Pedido de Relaxamento de Prisão

Pedido de relaxamento de prisão n.°:480651-26.2011.8.06.0001/0.

Relativo à ação penal n.°: 486279-30.2010.8.06.0001/0.

Acusado requerente: P D D A S.

Vistos, etc.

Sob os auspícios de legítimo operador jurídico, o acusado requerente acima nominado, qualificado nos autos, invocando o art. 5º, LXV da Constituição Federal combinado com o art. 648, II do Código de Processo Penal, pede relaxamento de sua prisão, ocorrida em 1º de dezembro de 2010, aduzindo, em resumo, excesso de prazo para o desenredo da ação, pois decorridos mais de cento e oitenta dias desde aquela data, não tendo o acusado ou sua defesa dado causa à demora (fls. 2/9).

Juntou a documentação de fls. 10 a 56.

Chamado a intervir, o Ministério Público reconheceu a procedência do que pleiteado (fls. 58/60).

Brevemente relatado. Decido:

O requerente está preso provisoriamente desde 1º de dezembro de 2011, não se vislumbrando nos autos responsabilidade protelatória do mesmo ou de sua defesa técnica.

São normas de aplicabilidade imediata, insculpidas no art. 5º do Documento Constitutivo do Estado Brasileiro, as seguintes:

“(...);

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

(...);

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

(...);

LXV – A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

(...)”.

Os acima transcritos preceitos fundamentais da Carta Magna, perfeitamente ajustados à disciplina jurídica internacional dos Direitos e Garantias Individuais da Pessoa Humana, documentados no Pacto de São José da Costa Rica, da qual o Estado Brasileiro é signatário, são de irrefutável observância pelos agentes públicos, mormente do Poder Judiciário, em qualquer de suas instâncias.

“Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal.

(...)

5. Toda pessoa presa, (...) tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. (...).”[1]

Embora, em tese, ainda estejam presentes, in casu, as circunstâncias que dão ensejo à prisão preventiva do acusado requerente, situação esta que, até este momento, justificava a manutenção da clausura processual, firmei convencimento de que a continuidade da segregação, na espécie, sem uma definição de culpabilidade (latu sensu), isto é, sem o término do devido processo legal e sem que tenha sido prolatada uma sentença penal condenatória transitada em julgado, afronta a razoabilidade, e constituir-se-ia em grave desrespeito ao tratado internacional antes mencionado e verdadeira mácula à Constituição desta República Federativa, Lei Maior, querida, legitimamente aprovada e posta a comandar o ordenamento jurídico nacional pelo próprio Povo Brasileiro, do qual todo o poder político emana, através de representantes eleitos diretamente com esta finalidade.

O relaxamento da prisão do acusado requerente é, destarte, em decorrência de tais princípios, cujo respeito é-me imposto pela função judicante, o mais límpido reflexo da soberana vontade do Povo Brasileiro.

Quanto às causas do descumprimento do prazo para julgamento do feito estando o acusado requerente ainda preso provisoriamente, saliente-se que o Juiz, é preciso que se entenda de uma vez por todas, como qualquer ser humano, não é onisciente, faculdade que Deus guardou para si.

A atividade de cognição dos fatos para, ao final, prolatar uma sentença justa, finalidade primordial do processo criminal e sua razão de existir, demanda tempo, muito tempo para a produção de todas as provas que forem possíveis de se produzir, na busca da verdade real sobre o fato apontado como delituoso, suas circunstâncias e autoria.

Nem mesmo quando o réu é preso em flagrante delito, por mais abjeto que seja o crime cuja autoria se lhe imputa, é justa uma sentença instantânea, lavrada de afogadilho, prolatada e influenciada pelo mormaço do fato, observado que ao increpado em processo penal é assegurado o inarredável exercício do direito de ampla defesa, pilar do Estado Democrático de Direito, o que demanda, isso também, tempo.

