DECISÃO – Sindicato, ação civil coletiva para dispensa coletiva - SP

Vistos etc

O sindicato ajuíza ação civil coletiva objetivando obstar a dispensa coletiva dos trabalhadores da ré, realizada sem comunicação ou tentativa prévia de negociação coletiva com o ente representativo da categoria profissional. Argumenta que o momento de pandemia pelo COVID-19 agrava as rescisões contratuais, diante da dificuldade de nova ocupação na vigência de quarentena e da consequente redução da atividade econômica no país. Daí a edição da Lei n. 13.979/2020, bem como da Medida Provisória 936 de 2020, objetivando preservar renda, empregos e a viabilidade da empresa, nesse período. Informa ainda que a ré, segundo informações, não pagará as verbas rescisórias dos empregados. Em suma, pede a nulidade ou a suspensão das dispensas.

Decido.

De início, pontuo que a presente tutela de urgência encontra fundamento no art. 300 do CPC, aplicável subsidiariamente no Processo do Trabalho, cujos elementos ensejadores são a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Por conseguinte, muito embora polêmica, a tutela da dispensa coletiva está presente no nosso Direito.

Não se confunde com a prevista para as dispensas individuais, pois, enquanto estas têm efeitos restritos no âmbito da própria empresa ou da família do trabalhador, as coletivas podem se espraiar pela cidade ou, quiçá, pela região, afetando a adimplência, o consumo e a vida da comunidade como um todo.

Por isso, o disposto no art. 477-A da CLT, no sentido de que essas dispensas individuais, plúrimas ou coletivas se equiparam para todos os fins, sem a necessidade de autorização sindical prévia, convenção ou acordo coletivo para sua efetivação, precisa ser interpretado em conformidade com a Constituição Federal e com as Convenções da Organização Internacional do Trabalho que lhe são superiores, na hierarquia das fontes de direito.

Veja que a Constituição Federal se funda na dignidade da pessoa humana, no valor social do trabalho, na livre iniciativa focada na função social da propriedade, tendo em vista os objetivos de reduzir a desigualdade social, a marginalização, a pobreza, e construir uma sociedade livre, justa e solidária e com a prevalência dos direitos humanos – arts. 1º, III e IV, 3º, I a IV, 4º, II, 5º, XXII e XXIII.

Aprofundando-se na relação trabalhista, a Norma Ápice coloca ladeados o direito ao trabalho e à saúde (art. 6º), prevê rol não exaustivo de direitos, desde que fundados na melhoria da condição social do empregado, além de uma relação de emprego protegida contra dispensa arbitrária (art. 7º, caput e inc. I).

Aprofunda-se mais até atingir o direito coletivo do trabalho, no art. 7º, XXVI, reconhecedor das convenções e acordos coletivos como fontes autônomas de direito do trabalho, bem como nos diversos incisos do art. 8º, que reconhece o sindicato como representante dos interesses dos empregados e legitimado para a negociação coletiva. O art. 114, por sua vez, estabelece a via da negociação coletiva como primordial para solucionar interesses coletivos, antes da busca pela arbitragem ou jurisdição.

Isso sem falar nas inúmeras Convenções da Organização Internacional do Trabalho que reconhecem, a par da liberdade sindical, o efetivo direito fundamental à negociação coletiva (veja a Declaração da OIT sobre Direitos Fundamentais no Trabalho).

Importante ressaltar que, muito embora a Convenção 158 tenha sua aplicação dependente de decisão do STF, diante da malsinada denúncia pelo Poder Executivo, é fato que ela coloca a dispensa coletiva no âmbito da tutela sindical (art. 13). Pelo que, para os países-membros da OIT, a dispensa coletiva, ainda que constituída por interesses individuais homogêneos, deve ser tutelada pelo direito coletivo, sob a batuta sindical.

Assim, fica claro que, uma interpretação conformativa do preceito celetista citado acima, estabelece a indispensabilidade da comunicação sindical e da tentativa de solução do conflito pela via da negociação coletiva, o que não significa impor autorização sindical para despedir ou a celebração de acordo ou convenção coletiva.

