajadoras, de manera que tengan igualdad de condiciones para cumplir las medidas de contención y protección durante la pandemia, así como condiciones de acceso a la alimentación y otros derechos esenciales. Las personas que hayan de proseguir realizando sus actividades laborales, deben ser protegidas de los riesgos de contagio del virus y, en general, se debe dar adecuada protección a los trabajos, salarios, la libertad sindical y negociación colectiva, pensiones y demás derechos sociales interrelacionados com el ámbito laboral y sindical.

TEXTO TRADUZIDO EM PORTUGUÊS

 

 

5. Proteger os direitos humanos, e particularmente os DESCA, dos trabalhadores em situação de maior risco contra a pandemia e suas conseqüências. É importante adotar medidas que garantam a renda econômica e os meios de subsistência de todos os trabalhadores, para que eles tenham condições de igualdade para cumprir as medidas de contenção e proteção durante a pandemia, bem como as condições de acesso a alimentos e outros direitos essenciais. As pessoas que devem continuar exercendo suas atividades de trabalho devem ser protegidas dos riscos de contágio do vírus e, em geral, deve ser dada proteção adequada a empregos, salários, liberdade sindical e de negociação coletiva, pensões e outros direitos sociais inter- relacionados. com o ambiente trabalhista e sindical.

 

 

(...)

TEXTO ORIGINAL EM ESPANHOL:

 

10. Asegurar la disponibilidad y provisión oportuna de cantidades suficientes de material de bioseguridad, insumos y suplementos médicos esenciales de uso del personal de salud, fortalecer su capacitación técnica y profesional para el manejo de pandemias y crisis infecciosas, garantizar la protección de sus derechos, así como la disposición de recursos específicos mínimos destinados a enfrentar este tipo de situaciones de emergência sanitaria.

TEXTO TRADUZIDO EM PORTUGUÊS

 

10. Garantir a disponibilidade e o fornecimento oportuno de quantidades suficientes de material de biossegurança, suprimentos e suplementos

 

 

médicos essenciais para uso do pessoal da saúde, fortalecer sua capacitação técnica e profissional para o gerenciamento de pandemias e crises infecciosas, garantir a proteção de seus direitos, bem como a disponibilidade de recursos mínimos específicos destinados a enfrentar este tipo de situações de emergência sanitária.

 

(...)

TEXTO ORIGINAL EM ESPANHOL:

 

19. Exigir y vigilar que las empresas respeten los derechos humanos, adopten procesos de debida diligencia en materia de derechos humanos y rindan cuentas ante posibles abusos e impactos negativos sobre los derechos humanos, particularmente por los efectos que los contextos de pandemia y crisis sanitarias infecciosas suelen generar sobre los DESCA de las poblaciones y grupos en mayor situación de vulnerabilidad y, en general, sobre las personas que trabajan, las personas con condiciones médicas sensibles y las comunidades locales. Las empresas tienen un rol clave que desempeñar en estos contextos y su conducta debe guiarse por los principios y reglas de derechos humanos aplicables.

TEXTO TRADUZIDO EM PORTUGUÊS

 

19. Exigir e monitorar que as empresas respeitem os direitos humanos, adotem processos de devida diligência em direitos humanos e sejam responsabilizadas por possíveis abusos e impactos negativos nos direitos humanos, particularmente devido aos efeitos de contextos de pandemia e crises de saúde infecciosas que eles tendem a gerar nos DESCA das populações e grupos em situação de maior vulnerabilidade e, em geral, nas pessoas que trabalham, nas

 

 

pessoas com condições médicas sensíveis e nas comunidades locais. As empresas têm um papel fundamental a desempenhar nesses contextos e sua conduta deve ser guiada pelos princípios e regras aplicáveis de direitos humanos.

 

 

Como se vê, trata-se de recomendação de modo a garantir a proteção dos direitos humanos, em especial os denominados de DESCA (direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais). E, particularmente dos trabalhadores em maior risco, levando em conta medidas garantidoras de renda econômica e os meios de subsistência para que eles tenham iguais condições de cumprir as medidas de contenção e proteção necessárias em tempos de pandemia, assim como condição a acesso a direitos essenciais como a alimentação.

Veja-se como a CIDH está atenta ao mundo do trabalho, tendo recomendado a proteção aos empregos e salários, à liberdade de negociação e à convenção coletiva.

Os itens 5, 10 e 19 da Resolução 01/2020 da CIDH acima transcritos são especialmente direcionados aos profissionais da saúde, além do fornecimento dos equipamentos de proteção individual necessários ao desenvolvimento do mister com a segurança que o momento exige, foi recomendada a garantia da proteção de seus direitos, bem como a provisão de recursos específicos mínimos para lidar com a situação de emergência sanitária.

Por fim, porém de extrema relevância, ressalto a recomendação direcionada às empresas para que respeitem os direitos humanos, sendo responsabilizadas por possíveis abusos e impactos negativos sobre eles (direitos humanos), principalmente em relação aos mais  vulneráveis. Destacou-se que as empresas possuem um papel fundamental no atual contexto, devendo guiar suas condutas pelos princípios e regras aplicáveis de direitos humanos.

Mário Bigotte Chorão afirma que os direitos humanos:

formam uma categoria particularmente importante e qualificada de direitos subjetivos: inerentes ao homem  enquanto  homem  (daí,  direitos ‘humanos’,

 

‘originários’, ‘inatos’, ‘naturais’...), concernem a bens essenciais do titular, são dotados de valor proeminente no ordenamento jurídico (qualificam-se como ‘absolutos’, ‘sagrados’, 'fundamentais’, ‘invioláveis’...) e justificam um sistema reforçado de garantias (de alcance interno e internacional, de nível constitucional e incidência penal). (CHORÃO, Mário Bigotte. Nótula sobre a fundamentação dos direitos humanos. Pessoa humana, direito e política. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2006, p. 135).

O tempo e a história nos ensinam sobre a importância dos direitos humanos (ou fundamentais, quando constitucionalizados na ordem interna). Neste contexto, a Constituição em 1988, denominada “Cidadã”3 acrescentou setenta e sete incisos ao art. 5º, todos eles proclamadores dos cinco direitos básicos: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.

