Indeferimento de interdito proibitório contra grevistas

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO
3ª VARA DO TRABALHO DE FLORIANÓPOLIS
Processo: 0000492-65.2014.5.12.0026
AUTOR: TRANSOL TRANSPORTE COLETIVO LTDA
RÉU: SINTRATURB-SINDICATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTE DE
PASSAGEIROS URBANOS

D E C I S Ã O L I M I N A R

A TRANSOL TRANSPORTE COLETIVO LTDA pede reconsideração do pedido de liminar de interdito proibitório ajuizado em face do SINTRATURB – SINDICATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTE URBANO DE PASSAGEIROS DA REGIÃO METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS.

Argumenta que já ocorreram diversas paralisações dos ônibus da Empresa ora requerente decorrente das reivindicações de motoristas e cobradores de ônibus por melhores condições de trabalho, a exemplo das paralisações ocorridas nas datas de 09/05/2014 e 10/05/2014, que promoveram grandes prejuízos a sociedade. Aduz que novas paralisações ocorrerão no dia 11 de junho de 2014, quarta-feira, conforme ofício enviado pelo SINTRATURB a cada uma das empresas de Transporte Público Urbano, comunicação esta em que restou literalmente oficiado que será deflagrado novo movimento paredista. Transcreve jurisprudência em apoio a sua tese. Aponta que o periculum in mora encontra-se demonstrado pela ameaça de paralisação que poderá ameaçar o direito de posse e propriedade da empresa requerente, conforme se verifica nas reportagens e o ofício em anexo, destacando que o serviço público de transporte coletivo é atividade essencial e não pode ser cessado integralmente, pelo período que for, mormente em descumprimento à previsão legal para paralisação, conforme previsto no Art. 11 da Lei de Greve. Assinala que o Sindicato ameaça novamente a paralisação do transporte público urbano com ameaça ao direito de posse e propriedade da empresa requerente.

DECIDO:

A Constituição da República assegura, no caput do art. 9º., o exercício do direito de greve, atribuindo aos trabalhadores a decisão sobre a oportunidade de exercer esse direito, bem como definir acerca dos interesses que por meio da greve devam ser defendidos.

Além disso, nos parágrafos 1º. e 2º. do artigo 9º., a Carta Magna remete à legislação ordinária a
definição dos serviços ou atividades essenciais e a forma como serão atendidas as necessidades inadiáveis da comunidade, bem como as penalidades à que se sujeitam os responsáveis por abusos.

Eis o texto constitucional:

Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º. A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º. Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

A simples leitura do artigo transcrito já proclama a plenitude do direito de greve como instrumento
de pressão dos trabalhadores em face dos empregadores.

Mas o texto constitucional também anuncia o viés de responsabilidade que atrela o exercício desse direito, assim como o exercício de todos os demais direitos.

Sabe-se que a greve transitou da fase de criminalização para a de direito fundamental, num percurso evolutivo diretamente relacionado ao avanço das conquistas libertárias e democráticas frente a regimes autoritários e ditatoriais.

Se na Constituição de 1937 a greve era declarada um recurso anti-social, nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses da produção nacional, na Carta de 1988 ela aparece como um direito fundamental dos trabalhadores.

Proibida, tolerada ou permitida, e independentemente do reconhecimento jurídico a ela atribuído, certo é que a greve tem sido um fato social marcante nas relações de trabalho.

Não raro o direito de greve, na dinâmica de seu exercício, alcança esferas jurídicas de pessoas não diretamente envolvidas na relação de trabalho em questão, mormente numa sociedade de massa, quando entram em cena interesses conflitantes e as interligações entre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

É que o movimento paredista tem justamente por objetivo a cessação da prestação de serviços, o que irá implicar na queda produtiva de bens e serviços. Não produzidos os bens ou não prestados os serviços, inevitavelmente será de uma forma ou por outra atingida a esfera jurídica de quem deseje ou necessite daquele produto, ou seja destinatário daquele serviço.É inexorável.

Não obstante, a opção constitucional é pelo exercício do direito de greve pelos trabalhadores, mesmo em atividades essenciais, num reconhecimento explícito da importância que esse instrumento tem no equilíbrio de força entre capital e trabalho, entre trabalhador e empregador.

