DECISÃO - Direito de greve, propriedade privada e força policial - SC

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO 3ª VARA DO TRABALHO DE FLORIANÓPOLIS

Interdito 0000615-53.2020.5.12.0026

AUTOR: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS

RÉU: SINDICATO DOS TRABALHADORES NA EMPRESA DE CORREIOS TELEGRAFOS E SIMILARES DE SC

 

Vistos etc.

Inconformada com a decisão de ID c8a4bc9, que indeferiu o pedido de medida liminar inaudita altera parte, a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS – ECT requer sua reconsideração.

Em suma renova os argumentos já apresentados na petição inicial e, como tal, já rejeitados na decisão atacada. A título de novidade, a requerente anexa um novo vídeo e cita notícias veiculadas na imprensa acerca da greve dos empregados dos Correios.

Desde logo, observo que nenhuma das notícias citadas na petição da requerente refere-se ao Estado de Santa Catarina e o vídeo documenta fatos havidos em Salvador/BA. Aliás, esse o vídeo contém apenas a manifestação de um trabalhador que exorta seus colegas a participarem do movimento paredista. Trata-se de exercício regular do direito ao “o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”, previsto no art.  6º, inc. I, da Lei 7.783/1990.

Em verdade, o que a requerente busca é a indevida atuação do Poder Judiciário para cercear o exercício do direito de greve por seus empregados.

Todavia, conforme já exposto na decisão atacada, o artigo 9º da Constituição Federal assegura o direito de greve e estabelece que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Eventuais excessos que possam acarretar danos à propriedade ou a pessoas estarão sujeitos a responsabilização nos âmbitos trabalhista, civil e penal, como determina o artigo 15 da Lei 7.783/89.

Neste contexto, a utilização de força policial para resguardar a propriedade privada, conforme requerido na petição inicial, sem que haja efetiva ameaça de danos, é procedimento que visa constranger o movimento grevista e atenta contra o livre exercício de um direito garantido por nossa Carta Magna.

 

Sobre o papel da força policial em tais circunstâncias, cabe citar decisão memorável da magistrada Eliane Aparecida da Silva Pedroso no Processo nº 01611-2006-434-02-00-8, que assim se manifestou:

Como para o exercício de quaisquer direitos, a greve exige atenção aos limites do espaço da cidadania, como também atenção às regras específicas (lei de greve) e genéricas (o ordenamento, inclusive no que toca à propriedade e ao dever de indenizar danos causados).

 

Hoje, impensável que se solucione qualquer greve com o chamamento da polícia. Não se argumente com a alegação de que a presença da polícia faz-se com o objetivo de garantir o livre exercício de propriedade dos bancos, porque a tão-só aparição da força policial gera, ao menos, dois efeitos graves: inibe a aproximação dos grevistas e incentiva a associação do movimento com ato de ilegalidade, o que, absolutamente, é reprovável no ambiente democrático.

 

(…)

 

A participação da polícia – da força pública – nos eventos de greve limita-se à regular atividade desta força estatal, isto é, sua presença corresponderá a violação de direitos ou à prevenção de tal violação, quando evidente ameaça permear a ação de quem quer que seja. Repito, de antemão, não pode a polícia por-se à frente de agências bancárias, apenas sob o pretexto de assegurar o funcionamento do estabelecimento, fato que a greve busca impedir.

 

Seria, por fuzil, enfrentar a letra da Constituição.

 

Simulando a defesa da posse, a requerente pretende impedir a livre manifestação sindical por meio de interferência inconstitucional do Estado, via Poder Judiciário. Tal conduta, além de atentar contra o direito de greve, ofende a liberdade de opinião (art. 5º, IV, Constituição Federal), a possibilidade de reunião pacífica em locais abertos ao público (art. 5º, XVI, da Constituição Federal), e concede à propriedade prerrogativa que lhe é obstada pela função social que deve necessariamente informar o seu exercício.

Não bastasse, a requerente ainda apela para argumentação desleal ao afirmar que com “o constante indeferimento da cautelar solicitada, o judiciário também virou piada na boca dos líderes grevistas, que agora, encorajados com o indeferimento pretérito desafiam a Empresa  (...)”. Ora, ao contrário do que quer fazer crer a EBCT, a certidão citada na pág. 8 da petição de ID 24912b7 registra que a líder sindical “cordialmente forneceu-me as informações necessárias”  e disse que sairão do local com “ordem judicial específica”, ou seja, manifesta de maneira indubitável o respeito pelas determinações judiciais.

Com essa conduta, a requerente busca alterar a verdade dos fatos e criar uma infundada antipatia do juízo em relação ao movimento grevista, o que caracteriza abuso do exercício do direito de ação, conduta tipificada no incisos II e III do art. 80 do CPC.

 

Por tais motivos, mantenho a decisão que indeferiu as medidas liminares pleiteadas pela requerente, a declaro litigante de má-fé e, por conseguinte, a condeno ao pagamento de multa equivalente a 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 81 do CPC.

Intimem-se as partes. Nada mais.

FLORIANOPOLIS/SC, 09 de setembro de 2020.

ALESSANDRO DA SILVA

Juiz(a) do Trabalho Substituto(a)