Aliás, é bom que se diga que esta enunciação sequer é exaustiva diante do texto do § 2º desse dispositivo que estabelece:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por elas adotados, ou tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”.

A aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais está prevista no parágrafo 1º do art. 5º que os transforma em cláusulas pétreas, conferindo-lhes imutabilidade atemporal, conforme art. 60, § 4º, da Constituição da República de 1988: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais”.

A Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou mais um direito ao rol do art. 5º, determinando a razoável duração do processo e os meios garantidores da celeridade de sua tramitação.

 

 

A Carta Magna de 1988 assegura, como princípio fundamental (artigo 1º, III), a dignidade da pessoa humana. Deste modo, todo o cidadão tem direito à vida digna, devendo ser-lhe garantido o direito à saúde e ao trabalho, assim como à alimentação, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à assistência aos desemparados, dentre outros elencados no artigo 6º da CR/88.

O artigo 1°, inciso IV, define como fundamento da República Federativa do Brasil o valor social do trabalho e como objetivos do País a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Já o artigo 6º da Carta Magna, acima citado, enfatiza a inequívoca importância do trabalho ao inseri-lo no rol dos direitos sociais.

Os direitos sociais têm uma dimensão dupla e combinada, uma vez que ostentam o caráter de direitos e garantias individuais dos trabalhadores ao mesmo tempo em que integram, em seu conjunto, o largo espectro dos direitos sociais que caracterizam a ordem jurídica.

Especialmente destinado ao trabalhador, o artigo 7º da CR/88, elenca um rol de direitos devidos aos trabalhadores, sem prejuízo de outros que visem a melhoria de sua condição social, e, dentre eles, encontra-se o direito à relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária, ao salário mínimo, à irredutibilidade do salário (salvo negociação coletiva), à garantia do salário nunca inferior ao mínimo, ao décimo terceiro salário, à renumeração do trabalho noturno superior ao diurno, à proteção ao salário.

Todos os direitos e garantias fundamentais elencados nos artigos 6º e 7º da Carta Maior buscam dar efetividade ao fundamento constitucional previsto no artigo 1º, III, que confere o direito à dignidade da pessoa humana, vetor que orienta a aplicação destes direitos e garantias. Viver uma vida digna significa viver uma vida livre, justa e igualitária e o trabalho se mostra como um dos principais meios capazes de assegurar uma vida digna às pessoas.

A valorização do trabalho humano é tema tratado na CR/88, pois fundamento da ordem econômica (artigo 170), da ordem social (artigo 193), fundamento da república (artigo 1º IV), o que nos leva a afirmar que o trabalho se trata de elemento de inserção social e, também, elemento de

 

distribuição de renda, reafirmando sua importância extrema à concretização da vida digna.

Desta feita, a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano (art. 170, caput, CF/88). A ordem social tem como primado o próprio trabalho, sendo que o bem-estar e a Justiça social estão dentro dos seus objetivos (art. 193, CF/88).

Percebe-se que o “lócus” Constitucional reservado ao trabalho humano conduz à sua centralidade e ao seu significado social no bojo da estrutura do Estado Democrático de Direito brasileiro. Assim, as normas jurídicas que orientam o ramo do Direito do Trabalho devem ser interpretadas à luz de sua significação social.

Portanto, resta patente que a Lei Maior tem como escopo assegurar o direito à vida digna, bem maior, inclusive quando se analisa pela temática laboral, o que leva a crer que o direito à vida sempre deve prevalecer quando em conflito com outros direitos, em momentos graves de crises sanitárias e em calamidade pública, que inevitavelmente repercutem na esfera econômica.

Toda e qualquer análise deve ser permeada pelo parâmetro ético de que “Urgente é a vida”. Decisões que forem tomadas devem ser centradas na salvaguarda da saúde e de vidas humanas e não com base nos custos econômicos. Todas as vidas importam.

Como defendeu Felipe Estrela no artigo “Trabalho e saúde da população negra em tempos de antinegritude epidêmica”, “A crise das economias já é uma realidade e não poderá ser compensada com vidas. Proteger a saúde e o mercado de trabalho formal e informal são tarefas da ordem do dia”.

Em situações como a que ora vivenciamos, o bem maior que se deve tutelar é a vida humana, no caso particular, o que se pretende é assegurar aos trabalhadores que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus, condições ao gozo de uma vida digna, de modo que o exercício da iniciativa privada, que configura o viés econômico da questão, não pode se sobrepor ao direito fundamental à vida, inserido no rol dos Direitos Humanos, em

 

consonância com os fins sociais que orientam esta especializada, na busca pela efetividade da justiça social.

Uma interpretação consentânea do Texto Constitucional de 1988 explicita que o trabalho é essencial na vida do homem e como tal deve ser protegido. No mesmo esteio, segue a principiologia do Direito do Trabalho que apresenta elementos que orientam a tomada de decisões frente a esta crise.

O princípio da ajenidad, originário do direito espanhol, presente especialmente na doutrina de Manuel Alonso Olea e Américo Plá Rodrigues, ainda sem uma tradução adequada para o português, porém por alguns sugerida a denominação equivalente, no vernáculo, de “alienidade” ou “alheiabilidade”, significa “aquisição originária de trabalho por conta alheia”.

Referido princípio impede que o sacrifício decorrente das estratégias de enfretamento ao COVID-19 seja suportado de maneira significativa apenas pela parte mais vulnerável da relação - os trabalhadores e suas famílias -, haja vista que a responsabilização pelo risco da atividade econômica incumbe ao empregador, segundo o princípio supra mencionado.

Mais forte que o valor do trabalho humano é o valor humano do trabalho.

 

Deflagrada a pandemia, trazendo consigo esperadas turbulências afetas à saúde e à economia, o Governo Federal editou medidas provisórias dispondo sobre medidas trabalhistas para o enfrentamento da crise, reconhecido o estado de calamidade pública por meio do Decreto Legislativo n. 6 de 20/03/2020.

