Declaração do Porto

DECLARAÇÃO DE MAGISTRADOS LATINOS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS EM MATÉRIA DE DROGAS E DIREITOS HUMANOS



DECLARAÇÃO DO PORTO DE 10 DE JULHO DE 2009




1.- As políticas públicas em matéria de drogas demonstraram ser um rotundo fracasso, já que não conseguiram atingir os fins pretendidos de diminuição do consumo de substâncias entorpecentes, tampouco atingiram as grandes organizações criminosas. A ONU, em seu documento oficial do corrente ano (Relatório Anual sobre Drogas, UNDOC 2009), afirmou, claramente, que “não se deve sacrificar a saúde pública para preservar a segurança pública”, mas, sim, deve ser garantido “o acesso universal ao tratamento da toxicodependência”, como “um dos melhores meios para a redução do mercado ilegal de drogas”. E a ONU também reconheceu que a repressão excessiva gerou um mercado ilícito de proporções macroeconômicas desconhecidas que se serve da violência e favorece a corrupção de sectores do aparelho estatal.





2.- A transnacionalização dos fenômenos criminosos determinou a importação e a imposição de figuras penais, provocando uma colonização legislativa, que não levou em consideração as particularidades da criminalidade de cada país.





3. A cooperação penal internacional representa uma das partes mais frágeis do direito penal. A abundância de instrumentos internacionais bilaterais e multilaterais revela a sua fragilidade material e não cumpre os fins para que foram concebidos.





4.- Enquanto os tribunais estão saturados de pequenos crimes, escapam-lhes os mais graves, como o tráfico drogas, a lavagem de dinheiro e, ainda, a corrupção praticada por funcionários estatais.





5.- Os Estados se omitem ao não intervir nos espaços próprios de controle estatal e não fiscalizam os precursores químicos, o mercado de medicamentos e o sistema institucional e financeiro, como também deixam de implantar e executar políticas preventivas, educativas ou de aplicação de penas alternativas.





6.- Diversos estudos empíricos realizados demonstram que chegam majoritariamente ao sistema penal os casos menores e insignificantes, o que tem provocado a superlotação do sistema penitenciário, gerando um imenso e desnecessário desgaste do sistema judicial.





7. A legislação em matéria de drogas confronta-se com os princípios da legalidade, pro homine, da ofensividade e da proporcionalidade, todos consagrados pelos Tratados de Direitos Humanos, dos quais os nossos países são signatários.





8.- A legislação em matéria de drogas é uma legislação de emergência e, como tal, carece de um bem jurídico certo e determinado a proteger, possui técnica legislativa deficiente e uma proliferação excessiva de verbos, entre outros problemas técnicos que foram assinalados pela mais reconhecida doutrina.





9.- A pretendida solução desse complexo problema social por meio do sistema penal viola o direito de acesso à saúde, o qual somente é realizável, como assinalou o “Comitê do Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais”, se os membros da população tiverem acesso material aos bens e serviços que lhes garantam direitos mínimos, o que evidencia que se deve reservar o sistema repressivo para os casos graves.





10.- Deve ser acentuado e aprofundado o papel do direito no desenvolvimento da tutela dos direitos individuais, privilegiando-se, de forma positiva, a redução da violência étnica e urbana, bem como promovendo a harmonia multicultural.





11.- Diante do conflito entre diversos bens jurídicos, deve prevalecer sempre o direito que garanta maior proteção à dignidade humana, à saúde e à vida, em detrimento do direito à segurança, na sua acepção reducionista.





12.- A falta de políticas públicas em matéria preventiva por parte dos diversos governos de distinto matiz político é inversamente proporcional ao crescimento da propaganda de recrudescimento ou de campanhas de “lei e ordem”, as quais, confrontadas com a realidade, constituem meras ilusões.





13.- A proibição do consumo por meio da repressão ao porte de drogas marginaliza os consumidores e impede ou dificulta o seu contacto com as instituições de saúde e outros organismos de assistência social, já que os identifica com o sistema policial, privando-os de receber informações sobre como evitar o consumo problemático e proteger a sua saúde.





14.- É necessário expandir o conceito de redução de danos, o qual não deve ficar limitado a uma concepção meramente assistencial e alcance, também, em uma concepção mais ampla, a redução da violência que os departamentos estatais produzem sobre a população, por ação ou omissão, o que exige uma mudança de paradigma.





15.- O consumidor de drogas deve gozar de um efetivo direito à saúde. O tratamento a ser adotado deve ser voluntário e são invioláveis os direitos do consumidor à informação, ao conhecimento do diagnóstico e, também, à confidencialidade dos dados pessoais. Os tratamentos aplicados não devem prolongar-se excessivamente no tempo e devem ser adotados os meios e os fármacos adequados à problemática de cada pessoa. A internação deverá ser sempre a última medida terapêutica aplicável e deve ser adotada apenas quando nenhuma outra possa ser efetuada.





16.- A imposição de um tratamento compulsório, quer como medida de segurança, quer como pena alternativa, não viola apenas o princípio da autonomia individual, mas constitui, ainda, uma ferramenta ineficaz para cuidar dos consumidores de drogas, pois as estatísticas mostram que esse tipo de intervenção não conseguiu impedir o incremento de recidivas. Daí a necessidade de conceder aos consumidores um amplo leque de alternativas em matéria de tratamento.





Porto, 3 de Julho de 2009





Martin Vázquez Acuña (Argentina)

Mónica Cuñarro (Argentina)

José Henrique Rodrigues Torres (Brasil)

Rubens Roberto Casara (Brasil)

Clara Penín Alegre (Espanha)

Pablo Ruz Gutiérrez (Espanha)

Luigi Marini (Itália)

Renato Finocchi Ghersi (Itália)

António Cluny (Portugal)

Eduardo Maia Costa (Portugal)