Por ser essa a opção constitucional, todas as medidas tendentes a restringir o exercício desse direito constituem uma afronta à Lei Maior e um retorno ao autoritarismo.

Cabe sim, e sem dúvida, a disciplina da responsabilidade pelos atos abusivos, porque a ninguém é dado o uso arbitrário das próprias razões.

No caso em exame, a ação proposta traz a problemática das paralisações no transporte coletivo,
serviço essencial à comunidade e que atinge, em maior dimensão, a população mais carente, aquela que percorre as maiores distâncias no percurso diário entre residência e trabalho e não dispõe de outro meio factível de deslocamento.

Mas ainda que o transporte coletivo seja uma atividade essencial, cabe ao comum acordo entre
empregadores e trabalhadores a garantia de uma frota mínima para atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim entendidas “aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (Lei n. 7.783/89, art. 11, parágrafo único). Ou, em caso de não observância desse dispositivo, cabível será a ação do Poder Público para assegurar a prestação dos serviços indispensáveis (Lei n. 7.783-89, art. 12).

Não é o caso, como se observa, de solução por interdito proibitório.

O mesmo se diga quanto às paralisações já ocorridas: os motivos que a ensejaram estão na autodeliberação do movimento paredista.

Exemplo disso está na trajetória de reivindicações postas em greves anteriores, conforme mencionei na apreciação da liminar requerida na AT 7578-2009, a saber a defesa do emprego dos cobradores frente a automação sugerida pelas catracas eletrônicas, a redução dos horários de ônibus e sua implicação, a mobilização para barganhar a participação dos lucros, ou, ainda, a solidariedade ao movimento contrário à privatização da Zona Azul – tema inserido na questão da mobilidade urbana – são causas reivindicatórias que se inserem no mundo do trabalho do transporte coletivo, cabendo aos trabalhadores definirem o que devam defender em seu movimento.

Ao Tribunal compete, em ação própria, a análise de abusos que tenham sido eventualmente
cometidos em paralisações anteriores, não podendo a questão ser examinada através de interdito proibitório, nem servindo essa situação pontual como parâmetro imaginário de ação futura.

Todo movimento paredista implica confronto, numa ou outra medida.

É um embate entre capital e trabalho, trabalhador e empregador. Uma situação extrema que põe em choque uma diversidade de interesses. Irá gerar problemas, porque é através dos problemas gerados que será buscada solução.

A cada novo movimento paredista cabe o exame do seu exercício, bem como das esferas jurídicas atingidas e das medidas necessárias a conter abusos e garantir a ordem pública.

Por ser um direito fundamental de exercício coletivo, que se inova e evolui a cada paralisação, num constante exercício de aprendizado, a greve deve ser examinada caso a caso.

Os parâmetros para o exercício do direito de greve estão postos na legislação.

Antes de deflagrado o movimento paredista e iniciadas as ações de mobilização grevista não é possível, sem constrangimento ao exercício do direito de greve e negação dessa garantia constitucional, se impor medidas judiciais limitadoras.

Pretender extirpar o caráter conflituoso da greve, numa disciplina judicial que limite o movimento
paredista a uma greve de fachada, é eliminar o direito de greve.

Sem impacto social, a greve não tem efeito. Para evitar o conflito, as partes podem entrar em comum acordo em seus interesses. O que não se pode é adotar medidas judiciais cerceadoras ao exercício das garantias constitucionais.

Um mandado judicial de interdito proibitório frente a uma situação ainda inexistente e incerta, nada mais seria do que uma medida repressiva ao exercício do direito de greve.

Fundamentos pelos quais, REJEITO LIMINARMENTE os pedidos formulados pela autora
TRANSOL TRANSPORTE COLETIVO LTDA frente ao SINTRATURB – SINDICATO DOS
TRABALHADORES EM TRANSPORTE URBANO DE PASSAGEIROS DA REGIÃO
METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS.

Intimem-se as partes e dê-se ciência ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.
Custas pela requerente, no montante de 2% sobre o valor atribuído à causa.
Publique-se.
Comunique-se a ASCOM.
Em 9 de junho de 2014.

ÂNGELA MARIA KONRATH
Juíza do Trabalho