A primeira delas foi a Medida Provisória n. 927, de 22/03/2020, duramente criticada por, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, em parecer datado de 23/03/2020, produzir "efeitos brutais que violam garantias mínimas que a Constituição brasileira assegura aos trabalhadores, sobretudo com prejuízos severos à renda dos trabalhadores e à sua integridade física".

E prosseguiu:

 

O conteúdo da MP 927, por outro lado, extrapola de modo perigoso os limites da decretação de calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6/2020, assim como o alcance da emergência de saúde pública decretada pelo Ministro da Saúde, conforme a Lei nº 13.979/2020. Além disso, as alterações legislativas decorrentes da MP 927 representam, comparativamente, caminho oposto ao adotado por países europeus cujas regulações trabalhista tradicionalmente inspiram o nosso Direito do Trabalho, como Itália, França, Espanha e Reino Unido, que embora assolados pela mesma situação catastrófica, buscam preservar a capacidade econômica dos trabalhadores e a base de consumo da sociedade.

 http://s.oab.org.br/arquivos/2020/03/b48d1ee4-5455-

 4d43-a894-15baf489ca87.pdf acesso em 11/04/2020 às 20h 05m).

Sobreveio a Medida Provisória 936, de 1º/04/2020, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas trabalhistas complementares, para enfrentamento do estado em que nos encontramos e, assim como a MP antecedente (Medida Provisória 927), continuou ensejando sérias críticas sob a ótica do Direito do Trabalho e do Direito Constitucional. Isto porque trouxe disposições acerca da possibilidade de redução dos salários mediante acordo individual.

Face ao alijamento do ente coletivo da negociação na pandemia, considerando o momento crucial em que estamos vivendo, foi ajuizada ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Partido Rede Sustentabilidade, em face da Medida Provisória 936/2020, especificamente contra os seguintes dispositivos:

“Art. 1o Esta Medida Provisória institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo no 6, de 20 de

 

março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) de que trata a Lei no 13.979, de 6 de fevereiro de 2020

Art. 7o Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1o, o empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até noventa dias, observados os seguintes requisitos:

I - preservação do valor do salário-hora de trabalho; II - pactuação por acordo individual escrito entre empregador e empregado, que será encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos; e

[...]

Art. 8o Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1o, o empregador poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados, pelo prazo máximo de sessenta dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de trinta dias.

 

Art. 9o O Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em decorrência da redução de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória.

I - deverá ter o valor definido no acordo individual

pactuado ou em negociação coletiva; [...]

Art. 11. As medidas de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho de que trata esta Medida Provisória poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva, observado o disposto no art. 7o, no art. 8o e no § 1o deste artigo.

[...]

Art. 12. As medidas de que trata o art. 3o serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva aos empregados:

 

Parágrafo único. Para os empregados não enquadrados no caput, as medidas previstas no art. 3o somente poderão ser estabelecidas por convenção ou acordo coletivo, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento, prevista na alínea a do inciso III do caput do art. 7o, que poderá ser pactuada por acordo individual. [...]” (grifei).

Em síntese, o requerente sustenta que a MP 936/2020 viola os arts. 7o, VI, XIII e XXVI, e 8o, III e VI, da Constituição, razão pela qual pleiteia, desde logo, a concessão de medida cautelar, nos seguintes termos:

“[...] devem ser suspensos, a fim de afastar o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho, o § 4o do art. 11; e o art. 12, na íntegra; bem como das expressões ‘individual escrito entre empregador e empregado’ do inciso II do art. 7o; ‘individual do inciso II do parágrafo único do art. 7o; ‘individual escrito entre empregador e empregado’ do

[...]

“c) Julgamento pela procedência desta ADI, para declarar a inconstitucionalidade, a fim de afastar o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho, o § 4o do art. 11; e o art. 12, na íntegra; bem como das expressões ‘individual escrito entre empregador e empregado ‘do inciso II do art. 7o; ‘individual do inciso II do parágrafo único do art. 7o; ‘individual escrito entre empregador e empregado’ do § 1o do art. 8o; ‘individual’ do inciso II do § 3o do art. 8o; e ‘no acordo individual pactuado ou’ do inciso I do § 1o do art. 9o.” (págs. 21 e 22 da petição inicial).

 

Neste viés, importante ressaltar que o E. STF, no julgamento da ADI 6363, deferiu em parte medida cautelar para estabelecer que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho previstos na MP 936/20 somente serão válidos se os sindicatos representantes dos trabalhadores forem notificados e se manifestarem sobre a validade destes acordos.

Constou da decisão, que pode ser acessada no site

do STF, o seguinte:

“Ora, num exame ainda perfuntório da inicial, próprio desta fase processual, parece-me que assiste razão, em parte, ao partido político que a subscreve. Com efeito, a análise dos dispositivos do texto magno nela mencionados revelam que os constituintes, ao elaborá-los, pretenderam proteger os trabalhadores - levando em conta a presunção jurídica de sua hipossuficiência - contra alterações substantivas dos respectivos contratos laborais, sem a assistência dos sindicatos      que     os        representam”. (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/an

 exo/ADI6363.pdf)

A decisão do E. STF, Guardião Maior da Constituição, da lavra do Exmo Ministro Ricardo Lewandowski, evidencia, dentre outros aspectos, o importante papel a ser desempenhado pelos Sindicatos no atual cenário, ante as incertezas e a flexibilização das normas trabalhistas decorrente das medidas do Governo Federal.

Notícia no site do E. Supremo Tribunal Federal, esclarece ao público o teor da decisão de Sua Excelência, o Ministro Ricardo Lewandowiski:

Segunda-feira, 06 de abril de 2020

Redução salarial por acordo individual só terá efeito se validada por sindicatos de trabalhadores

 

 

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu em parte medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6363 para estabelecer que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho previstos na Medida Provisória (MP) 936/2020 somente serão válidos se os sindicatos de trabalhadores forem notificados em até 10 dias e se manifestarem sobre sua validade. Segundo a decisão, que será submetida a referendo do Plenário, a não manifestação do sindicato, na forma e nos prazos estabelecidos na legislação trabalhista, representa anuência com o acordo individual.

