Poder Judiciário Federal - Justiça do Trabalho - 4ª Vara de Joinville - Cipla

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
JUSTIÇA DO TRABALHO
4ª VARA DE JOINVILLE

AT 3431-2007-030-12-00-9

S E N T E N Ç A

CARLOS ROBERTO DE CASTRO ajuíza, em 31-07-2007, ação trabalhista em face de CIPLA INDÚSTRIA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO S/A. Atribui à causa o valor de R$ 16.000,00.

Alega o autor que trabalhou para a ré no período de 01-11-2002 a 04-06-2007. Insurge-se contra a justa causa aplicada na despedida, por ato do Interventor Judicial, pontuando forte aparato policial utilizado e a proibição de ingresso na empresa. Pleiteia a reversão da justa causa, com o pagamento das verbas inadimplidas e indenização por danos morais.

Antecipados os efeitos da tutela, com a determinação da anotação da CTPS e pagamento parcelado dos salários atrasados, em critério idêntico ao pessoal da ativa.

A ré apresenta defesa escrita. Justifica a despedida na quebra de confiança. Informa a quitação dos salários e serem indevidas verbas rescisórias, conforme descrito no TRCT. Admite que não depositou integralmente o FGTS. Requer a improcedência dos pedidos.

Juntados documentos. Produzida prova oral. Manifestações das partes. Novos documentos, com manifestação do autor. Sem outras provas, foi encerrada a instrução processual. Juntado, pela empresa, relatório de auditoria, do qual teve vista o autor. Razões finais por memoriais. Propostas conciliatórias infrutíferas.

DECIDO:

CARÊNCIA DE AÇÃO

As condições da ação estão presentes (CPC 267 VI): não há proibição legal à pretensão do autor de ver reconhecida a nulidade da justa causa; verificada em abstrato, há pertinência subjetiva da lide, dada a correspondência entre as partes e os sujeitos da relação jurídica narrada na petição inicial; o interesse processual está caracterizado em seu trinômico (necessidade, utilidade e adequação) na pretensão resistida.

A questão da justa causa aplicada na despedida não compromete as condições da ação, porque é matéria de mérito que irá resultar na procedência ou improcedência do pedido. Rejeito.

INÉPCIA

À simplicidade e informalidade por que se norteia o processo trabalhista não se liga rigor formal na elaboração dos pedidos (CLT 840), bastando seja compreensível e não comprometa o direito de defesa da parte contrária.

Os pedidos estão formulados de forma clara e precisa, possibilitando o exercício do direito de defesa exaustiva de mérito. Os fatos estão narrados em seqüência lógica, enunciando pedidos admitidos e não vedados pelo ordenamento jurídico, sem qualquer incompatibilidade.

O fato do autor descrever os fatos que culminaram com sua despedida e por ter informado a falta de pagamento dos valores na oportunidade da rescisão contratual, fundamentam o pedido de dano moral e pagamento verbas trabalhistas da contratualidade. Viabilizada a ampla defesa e o contraditório (CRFB 5º LV). Rejeito.

PROVAS ILÍCITAS

Tenho por ilícitas as provas produzidas pela empresa, através de meios invasivos do sigilo das correspondências, com a varredura das comunicações eletrônicas de seus empregados, sem que esteja demonstrado, nestes autos, a existência de um regramento claro acerca dos limites de utilização dos e-mails corporativos e das formas de controle material, de conteúdo (CRFB 5º XII).

Nos termos do art. 5º, LVI, da Constituição da República, não conheço das cópias das correspondências eletrônicas apresentadas pela defesa.

PROVA EMPRESTADA

A utilização da prova produzida em outros processos é admitida pelo Juízo porque a ré participou da instrução processual na colheita da prova, estando garantidos o contraditório e a ampla defesa (CRFB 5º LV).

Essa a disciplina de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA: para se tornar possível a utilização da prova emprestada é fundamental que a parte contra quem se pretende produzir a prova tenha integrado o contraditório no momento da produção da mesma (Lições de Direito Processual Civil, Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003, v. I, p. 408).

As atas da audiências em que foram colhidos os depoimentos referidos nesta sentença, estão disponíveis na internet (www.trt12.gov.br).

RETIRADA DOS PERTENCES PESSOAIS

Intimado para indicar quais pertences estavam retidos na empresa ré, o autor não se manifestou. A ré informou que convidou o autor a retirar seus pertences. Assim sendo, ante o silêncio do autor, considero devolvidos seus bens pessoais.

JUSTA CAUSA

A tese da defesa, sustentando a justa causa aplicada na despedida do autor, centra-se na quebra de confiança decorrente da intervenção judicial.

A forma genérica como foi formalizada a despedida por justa causa, sem indicação do ato faltoso e nem da alínea infringida do art. 482 da CLT, constitui vício capaz de comprometer a validade do ato.

O decreto de intervenção, por si só, não constitui a conhecida figura jurídica “fato do príncipe”, porque a determinação é de afastamento temporário dos responsáveis pela administração, o que importaria, no máximo, em situação passível a legitimar a suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, mas não a rescisão por justa causa. Transcrevo (f. 19-24 do decreto):

b) Na terceira fase da intervenção, havendo pessoa que assuma o encargo de depositário e que se comprometa a cumprir a forma de administração e o esquema de pagamento aprovados, além do cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias correntes, a administração das empresas do Grupo poderá retornar aos seus atuais gestores. Nesta hipótese, encerrar-se-á a intervenção e, conseqüentemente, a remuneração do interventor.

Veja-se que no despacho de complementação ao decreto, ficou determinado apenas sejam afastados da administração do Grupo Cipla todos os seus representantes legais e/ou pessoas que estejam na administração da empresa.

