DECISÃO - Expedição de alvará para liberação do FGTS - RS

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO 4ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE

AlvJud 0020310-81.2020.5.04.0004

REQUERENTE: LUIZ CARLOS JARDOSIM DA ROSA INTERESSADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

MFM - AJ

 

Visto em gabinete.

 

LUIZ CARLOS JARDOSIM DA ROSA ajuíza pedido de expedição de alvará para liberação dos valores depositados em sua conta do FGTS em face da Caixa Econômica Federal, em requerimento de antecipação de tutela, com base no Estado de Calamidade Pública reconhecida pelo Governo Federal (Decreto Legislativo nº 06/2020), pelo Governo Estadual (Decreto Estado RS nº 55.154/2020) e pelo Governo Municipal, em face da gravidade e do alcance da situação pandêmica perpetuada pela Covid-19. Destaca que devido ao cenário econômico vigente, permeado de grande instabilidade e dificuldade, a medida de urgência faz-se necessária para garantir o sustento da sua família.

Vêm os autos conclusos. Passo a examinar a pretensão no estado em que o feito se encontra, pois a hipótese é de tutela de evidência, na forma do artigo 311, II, do CPC, estando o julgamento imediato autorizado pelo parágrafo único do mesmo dispositivo. Além disso, embora  o reclamante coloque a CEF como demandada, trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, cuja tutela, se deferida, não atingirá direito da instituição financeira, pois implicará liberação de valores que já pertencem ao patrimônio jurídico do demandante.

1-  Da competência da Justiça do Trabalho

 

Quanto à competência para apreciar o pedido de expedição de alvará para liberação da conta vinculada do requerente junto Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, o TST revisou o entendimento consubstanciado na Súmula nº 176 no qual compreendia que esta Justiça Especializada só tinha competência para autorizar o levantamento do depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na ocorrência de dissídio entre empregado e empregador, por meio do julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência RR-619.872/00, assim, ementado: "INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FGTS. ALVARÁ. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.

SÚMULA 176. CANCELAMENTO. 1. Inscreve-se na competência material da Justiça do Trabalho, no exercício de jurisdição voluntária, apreciar pretensão de ex-empregado de expedição de alvará judicial para fins de saque dos depósitos do FGTS junto à CAIXAECONÔMICA FEDERAL CEF, tendo em vista a vinculação do pleito a uma relação de emprego, espécie da relação de trabalho de que cogita o novel art. 114, inciso I, da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 45/04. 2. O aspecto central para a determinação da nova competência material da Justiça do Trabalho, desde o advento da EC nº 45/04, repousa na circunstância de o pedido e a causa de pedir dimanarem de uma relação de trabalho, ainda que não entre os respectivos sujeitos. Superada a estreita e arraigada vinculação de tal competência meramente aos dissídios entre empregado e empregador. 3. Cancelamento da Súmula 176 do TST (IUJ-RR-619.872/00, Relator Ministro João Oreste  Dalazen,  DJ-26/08/2005)."  (GRIFOS  MEUS).  Desde  então,  a  jurisprudência  do  TST passou a admitir a competência da Justiça do Trabalho para a apreciação do pedido de alvará para saque do FGTS, conforme julgamento que colaciono: "RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. APELO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FGTS. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DO FGTS. SUCESSORES DO TRABALHADOR FALECIDO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. Com o cancelamento da Súmula 176 desta Corte, em razão da superveniência da Emenda Constitucional 45/2004, a discussão quanto à competência material acerca da expedição de alvará para saque do FGTS, quando estabelecida a relação processual diretamente entre o trabalhador titular da conta vinculada e a CEF, na qualidade de órgão gestor do FGTS, sem que haja demanda entre empregado e empregador, encontra-se superada nesta Corte.

Observa-se a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar pretensão de ex- empregado de expedição de alvará judicial para fins de saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal - CEF, porquanto o pleito decorre de uma relação emprego, o que enseja a aplicação do art. 114, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/04.Ressalte-se que o fato da presente ação ter sido proposta pelos sucessores do de cujus, trabalhador que deixou conta vinculada do FGTS em seu nome, não tem o condão de afastar a competência material da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de expedição de alvará para levantamento do FGTS. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-170- 30.2016.5.23.0071, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 27/03/2020). A Justiça do Trabalho é, pois, competente para apreciar o presente pedido de alvará

submetido ao procedimento de jurisdição voluntária.