A ADI foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade contra dispositivos da MP 936/2020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e introduz medidas trabalhistas complementares para enfrentar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus. Entre elas está a possibilidade de redução salarial e a suspensão de contratos de trabalho mediante acordo individual.

Cláusulas pétreas

 

No exame preliminar da ação, o ministro salienta que a celebração de acordos individuais com essa finalidade sem a participação das entidades sindicais parece afrontar direitos e garantias individuais dos trabalhadores que são cláusulas pétreas da Constituição Federal. Ele destaca que o constituinte originário estabeleceu o princípio da irredutibilidade salarial em razão de seu caráter alimentar, autorizando sua flexibilização unicamente mediante negociação coletiva.

Segundo Lewandowski, a assimetria do poder de barganha que caracteriza as negociações entre

 

empregador e empregado permite antever que disposições legais ou contratuais que venham a reduzir o equilíbrio entre as partes da relação de trabalho “certamente, resultarão em ofensa ao princípio da dignidade da pessoa e ao postulado da valorização do trabalho humano” (artigos 1º, incisos III e IV, e 170, caput, da Constituição). “Por isso, a norma impugnada, tal como posta, a princípio, não pode subsistir”.

Cautela

 

O ministro ressalta que, diante das graves proporções assumidas pela pandemia da Covid-19, é necessário agir com cautela, visando preservar resguardar os direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, evitar retrocessos. Sua decisão, assim, tem o propósito de promover a segurança jurídica de todos os envolvidos na negociação, "especialmente necessária nesta quadra histórica tão repleta de perplexidades”.

Efetividade

 

Para Lewandowski, o afastamento dos sindicatos das negociações, com o potencial de causar sensíveis prejuízos aos trabalhadores, contraria a lógica do Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral. Ele explica que é necessário interpretar o texto da MP segundo a Constituição Federal para que seja dada um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato na negociação e com sua aprovação.”

Nestes autos, o sindicato autor pretende sejam esclarecidas questões relativas a artigos específicos da MP 936/20 (artigos 2° e 3° e § 5° do art. 8°), em especial quanto ao alcance da norma quando vier a ser deflagrada negociação coletiva entre as partes.

 

Assim dispõem referidos dispositivos:

Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com aplicação durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º e com os seguintes objetivos:

Art. 3º São medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda:

(...)

Art. 8º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados, pelo prazo máximo de sessenta dias, que poderá ser fracionado em até dois períodos de                        trinta         dias.

(...)

 

poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de trinta por cento do valor do salário do empregado, durante o período da suspensão temporária de trabalho pactuado, observado o disposto no caput e no art. 9º.

Como se descortina dos referidos dispositivos, a Medida Provisória 936/20 instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda no intuito de se preservar o emprego, garantir as atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social causado pelo estado de calamidade e emergência de saúde pública.

As medidas indicadas à satisfação destes objetivos são o pagamento de um benefício emergencial de preservação do emprego e da renda, a redução proporcional da jornada de trabalho e salários, e a suspensão temporária dos contratos de trabalho.

Da leitura dos demais artigos da MP verifica-se que duas medidas centrais se concentram na possibilidade de redução proporcional da jornada de trabalho e salário de até 70%, por até 90 dias, e a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, por até 60 dias, mediante o pagamento de subsídio estatal em valor correspondente ao seguro desemprego, proporcional à perda salarial sofrida, com garantia de emprego pelo período de redução salarial ou de suspensão contratual e, após restabelecidos a jornada e o salário, por igual período ao acordado para redução ou suspensão.

A discussão proposta pelo sindicato autor reside em condicionar a implementação de medidas emergenciais pelos hospitais, clínicas e casas de saúde, que tratam de pacientes infectados pelo coronavírus ou com suspeita de infecção, na base territorial do suscitante, à apresentação de documentação que comprove o risco real ao seu funcionamento e continuidade.

O programa instituído pelo Governo Federal é um programa emergencial que visa proteger o emprego e a renda, assim como a continuidade das atividades empresariais. Trata-se de medida excepcional, adotada num cenário de grave crise econômica, social e de saúde, sendo norteado pela finalidade maior de conferir a empregados e empregadores meios de enfrentamento da crise, sob todas as suas facetas.

 

Neste sentido, entendo que a norma deve ser interpretada em consonância com o fim ao qual se propõe, qual seja viabilizar a subsistência digna daqueles que se verão seriamente afetados pela crise atual decorrente da pandemia em face do COVID 19.

Veja-se que se trata de medida emergencial, não podendo ser deliberadamente usada, ao arbítrio do empregador, para se suspender contratos, reduzir jornadas e salários quando a continuidade da atividade empresarial não estiver em risco. Essa é a teleologia da norma, da qual não se pode fugir.

Desserve, portanto, a Medida Provisória 936/20 ao desiderato de oportunizar às empresas que prosseguem com suas atividades em pleno funcionamento a gestão de pessoal, que, ao que nos parece, à vista de toda a argumentação tecida pelo suscitante, é o intuito dos hospitais, clínicas e casas de saúde, todos representados pelo Sindicato suscitado.

No caso particular, como bem argumentado pelo suscitante, os hospitais, clínicas e casas de saúde não se encontram sob o risco de paralisação da atividade empresarial. Ao contrário, sua atuação é essencial neste momento, devendo ser garantida a prestação de serviços, o que implica, induvidosamente, a manutenção da mão de obra.

Como salienta o Sindicato suscitante, a necessidade de comprovação da real situação de risco econômico é medida que se impõe, não apenas pelo caráter emergencial da norma, mas pelo dever de informação, intrínseco às partes negociantes e configurador da boa-fé, bem como pelo dever de moralidade.

Indo além, invoco o dever de solidariedade e cooperação humanitária e econômica, pois não se mostra crível admitir que uma norma que foi instituída com o propósito de garantir a renda de trabalhadores, assim como a manutenção da atividade empresarial, seja utilizada para, em um momento de grave crise humanitária, gerir o seu corpo funcional, beneficiando- se de insumos governamentais, que, justamente neste momento de crise, já se encontram escassos para, até mesmo, salvaguardar vidas.