Importante destacar que, segundo a tese da defesa, nem todos os empregados que participaram da administração foram despedidos (embora despedidos, na mesma data, mais de 30 empregados), o que duplamente vicia o ato, porque diferentemente tratados empregados envolvidos numa mesma situação. Transcrevo:

Por fim, impende salientar que se nem todos os funcionários que participaram da administração foram demitidos, tal fato não implica em falta de critério para a demissão, eis que é um direito potestativo do empregador decidir quais funcionários serão demitidos, sendo certo que uma empresa não pode demitir de uma única vez todos os funcionários, pois acarretaria prejuízos ainda mais sérios para a produção. (f. 67)

Se havia justa causa para a despedida, deveria a empresa, no mínimo, utilizar idêntico procedimento em relação a todos os empregados enquadrados na mesma situação fática motivadora da despedida. Entretanto, se valeu a ré de critérios subjetivos para justificar ato que necessita, para sua validade e eficácia, estar objetivamente caracterizado.

Nula a justa causa aplicada.

Além de nula, a despedida por justa causa se deu numa prática discriminatória, em represália à convicção ideológica.

A situação dos trabalhadores do Grupo CIPLA, necessita ser examinada na circunstância em que se deu a encampação e, posteriormente, intervenção judicial.

Consta na decisão proferida na Ação de Execução Fiscal 98.01.06050-6/SC, que decretou a intervenção judicial (f. 3 da decisão):

Nas últimas décadas, provavelmente em virtude da mudança no controle acionário e administrativo, as empresas do Grupo passaram a apresentar um cenário de crescente endividamento, aumentando, também, o nível de descumprimento de suas obrigações, inclusive tributárias. No ápice dessa crise, chegou-se ao ponto em que nem sequer os salários dos funcionários eram honrados, o que levou, naturalmente, a diversas mobilizações e manifestações de insatisfação dos trabalhadores, por intermédio de suas agremiações sindicais.

Como fruto dessas manifestações e reivindicações, em outubro de 2002, na presença do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho, do Sindicato da categoria e de outras autoridades e políticos locais, alguns sindicalistas assumiram, em nome dos trabalhadores, a administração das empresas do Grupo Cipla. Passaram, então, a geri-las diretamente, por meio de uma comissão criada para esse fim, como forma de garantir o recebimento de seus salários, forma de gestão que perdura até hoje.

Vê-se, desse relato, que o Grupo CIPLA não foi tomado pelos trabalhadores, mas sim “entregue” a eles em resposta às reivindicações coletivas: não houve a invasão de uma fábrica rica e produtiva, mas sim a ocupação de uma indústria endividada e abandonada à própria sorte, na tentativa se preservar os postos de trabalho, com a manutenção do parque fabril em atividade, evitando, dessa forma, o sucateamento do maquinário e a perda dos únicos meios então disponíveis para quitação das dívidas trabalhistas e tributárias.

E a encampação se deu como resposta às manifestações dos trabalhadores, expressas em atos públicos de reivindicação por uma solução capaz de dar conta dos problemas sociais criados por especialistas no calote generalizado, fraudes e sonegação fiscal em grande escala, conforme constatado na AT 3324-2002-030-12-00-6.

E do que são acusados os trabalhadores despedidos por justa causa quando da intervenção judicial?

Os trechos da contestação, a seguir transcritos, traduzem a tese da defesa na justificativa da despedida do autor:

Assim, as pessoas demitidas, como é o caso do autor, por ocasião da intervenção judicial, o foram porque estavam administrando as empresas ou eram pessoas de inteira confiança daqueles que exerciam a gestão das empresas, bem como colaborando para a “administração”. (f. 72 ...)

Por ser um dos antigos administradores, que se encontram sob investigação judicial, conseqüentemente a empresa perdeu a confiança nesses trabalhadores, o que configura motivo suficiente para a aplicação da justa causa. (f. 73 ...)

Ressalta-se que o ato do reclamante e de seus companheiros acarretaram grandes prejuízos à reclamada, sendo por estes atos determinada a intervenção judicial. Observa-se ainda que o autor também participava do Movimento das Fábrica Ocupada, apoiando-o abertamente. (f. 75 ...)

Na decisão datada de 21-05-2007 (em anexo), o Juiz da Vara de Execuções Fiscais informa que os “métodos adotados pela comissão de sindicalistas-trabalhadores para a defesa dos interesses das empresas do Grupo Cipla nem sempre são legais” e que “uma das formas utilizadas é organização de passeatas”. (f. 76 ...)

Assim, por ter o autor participado da administração da empresa, cometeu atos que ensejaram a falta de confiança, configurando a justa causa, fazendo inclusive parte da Comissão de Administração (documentos anexos), auxiliando e exercendo diretamente a administração, pelo que se provará. (f. 76 ...)

No documento intitulado “Um programa socialista para o Brasil”, assinado por Serge Goulart, retirado da internet através da página www.google.com.br, que nos últimos meses foi “nomeado” Diretor Presidente da empresa, referendado pelo reclamante, informa que o objetivo principal dessa corrente é político. (f. 78 ...)

Preliminarmente, impende salientar que não existe por parte da ré qualquer oposição quanto a liberdade de expressão, associação, credo ou ideologia, que a menção à destinação política dos bens e recursos da reclamada é pura e simplesmente demonstrativa e para configurar o desvio da sua finalidade laborativa. (f. 78 ...)

(...)os bens da ré foram utilizados como fomento de ideologias, tendo sido realizado, inclusive, Encontro Pan-americano em Defesa dos Empregos, na sede da empresa, com o objetivo de fortalecimento do “Movimento das Fábricas Ocupadas”, pelo que comprovam os documentos em anexo. (f. 79 ...)

Ademais, o autor, como membro de gestão da reclamada, impunha ordens e comandos a funcionários, discutia diretivas e encaminhamentos, tudo para o bom e fiel desempenho da Organização (O Trabalho), utilizava de seu correio eletrônico, seu tempo, materiais e local de trabalho para o fomento dessa Organização. (f. 79 ...)

Os documentos anexados com a defesa demonstram que a sede da reclamada era usada pelo reclamante para fins políticos-ideológicos, sendo que esta situação não poderia continuar com a decretação da intervenção judicial, pois era inconcebível que os salários dos funcionários permanecessem impagos, enquanto que a empresa e seus recursos eram utilizados para mobilizações, manifestações, formação de militantes, etc.

Demonstra ainda que os bens da reclamada eram utilizados para fins políticos-ideológicos, e que a sede da empresa foi transformada em QG da corrente O Trabalho. (f. 80 ...)

