Em defesa da soberania do Brasil: AJD sobre o caso Elon Musk e o inquérito das "Fake News"
Nos últimos dias, o país presenciou uma série de ataques do empresário sul-africano Elon Musk contra o Supremo Tribunal Federal em geral, e o Ministro Alexandre de Moraes em particular, que eram acusados de promover a censura no Brasil. Os ataques referiam-se a ordens judiciais do Ministro, no bojo do inquérito das fake news e das investigações sobre a tentativa de Golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, que determinavam a suspensão de contas de pessoas envolvidas naquelas investigações na plataforma “X” (antigo Twitter). Mais recentemente, o Comitê de Assuntos Judiciários do Congresso dos EUA emitiu um documento intitulado “Ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio do governo Biden: o caso Brasil”, onde lista alguns desses casos e critica o Ministro, acusando-o da prática de censura. Os ataques do bilionário sul-africano ao Supremo são uma piada de péssimo gosto. Homem que historicamente alinha-se aos setores mais reacionários na política em vários países, que mantém fábricas da Tesla na China, onde efetivamente há controle sobre o conteúdo das redes sociais (algo inexistente aqui) e que recentemente, a respeito de acusações de beneficiar-se em possível golpe de Estado na Bolívia contra o ex-Presidente Evo Morales, disse que “vamos dar golpe em quem quisermos”, não pode ser levado a sério por nenhum interlocutor razoável. Suas falas são meras bravatas despidas de qualquer conteúdo seriamente considerável e devem ser simplesmente ignoradas. Mas a situação muda de figura quando um Comitê do Congresso de um país com quem mantemos amplo relacionamento comercial e diplomático, critica, entre outras medidas, decisões vigentes da nossa Suprema Corte. O Brasil atravessou, e ainda atravessa, momentos extremamente difíceis do ponto de vista institucional desde a pandemia, quando o STF foi obrigado a atuar na defesa da saúde e da integridade de nossos cidadãos, enquanto o Ministério da Saúde omitia-se em gerar e gerir políticas públicas que poderiam ter minimizado o número de 700 mil mortes pela Covid-19, até sua atuação, junto ao TSE, para defender as eleições e seu resultado contra uma tentativa de Golpe de Estado. Concorde-se ou não com a totalidade das medidas e decisões adotadas pelo Tribunal, é certo que, não fosse sua atuação firme e decidida, em especial do Ministro Alexandre de Moraes, tanto no Supremo quanto na Presidência do TSE, nós, hoje, talvez não gozássemos da liberdade e da possibilidade de reconstrução institucional em curso, diante das constantes, e ainda existentes, ameaças de fascistas e simpatizantes à nossa democracia. É lamentável que comitê do Congresso dos EUA, que também passou por crise semelhante após o ataque ao Capitólio, em começos de 2021, em vez de defender sua própria democracia, prefira envergonhar sua instituição, ao expor seus vínculos com o fascismo naquele país, atacando decisões de nosso Supremo Tribunal para enfraquecer seu próprio governo eleito. A AJD solidariza-se com o Ministro Alexandre de Moraes e com todos os demais integrantes do Supremo, ao mesmo tempo em que repudia com veemência a abjeta intromissão do comitê do Congresso americano em nossa soberania. Quanto ao empresário, amolde sua atuação à legislação soberana do Brasil, se quiser fazer negócios por aqui. E evite abrir a boca para externar tolices sobre aquilo que, evidentemente, ignora por completo.
