DECISÃO - Liberação dos profissionais incluídos no grupos de riscos - RJ

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO

9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro

ACPCiv 0100325-06.2020.5.01.0009

RECLAMANTE: SINDICATO DOS AUX E TEC DE ENF DO MUNIC DO R DE JANEIRO

RECLAMADO: SPDM - ASSOCIACAO PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA

Nesta data faço conclusos os autos à Exmª Juíza do Trabalho. Em 20.04.2020 Margareth Abelha Técnico Judiciário

Vistos, etc.

SINDICATO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM DO RIO DE JANEIRO ajuizou Ação civil pública em face deSPDM -ASSOCIACAO PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA pretendendo, em sede de tutela de urgência, a liberação do comparecimento ao trabalho dos profissionais que estejam incluídos nos grupos de riscos quanto a desenvolver complicações em face da síndrome Covid-19 causada pelo coronavírus, ou seja, todos que apresentem fator de comorbidade que, segundos os estudos mais recentes, aumentam o risco de letalidade para os infectados. Argumenta, ainda, que a Convenção Coletiva emergencial, entabulada com a categoria econômica correlata, já aponta a necessidade de afastamentos dos trabalhadores com tais enfermidades. Enfatiza que a atividade do Réu abrange riscos à contaminação, por isso deve estar preparado e conceder o devido afastamento aos profissionais que compõem o grupo de risco. Requer, assim, que a Ré libere imediatamente todos os seus empregados que fazem parte do grupo de risco, com manutenção da remuneração, sob pena de multa diária. Inicialmente, constato que a parte autora é legítima para o ajuizamento da presente demanda, pois o direito discutido nos autos é de cunho evidentemente coletivo, por atingir de forma indivisível todos os trabalhadores da categoria profissional representada pelo Sindicato autor, empregados da ré. O estatuto da entidade prevê entre seus objetivos a defesa judicial dos direitos coletivos da categoria.

Trata-se, portanto, de defesa de direito coletivo dos empregados representados pela parte autora, que é legítima para ajuizar a presente ação, bem como, é pertinente a via da Ação Civil Pública para a apreciação judicial dos fatos alegados nesses autos. Quanto ao pedido de concessão de liminar, passo a analisar os requisitos de relevância dos fundamentos da demanda (fumus boni iuris) e da urgência da medida requerida (periculum in mora) conforme art. 84, §3º do CDC, aplicado por autorização expressa do art.21 da Lei 7347/85, que regula a matéria e que se aplica subsidiariamente ao rito processual trabalhista, diante da omissão da CLT nesse particular. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou em 11 de março de 2020 que a disseminação comunitária do novo coronavírus, em todos os continentes, caracteriza situação de pandemia. Em 20 de março de 2020, ficou reconhecido, pela República Federativa do Brasil, o estado de calamidade pública, nos termos do Decreto Legislativo de nº 06/2020, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. Por sua vez, o estado de calamidade pública, para fins trabalhistas, foi reconhecido como hipótese de força maior, nos termos do disposto no artigo 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, como se depreende dos termos da Medida Provisória n.º 927/2020, em seu artigo 1º, parágrafo único, e do Decreto Legislativo n.º 06/2020 Além disso, o Ministério da Saúde, na sua página virtual (https://www.saude.gov.br/noticias /agencia-saude/46753-brasil-registra-38-654-casos-confirmados-de-coronavirus-e-2-462-mortes) acessada em 20.04.2020, informa que de acordo com os dados disponíveis no dia 19.04.2020: “Subiu para 38.654 o número de casos confirmados de coronavírus no Brasil. Nas últimas 24 horas foram 2.055 novas confirmações. O número de óbitos também aumentou, agora são 2.462, representando uma taxa de letalidade da doença no Brasil de 6,4% (...) A maior parte dos casos no país está localizada no estado de São Paulo, com 14.267 casos confirmados e 1.015 mortes, seguido pelo Rio de Janeiro, com 4.765 casos e 402 óbitos (…) Desta forma, foi possível traçar o perfil das pessoas que morreram pela doença: 7 de cada 10 pessoas tinham mais do que 60 anos de idade e apresentavam pelo menor um fator de risco, como doenças do coração ou do pulmão e diabetes.” O ministério da Saúde informa ainda que: “Pessoas acima de 60 anos se enquadram no grupo de risco, mesmo que não tenham nenhuma doença pré-existente. Além disso, pessoas de qualquer idade que tenham comorbidades, como cardiopatia, diabetes, pneumopatia, doença neurológica ou renal, imunodepressão, obesidade e asma também precisam redobrar os cuidados com medidas de prevenção ao coronavírus.”