Nota-se, nos destaques transcritos, e na generalidade dos argumentos de defesa apresentados pela ré em situações análogas, que os trabalhadores despedidos por justa causa são acusados de: utilizarem o patrimônio da empresa para finalidades pessoais ou favorecimento de um grupo; participarem direta ou indiretamente da administração da empresa; apoiarem outras lutas; integrarem corrente político-ideológica; constituírem uma associação visando mobilização sindical; aliciarem outros trabalhadores para manifestações; realizarem encontro com outros movimentos de trabalhadores na sede da empresa; se articularem com o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; votarem para presidente do Conselho de Fábrica.

Eis a prova produzida:

No depoimento da preposta, consta:

No dia 31 de maio houve a intervenção judicial e todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos tão somente por integrarem a mobilização política; a depoente distingue comissão de fábrica e mobilização pontuando que nem todos os integrantes da comissão de fábrica foram despedidos, mas que todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos; esses trabalhadores integravam a mobilização política da empresa; a depoente conhece a história da ocupação da fábrica desde o início; por várias vezes a fábrica esteve na eminência de ser fechada antes da intervenção; a depoente aponta as mobilizações dos trabalhadores como atos e fatores determinantes à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos mediante a conquista de apoio e solidariedade da população e das autoridades para a situação de quebra da empresa; além desse objetivo, acredita a depoente que a mobilização também visasse o movimento político dos integrantes, não sabendo definir qual e nem com que propósito, porque isso não ficava evidente na atuação dos envolvidos. Nada mais.

Há, no depoimento citado, três pontos a serem marcados: a) a perseguição ideológica, na indicação clara da causa da despedida dos trabalhadores – todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos tão somente por integrarem a mobilização política; b) o reconhecimento da importância da mobilização dos trabalhadores como fator determinante à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos – aponta as mobilizações dos trabalhadores como atos e fatores determinantes à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos mediante a conquista de apoio e solidariedade da população e das autoridades para a situação de quebra da empresa; c) o imaginário circundante quanto à atuação política dos trabalhadores, cheio de subjetividade, resultante de idéias preconcebidas de “proveito próprio e partidário” em relação ao engajamento em uma causa coletiva, sem que, contudo, fosse possível apontar, objetivamente, qual e com que propósito – acredita a depoente que a mobilização também visasse o movimento político dos integrantes, não sabendo definir qual e nem com que propósito, porque isso não ficava evidente na atuação dos envolvidos.

No depoimento de MARIA, colhido na AT 3426-07, está retratada a concepção, da testemunha, contrária à atuação solidária dos trabalhadores, como se vê em sua reprovação ao apoio dado ao Sindicato dos Têxteis. Mais que isso, a testemunha traz a informação de que foi elaborada uma “lista”, com definição político-partidária, para a despedida por justa causa - todos os empregados que participavam do movimento e da corrente do PT do trabalho, radical marxista, foram relacionados e despedidos.

MARIA (AT 3426-07) - Inquirida e compromissada, disse que: a autora foi despedida porque participava do movimento; todos os empregados que participavam do movimento e da corrente do PT do trabalho, radical marxista, foram relacionados e despedidos, por entenderem que a atuação deles não se voltava unicamente para a CIPLA mas também para outras finalidades como apoio ao Sindicato dos Têxteis de Blumenau, dedicação à campanha política para deputado, do Mariano, acreditando a depoente que o difícil estado da empresa não poderia ter sido utilizado o pessoal da produção para outra coisa que não fosse produzir produtos da CIPLA; acrescenta a testemunha que mesmo quando a autora estava de atestado médico, ela atuava em panfletagem em prol de Mariano; não viu a autora panfleteando mas apenas ela saiu com uma sacolinha de panfletos junto com o pessoal que ia panfletar; Lailana trabalhava dentro da fábrica; nada fez a autora em relação à Associação Ferreirinha. Nada mais.

A prova emprestada também explicita que os trabalhadores foram despedidos por fazerem parte da mobilização, não havendo nada mais específico que justificasse a despedida deles. Reproduzo o depoimento das testemunhas EDSON e OSMAR, colhidos nas ATs 3413-07 e 3434-07:

EDSON (AT 3413-07) – Inquirido e compromissado, disse que: trabalha na CIPLA há 27 anos; a demissão por justa causa dos trabalhadores, quando da intervenção, se deu em razão da mobilização política deles; o sentimento que expressa era de muitos trabalhadores da CIPLA; no início acreditava no trabalho feito pela mobilização, em favor da CIPLA, mas com o tempo passaram a ver na atuação uma promoção política, com o discurso que era bonito de manter os postos de trabalho, mas com prejuízo financeiro no final para a empresa porque haviam gastos com a mobilização; na análise de custo benefício o depoente diria que nas mobilizações “o molho era mais caro que o frango”; acredita que o gasto era muito alto e que havia, além do prejuízo de caixa também prejuízo à imagem da empresa; que pode citar como exemplo a questão da energia elétrica: depois da intervenção houve a ameaça de corte e a empresa procurou juntar recursos para pagar a luz; mas se fosse na época de encampação esse dinheiro seria gasto, por exemplo, para pagamento de salários e matéria-prima e teriam que resolver a questão da luz “segurando o poste para a CELESC não cortar”; o depoente informa que a questão da luz referida, agora na intervenção, foi resolvida através de mandado de segurança e não com pagamento, sendo essa a forma legal de resolver o problema; o prejuízo que o depoente atribui que o movimento causou foi a imagem da empresa, com reflexo em cada funcionário; que José Onírio, Rebeca, Jorge Luiz, Clodoaldo, Edmilson, Carlos Roberto, Antônio Hélio, Sílvia Agostini, Osvaldo de França, Paulo Schultt e Antônio João, faziam parte da mobilização e por esse fato foram despedidos, não havendo nada mais específico quanto a eles. Nada mais.

