Bem mais que 100 mil

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Por Valdete Souto Severo

Presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), juíza do Trabalho do TRT-4

 

Em números oficiais, o Brasil atingiu a vergonhosa marca de 100 mil mortos por COVID-19. Um número insuportável: difícil evitar a náusea. Especialmente quando percebemos que muitas mortes teriam sido evitadas, se a Emenda Constitucional 95 não tivesse retirado bilhões de investimento em saúde, se a reforma trabalhista não tivesse jogado um número enorme de pessoas na precariedade, se a Emenda Constitucional 103 não tivesse dificultado o acesso a benefícios previdenciários, se a fiscalização das condições sanitárias e de trabalho não estivesse sucateada. Certamente não teríamos tantos corpos.

 

E não são 100 mil. O número de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) aumentou 20 vezes desde março. O Boletim Epidemiológico Especial n. 25 do Ministério da Saúde dá conta de 90.973 mortes por COVID-19 e 135.423 mortes por SRAG no período de 26 de julho a 01 de agosto. Estudos como o da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) mostram que a subnotificação esconde um número sete vezes maior de vítimas.

 

O fato de que desde o início de julho não baixamos a média oficial de mais de 1000 mortos por dia dá a medida da tragédia: mais de 41 pessoas mortas por hora no país. E tudo isso pela absoluta ausência de políticas de distribuição de renda, garantia de emprego com salário integral, auxílio às empresas, isolamento com condições de sobrevivência digna, uso público dos hospitais privados, direcionamento da produção para a fabricação e distribuição gratuita de equipamentos de proteção, como máscara.

 

Há medidas que sequer demandam esforço demasiado, como a adoção de um discurso oficial de proteção às vidas, em lugar daquele de retomada da economia, como se houvesse economia sem vida. E não se trata de falta de dinheiro, pois segundo a OXFAM, entre 18 de março e 12 de julho, o patrimônio dos 42 bilionários do país passou de US$ 123,1 para US$ 157,1 bilhões. Aliás, o auxílio financeiro dado às instituições bancárias também prova isso. Trata-se, pois, de escolha.

 

Somos o segundo país do mundo em mortes em razão da pandemia e o terceiro em desigualdade social. Não há coincidência. Viver em sociedade precisa fazer sentido. No Brasil, esse sentido parece ter se perdido. É preciso recuperá-lo.

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