 

A vulnerabilidade do trabalhador é presumível em tempos normais, quiçá em tempos de calamidade pública, ao passo que a vulnerabilidade do empregador deve ser comprovada e se caracteriza por grave crise econômica.

E tal entendimento ainda mais se reforça em contexto de grave crise econômica e de saúde pública, lembrando-se, uma vez mais, que a Medida Provisória, embora busque a garantia da continuidade da atividade econômica, o faz, por óbvio, em relação àquelas empresas que se encontram sob risco de suspensão ou paralisação de suas atividades em decorrência da

 pandemia e não de qualquer outra situação.

Com suporte no artigo 375 do CPC, segundo o qual “O Juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”, de afirmar-se que as empresas representadas pelo suscitado não se enquadram na previsão acima relatada, razão pela qual entendo assistir razão ao suscitante quanto à necessidade de comprovação de eventual perda financeira, em decorrência da pandemia do COVID-19, capaz de colocar em risco as atividades empresariais e levar a adoção de medidas extremas como redução de jornadas e salários ou suspensão dos contratos.

Noutro norte, mas ainda sobre o mesmo prisma de interpretação teleológica da norma, no que concerne ao artigo 8º, §5º, e à ajuda compensatória mensal no importe de 30% do valor do salário empregado, outra interpretação não se pode conferir ao termo salário senão aquela prevista no artigo 457, §1º da CLT, segundo o qual "Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. § 1º. Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador."

É de se esclarecer que a Medida Provisória 936/20, editada em tempos de pandemia, como já salientado, deve ser interpretada de acordo com sua finalidade, sua teleologia, na defesa dos interesses dos que se encontram em situação de vulnerabilidade, em consonância com a efetiva justiça social e com os princípios e diretrizes desta Especializada, cumprindo trazer à

 

baila a lição do Ministro Maurício Godinho Delgado, que, em sua doutrina, assim nos baliza:

“Todo Direito, como instrumento de regulação de instituições e relações humanas, atende a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico. Sendo as regras e diplomas jurídicos resultado de processos políticos bem-sucedidos em determinado quadro sociopolítico, sempre tenderão a corresponder a uma estuário cultural tido como importante ou até hegemônico no desenrolar de seu processo criador. Todo Direito é, por isso, teleológico, finalístico, na proporção em que incorpora e realiza um conjunto de valores socialmente considerados relevantes.

O Direito do Trabalho não escapa a essa configuração a que se submete todo fenômeno jurídico. Na verdade, o ramo juslaboral destaca-se exatamente por levar a certo clímax esse caráter teleológico que caracteriza o fenômeno do Direito. De fato, o ramo justrabalhista incorpora, no conjunto de seus princípios, regras e institutos, um valor finalístico essencial, que marca a direção de todo o sistema jurídico que compõe. Este valor – e a consequente direção teleológica imprimida a este ramo jurídico especializado – consiste na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica. Sem tal valor e direção finalística, o Direito do Trabalho sequer se compreenderia, historicamente, e sequer justificar-se-ia, socialmente, deixando, pois, de cumprir sua função principal na sociedade contemporânea.

A força desse valor e direção finalísticos está clara no

núcleo basilar de princípios específicos do Direito do Trabalho, tornando excetivas normas justrabalhistas vocacionadas a imprimir padrão restritivo de pactuação das relações empregatícias.

Essa função central do Direito do Trabalho (melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na

 

ordem socioeconômica) não pode ser apreendida sob uma ótica meramente individualista, enfocando o trabalhador isolado. Como é próprio ao Direito – e fundamentalmente ao Direito do Trabalho, em que o ser coletivo prepondera sobre o ser individual -, a lógica básica do sistema jurídico deve ser captada tomando-se o conjunto de situações envolvidas, jamais sua fração isolada. Assim, deve-se considerar, no exame do cumprimento da função justrabalhista, o ser coletivo obreiro, a categoria, o universo mais global de trabalhadores, independentemente dos estritos efeitos sobre o ser individualmente destacado.

Uma segunda função notável do Direito do Trabalho é seu caráter modernizante e progressista, do ponto de  vista    econômico        e        social.             Nas   formações socioeconômicas centrais – a Europa Ocidental, em particular   -,   a   legislação  trabalhista  desde      seu nascimento, cumpriu o relevante papel de generalizar ao    conjunto do          mercado         de      trabalho    aquelas condutas e direitos alcançados pelos trabalhadores nos  segmentos   mais           avançados                    da        economia, impondo, desse modo, a partir do setor mais moderno e dinâmico da economia, condições mais modernas, ágeis e civilizadas de gestão da força de trabalho. (...)

Cabe  acrescer-se,  por  fim,  a  função  civilizatória e

democrática, que é própria ao Direito do Trabalho. Esse ramo jurídico especializado tornou-se, na História do Capitalismo Ocidental, um dos instrumentos mais relevantes de inserção na sociedade econômica de parte significativa dos segmentos sociais despossuídos de riqueza material acumulada, e que, por isso mesmo, vivem, essencialmente, de seu próprio trabalho. Nesta linha, ele adquiriu o caráter, ao longo dos últimos 150/200 anos, de um dos principais mecanismos de controle e atenuação das distorções socioeconômicas inevitáveis do mercado e sistema capitalistas. Ao lado

 

disso, também dentro de sua função democrática e civilizatória, o Direito do Trabalho consumou-se como um dos mais eficazes instrumentos de gestão e moderação de uma das mais importantes relações de poder existentes na sociedade contemporânea, a relação de emprego.” (Curso de Direito do Trabalho / Maurício Godinho Delgado – 2. Ed. - São Paulo : LTr, 2003)

Feitas estas considerações, tem-se que os trabalhadores que porventura venham a ser atingidos pelas medidas de flexibilização dos direitos trabalhistas, já estarão, apenas por se encontrarem nesta condição, em situação de vulnerabilidade, arcando com salários reduzidos em até 70%, o que representa um enorme ônus a ser suportado.

Não é demais frisar que a interpretação conferida à norma deve levar em conta o atual contexto de pandemia, ensejador de grave crise econômica, social e de saúde, e razão de ser da existência da Medida Provisória.