OSMAR (AT 3434-07) – Inquirido e compromissado, disse que: o autor foi despedido por integrar a comissão de fábrica, não havendo um outro motivo específico para a despedida dele; o autor cumpria o horário na fábrica normalmente, e eventualmente era chamado por Sérgio Goulart ou Francisco Lessa para alguma mobilização em outras fábricas, sendo que esses fatos estão documentados na empresa; no início o movimento de encampação atuou muito bem e foi o que manteve a empresa funcionando, mas por fim começou a ser desacreditado, não sendo mais bem visto por empresas clientes, como a Mercedes Benz que passou a se preocupar com o ferramental que tinha na empresa; acredita que inicialmente a mobilização contribuiu para a manutenção dos postos de trabalho e da fábrica operando, mas depois alguns clientes romperam os contratos por causa da mobilização e isso acabou prejudicando, ao ver do depoente; o depoente acredita que, em razão do corpo técnico da empresa ter sido preservado, a resistência dos clientes se devia à mobilização em si, que não era bem vista; que o pessoal da mobilização atuava muito bem em questões como atos públicos, realizados por exemplo quando uma máquina ia a leilão, para evitar a venda; as tarefas externas eventualmente realizadas por Maureci se davam em razão da mobilização; a Mercedes continua comercializando com a Cipla, o que houve foi que a Mercedes não colocou nenhum ferramental novo, nem projeto com a Cipla, preservando apenas o que já vinha sendo feito; haviam assembléias gerais, realizadas, em média, a cada 30 ou 60 dias, quando então toda a empresa era parada e acabava prejudicando a produção; às vezes as assembléias eram feitas por turno; nas assembléias eram discutidas questões como faturamento da empresa, salários dos empregados, mobilizações em favor da Cipla e de apoio a outras empresas, e estratégias de mobilização; o depoente tem conhecimento do faturamento da empresa; o faturamento era documentado, no período de encampação foi aumentado em virtude de uma nova linha criada, sendo que a linha antiga manteve o faturamento; nas assembléias era divulgado o faturamento da empresa. Nada mais.

Novamente se vê, no depoimento de EDSON, a forte carga subjetiva que circunda a concepção quanto à atuação política dos trabalhadores, resultante da contrariedade da testemunha quanto às escolhas de ação. Nesse passo, é pontual destacar a questão da energia elétrica: durante a encampação, e também depois da intervenção, a conta de luz não foi paga, ainda que diferentes as estratégias utilizadas na gestão da empresa para escapar do corte. Instado a indicar o prejuízo sofrido pela empresa, a testemunha respondeu que o prejuízo que o depoente atribui que o movimento causou foi a imagem da empresa, com reflexo em cada funcionário.

No depoimento de OSMAR, há contradição nas informações prestadas, resultante não de má-fé, mas sim da expressão de idéias preconcebidas, contrárias à forma de ação coletiva. Interessante atentar que a testemunha primeiro disse que alguns clientes romperam contrato com a empresa (sem indicar quais, e não havendo prova nos autos nesse sentido), e depois afirmou que o faturamento era documentado, no período de encampação foi aumentado em virtude de uma nova linha criada, sendo que a linha antiga manteve o faturamento. Mais essencial, no depoimento de OSMAR, é a demonstração da prática de assembléias com todos os trabalhadores, para decisão coletiva quanto às estratégias de atuação, salários e faturamento da empresa - nas assembléias eram discutidas questões como faturamento da empresa, salários dos empregados, mobilizações em favor da Cipla e de apoio a outras empresas, e estratégias de mobilização (...) nas assembléias era divulgado o faturamento da empresa.

Examinada a prova oral, cabe agora retornar aos argumentos da ré, para verificação pontual das alegações mais significativas da defesa, lembrando que os trabalhadores despedidos por justa causa são acusados de: utilizarem o patrimônio da empresa para finalidades pessoais ou favorecimento de um grupo; participarem direta ou indiretamente da administração da empresa; apoiarem outras lutas; integrarem corrente político-ideológica; constituírem uma associação visando mobilização sindical; aliciarem outros trabalhadores para manifestações; realizarem encontro com outros movimentos de trabalhadores na sede da empresa; se articularem com o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; votarem para presidente do Conselho de Fábrica.

Em relação à utilização do patrimônio da empresa, não há prova, nem nestes autos e nem nos processos de situação análoga, examinados por esta magistrada, de que os trabalhadores despedidos tenham se favorecido, pessoalmente, dos bens da empresa, nem de que tenha havido favorecimento de um grupo – e isso mesmo tendo em conta o relatório de auditoria feita após a intervenção, ainda não apreciado judicialmente. Todo o esforço empreendido, segundo demonstrado na generalidade dos processos, tinha por destinação a atuação política com o objetivo de manter a fábrica funcionando e assim preservar os empregos.

Importante frisar que sequer há provas de que a empresa tenha tido prejuízo decorrente da gestão dos trabalhadores – aliás, foi durante a encampação que a empresa obteve certificação ISO 9001. E com a manutenção dos postos de trabalho – é comentado, nesta jurisdição, que depois da intervenção judicial, mais de 300 trabalhadores foram despedidos, já nos primeiros meses.

No que tange à participação dos trabalhadores na administração da fábrica, essa era uma contingência da ocupação: a empresa estava sob a gestão dos trabalhadores e, segundo demonstrado pelas atas juntadas aos processos, as decisões se davam em assembléia, com participação de toda a coletividade de trabalhadores da fábrica. Cabia a eles administrarem a empresa.

Referente ao apoio às outras lutas, à criação de uma associação para mobilização sindical, ao aliciamento de trabalhadores para manifestações, aos encontros com outros movimentos de trabalhadores, na sede da empresa, à articulação com o MST, e à realização de passeatas, nada mais são do que estratégias de ação próprias ao contexto de ocupação de uma fábrica.

Impressiona perceber a resistência e a tentativa de incriminar as ações solidárias classistas, dos trabalhadores, na busca de fortalecimento pela união de esforços em causas comuns, práticas essenciais e presentes em qualquer movimento de resistência ou transformação, numa sociedade democrática.

Atos de solidariedade a trabalhadores ameaçados de perder o emprego ou com direitos trabalhistas violados, passeatas para expor à população uma dada realidade, união de entidades sindicais e criação de associações civis, são práticas que se dão no pleno exercício de direitos constitucionais próprios da cidadania (CRFB, 5º, IV – livre manifestação do pensamento; 5º, XVII e XVIII – plena liberdade de associação; 5º, IX, liberdade de expressão; 8º, livre associação profissional).