Esses elementos já são suficientes para demonstrar a relevância da questão trazida à apreciação judicial, bem como, o perigo na demora da prestação jurisdicional, que justificam o requerimento de tutela de urgência para afastamento dos profissionais de saúde que ainda permanecem em atividade e que apresentam as comorbidades consideradas de risco para o agravamento do quadro clínico daqueles infectados pelo Coronavírus. Ensina a doutrina acompanhada pelo Juízo que: “o Direto Ambiental do trabalho constitui direito difuso fundamental inerente às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (CF, art. 196), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art.225 da Constituição Federal. É difusa a sua natureza, ainda, porque as conseqüências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem, finalmente, toda a sociedade, que paga a conta final.” (MELO, Raimundo S. “Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador”, São Paulo: Ed. LTr., 2008 - 3ª Ed., p.29). É de conhecimento do Juízo que a atividade da parte ré é essencial e está sendo muito demanda nas atuais circunstâncias, entretanto, a manutenção dessa atividade não pode se dar à custa de exposição dos profissionais a extremo risco, como bem salientou a juíza Luciana Gonçalves de Oliveira P. das Neves, ao apreciar pedido semelhante: “Não há dúvida que a hipótese trazida revela o momento delicado vivido por toda população mundial, em especial, pelos profissionais que necessitam atuar na linha de frente para salvar as vidas dos contaminados pelo coronavírus e, para cumprirem suas escolhas profissionais e juramentos, terminam por arriscar a própria saúde e, muitas vezes, de outros, em especial a família. [...] As informações vindas de toda parte do mundo, através da imprensa e textos técnicos, indicam que o coronavírus é altamente transmissível, com propagação célere, implicando em alto risco de contágio entre os profissionais da saúde, pois precisam cuidar do cidadão contaminado. Atente- se que o vírus não escolhe o ser humano que será contaminado, todos estão expostos ao risco, ainda mais, os trabalhadores que atuam nos cuidados dos enfermos. Vale destacar, que a pandemia a que fomos submetidos exige esforços para evitar o colapso do sistema de saúde, mas por certo, a saúde e a vida dos profissionais também precisam ser preservadas e tal responsabilidade cabe ao Estado, ao gestor da atividade, a quem lucra com aquele trabalhador. Os profissionais da saúde certamente merecem tratamento isonômico para minimizar os riscos. Contudo, não há como liberar os profissionais sob condição, se faz necessário comprovar a dificuldade ou impossibilidade do exercício profissional, tendo em vista que exercessem atividade essencial, para que o serviço de saúde não fique ameaçado com a privação de trabalhadores, que precisam atuar para conter e/ou minimizar os efeitos da pandemia.” (ACPCiv 0100323- 83.2020.5.01.0058, proferida em 19.04.2020)

No que se refere à delimitação do grupo de risco, ainda não é possível estabelecer todos os fatores de agravamento da doença, pois a situação enfrentada ainda é muito recente e os estudos estão em andamento. Contudo, já é possível estabelecer algumas circunstâncias como sendo de alto risco para o agravamento da síndrome Covid-19. Consta no boletim epidemiológico emitido pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, publicado em 06 de abril de 2020, disponível em www.saude.gov.br , acessada em 20.04.2020, que estão no grupo de risco: pessoas com mais de sessenta anos, cardiopatas, portadores de asma moderada e grave, imunodeprimidos (aqui incluídos os que estão submetidos a tratamento quimioterápico), doentes renais crônicos, diabéticos e gestantes. Essas informações são corroboradas pelo estudo publicado em 31 de março de 2020 na revista médica britânica The Lancet, como informa reportagem da revista ISTOE publicada em 07.04.2020, disponível em https://istoe.com.br acessada em 20.04.2020. Diante dessas informações, tenho que, no presente momento, as comorbidades acima indicadas apontam as pessoas incluídas no chamado “grupo de risco” para agravamento e letalidade da síndrome Covid-19, causada pelo Coronavirus. Associado às informações do Ministério da saúde, a Lei 13.979/2020 estabelece medidas que objetivam a proteção da coletividade, dentre as quais o isolamento e a quarentena, que poderão e estão efetivamente sendo adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Vale ressaltar que há previsão da inviolabilidade do direito à vida e à segurança determinando que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, insculpido no artigo art. 5º, caput c/c artigo 230 da Constituição Federal. Saliento ainda que o empregado não por ser tratado como um objeto do contrato de trabalho; ele é um dos sujeitos desse contrato e, dessa forma, tem que ser protegido, como ser humano que é, independente da essencialidade do serviço que presta, no intuito de resguardar também sua integridade, de acordo com suas limitações humanas. Cabe, aqui, lembrar a lição de Alain Supiot, quando ensina que “o contrato de trabalho põem em jogo a própria pessoa do contraente [trabalhador], e que assimilar trabalho a uma coisa é artificial, pois conduz a separar a força de trabalho da pessoa do trabalhador. [...] Na realidade – escreve Mengoni – ‘o trabalho não existe, mas há homens [e mulheres] que trabalham. Na sua relação com o empregador, o trabalhador não compromete um elemento distinto da sua pessoa, compromete a sua própria pessoa. Não põem em jogo o que tem, mas o que é’” (“Crítica do Direito do Trabalho”, Calouste Gulbenkian: Lisboa, 2016, p. 77-78)

