Nota de apoio à atuação do Promotor Jacson Luiz Zilio na defesa do Estado Democrático de Direito e da garantia do Devido Processo Legal Constitucional
A AJD – Associação de Juízas e Juízes para a Democracia - vem a público manifestar apoio ao promotor de justiça Jacson Luiz Zilio e repudiar a instauração da “Representação para Instauração de Procedimento de Remoção Compulsória por Motivo de Interesse Público” em seu desfavor, nos seguintes termos:
É preciso mais uma vez reafirmar que o Estado Democrático de Direito exige a lisura na apuração dos atos ilícitos, não sendo admitido ao Estado a violação da Constituição e das leis, sendo dever legal e constitucional a atuação do Ministério Público para que as provas assim obtidas não sejam admissíveis, já que sequer conferem justa causa para a deflagração da ação penal;
O Ministério Público recebeu do constituinte originário a nobre função de zelar pelo sistema jurídico constitucional e pelas garantias individuais expressas na nossa Lei Maior. Sendo assim, o promotor, ao fazer cumprir a Constituição da República, fortalece sua instituição, na medida em que a diligente fiscalização da atividade policial com a exigência de procedimentos lícitos na produção de provas robustece a acusação e legitima a busca pelo provimento jurisdicional adequado, efetivando o Devido Processo Legal Constitucional;
Não é dado ao Estado chancelar práticas ilegais e inconstitucionais como, por exemplo, a invasão domiciliar sem mandado de busca e apreensão expedido por autoridade judicial e sem a ocorrênci8a de situação flagrancial evidente; ou, ainda, a revista pessoal sem que haja a demonstração da fundada suspeita prevista no artigo 244 do Código de Processo Penal. E as pessoas que já tiveram seus direitos constitucionais violados por atuação policial não podem ser submetidas a processos penais para a confirmação de ilegalidade originária que contamina toda e qualquer outra prova que possa ser produzida redundando em um processo inútil que não pode resultar numa sentença condenatória válida.
Cabe ao membro do Ministério Público zelar pela higidez do ordenamento jurídico, pelo Devido Processo Legal que é corolário do Estado Democrático de Direito e, consequentemente, das garantias individuais de todas as pessoas, mesmo aquelas que frequentam os inquéritos policiais e os bancos dos réus que o dia a dia forense demonstra serem em sua maioria preta, pobre e periférica em razão da perversa seletividade penal que tantas vezes já foi denunciada.
A atuação do Ministério Público em sentido contrário implicaria em total desprezo ao seu papel constitucional desenhado nos artigos 127 a 130 da Carta de 1988.
O princípio da Unidade Institucional do Ministério Público jamais significou e não pode redundar na supressão da independência funcional de seus
membros sob pena de apequenar e submeter essa tão importante instituição à mera atividade de carimbar ilegalidades.
O Ministério Público é uma instituição “permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, da Constituição da República) e cabe a todas, todos e todes nós zelarmos para que ela exerça sua tão elevada função da maneira como o constituinte originário a concebeu em Cláusula Pétrea que nem a lei nem atos executivos nem processos administrativos podem conspurcar.
O processo administrativo disciplinar deflagrado contra o Promotor de Justiça Jacson Luiz Zilio, pelas razões apresentadas pela Corregedoria para justificar o pedido de remoção compulsória, parece atender apenas a preceitos morais e punitivos, na medida em que busca infligir uma sanção pelo fato de ele se recusar a ratificar ilicitudes denunciando fatos desacompanhados de provas válidas para a instauração de processos criminais fadados à declaração de nulidade.
É imprescindível salientar que qualquer processo que objetive a remoção compulsória de membro do Ministério Público tem sim caráter disciplinar e
punitivo e o fato de se tentar atribuir natureza diversa ao procedimento, como se não se tratasse de procedimento disciplinar e não resultasse em penalidade, apenas faz parecer que o objetivo é persecutório e intimidador, notadamente tendo em conta que o procedimento em tela foi instaurado com base em consultas seletivas e sem a demonstração de quais critérios foram utilizados para o levantamento das manifestações ministeriais citadas.
É ainda mais preocupante a circunstância de que a instauração do procedimento disciplinar administrativo se deu a partir de uma sindicância que resultou em arquivamento.
A simples existência de um procedimento disciplinar sem lastro fático, legal ou constitucional é, em si, uma punição, uma tentativa de silenciar, de tolher
o exercício independente da função do Promotor de Justiça que, ao tomar posse, jura cumprir o Sistema Jurídico-Constitucional com altivez ainda que desagrade opiniões e vontades de outros membros da sua instituição. Aliás, essa é uma garantia da população destinatária dos relevantes serviços do Ministério Público.
Por tudo isso, a AJD, que tem dentre seus princípios e objetivos estatutários a defesa dos valores democráticos, expressa o mais amplo apoio ao promotor de justiça e professor Jacson Luiz Zilio que agiu em defesa do Estado Democrático de Direito e repudia qualquer tentativa de submete-lo ou intimida-lo no exercício de sua função.