O trabalhador não perde sua condição de cidadão quando entra numa fábrica. Ele à mantém, e ainda agrega a ela uma gama de direitos sociais próprios à qualidade de empregado (CRFB 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11).

Quanto à votação para presidente do Conselho de Fábrica, o processo de eleição marca a política democrática da encampação, com a participação dos trabalhadores na escolha de quem entendiam por melhor representante e líder: a eleição foi resultado da vontade da maioria dos trabalhadores, não da escolha de um só, mas sim soma da expressão da vontade de toda uma coletividade de empregados.

Sobre o fato de integrarem corrente político-ideológica, essa é uma garantia constitucional inviolável, salutar numa sociedade que se quer democrática, resultado da liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), liberdade de consciência política (5º, VI e VIII), inviolabilidade da vida privada (5º, X), e exercício dos direitos políticos (14 e s.).

Clara a discriminação ideológica presente no ato de despedida.

Antes mesmo da encampação, a ação coletiva e a atuação política foram práticas entre os trabalhadores do Grupo CIPLA. Foi através dos atos públicos que a comunidade teve ciência e se comoveu com a problemática vivida pelos empregados. E esses atos se construíram na mobilização organizada pelo coletivo de trabalhadores envolvidos.

Essa prática de atuação política coletiva permeou, ao que mostram as provas, todo o período de encampação. Atas demonstram a rotina de assembléias gerais, deliberativas sobre as mais variadas questões, inclusive a necessidade de ação solidária com outros trabalhadores em situação idêntica.

A formação política, por necessária, entrou em cena, porque não há organização sem formação, menos ainda diante de uma experiência nova de gestão, pelos trabalhadores, de uma empresa “quebrada”.

Veja-se, a esse exemplo de formação necessária, os diversos cursos de formação e especialização promovidos por cooperativas de trabalho que surgem a partir da falência de uma indústria: nenhum empregado, a princípio, tem o ânimo associativo, mas essa situação é posta com a quebra da fábrica, se apresentando a adesão à cooperativa como alternativa ao desemprego coletivo e imediato – a ajuda mútua, a prestação de serviços a terceiros em proveito comum e a partilha das "sobras" (sem finalidade lucrativa), com participação eqüitativa e controle democrático, requisitos essenciais à validade das cooperativas de trabalho, são questões a serem aprendidas pelos então empregados que se vêem na nova condição de associados. É ser citada, nesse sentido, a matéria da jornalista CÉCILE RAIMBEAU, sobre sociedade cooperativismo, publicada na edição de dezembro de 2007, da revista Le Monde Diplomatique Brasil, com o título A Europa das empresas “recuperadas” (disponível no site www.diplo.org.br), com a seguinte chamada:

“Substituir o patrão, no início, é mais trabalho. Mas pelo menos é trabalho!”: com esse pensamento, muitos operários europeus estão assumindo a direção de companhias quebradas, corrigindo os erros de gestão, saneando os rombos financeiros, retomando e modernizando a produção e conquistando mercados.

E vale ainda uma referência a mais sobre a matéria, no ponto em que discorre sobre o surgimento da experiência, em 1978, na Europa, qualificada então como ilegal, e o modo como se deu na Argentina, na crise econômica de 2001, e na Espanha, da década de 80:

Essa reanimação de uma empresa falida por parte dos empregados não é um caso isolado na Espanha. Ao contrário, ela se operou no quadro de um movimento social tão amplo que teria permitido, no início dos anos 80, recuperar ao menos 38.500 postos de trabalho no país (cerca de 6 mil só no País Basco e 7 mil na Catalunha). “O movimento nasceu em 1978, em empresas muito politizadas de quinhentos operários”, explica Isabel Vidal, professora de teoria econômica da Universidade de Barcelona. “Pouco a pouco, ele se espalhou pelo país, tornando-se ilegal”.

Essa efervescência lembra a criatividade dos trabalhadores argentinos depois da crise econômica de 2001. Diante dos liquidadores, nos leilões públicos, os operários espanhóis cantam: “Viva o direito à propriedade dos trabalhadores!”, como em Buenos Aires vinte anos mais tarde. Eles se apoiam na Constituição espanhola de 1978, que reconhece o direito ao trabalho (igualmente inscrito na Constituição francesa) e estimula os poderes públicos a promover a participação dos trabalhadores na empresa, a facilitar-lhes o acesso à propriedade dos meios de produção.

O cooperativismo tem se apresentado, em diversas partes do mundo, como alternativa à manutenção do trabalho com a quebra da empresa.

Mas o cooperativismo não é a única, e nem necessariamente a melhor forma que os trabalhadores vêem para solucionar as crises sociais de um sistema pautado na exploração do trabalho das pessoas pelos donos dos meios de produção. Duas das críticas mais contundentes ao cooperativismo residem na brecha que abre à facilitação de fraude trabalhista (falsas cooperativas) e no argumento da concorrência desleal (baixo custo, pela desoneração de encargos sociais, e linhas especiais de crédito e financiamento), importando, também nesse ponto e em análise macro, em precarização do trabalho humano.

Durante a encampação do Grupo CIPLA pelos trabalhadores, a política de atuação coletiva se opunha ao cooperativismo e estava voltada à estatização da empresa, por verem nessa forma a solução que melhor contemplaria a garantia de emprego, com a continuidade de funcionamento da empresa.

Fábrica quebrada, é fábrica ocupada; fábrica ocupada, é fábrica estatizada, dizia o título de um livro-reportagem sobre a luta dos trabalhadores da Cipla e Interfibra para salvar 1000 empregos, escrito por JANAÍNA QUITÉRIO DO NASCIMENTO, cuja cópia foi entregue a esta magistrada quando da chegada nesta jurisdição, no início do ano de 2007, por duas das procuradoras do Grupo CIPLA (diga-se: duas das que assinam a tese da defesa).