Nessa linha, a lição do colega e jurista Guilherme Guimarães Feliciano – obra “Comentários à lei da reforma trabalhista: dogmática, visão, crítica e interpretação constitucional”, em conjunto com os autores Carlos Eduardo Oliveira Dias, José Antonio Ribeiro de Oliveria Silva, Manoel Carlos Toledo Filho, editora Ltr, 2018, p. 119.

Do contrário, carta branca para as dispensas em massa, com os riscos inerentes, como aumento da desigualdade, da marginalização etc.

Veja que há jurisprudência nesse sentido, da relatoria do Exmo. Ministro Godinho (RODC 309/2009-000-15-00.4):

 

RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATÉRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. RESTRIÇÕES JURÍDICAS ÀS DISPENSAS COLETIVAS. ORDEM CONSTITUCIONAL  E  INFRACONSTITUCIONAL  DEMOCRÁTICA  EXISTENTE

DESDE 1988. A sociedade produzida pelo sistema capitalista é, essencialmente, uma sociedade de massas. A lógica de funcionamento do sistema econômico-social induz a concentração  e centralização não  apenas de riquezas,  mas  também  de comunidades, dinâmicas socioeconômicas e de problemas destas resultantes. A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas têm natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões característicos de uma sociedade contemporânea – sem prejuízo da preservação da matriz individualista, apta a tratar os danos e pretensões de natureza estritamente atomizada – é, talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurídico, e é sob esse aspecto que a questão aqui proposta será analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por conseqüência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em conseqüência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”. DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1o, IV, 6o e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5o, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8o, III e VI, CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”, observados os fundamentos supra. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial.

Cabe ainda acrescentar que essa foi a posição majoritária dos Juízes do Trabalho, reunidos na 2ª Jornada de Direito Material e Processual da ANAMATRA, conforme enunciado n. 57:

DISPENSA COLETIVA. INCONSTITUCIONALIDADE.

O art. 477-A da CLT padece de inconstitucionalidade, além de inconvencionalidade, pois viola os artigos 1o, III, IV, 6o, 7o, I, XXVI, 8o, III, VI, 170, caput, III e VIII, 193, da Constituição Federal, como também o artigo 4º da Convenção no 98, o artigo 5º da Convenção no 154 e o art. 13 da Convenção no 158, todas da OIT. Viola, ainda, a vedação de proteção insuficiente e de retrocesso social. As questões relativas à dispensa coletiva deverão observar: a) o direito de informação, transparência e participação da entidade sindical; b) o dever geral de boa fé objetiva; e c) o dever de busca de meios alternativos às demissões em massa.

Note que, no caso concreto, diante das possibilidades de suspensão do contrato ou de redução da jornada e do salário, com grande redução dos custos para a empresa, advindas com a MP 936 de 01/4/2020, pode ser caracterizado como abuso do direito a opção do empregador pela dispensa de todos os empregados, sem avisar o sindicato, nem buscar vias alternativas à continuidade do negócio, pois atenta contra a boa- fé.

Ora, sendo assim, é ato ilícito e, por isso, não pode produzir os efeitos esperados pelo agente (art. 187, Código Civil, de aplicação subsidiária).

Máximo no contexto da pandemia do Covid-19, quando, diante de seu reconhecimento como calamidade pública, a Lei n. 13.979/2020 impôs quarentena, isolamento social, fechamento de aeroportos, dentre outras medidas indispensáveis ao controle da expansão do vírus. Essa situação, infelizmente, dificulta ou inviabiliza o funcionamento regular das empresas e a manutenção dos rendimentos dos laboristas. Inclusive a retomada das atividades, após o pico da doença, será gradual. Ou seja, urge a manutenção dos contratos de emprego, ainda que com efeitos suspensos ou jornada reduzida, de maneira a garantir um rendimento aos trabalhadores pelo maior tempo possível.