No momento, a medida que se impõe é aquela destinada à efetiva proteção aos trabalhadores, aos seus salários, de modo a garantir-lhes renda e meios à sua subsistência básica e, também, à sua subsistência em meio à pandemia provocada pelo coronavírus, como recomendou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Portanto, entendo que a melhor interpretação que se confere à norma é aquela pautada pelas diretrizes traçadas pela Constituição, pela Declaração dos Direitos Humanos, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, e pelo Direito do Trabalho, sempre na busca pela efetiva justiça social.

Deve incidir ao caso o princípio da vedação ao retrocesso social, mesmo em tempos de pandemia, pois quaisquer soluções que se apresentem a par da teleologia constitucional carecem de aceitamento, seja ético, seja moral e especialmente jurídico, para enfrentar a crise.

E corroborando o entendimento que ora se adota, transcrevo a nota pública emitida pela a Associação Nacional dos Magistrados

 

da Justiça do Trabalho - ANAMATRA, que, inclusive, reforça a importância da participação dos sindicatos:

“1. A expectativa, num cenário de crise, é de que a prioridade das medidas governamentais se dirija aos mais vulneráveis, notadamente, aqueles que dependam da própria remuneração para viver e sustentar as suas famílias. Tais medidas devem ser, além de justas, juridicamente aceitáveis. Na MP 936 há, contudo, insistência em acordos individuais entre trabalhadores e empregadores; na distinção dos trabalhadores, indicando negociação individual para ‘hiperssuficientes’; na desconsideração do inafastável requisito do incremento da condição social na elaboração da norma voltada a quem necessita do trabalho para viver; e no afastamento do caráter remuneratório de parcelas recebidas em razão do contrato de emprego, que redundará no rebaixamento do padrão salarial global dos trabalhadores e das trabalhadoras. Tudo isso afronta a Constituição e aprofunda a insegurança jurídica já decorrente de outras mudanças legislativas recentes.

inerente à dignidade humana, a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, IV). Por isso, a previsão de acordos individuais viola a autonomia negocial coletiva agredindo, primeiro, o sistema normativo que deve vincular todos os Poderes Constituídos e, segundo, a Convenção nº 98 da OIT, que equivale a norma de patamar superior ao das medidas provisórias.

 

da finalidade de avanço social. Medida Provisória não pode eliminar, alterar ou desprezar a lógica desse diálogo das fontes jurídicas, que ocorre, aliás, em outros campos do direito.

compensatórias e quaisquer outros valores pagos em razão da existência do contrato de emprego detêm natureza presumidamente salarial. Embora possa o poder público afastar essa possibilidade para diminuir a carga tributária dos empregadores, não pôde fazê- lo quando a finalidade é atingir o cálculo de outras parcelas trabalhistas devidas aos trabalhadores e às trabalhadoras, como férias, 13ºs salários, horas extras e recolhimento do FGTS, considerando que, na prática, se isso ocorrer, haverá rebaixamento do padrão salarial global.

6 A ANAMATRA reafirma a ilegitimidade da resistência de setores dos poderes político e econômico que intentam transformar uma Constituição, que consagra direitos sociais como fundamentais, em um conjunto de preceitos

 

meramente programáticos ou enunciativos. Ao contrário, são a preservação e o prestígio dessa mesma ordem que, ao garantirem a harmonia das relações sociais e trabalhistas, permitirão ao País uma saída mais rápida e sem traumas desta gravíssima crise. Por isso, a ANAMATRA exorta trabalhadores e empregadores a cooperarem e celebrarem avenças coletivas, o que incrementa a boa fé objetiva dos atores sociais e assegura a justiça proveniente do diálogo social.

Por fim, a ANAMATRA espera que outras medidas de aperfeiçoamento possam ser adotadas e reforça que a Constituição prevê no seu art. 146 um regime diferenciado para as micros e pequenas empresas, que podem ser beneficiadas com a suspensão de débitos de natureza fiscal, creditícia e administrativa, que poderia se constituir em um grande pacto de desoneração dessas empresas, com o objetivo de que consigam, como contrapartida, manter os empregos.(https://www.anamatra.org.br/imprensa/no

 ticias/29583-nota-publica-)

No mesmo sentido, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho - ANPT:

“[...] o reiterado afastamento da negociação coletiva na implementação das aludidas medidas emergenciais, relativamente a considerável parcela dos vínculos de trabalho, sobretudo quando referentes à redução de salários e suspensão de contratos de trabalho, pois a Constituição da República garante como direito do trabalhador brasileiro a irredutibilidade salarial, só sendo possível a diminuição dos salários a partir de negociação coletiva (art. 7º, VI). Prever a redução salarial sem a participação dos sindicatos de trabalhadores, mesmo em tempos de crise acentuada, é medida de natureza inconstitucional.

 

Verifica-se que, nos termos do art. 12 da MP n. 936, a redução de jornada/salário e a suspensão contratual podem ser implementadas por meio de acordo individual entre empregado e empregador, relativamente aos empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (correspondente a 3 salários mínimos) e aos portadores de diploma de nível superior e remuneração igual ou superior a duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, figura equivocadamente denominada de ‘trabalhador hiperssuficiente’, inserida pela reforma trabalhista no parágrafo único do art. 444 da CLT.

Além disso, conforme dispõe o parágrafo único do art.

12 da MP, também pode ser negociada individualmente a redução de jornada/salário em até 25%, independentemente do valor da remuneração do trabalhador.

Ao dispensar a negociação coletiva para implementação das medidas emergenciais sobretudo aos trabalhadores com mais baixa remuneração (até 3 salários mínimos), a MP 936/2020 acentua ainda mais o aludido quadro de violação às normas constitucionais e internacionais que garantem a negociação coletiva como instrumento constitucional e democrático destinado à composição dos interesses de empregados e empregadores, especialmente quanto aos trabalhadores mais vulneráveis, ‘convidados’ a negociar sob ameaça de perda do emprego em momentos de crise.