No livro referido, é posta a participação direta dos trabalhadores, a ação solidária com outros movimentos sociais e trabalhistas, a mobilização coletiva e a articulação política, como meios para a transformação do que é traçado no livro como realidade excludente do sistema capitalista de produção. A estatização da fábrica era buscada na responsabilidade social do Governo na manutenção dos empregos, e também justificada, na reportagem, na linha de produção das empresas do Grupo, com itens como materiais para construção, passíveis serem destinados à implementação, pelo Estado, do direito social de moradia (construção de casas populares para diminuir o imenso déficit habitacional), e produtos produzidos para a estatal Petrobrás, que teriam concorrência apenas na importação.

É uma perspectiva socialista, frente a um sistema que tende a se impor como única idéia de mundo.

Esse é o melhor dos mundos possíveis.

A conclusão de GOTTFRIED LIEBNIZ, de ser esse o mais perfeito dos mundos possíveis, inspirou VOLTAIRE a escrever Cândido, um conto que desperta os sentidos para a força da natureza e leva o espírito crítico à reflexão sobre as perspectivas diversas de mundos que a razão humana, nos seus limites e instigada pela eterna insatisfação das respostas encontradas, é capaz de descobrir, quando confrontada com a injustiça presente no fanatismo religioso, no abuso de poder e na intolerância ideológica.

De inegável inspiração nessa assertiva, e em contraposição ao pensamento único neoliberal, os movimentos sociais organizaram, em 2001, na cidade de Porto Alegre, o primeiro Fórum Social Mundial, com a bandeira Um outro mundo é possível, em dias simultâneos ao Fórum Econômico Mundial, que se realizava em Davos, na Suíça.

Milhares de pessoas, vindas de várias partes do mundo, se reuniram para questionar o modelo econômico dominante, num Fórum que marcou pela presença do humano plural, da diversidade de idéias e da necessidade se buscar alternativas viáveis à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Se a par de uma realidade excludente, marcada por desigualdades econômicas e preconceitos escandalosos, um grupo de trabalhadores assume a gestão de uma empresa “quebrada” e procura conduzi-la de modo a mantê-la funcionando para preservar os postos de trabalho, num quadro de desemprego estrutural, a situação desses trabalhadores necessita ser lida no contexto em que se deu a encampação e a gestão da fábrica ocupada – e, especialmente, tendo em mente a equação necessária aos princípios da ordem econômica: os valores sociais do trabalho, a livre iniciativa e a função social da propriedade, na finalidade do Estado em promover o pleno emprego (CRFB 170 VIII), para assegurar a todos a existência digna.

Daí se veria que os trabalhadores do Grupo Cipla, despedidos por justa causa, entre eles o seu Domingos (que trabalhou 30 anos para a empresa e depois recebeu em casa uma “cartinha” lhe dizendo para não voltar mais lá), queriam mesmo é continuar trabalhando em seus ofícios, unindo esforços para esse desiderato.

Também se veria que, com um pouco de poesia, se compreende melhor essa tal de “mais valia”:

A estância se acordou
em dia de campereada
chiando pelas cambonas
pra se iniciar a mateada.

De repente, um peão barbudo
- atando a segunda espora - abriu a boca sisuda,
pondo os olhos campo a fora.

E falou pros companheiros
de mesmo rumo e ofício
numa tal de "mais valia"
falando em tom de comício

Contando um pouco de história
- revoluções, coisa e tal -
foi falando de "trabalho",
"propriedade" e "capital".

Terêncio ficou sabendo,
com os "óio arregalado"
o que nunca, então, pensara:
"todo o peão é explorado"...

E aquele peão barbudo,
com a melena comprida,
foi falando enquanto via
toda a peonada reunida...

"A peonada leva a tropa
pra morrer no matadouro,
esfola a bunda nos "basto"
o sol véio queima o couro
- mas o patrão barrigudo
é que embolsa todo o ouro!

Se madruga todo dia
pra "laçá" e "curá" bicheira,
se afunda os "garrão" no barro
co´essas "vaca" da mangueira
- e o que nos sobra de tudo?
só hemorróida e "frieira!"

"E ainda fazem rodeio
em nome da Tradição!
Os "boi" de língua de fora
pr´alegria do patrão!
O que era duro ofício
se transforma em diversão

"E tem mais: a propriedade
deve ser de quem trabalha!"

Quem sustenta a casa-grande
são nossos "rancho" de palha
e se a peonada joga truco,
o patrão é quem baralha!"

Nisto, chega o capataz,
sempre de cara amarrada...
O Carlos fica solito,
falando pra madrugada:

"... E tem gente trabalhando
sem ter carteira assinada!"

Cada um pegou seu laço
pra mais um dia de lida.
O sol campeiro encilhou
a pampa verde estendida...

E aquele peão, no outro dia,
pediu as contas - se foi...
tangendo um sonho distante,
ouvindo um berro de boi.

Alguns dizem que o patrão
é que botou porta a fora,
porque não tinha no lombo
as marcas da velha espora.

E seguiu a velha estância
no mesmo tranco, afinal:
Terêncio tirando leite,
Nestor montando bagual...

O patrão com a guaiaca
forrada dos "capital"...

(FARIAS, Juarez Machado de, Se Marx fosse peão. CD Sesmaria da Poesia Gaúcha) www.paginadogaucho.com.br/poes/smfp.htm

Tenho por caracterizado o dano moral na forma discriminatória como se realizou a despedida (CRFB 5º XLI e X, CC 186 e 927). Sopesando a gravidade do ato a ser reparado, as necessidades da vítima e os recursos da empresa, que atravessa sérias dificuldades, fixo, como indenização, o valor equivalente a um mês de salário por ano de serviço ou fração.

Declaro nula a justa causa aplicada na despedida e reconheço a rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa, por iniciativa da empresa.

Defiro indenização por danos morais, no valor de R$ 20.640,00, correspondente a 5 remunerações do autor, equivalente a uma remuneração por ano de serviço ou fração.

VERBAS INADIMPLIDAS

Os salários em atraso estão especificados no TRCT (f. 108). As parcelas pagas por conta da tutela serão deduzidas nos cálculos de liquidação.

A rescisão do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador e sem justa causa, faz devida a indenização do aviso prévio. O aviso prévio integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais (CLT 487 § 6º).