Justa Resistência: 60 anos do Golpe de 1964
Muitos foram os brasileiros e brasileiras que se levantaram contra o golpe militar-empresarial instaurado em 1964. Alguns infelizmente não estão mais presentes para poder compartilhar suas histórias, outros ainda temos a oportunidade de ouvir e aprender com seus relatos. No seu quadro de membros e membras, a Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) tem a honra de poder contar com camaradas que foram aço nos tempos de chumbo. Nos 60 anos que marcam o golpe de 1964, a AJD celebra a trajetória de luta de Antônia Mara, Inocêncio Uchôa, Silvio Mota e Theodomiro Romeiro dos Santos, através da série Justa Resistência, dividida em quatro episódios. As entrevistas tentam remontar o contexto de luta dos anos 1960, o que levou cada um destes companheiros, e companheira, a fazer parte da resistência e qual projeto defendiam para o Brasil. A série também busca saber de que forma esta trajetória forjou suas atuações na magistratura, em especial a magistratura trabalhista, na qual exerceram ofício. No primeiro episódio conhecemos um pouco mais de Theodomiro Romeiro dos Santos, carinhosamente chamado de Theo. Virgínia Bahia (Viúva de Theo e membra da AJD) participa da entrevista, que recupera outros documentos e registros da vida de Theodomiro, que dá nome a um dos núcleos da AJD (Pernambuco). Em seguida, no segundo episódio, quem fala é o camarada Inocêncio Uchôa. Ele compartilha sua trajetória desde os tempos do movimento estudantil. “Você começa lutando por melhores condições de trabalho para os professores, por uma melhor biblioteca, alimentação, sala de aula, banheiro. Mas ao longo desse processo, você vai vendo que essas questões não se resolvem na universidade, elas se resolvem na política. E aí na política você tem que mudar o Ministro da Educação, para mudar o ministro você tem que mudar o Governo, e o Governo era um Governo Militar”, afirma Uchôa em dos trechos da entrevista. Silvio Mota, conterrâneo de Inocêncio, é o entrevistado do terceiro episódio. Ele relembra o que o levou a se tornar comunista: “Eu comecei a me aprofundar em filosofia e me tornei materialista. De materialista pra virar comunista, principalmente no Ceará dos anos 60, foi muito fácil” (Risos). Quem fecha com chave de ouro é a camarada Antônia Mara Loguércio, que iniciou sua jornada na Juventude Estudantil Católica (JEC) e posteriormente na Ação Popular (AP). “A violência acompanha todo o processo revolucionário, mas ela nunca parte dos revolucionários”, afirma Mara. A série “Justa Resistência” está disponível numa playlist do canal do YouTube da AJD. Assista e confira aqui.
Pelo fim do genocídio na Palestina
Imagem: Vectonauta no Freepik Em 16 de outubro do ano passado, pouco mais de uma semana após a ofensiva israelense sobre os territórios palestinos em Gaza, a AJD emitiu uma nota condenando os ataques do grupo Hamas contra civis judeus israelenses, mas principalmente condenando com veemência as ações das forças de Israel naquele território. A sucessão de abusos contra civis, especialmente mulheres, idosos e crianças, deixava claro que a ação de Israel se caracterizava como terrorismo de Estado. Hoje, quatro meses após o início dos bombardeios israelenses sobre Gaza, o número de mortos aproxima-se dos 30 mil, sendo a maioria mulheres e crianças. Mais de 70 mil pessoas estão feridas. Segundo o Comitê para Proteger Jornalistas (Committee to Protect Journalists, CPJ), as ações militares de Israel em Gaza fizeram com que os assassinatos de jornalistas em 2023 atingissem um recorde devastador: 99 profissionais mortos. Desses, 72 foram mortos em Gaza. Hospitais, escolas e vários outros alvos civis foram atacados. O avanço dos das forças de Israel seguiu um alinhamento sistemático que evidenciava o objetivo de eliminar do território palestino construções e pessoas, em evidente limpeza étnica. O Governo do Israel, desde o início do massacre, ordenou que os civis palestinos migrassem para o sul, na região da Rafah, o que ocasionou uma das maiores migrações forçadas das últimas décadas. A população de Rafah saltou de 250 mil, antes do conflito, para cerca de 1,5 milhão, o que a ONU denunciava, na ocasião, como crime de guerra e inaceitável violação aos Direitos Humanos. Agora, o Governo de Israel ameaça bombardear precisamente Rafah, em sua alegada obsessão de “derrotar totalmente o Hamas”. Inúmeras vozes denunciam, há anos, o caráter genocida da política israelense na Palestina (Cisjordânia e Faixa de Gaza), com evidente violação dos Direitos Humanos, dos Acordos de Oslo e do Direito Internacional. É o caso de vários intelectuais e personalidades de origem judaica, muitos deles sobreviventes