Ora, se a opção fosse a adesão ao acordo da MP 936, como dito, a empresa teria custos certamente muito menores do que o pagamento das verbas rescisórias de 75 empregados (conforme periódicos juntados), sendo que os empregados poderiam garantir rendimento, mesmo inferior à remuneração contratual, por 60 ou 90 dias, sem prejuízo do recebimento das verbas rescisórias e do seguro-desemprego se, no final do prazo, a empresa não conseguir sobreviver no mercado.

Mas tudo isso foi inviabilizado pela conduta da ré, que nem tentou debater alternativas com os trabalhadores e seu sindicato e impôs uma demissão em massa, com suspeitas sobre sua própria solvabilidade, dada a solução imediatista de fechamento de suas portas.

Em suma, o direito está presente, em tese.

E, o requisito da urgência também. O acordo previsto na MP 936 têm prazo específico, sem falar que a pandemia está em vias de atingir o seu pico, circunstância que agravará as condições daqueles com pouco ou nenhum rendimento. Ademais, nessas condições, tampouco haveria resultado útil do processo.

Portanto, hei por declarar nulas as dispensas, em juízo de cognição sumária.

Com relação ao período entre a dispensa anulada e a negociação efetiva com

o sindicato, declaro tratar-se de interrupção contratual em função de cumprimento das ordens do empregador. É que não houve trabalho, mas deve ser garantido o direito à remuneração, inviabilizada pela despedida abusiva ou pelo fechamento da empresa, sendo ainda impossível o imediato retorno sem a batuta sindical e sem as medidas sanitárias contra o contágio.

Veja a respeito que Convenção n. 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, sobre segurança e saúde dos trabalhadores, ratificada pelo Brasil, ficou estabelecido que:

“art. 13 – Em conformidade com a prática e as condições nacionais, deverá ser protegido, de consequências injustificadas, todo trabalhador que julgar necessário interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que a ela envolve um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde”

Note que o termo saúde, para tal norma internacional, abrange não só a ausência de afecções ou doenças, mas também elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e higiene do trabalho (art. 3º, “e”). Esse diploma também especifica que a ação política objetiva prevenir os acidentes e danos à saúde que forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade laboral ou se apresentarem durante o trabalho (art. 4, item 2).

Nesse pensar, a própria CLT diz que integra o contrato de trabalho o tempo em que o empregado está aguardando ordens (art. 4º), destarte, faz jus aos salários, inclusive com os reajustes da categoria (art. 471).

Por tais motivos e, ausente risco de irreversibilidade jurídica dos efeitos dessa decisão (§3º do art. 300, CPC), defiro liminarmente o pedido inicial, nos seguintes termos:

Expeça-se mandado para cumprimento urgente, pelo oficial de justiça do plantão. No mesmo ato a ré será citada para apresentar defesa e documentos, em 5 dias.

Para  tanto,  o  oficial  de  justiça  poderá  se  utilizar  de  todos  os  meios tecnológicos à sua disposição, conjunta ou separadamente, como whatzapp, “email”, redes sociais institucionais, contato telefônico, etc, certificando nos autos. Poderá proceder, se considerar conveniente e oportuno, a citação presencial, desde que tenha à disposição, luvas, máscaras, álcool gel ou outro sanitizante eficaz e que não haja, sob o seu exclusivo crivo pessoal, nenhum outro risco grave de contágio.

                       Endereço da ré: Rua José Cobra, nº. 1775, Bairro Trinta e Um de Março, São José dos Campos, SP, CEP: 12237-001, ou na Estrada Imperador n. 13, Chácaras Reunidas, São José dos Campos, CEP 12238-560; fone: (12) 3933-4074.

Com a juntada da contestação, o autor será notificado para réplica, também em 05 dias. preclusão.

Nos prazos acima, as partes poderão especificar outras provas, sob pena de Ciência ao Ministério Público do Trabalho.

A Secretaria deverá incluir essa decisão no PROAD 7464/2020. Após, retornem conclusos para deliberações.

Intimem-se.

Nada mais.