No TRCT, não estão lançadas as férias proporcionais, nem a gratificação natalina de 2007, estando, ainda, inadimplido o valor de R$ 2.744,85, referente à gratificação natalina de 2006. Importante assinalar que as férias proporcionais são devidas, independentemente da causa da ruptura contratual, a teor da Convenção 132 da OIT – Organização Internacional do Trabalho.

Defiro ao autor:

a) Saldo de salários: R$ 3.138,57, de abril de 2007; R$ 3.401,53, de maio de 2007;
b) indenização do aviso prévio de 30 dias, com sua integração ao tempo de serviço para todos os efeitos legais;
c) gratificação natalina: R$ 2.744,85, de 2006; e 06/12 de 2007;
d) férias proporcionais: 8/12, acrescidas de um terço.

Autorizo a dedução dos valores pagos sob o mesmo título, em decorrência da determinação de pagamento parcelado das verbas rescisórias, conforme AT 3324-02.

MULTA DO ART. 477 DA CLT

As verbas rescisórias se situam entre os direitos sociais garantidores de um núcleo mínimo existencial da condição de sobrevivência do trabalhador assalariado que é despedido sem sequer ser pré-avisado.

O pagamento constitui a principal obrigação do empregador. É com base na data de pagamento que o trabalhador organiza suas despesas, e a impontualidade é capaz de comprometer até mesmo o sustento dele pelos dias de atraso, além de lhe causar constrangimentos com os credores. Intolerável essa prática.

Tenho por violada a obrigação de pagamento pontual das verbas rescisórias, incidindo a multa do  8º do art. 477 da CLT.

As dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa não afastam a incidência da multa, porque o risco da atividade econômica é do empregador que obtém a alteridade na prestação dos serviços.

Devida a multa do  8º do art. 477 da CLT.

MULTA DO ART. 467 DA CLT

As particularidades do caso concreto sugere se releve a aplicação da multa do art. 467 da CLT.

Isso porque a CIPLA foi encampada pelos trabalhadores num esforço coletivo para manutenção dos postos de trabalho, atualmente sob intervenção judicial, fato esse público e notório nesta jurisdição.

Essa realidade demonstra que os valores não foram disponibilizados por uma impossibilidade concreta e justificável. Indefiro a multa do art. 467 da CLT.

FGTS

Não efetuados, integralmente, os recolhimentos, devido o FGTS não recolhido no período trabalhado, com a indenização compensatória de 40%.

O FGTS será apurado inclusive sobre o aviso prévio indenizado, a gratificação natalina e as verbas reflexas. Não incide FGTS sobre as férias indenizadas (Lei 8.036/90 15  6º c/c Lei 8.212/91 28  9º d).

Defiro FGTS não depositado na contratualidade, inclusive sobre aviso-prévio, gratificação natalina e verbas reflexas, tudo com a indenização compensatória de 40%.

JUSTIÇA GRATUITA

Declarada hipossuficiência econômica e não produzida prova desqualificante das afirmações do autor de que não possui condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu sustento, concedo os benefícios da justiça gratuita (CRFB 5º LXXIV, CLT 790 § 3ọ e Lei 1060/50).

Adoto o posicionamento de que são cabíveis honorários independentemente da assistência jurídica sindical. A assistência judiciária gratuita é garantia constitucional (5º LXXIV) existente para tornar efetivo o direito fundamental de acesso à justiça. É dever do Estado, e não do Sindicato, manter a Defensoria Pública. E o Estado de Santa Catarina é o único, na República, que ainda não tem instituída a Defensoria Pública. A liberdade sindical (CRFB 8º) impede a interferência do Estado na organização dos Sindicatos, não podendo, por isso, ser transferido ao Sindicato o encargo de manter serviço de assistência jurídica – daí não ser possível compreender como monopólio do Sindicato a assistência judiciária aos trabalhadores, necessitando ser relido o art. 14 da Lei n. 5.584/70, de modo a adequá-lo ao espírito da Constituição da República, compreendendo-se a assistência judiciária sindical como um plus da entidade de classe, não como uma função substitutiva da Defensoria Pública.

Por isso, não pela sucumbência, que é inaplicável nas ações trabalhistas entre empregados e empregadores, tenho por devidos honorários assistenciais ao trabalhador que declare pobreza, nos termos do art. 5º, LXXIV, da Constituição da República, e da Lei n. 1.060/50.

Defiro honorários assistenciais de 15% sobre o valor bruto da condenação.

AJ PESSOA JURÍDICA

A exploração de atividade econômica, com objetivo de lucro, é incompatível com a situação de pobreza que exige do Estado a concessão da justiça gratuita como forma de acesso à justiça.

Entidades filantrópicas, associações civis, cooperativas de trabalho, são exemplos de atividades que, ainda que não objetivem lucro, estão sujeitas ao pagamento das custas e ao depósito recursal para exercer o direito de recorrer.

Diferentemente da exigência imposta às partes na Justiça Estadual e na Justiça Federal, nesta Justiça do Trabalho o acesso à justiça independe do pagamento prévio de custas, e sequer exige sejam antecipadas as despesas processuais: as partes podem ajuizar ação, apresentar defesa, produzir provas e ver cumpridas todas as diligências necessárias ao andamento do feito, sem desembolsar um níquel.

Importante pontuar que a garantia constitucional de acesso à justiça se concretiza quando viabilizado, às partes, o pronunciamento judicial sobre a lide, o que se concretiza já em primeiro grau de jurisdição. O duplo grau de jurisdição não constitui uma garantia constitucional de acesso à justiça: é um direito que, para ser exercido, exige a conformação a requisitos legais.

CRITÉRIOS DE APURAÇAO E ATUALIZAÇÃO

Os créditos serão corrigidos na forma da Lei 8177/91 (39 § 1ọ), incidindo índice de correção monetária do mês subseqüente ao da prestação dos serviços a partir do dia 1ọ (S 381 TST). Esse critério de atualização incidirá sobre os créditos até a data da efetiva disponibilidade do valor devido ao autor, por alvará.

Os créditos relativos ao FGTS serão corrigidos pelos mesmos índices aplicáveis aos débitos trabalhistas (OJ 302 SDI-1 TST).

A indenização por danos morais será corrigida (juros e atualização monetária) a partir da data da rescisão contratual.