Portanto resta evidente que a necessidade de preservação da vida e da saúde física e mental desses profissionais se sobrepõe à essencialidade do serviço que prestam e a qualquer interesse econômico do empregador na preservação de suas metas de lucro e produtividade. Com relação ao afastamento dos empregados incluídos no grupo de risco, com a manutenção da remuneração, nota-se, primeiramente, que a parte ré tem a faculdade de adaptar das atividades desses profissionais para atividades que possam ser realizadas remotamente, como controles burocráticos, suporte e supervisão dos demais técnicos e auxiliares de enfermagem, entre outras que possam ser realizadas diretamente do domicílio do empregados. Lembre-se que são os empregadores os primeiros a argumentar quanto à possibilidade de alteração das atividades de seus empregados (ius variandi do objeto do contrato de trabalho) quando essa variação os beneficia. Agora, é o momento de utilizar essa possibilidade de variação em prol da preservação da saúde física e mental dos trabalhadores incluídos no grupo de risco. Nos casos em que o trabalho remoto não seja viável, a hipótese é de interrupção do contrato de trabalho, com a suspensão da prestação de serviços e manutenção da remuneração. Como já dito, a situação ora vivenciada é inédita e, portanto, ainda não existe norma específica em relação a ela, configurando uma lacuna jurídica que deve ser suprida com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, conforme art. 4º da LICC c/c art.8º, §1º da CLT (NR). Verifico que a CLT prevê no seu art. 61 a hipótese de interrupção do contrato de trabalho, onde as atividades do trabalhador são suspensas com a manutenção da sua remuneração, quando causas acidentais e força maior impossibilitam a realização do trabalho. O art. 161 da CLT, por seu turno, prevê a interdição de setor de serviço ou equipamento que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador e a Portaria 3.214/78, item 3.1.1, considera como grave e iminente risco toda a condição ambiental de trabalho que possa causar acidente ou doença profissional com lesão grave à integridade física do trabalhador. Cabe a aplicação analógica dessas normas para considerar que o afastamento das atividades se equipara a interdição do setor do trabalho em virtude de condição ambiental que pode levar o trabalhador a óbito e, assim, determinar a interrupção do contrato de trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham para a parte ré que não puderem realizar trabalho remoto, garantida a sua remuneração enquanto perdurar as causas para o afastamento do local de trabalho. A analogia, aqui, atende ao princípio geral do Direito do Trabalho de proteção ao trabalhador. Diante do acima exposto e considerando o dever geral de cautela, bem como, a necessidade de resguardar o resultado efetivo da lide, com fundamento no art.84, §3º do CDC c/c art.21 da 7347 /85 c/c parágrafo 2º do artigo 300 do CPC c/c artigo 769 da CLT, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA para determinar a adaptação das atividades para o trabalho remoto (prestar serviços à distância, em suas residências) ou, na sua impossibilidade, o afastamento remunerado (salário base acrescido do adicional de insalubridade e vale alimentação) dos empregados da parte ré que se enquadram no“Grupo de Risco”, assim compreendidospessoas com mais de

sessenta anos, cardiopatas, portadores de asma moderada e grave, imunodeprimidos (aqui incluídos os que estão submetidos a tratamento quimioterápico), doentes renais crônicos, diabéticos e gestantes, enquanto perdurar o período crítico de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Fixo a multa de 2.000,00 por dia e por trabalhador, caso descumpridas as determinações acima pelo Réu. Intimem-se as partes, sendo a Ré por Oficial de Justiça em regime de plantão, para ciência e cumprimento da presente decisão. Oficie-se o MPT dando ciência da lide e da presente decisão, para que tome as medidas que entender cabíveis. Após, inclua-se o feito em pauta, citando-se a parte ré. Expeça-se mandado de cumprimento, com urgência, para que a Suscitada cumpra em 48 horas a determinação.

RIO DE JANEIRO/RJ, 21 de abril de 2020. RIO DE JANEIRO/RJ, 21 de abril de 2020.

DANIELA VALLE DA ROCHA MULLER Juiz do Trabalho Titular