Nesse sentido, ao tempo em que reconhece avanço nas medidas previstas na MP n. 936/2020, comparativamente à normativa anterior, a ANPT reitera a preocupação com as normas dos arts. 2º, 7, II, 8º, § 1º, 9º, § 1º, I, e 12, que autorizam a flexibilização de direitos trabalhistas extremamente sensíveis no período de calamidade pública, mediante simples acordo individual entre empregado e empregador, caminhando em sentido

 

diametralmente            oposto            ao            patamar civilizatório projetado pela Constituição de 1988 para as relações sociais, notadamente as relações de trabalho, que prevê, nesse tipo de situação, garantias fundamentais como a preservação da negociação coletiva.” (http://www.anpt.org.br/imprensa/noticias/3

647-mp-936-anptreafirma-preocupacao-com-a-

 flexibilizacao-de-direitos-trabalhistas-no-periodo-

 decalamidade-publica)

Assim, assiste razão ao sindicato autor quando pretende que o termo salário, citado no artigo 8º, §5º, da MP 936, não seja limitado ao salário base.

Plá Rodrigues nos ensina que, na aplicação do princípio protetivo ao ramo do Direito do Trabalho:

“(...)sempre há um ponto de partida: a união dos trabalhadores; e há um ponto de chegada: a melhora das condições dos trabalhadores. Direito Individual e Coletivo do trabalho são sempre caminhos diversos para percorrer o mesmo itinerário. O caráter individual ou o coletivo constituem meras modalidades que não afetam a essência do fenômeno. Por isto, cremos que os princípios expostos tanto se aplicam em um como em outro âmbito.“ (1 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3a ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 85).

E quanto ao termo salário, como está expressamente previsto na MP 936/20, entende-se o conjunto de parcelas contraprestativas devidas e pagas pelo empregador ao empregado em decorrência do contrato de Trabalho; é um complexo de parcelas devidas em função do contrato, pelo empregador, segundo o disposto no art. 457, caput, do Texto Consolidado e pelo conceito legal de salário mínimo, consoante estatuído pelo art. 76 do mesmo Diploma Legal e pelas leis do salário mínimo após 1988. Ou seja, para a Consolidação das Leis Trabalhistas somente terá caráter de salário parcela contraprestativa devida e paga diretamente pelo empregador a seu empregado

 

e, considerando esse modelo legal, valeu-se a CLT da expressão da remuneração para incluir outras e determinadas figuras trabalhistas.

Maurício Godinho Delgado4, quanto à esta acepção da palavra “salário”, aponta que há duas variantes interpretativas no Direito brasileiro - a primeira busca reduzir o efeito desse aparente contraponto celetista entre remuneração e salário, considerando-se que a CLT pretendeu utilizar-se da palavra remuneração apenas como fórmula para incluir no salário contratual obreiro as gorjetas habitualmente recebidas pelo empregado – pagas por terceiro e não pelo próprio empregador.

Para o Jurista,

“tratou-se de mero artifício legal seguido pelo caput do art. 457 da CLT, para permitir, sem perda da consistência da definição de salário feita pela lei, que as gorjetas incorporassem a base de cálculo salarial mensal do trabalhador”, o que era também sustentado por Amauri Mascaro Nascimento, segundo o qual o “legislador quis que as gorjeta compusessem o âmbito salarial. Como as gorjetas não são pagamento direto efetuado pelo empregador ao empregado, a solução encontrada foi introduzir na lei a palavra remuneração”. (p. 843)

E registra que essa vertente interpretativa do modelo criado pelos artigos 76 e 457, caput, da CLT é a que melhor atinge os objetivos e a própria função do Direito do Trabalho.

Prossegue, explicando que

“Sua linha de interpretação preserva a regra geral de que somente terá natureza salarial/remuneratória, no Direito Brasileiro, parcelas retributivas habituais devidas e pagas diretamente pelo empregador ao

 

Todos os trechos citados do Professor e Ministro do TST Maurício Godinho Delgado dizem respeito a obra Curso de Direito do Trabalho, 18a Edição, março de 2019, Ed. Ltr.

 

empregado; admite, contudo, por exceção, que a média das gorjetas habitualmente recebidas integre- se ao salário contratual obreiro para todos os fins (exceto salário mínimo). Com isso, tal vertente viabiliza cumprirem-se dois essenciais objetivos justrabalhistas: de um lado, não se enrijece o Direito do Trabalho com a tendência pansalarial tantas vezes criticada – e cujos efeitos, como se sabe, ao final voltam-se contrariamente ao próprio trabalhador, pelo recuo de concessões provocado no mercado. De outro lado, assegura-se a renda laboral efetiva de uma ampla categoria de trabalhadores vinculados ao segmento de serviços.” (pág. 845)

E ainda registra o Mestre Godinho Delgado que:

“A figura do salário divide com o próprio trabalho o magnetismo maior existente na relação empregatícia. O salário, como se sabe, constitui a parcela central devida ao trabalhador no contexto da relação de emprego, afirmando-se ainda, historicamente, como uma dos temas principais e mais recorrentes das lutas obreiras ao longo dos últimos dois séculos. Todos esses aspectos conferiram-lhe um caráter emblemático, simbólico, carregado de carisma na cultura ocidental desse período.” (págs. 848/849)

Como no presente feito ocorre – e é o que se infere da indignação manifestada pelo Sindicato Autor – a expressão salário:

“passou a ser apropriada por searas distintas do próprio Direito do Trabalho, passando a traduzir, muitas vezes, noções e realidades que, tecnicamente, jamais poderiam confundir-se com o conceito trabalhista específico. Assumindo as cores de verdadeiro símbolo, a palavra salário, paulatinamente, veio a designar – com objetivos eufemísticos, evidentemente – institutos e figuras

 

jurídicas não só estranhos ao ramo justrabalhistas como aos próprios interesses mais imediatos do próprio trabalhador. Trata-se aqui das chamadas denominações impróprias da figura do salário.” (pág. 849)

Afirma, outrossim:

“Ao lado dessa utilização tecnicamente imprópria da expressão salário, assiste-se no Direito do Trabalho à construção de denominações efetivamente referenciadas à figura do salário (as chamadas denominações próprias). É que a doutrina e a jurisprudência trabalhista tem identificação diversas modalidades específicas de salários ou de parcelas salariais que, embora guardando a mesma natureza, assumem, no plano técnico-jurídico, certas especificidades merecedoras do designativo especial.” (pág. 849)

E diante de todo o exposto, firme nos ensinamentos do Douto jurista e Ministro do TST Maurício Godinho Delgado, acima declinados, de se concluir que os adicionais efetivamente pagos, como adicional noturno, de insalubridade ou de periculosidade, integram, de igual modo, o salário do trabalhador para todos os efeitos legais, nos termos, inclusive, expressamente consignados nas Súmulas 60, 139 e 132 do Col. TST, respetivamente, as quais, ainda após a edição da Lei 13.467/17 – Reforma Trabalhista, permanecem em vigor.