Os honorários assistenciais serão apurados sobre o valor bruto da condenação (Súmula 37 TRT 4ª Região).

Na elaboração da conta, observe a determinação de pagamento parcelado das verbas rescisórias, apurando-se, em razão disso, distintamente, os valores devidos a título do FGTS, com a multa de 40%, a indenização por danos morais, e os honorários assistenciais sobre essas verbas, para habilitação na AT 3324-2002.

As demais parcelas inadimplidas serão quitadas pelo parcelamento, inclusive no que tange à multa do art. 477 da CLT, gerada no atraso do pagamento das verbas rescisórias, e aos honorários assistenciais sobre esses títulos, também de natureza salarial, devidos em razão da necessidade do autor ingressar em Juízo para receber direitos mínimos.

INSS E IR

Observe-se a Súmula 368, III, do TST quanto às contribuições sociais, que não incidem sobre as parcelas descritas no § 9ọ do art. 28 da Lei 8212/91.

Autorizo a dedução da cota-parte do autor somente em relação às parcelas que tem a receber por conta desta sentença.

O cálculo abrangerá toda a contribuição previdenciária devida. A cota patronal específica abrange a contribuição do empregador propriamente dito, a parcela correspondente a terceiros e a parcela referente ao seguro de acidente de trabalho.

Às contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças judiciais aplica-se atualização pela taxa SELIC e as multas pelo atraso no recolhimento, nos termos do art. 879, § 4º, da CLT , e da Lei nº 9.250/95, art. 39, § 4º.

No que tange ao critério de retenção das contribuições fiscais sobre os créditos trabalhistas pagos em decorrência desta condenação judicial, determino se observe o regime de competência, apurando-se o imposto como se o autor tivesse recebido mês a mês. Isso porque não seria razoável impor ao empregado o ônus da inadimplência de seu empregador, que por não quitar as verbas na época própria gerou a acumulação do recebimento de uma só vez.

Nesse sentido, cito ementa e trecho de acórdão proferido pela Justiça Federal, em ação ajuizada contra a União Federal visando à restituição de imposto de renda retido indevidamente, incidente sobre as parcelas recebidas a título de adicional de periculosidade, pagas acumuladamente em virtude de sentença proferida por Juiz do Trabalho (AC 2002.72.00.012728-3/SC, Rel. Des. Federal ANTÔNIO ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA, Porto Alegre, 14-12-2004):

TRIBUTÁRIO – VERBA TRABALHISTA – IMPOSTO DE RENDA – INCIDÊNCIA SOBRE O SOMATÓRIO DE PROVENTOS PAGOS EM ATRASO – INADMISSIBILIDADE. No cálculo do imposto incidente sobre rendimentos pagos acumuladamente, devem ser levadas em consideração as tabelas e alíquotas das épocas próprias a que se referem tais rendimentos, nos termos previstos no art. 521 do RIR (Decreto 85.450/80). A aparente antinomia desse dispositivo com o art. 12 da Lei 7.713/88 se resolve pela seguinte exegese: este último disciplina o momento da incidência; o outro, o modo de calcular o imposto. (RESP 424225/SC, 1ạ Turma, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJ 19-12-2003, p. 323) (...)

O acórdão citado evidencia a necessidade de se adotar postura de política judiciária tendente a evitar a proliferação de ações sobre temas convergentes, que podem ser resolvidos numa única demanda. Assim é que a aplicação do regime de caixa na retenção do imposto de renda sobre os créditos trabalhistas decorrentes de condenação judicial tem provocado o ajuizamento de outra ação perante a Justiça Federal, desta vez contra a União, visando a restituição dos valores retidos de imposto de renda sobre parcelas pagas acumuladamente. Por conta disso, deixo de aplicar o critério sugerido no inciso II da Súmula 368 do TST, até mesmo como meio a garantia da celeridade processual (CRFB 5ọ LXXVIII).

Os descontos fiscais incidem sobre o valor monetariamente atualizado, acrescido dos juros de mora (Súmula 27 TRT 4ª Região).

A existência de base legal que ampare as deduções afasta a indenização, porque não há ilicitude no ato (CC 186).

PELOS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, que integram esse dispositivo: rejeito as preliminares; e julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados para, mantendo os efeitos da antecipação da tutela, declarar a rescisão do contrato de trabalho sem justa causa e por iniciativa da empresa, e condenar a CIPLA INDÚSTRIA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO S/A. a pagar ao autor CARLOS ROBERTO DE CASTRO as seguintes verbas:

a) saldo de salários: R$ 3.138,57, de abril de 2007; R$ 3.401,53, de maio de 2007;
b) indenização do aviso prévio de 30 dias, com sua integração ao tempo de serviço para todos os efeitos legais;
c) gratificação natalina: R$ 2.744,85, de 2006; e 06/12 de 2007;
d) férias proporcionais: 8/12, acrescidas de um terço;
e) multa do § 8º do art. 477 da CLT;
f) FGTS não depositado na contratualidade, inclusive sobre aviso-prévio, gratificação natalina e verbas reflexas, com a indenização compensatória de 40%;
g) indenização por danos morais, no valor de R$ 20.640,00.

Concedo ao autor os benefícios da justiça gratuita. Arcará a ré com honorários assistenciais de 15% sobre o valor bruto da condenação.

Apurem-se os valores em liquidação de sentença, observados os parâmetros estabelecidos na fundamentação.

Observe a ré as determinações de pagamento parcelado, na forma definida nos critérios de apuração desta sentença, seguindo a diretriz da ata de audiência de 28-11-2007, na AT 3224-2002, autorizadas as deduções de todos valores pagos sob o mesmo título.

Incidem, sobre os créditos do autor de natureza salarial, os descontos legais, relativos às contribuições sociais e fiscais, observadas a época própria, alíquotas e isenções.

Custas de R$ 800,00, pela ré, calculadas sobre o valor arbitrado à condenação de R$ 40.000,00, complementáveis ao final.

Transitada em julgado, CUMPRA-SE.
CIÊNCIA ao MPT.
INTIMEM-SE.

ÂNGELA MARIA KONRATH
Juíza do Trabalho