do Holocausto ou seus descendentes, como Edgar Morin, Norman Filkenstein, Noam Chomsky ou a jornalista Masha Gessen. Alguns deles, e tantos outros, há anos denunciam a manipulação praticada pela extrema-direita israelense no sentido de tentar justificar, com a tragédia do Holocausto e o direito de defesa de Israel, a guerra genocida que praticam contra os palestinos. A estratégia dos extremistas sionistas é sempre a mesma: acusar de antissemitismo e desrespeito com à memória das vítimas do Holocausto aqueles que condenam a carnificina de palestinos. É em meio a esse contexto que se instala suposta crise diplomática entre Brasil e Israel, a partir de declarações do Presidente Lula de que aquilo que Israel hoje faz com os palestinos não tem paralelo recente no mundo, a não ser no que Hitler fez com os judeus da Europa. A reação inaceitável de Netanyahu é uma tentativa de manipular as palavras do Presidente brasileiro para seguir retorcendo os fatos, como se a oposição ao massacre realizado por Israel fosse obra de antissemitas, como se não houvesse diferença entre o Governo de Israel e os judeus do mundo, ou seja, a mesma estratégia acima mencionada para tentar silenciar quem se levanta contra o genocídio palestino em curso. Rapidamente, setores de extrema-direita sionista e não sionista, no Brasil e em outros países, buscaram alinhar-se com a extrema-direita israelense, porque o que os une não é sionismo ou não sionismo, antissemitismo ou não, mas o uso indiscriminado de práticas fascistas e antidemocráticas que vem sendo denunciada, inclusive por importantes personalidades de origem judaica, como Hannah Arendt e Albert Einstein, desde o nascimento do Estado de Israel, em 1948. Esta não é uma postura “dos judeus”, pois há muitas pessoas e organizações judaicas, em Israel, no Brasil e em todo o mundo, que se opõem ao genocídio promovido pelo governo protofascista de Netanyahu, engolfado por denúncias de corrupção e tentativas de silenciar a oposição e o Poder Judiciário israelense. Lula não fez comparações diretas entre o genocídio em Gaza e o Holocausto, nem atacou o povo judeu, mas o governo que comete sucessivos crimes de guerra contra civis, que move uma poderosa engrenagem militar e política contra civis indefesos, mulheres e crianças principalmente, e essa semelhanças com as estratégias fascistas do século passado não passa a muitos observadores do massacre que ocorre diante do mundo, ante o silêncio das grandes potências. Organizações como o Vozes Judaicas por Libertação apoiaram o discurso presidencial, evidenciando não se tratar de discurso antissemita: “A contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós”. Quatro meses de ataques contra civis, sem ceder a qualquer pressão por um cessar-fogo humanitário, com dezenas de milhares de mortos, demonstra com clareza que em Gaza há um genocídio em curso, e que Israel, achincalhando a memória dos mártires do Holocausto, usa-os como repulsivo pretexto para promover um outro Holocausto, compelindo as pessoas a migrações massivas, confinando-as em guetos e depois bombardeando esses mesmos guetos. Antes do conflito atual, muitos denominavam a Faixa de Gaza um campo de concentração a céu aberto. Hoje não se pode ter qualquer dúvida disso. A estratégia israelense é inaceitável e injustificável sob qualquer pretexto, pouco importando se reivindicada por judeus, árabes, caucasianos, eslavos, seja quem for: é uma guerra étnica, de eliminação e limpeza, de tomada ilegal de território, de terrorismo de Estado, e merece a mais veemente repulsa, indignação e contestação de toda a comunidade internacional e todos os setores sociais comprometidos com a Democracia, os Direitos Humanos e o Direito Internacional. A AJD repele as ações terroristas do Hamas e do Estado de Israel. Além disso, expressa sua solidariedade às inúmeras personalidades ou cidadãos comuns israelenses e palestinos que denunciam a guerra de extermínio levada a cabo pela extrema-direita israelense, muito bem sintetizada nas palavras do grande intelectual francês, Edgar Morin, judeu sefardita de 102 anos de idade que, com absoluta lucidez, diz: “Eu estou ao mesmo tempo chocado e indignado pelo fato de que aqueles que representam os descendentes de um povo que foi perseguido por séculos por razões religiosas ou raciais, que os descendentes desse povo, que são hoje os tomadores de decisão do Estado de Israel, poderiam não só colonizar um povo inteiro, expulsá-lo de sua terra, tentar expulsá-lo para sempre, mas, além disso, depois do massacre de 7 de outubro, envolverem-se em uma carnificina massiva da população de Gaza, e continuar, incessantemente, atingindo mulheres, crianças e civis.”