Confira-se:

SUMULA 60 - ADICIONAL NOTURNO. INTEGRAÇÃO NO SALÁRIO E PRORROGAÇÃO

EM HORÁRIO DIURNO I - O adicional noturno, pago com habitualidade, integra o salário do empregado para todos os efeitos. II - Cumprida integralmente a jornada no período noturno e prorrogada esta, devido é também o adicional quanto às horas prorrogadas. Exegese do art. 73, § 5º, da CLT.

 

SUMULA 139 - ADICIONAL DE

INSALUBRIDADE Enquanto percebido, o adicional de insalubridade integra a remuneração para todos os efeitos legais.

SUMULA 132 - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE.

INTEGRAÇÃO I - O adicional de periculosidade, pago em caráter permanente, integra o cálculo de indenização e de horas extras. II - Durante as horas de sobreaviso, o empregado não se encontra em condições de risco, razão pela qual é incabível a integração do adicional de periculosidade sobre as mencionadas horas.

E aqui é importante frisar que, reportando-me ainda aos ensinamentos de Maurício Godinho Delgado, a precisa identificação das parcelas de natureza salarial, constitui tema dos mais relevantes do cotidiano justrabalhista.

“É que o Direito do Trabalho reserva efeitos jurídicos sumamente distintos – e mais abrangentes – para as verbas de cunho salarial, em contraponto àqueles restritos fixados para as verbas de natureza não salarial. Trata-se daquilo que denominamos efeito expansionista circular dos salários, que é sua aptidão de produzir repercussões sobre outras parcelas de cunho trabalhista e, até mesmo, de outra natureza, como, ilustrativamente, previdenciária. Por essa razão, o estudo das parcelas componentes do salário deve fazer-se paralelamente à identificação das verbas não salariais pagas ao mesmo empregado.” (pág. 856)

Nestes termos, a parcela salarial paga aos empregados em função da relação de emprego, na esteira do que pretende o Sindicato Autor, não se limita à verba contraprestativa principal fixa paga mensalmente pelo empregador – salário básico, mas, antes, “é composto também por várias outras parcelas pagas diretamente pelo empregador, dotadas

 

de estrutura e dinâmica diversas do salário básico, mas harmônicas a ele no tocante à natureza jurídica. Trata-se do que o jurista José Martins Catharino chamou de complexo salarial” (pág. 857).

Deste modo, aos instrumentos normativos, fontes que são do Direito Coletivo do Trabalho, aplica-se a regra que impõe contínuo respeito aos dispositivos nucleares do ordenamento jurídico e aos interesses da ordem pública Constitucional.

E quanto ao tema, torna-se, uma vez mais, imprescindível lembrar a lição do Mestre Maurício Godinho, ao pontuar sobre a importância da negociação coletiva e salientar que a Constituição da República de 1988:

“resgatou a negociação coletiva de seu limbo jurídico e de sua inércia fatual, que eram uma das marcas distintivas, nesse campo, do período precedente a 1988. Mas não a transformou, perversamente, em um mecanismo adicional de solapamento de direitos individuais e sociais humanísticos trabalhistas – os quais a própria Constituição de 1988 alçou ao patamar magno e superior.” (pág. 1650)

Registrou, outrossim, que:

“Os limites postos, pela Constituição, à negociação coletiva trabalhista, conforme se sabe, estão objetivamente explicitados pelo princípio da adequação setorial negociada, os quais têm de ser observados, portanto, na experiência concreta do Direito Coletivo do Trabalho no território brasileiro”. (pág. 1650)

Por esse princípio – da adequação setorial negociada

– “as normas autônomas juscoletivas, construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico- profissional, podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista, desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses

 

critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta).” (OB. CITADA, pág. 1679.)

E aqui se reafirma que, como ressaltado pelo Sindicato Autor, e como já precedentemente mencionado, esses imperativos foram resguardados pelo STF, consoante entendimento adotado pelo Exmo. Ministro Lewandowski, que, nos autos a ADI 6363, manifestou-se quanto a prerrogativa do Sindicato Profissional de negociar as condições de implementação das medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, por significarem redução de salário e de jornada.

Pelo exposto, CONCEDO PARCIALMENTE a medida liminar requerida, inaudita altera partes, para:

a)          determinar que, para implementação das medidas emergenciais, previstas na Medida Provisória 936/20, pelos hospitais, clínicas e casas de saúde, que tratam de pacientes que infectados pelo coronavírus ou com suspeita de infecção, representados pelo Sindicato Suscitado, seja apresentada documentação hábil à comprovação de grave situação econômica e risco real à continuidade do funcionamento empresarial, no prazo de 48 horas, após provocada a negociação coletiva, por qualquer das partes, sob pena de nulidade de quaisquer redução de jornada e/ou salarial, ou suspensão contratual;

 

Intime-se, por Oficial de Justiça, o suscitado e o suscitante, por meio de seus representantes legais e/ou procuradores, do inteiro teor da presente decisão, na forma da Lei.

Dê-se ciência da presente decisão ao MPT e ao Exmo. Desembargador Presidente deste eg. TRT-3ª Região.

Publique-se.

Belo Horizonte, 12 de abril de 2020.

 

ADRIANA GOULART DE SENA ORSINI:3083757

 

Assinado de forma digital por ADRIANA GOULART DE SENA ORSINI:3083757

Dados: 2020.04.12 22:02:02 -03'00'

 

ADRIANA GOULART DE SENA ORSINI

Desembargadora Plantonista