 

Serviço (FGTS), que já pertencem ao patrimônio jurídico do reclamante, impõe-se como medida de garantia das possibilidades de sobrevivência física e pagamento das contas ordinárias, especialmente se considerarmos o expressivo número de pessoas desempregadas ou impedidas de obter renda, em razão do isolamento físico necessário.

O fundamento jurídico da pretensão está no inciso XVI do artigo 20 da Lei nº 8.036/90, que prevê a possibilidade de movimentação da conta do FGTS, em caso de: “XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural”. O Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, que regulamentou o artigo 20 da Lei nº 8.036/90, traz rol que evidentemente não é taxativo. Aliás, sequer seria possível ao legislador em 2004 presumir a existência de pandemias que bloqueassem, de uma hora para a outra, as possibilidades de produção e consumo, como hoje está ocorrendo, com todas as consequência daí advindas. Mesmo assim, o artigo 3º do Decreto nº 5.113 refere que a comprovação da área em situação de emergência ou estado de calamidade pública deverá ser feita mediante uma declaração com uma série de dados, além da identificação do desastre natural na Codificação de Desastre, Ameaças e Riscos - CODAR.

A classificação da CODAR, que não estava adequada à classificação utilizada pelo Banco de Dados Internacional de Desastres (EM-DAT), do Centro para Pesquisa sobre Epidemiologia de Desastres (Cred) da Organização Mundial de Saúde (OMS/ONU), foi adequada pelo Ministério  da Integração Nacional, através da edição da CLASSIFICAÇÃO E CODIFICAÇÃO BRASILEIRA DE DESASTRES (COBRADE), em substituição ao CODAR, por meio de ato normativo. A Instrução Normativa nº 1, de 24 de agosto de 2012, editada pelo Ministério da Integração Nacional, publicada no DOU de 30/08/2012 (nº 169, Seção 1, pág. 30), estabeleceu procedimentos e critérios para a decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública pelos Municípios, Estados e pelo Distrito Federal, e para o reconhecimento federal das situações de anormalidade decretadas pelos entes federativos. No Anexo I da mencionada Portaria, foi estabelecida a “CLASSIFICAÇÃO E CODIFICAÇÃO BRASILEIRA DE DESASTRES (COBRADE)”, contendo uma tabela com os fenômenos que podem causar “Desastres Naturais”, entre eles o grupo biológico, conforme segue: “A categoria

 

Desastres Naturais

 

divide-se em cinco Grupos, treze Subgrupos, vinte e quatro Tipos e vinte e três Subtipos: (…)

5. Biológicos 1.

5.1. Epidemias 1.5.1.1.0. Doenças infecciosas virais”. Não há, pois, como afastar a epidemia da COV-19 da condição de desastre natural. Há, pois, direito à movimentação da conta vinculada junto ao Fundo, uma vez que estão preenchimento os requisitos constantes no inciso XVI do artigo 20 da Lei nº 8.036/90.

A urgência do provimento decorre do risco evidente à sobrevivência material do reclamante   e de sua família, em um momento como o que estamos enfrentando.

 

CONCLUSÃO:

DEFIRO a tutela jurisdicional pleiteada, para o efeito de DETERMINAR que a presente decisão VALE COMO ALVARÁ para saque de todos os valores existentes na conta vinculada  ao FGTS, pertencentes a LUIZ CARLOS JARDOSIM DA ROSA. Para cumprimento do procedimento administrativo necessário ao saque, a CEF deverá obter os dados necessários diretamente na CTPS do reclamante.

Dispenso o recolhimento de custas (fixadas em R$ 20,00), em razão do benefício da gratuidade da justiça que ora defiro à parte autora, cuja necessidade material que justifica a demanda é já

 

suficiente para revelar o preenchimento das condições legais para tanto.

 

Intime-se

 

a Caixa

 

Econômica Federal acerca da presente decisão, na condição de interessada. requerente.

PORTO ALEGRE/RS, 02 de junho de 2020.

VALDETE SOUTO SEVERO

Juíza do Trabalho Titular