Movimentos suprapartidários pressionam por resposta institucional a ataques à democracia

5ed5a604240000d5138ebea0

PICTURE ALLIANCE VIA GETTY IMAGESNo domingo (31), torcidas de times adversários em São Paulo foram às ruas protestar pela democracia.

 

Mais de 230 mil pessoas aderiram ao movimento Estamos Juntos, e pelo menos outras 6 frentes endossam bandeira semelhante: todos em prol da democracia. A escalada autoritária a que o Brasil assistiu na última semana, que inclui a fala do filho do deputado Eduardo (PSL-SP) ― filho 03 do presidente Jair Bolsonaro ― sobre uma iminente ruptura institucional, foi capaz de unir até adversários políticos para demonstrar insatisfação com gestos do governo e tentar fortalecer o Estado Democrático de Direito. 

Integrantes de grupos que estão vigilantes a ataques à Constituição ouvidos pelo HuffPost defendem uma resposta institucional, especialmente do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal), a qualquer ato antidemocrático. Esses movimentos afirmam que o País vive um grave tensionamento político, sem a convivência harmônica entre os Poderes.

“As instituições precisam ter bem claro o papel de cada uma. Não é momento de declarações passionais ou que não sejam positivas em torno da agenda do País”, diz o promotor de Justiça Manoel Murrieta, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

Murrieta assina nota subscrita por 8 entidades de classe ligadas à Justiça, como AMB (de magistrados), ANPR (de procuradores da República), Ajufe (de juízes federais), na qual há compromisso com fortalecer harmonia e independência entre os poderes. Ao HuffPost, o promotor destacou que não será aceita qualquer possibilidade de ruptura.

“Vamos a 32 anos de fortalecimento da democracia, já passamos por 2 impeachment, outras crises e as instituições só se fortalecem. Esse é o caminho adequado em uma sociedade que quer construir um país livre, um país em busca de direitos iguais, direitos civis reconhecidos e toda gama de direitos importantes para qualquer cidadão no mundo”, analisa Murrieta.

A mesma defesa é feita pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ao HuffPost. Presidente da seccional de São Paulo, Caio Augusto dos Santos acrescenta que a “Constituição veio com propósito de impedir qualquer pretensão de ditadura ao nosso País” e que os Poderes devem respeitar as regras estabelecidas na Carta Magna. Ele alega que, diferentemente do que afirmou o filho do presidente, “não há no texto constitucional a possibilidade de uso das Forças Armadas para qualquer imposição entre um poder e outro”. 

Na última quinta-feira (28), Eduardo Bolsonaro propôs, em entrevista, o uso dos militares para “restabelecer a harmonia de Poderes”. Em nota, a OAB-SP destaca que a Constituição não contempla “intervenção ou tutela militar de um Poder Constitucional sobre outro”. O texto adiciona ainda que “a esmagadora maioria da sociedade brasileira vê-se assombrada por grupos que defendem abertamente nas ruas ideias antidemocráticas misturadas a propostas golpistas e autoritárias”.

Essa parcela majoritária, descrita pela OAB-SP, se mostrou por meio adesão a movimentos da sociedade civil como o Estamos Juntos e o Somos 70%, que uniram de Fernando Haddad (PT) a Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Os grupos ganharam repercussão nas redes sociais ao ressaltar que representam “parte da maioria que defende a vida, a liberdade e a democracia” ― como descreve o Estamos Juntos. O movimento afirma que é “hora de deixar de lado velhas disputas em busca do bem comum”. 

Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia. Estamos Juntos

Para Caio Augusto dos Santos, da OAB-SP, o posicionamento firme das entidades de representação da sociedade civil dá legitimidade à Constituição e acaba contribuindo para o afastamento “desse ânimo acirrado que não ajuda ninguém”. Também estão ativos na defesa da democracia o Basta!, formado por juízes e advogados; o As Forças Armadas e a Democracia; o Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil; e a Comissão Arns de Direitos Humanos. 

Na avaliação da presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), juíza Valdete Severo, há uma tentativa de vários setores de dar uma resposta para “o espanto que causam as manifestações cada vez mais agressivas” do Executivo.

“A gente precisa que as instituições que têm condições de barrar respondam, principalmente Congresso, com os pedidos de impeachment, e STF, fazendo cumprir a Constituição. Notas são importantes, mostram que existe uma parcela significativa que não está de acordo com o que está acontecendo, mas as instituições que podem precisam agir.”

A juíza também chama atenção para os movimentos que foram às ruas, em momento de pandemia, quando o adequado para reduzir a propagação do vírus é isolamento social e não promover aglomerações. No domingo (31), integrantes de torcidas de times adversários de São Paulo foram juntos protestar pela democracia. “O que está acontecendo é que essas pessoas estão se sentindo obrigadas a se expor porque estão vendo que a situação está saindo do controle e que, se não fizerem também algum tipo de movimentação, isso pode se consolidar e determinar uma ruptura mais grave”, opina. 

A magistrada avalia que o movimento é válido, mas preocupante. “Não precisaria que, em uma crise sanitária, as pessoas precisassem dizer o óbvio. As autoridades e instituições deveriam dar conta do número de mortos e pessoas adoentadas em função da covid-19 e não com grupos de extrema-direita que vão fazer teatrinho imitando a Ku Klux Klan em frente ao STF”, pontua. Enquanto a crise política se acirra, o Brasil tem quase 30 mil mortes pelo novo coronavírus e mais de meio milhão de diagnósticos positivos para a doença.


 Artigo publicado originalmente no site  Huff Post Brasil no dia 02 de junho de 2020.

* Editora de Notícias e Política do HuffPost Brasil. É jornalista formada pelo UniCEUB, com graduação em Sociologia pela Universidade de Brasília e especialização em Global Affairs pela New York University. Foi correspondente em Brasília, onde cobriu todo o processo de impeachment e os primeiros meses do governo Michel Temer.