Prisão em Flagrante

Autos n°038.11.022171-8

Ação:Auto de Prisão Em Flagrante

Autuado: J.L.L.

Os juízes não são juízes porque combatem a criminalidade, ou porque, intrépidos como mocinhos do faroeste, enfrentam e duelam com os bandidos, os malvados e os maltrapidos. Os juízes – e a lição é tão antiga quanto eles próprios! – são juízes simplesmente porque dizem publicamente o direito. E dizer o direito hoje é, antes de mais nada, pregar a Constituição, suas garantias, seus fundamentos, seus princípios e suas liberdades. Feito isso, feito apenas isso, os juízes cumprem e bem cumprem o que deles se reclama ( Editorial do Boletim da Associação Juízes Para a Democracia – ano 6, n.29)

Vistos.

O autuado J.L.L., de 19 anos, tecnicamente primário, servente de pedreiro, solteiro, foi preso em flagrante porque teria na noite de 22.5.11 tentado subtrair bens, nada conseguindo retirar, de uma residência ao tempo desocupada, através do arrombamento de uma janela. Segundo os policiais ouvidos, ao chegarem no local encontraram o autuado já detido por populares, tendo verificado que ele apresentava ferimentos na cabeça e pelo corpo em razão de agressão sofrida pelos mesmos populares, tendo assim que chamar os paramédicos para socorro. A vítima por sua vez disse que estava fora de Joinville e ao saber dos fatos retornou, encontrando a casa já arrombada. Disse que soube por outras pessoas que populares haviam "pego de pau" o autuado. Nenhum dos referidos populares foi inquirido pela autoridade policial. Junto aos autos fotografias do autuado com bandagens na cabeça mostrando a olhos nus os ferimentos.

Como se vê, as agressões desferidas contra o autuado não decorreram de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito. O autuado ao que se observa já estava detido por várias pessoas quando passou a ser agredido.

Este magistrado não pode compactuar com o ocorrido, jamais. Não é razoável, aliás, é injustificável que pessoas, nutridas por sentimento paranóico coletivo de vingança, arvorem-se em senhores do bem e do mal para agredir de forma covarde um jovem envolvido em um delito, se não de menor potencial, de menor gravidade e sem violência contra a pessoa (tentativa de furto com arrombamento).

Os novos padrões de civilidade e os fundamentos do Estado Democrático de Direito não permitem, em absoluto, a medieval "justiça pelas próprias mãos". Estes fundamentos, ao contrário do que muitos pensam, são conquistas de todos, da vítima, do réu, deste magistrado, do Promotor de Justiça, do advogado, dos populares, dos trabalhadores, dos pais de família, das crianças, adultos e idosos, ou seja, de todos os sujeitos, todos os seres humanos. São garantias de que nunca ninguém jamais sofrerá vinditas e suplícios e que todos, sempre que acusados de um delito, terão direito a um julgamento resultante do devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, perante o Juízo Competente. Admitir atos de barbárie como o que hora se anuncia é retroceder no tempo, para antes até mesmo de Beccaria (Dos Delitos e das Penas).

Aliás, conforme os comandos constitucionais é direito do preso ter sua integridade física e moral respeitadas (art.5º, XLIX). Sempre é bom repetir que o Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), já suficientemente solidificado, precisa ser respeitado. E neste ponto, segundo os ensinamentos do Ministro Celso de Melo a dignidade da pessoa humana "representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art.1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência" (HC n. 85.988, 2ª Turma, j.04.05.10, v.u., DJU 28.05.10).

O resultado no caso dos autos aliás é que o flagrante acaba por ser viciado, em razão da ilicitude da prova, ilicitude esta decorrente das violações supra elencadas. E uma vez ilícitas, não podem ser aproveitadas (art.5º, LVII, da Constituição Federal c/c art.157, do Código de Processo Penal).

Ex positis:

Em obediência ao Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), com base na garantia de respeito à integridade física e moral aos presos (art.5ª, XLIX, da CF), no Estado Democrático de Direito, que veda a "justiça pelas próprias mãos", bem como na inadmissibilidade da prova ilícita (art.5º, LVII, da CF e art.157, do CPP) RELAXO A PRISÃO de J.L.L. (art.5º, LXV, da CF). Expeça-se o r. Alvará de Soltura, se por al não estiver preso.

Incabível a decretação de prisão preventiva tendo em conta a primariedade do réu e a natureza do delito.

Intime-se o Ministério Público.

Requisite-se à autoridade policial a instauração de inquérito policial para apurar os delitos em tese de lesões corporais e tortura sofridos pelo autuado, independentemente de outros que se verificarem.

Aguardem-se as demais peças do auto.


Joinville (SC), 23 de maio de 2011.


João Marcos Buch

Juiz de Direito