Mesmo quando ainda se proibia a concessão de liberdade provisória aos acusados da prática de crime hediondo, a súmula 697 do colendo Supremo Tribunal Federal, editada em 24 de setembro de 2003, já declarava a possibilidade do relaxamento de prisão processual por excesso de prazo:

“A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.”

É, como vigorosamente propalado aos quatro cantos do País, necessária uma Justiça célere, mas antes disso, a maior necessidade é de uma Justiça justa, que não seja tardinheira a ponto de deixar impune um culpado, mas que também não se precipite a condenar um inocente, tampouco mantenha preso, indefinidamente, aquele que ainda não se sabe se é culpado ou inocente.

O juiz criminal, sob pena de travestir-se de verdugo, não pode acatar o clamor público pela desforra imediata contra o réu e, com tal nefasta inspiração, permitir que se hospede em seu espírito qualquer sentimento de vindita ou prevenção contra este, por mais abjeto que seja o delito imputado ao mesmo, fazendo-o, em conseqüência, cumprir, atabalhoadamente, uma pena privativa de liberdade antecipada, indefinida, imprecisa, injusta portanto.

“Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais.”.[2]

Deve o togado, isto sim, fazer a Justiça acontecer, seja condenando ou absolvendo, conforme o caso, mas sempre com a mais absoluta serenidade d’alma.

Neste sentido é a abalizada jurisprudência da Corte Suprema da Federação:

“Na ordem constitucional pátria, os direitos fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF, art. 5º, §1º). A realização dessas prerrogativas não pode nem deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que conduzem investigação de caráter criminal. Em nosso Estado de Direito, a prisão provisória é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.” (STF – HC 102176/SP – Min. Gilmar Mendes).

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO PRATICADO CONTRA FILHA MENOR DE IDADE. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. IRRAZOABILIDADE. EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA. OFENSA AO ARTIGO 5º, INCISO LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Prisão preventiva efetivada em 12 de dezembro de 2004 sem que até a presente data a instrução processual tenha chegado ao fim. Abstraído o tempo de fuga, que perdurou por um ano, não é razoável que a instrução criminal dure mais cinco anos. 2. A permanecer essa situação, o paciente cumprirá, antecipadamente, pena que eventualmente lhe venha a ser imposta, consubstanciando nítida violação do princípio da presunção de inocência. 3. O crime imputado é grave, repugnante, hediondo. Isso, contudo, não justifica prisão cautelar cujos requisitos são outros.” (STF – HC 100529/RJ – Min. Eros Grau).

“EMENTA: "HABEAS CORPUS" - PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR - EXCESSO DE PRAZO - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - PEDIDO DEFERIDO. O EXCESSO DE PRAZO NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU. - Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264 - RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu. - O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. - A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado e o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.” (STF – HC 98878/MS – Min. Celso de Mello).

Defiro, portanto, a súplica.

Expedientes necessários à espécie de soltura, inclusive Alvará, a ser cumprido se não houver outro motivo determinante da clausura do acusado, devendo constar no instrumento da ordem a advertência de que o feito continuará a tramitar, devendo o réu manter atualizado o endereço nos autos para futuras intimações.

O acusado deverá ser apresentado, pela autoridade administrativa responsável pela custódia, ficando esta responsável também pela correta identificação do custodiado, ao Oficial de Justiça encarregado da diligência de cumprimento do alvará de soltura.

Registre-se, publique-se e intime-se.


Fortaleza – CE, 7 de junho de 2011.

Marlúcia de Araújo Bezerra

Juíza de Direito da 17ª Vara Criminal


[1] Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, em vigor no Brasil por força do Decreto Presidencial n.º 678, de 6 de novembro de 1992, destaque inovado.

[2]Excerto do discurso “ORAÇÃO AOS MOÇOS”, proferido pelo inesquecível Ruy Barbosa, no ano de 1920, quando, na oportunidade, escutavam-no uma turma de advogados e juízes neófitos.