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DECISÃO - Extinção da punibilidade: óbito do réu - SP

Processo nº: 0035265-27.2014.8.26.0114 Controle nº: 286/2014 Réu: Anderson André Correia, Marcos Aurélio da Silva Vítima: Ricardo Antônio Barboza VISTOS ETC. ANDERSON ANDRÉ CORREIA, qualificado nos autos (fls. 38/40), RG nº 44.716.431-4, juntamente com MARCOS AURÉLIO DA SILVA, qualificado nos autos (fls. 30/32), RG n. 4.741.716-4, foi denunciado como incurso no artigo 121, § 2º, inciso II e IV do Código Penal, pelos seguintes fatos: no dia 07 de junho de 2014, no período noturno, na Rua Professora Glafira Aparecida Rosa de Farias, defronte do nº 109, Bairro Jardim Profilurb, nesta cidade e Comarca de Campinas, o acusado Anderson e Marcos, agindo com intento homicida, por motivo fútil, com uso de recurso que dificultou a defesa da vítima e mediante disparos de arma de fogo, mataram Ricardo Antônio Barboza, provocando-lhe os ferimentos que foram a causa efetiva de sua morte (fls.149/152). O Ministério Público requereu a extinção da punibilidade do corréu ANDERSON ANDRÉ CORREIA, em face de seu falecimento (fls. 409). DECIDO. Tem razão o Ministério Público: o réu ANDERSON ANDRÉ CORREIA morreu, como comprova a certidão de seu óbito (fls. 405/406). Assim, extinta a punibilidade, nos termos do artigo 107, inciso I do Código Penal, a absolvição do réu ANDERSON é de rigor, de acordo com o disposto no artigo 397, IV do Código de Processo Penal. (...)  Segue decisão completa no anexo: DECISÃO_-_Extinção_de_punibilidade_óbito_do_réu_SP.pdf

DECISÃO - Suspensão de execução provisória: medidas socioeducativas - RS

Poder JudiciárioPoder JudiciárioTribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude do Foro Central da Comarca de PortoAlegre   EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIO EDUCATIVAS Nº 5011558-84.2021.8.21.0001/RS REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ADOLESCENTE:GABRIEL SANTOSDESPACHO/DECISÃO Trata-se de pedido de desinternação do socioeducando Gabriel, cuja sentença estásendo executada provisoriamente e implica em privação de liberdade, a fim de que lhe assegurado status de liberdade pessoal equivalente ao que deve ser imposto aos adultos enquanto não houver trânsito em julgado da sentença. Intimado, o Ministério Público manifestou oposição, requerendo o prosseguindoda execução da medida de internação sem possibilidade de atividade externa (ISPAE). Gabriel possui condenação - em primeiro grau - de medida de ISPAE, em decorrência do ato infracional correspondente ao crime de homicídio duplamente qualificadoocorrido em 03 de maio de 2019 (AI nº 072/5.19.0000218-8). Em sua trajetória, constata-se que ingressou na FASE mediante internaçãoprovisória e, em razão do excesso de prazo, foi determinada sua liberação (cumpriu 48 dias deIP – de 01/08/19 a 18/09/19). Sentenciado o feito, reconhecida a responsabilidade de Gabriel, aplicou-se medidade internação sem possibilidade de atividades externas (ISPAE), com determinação de execuçãoprovisória, apesar do jovem adulto encontrar-se em liberdade há mais de ano.A medida está sendo cumprida em uma das unidades de internação da FASE desde 29/21/2020 e há quase três meses, o socioeducando encontra-se em total restrição deliberdade, vivenciando o pior momento da pandemia pela Covid-19 (com classificação embandeira preta nesta capital), inclusive sem receber visitas, como ressaltado pela defesa. É o breve relato. Decido. Segue documento na íntegra: DECISÃO_-_Suspende_execução_provisória_-_RS.pdf    

DECISÃO - Rejeição de queixa crime, jornalistas livres - SC

Poder Judiciário JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Santa Catarina 7ª Vara Federal de Florianópolis PROCEDIMENTO     ESP.DO      JUIZADO      ESPECIAL      CRIMINAL      Nº      5007305- 02.2018.4.04.7200/SC AUTOR: RODOLFO HICKEL DO PRADO ACUSADO: LUIS NASSIF DESPACHO/DECISÃO   Cuida-se de procedimento do Juizado Especial Federal instaurado a partir da queixa-crime apresentada por RODOLFO HICKEL DO PRADO em face de LUIS NASSIF, na qual busca-se a condenação do querelado pela suposta prática do crime do artigo 139 do Código Penal (difamação), por seis vezes e, também, do crime do artigo 138 do Código Penal (calúnia) por quatro vezes, com as penas aumentadas na forma do artigo 141, II, do Código Penal, uma vez que o Querelante é servidor público e teria sido, supostamente, difamado e caluniado em razão de suas funções. Postula-se, ainda, a condenação à reparação do dano, no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Os fatos descritos na queixa-crime dizem respeito à postagem na internet de matéria, assinada pelo jornalista Luiz Nassif, no site GGN - O Jornal de todos os Brasis, no dia 30/10/2017, cujo título é "Sobre a capivara do corregedor da UFSC e o estado de exceção", cujo teor, ainda disponível no referido site (https://jornalggn.com.br/crise/corregedor-que- entregou-reitor-a-pf-ja-foi-condenado-por-calunia-e-difamacao/ Acesso em 04/03/2020) é o seguinte: Sobre a capivara do corregedor da UFSC e o estado de exceção   Por Luis Nassif - 30/10/2017 O dossiê dos Jornalistas Livres sobre Rodolfo Hickel do Prado, o corregedor que levou o reitor Luiz Carlos Cancellier ao suicídio, é o mais contundente libelo contra o estado de exceção em vigor no país. A reportagem mostra o corregedor como uma pessoa totalmente desequilibrada, com uma extensa capivara de abusos, contra condôminos do seu prédio, contra ex-esposas, contra funcionários e alunos da UFSC, um doente social que se valia do fato de ser filho de um oficial da Polícia Militar para toda sorte de abusos. Não se trata apenas de um sujeito truculento, mas de um desequilibrado perigoso, que arruinou gratuitamente a vida de inúmeras pessoas. Com diferentes graus de desequilíbrio, não foge muito do arquétipo do moralista revestido de poder de Estado. No entanto, essa tendência animalesca à destruição de pessoas foi valorizada pela Controladoria Geral da União, e apoiada por uma juíza e uma delegada inebriadas pelo orgasmo da violência de Estado. Todos aqueles que defendem a universalização da condução coercitiva, que admitem a publicidade de qualquer ato policial, aqueles que, como Luís Roberto Barroso, aderem ao assassinato de reputações para preservar a sua própria reputação, que meditem sobre o Estado que estão criando. Hickel do Prado seria apenas um truculento a mais, não fosse o poder de Estado do qual foi revestido pelos defensores da exceção. Do Jornalistas Livres Corregedor que entregou reitor à PF já foi condenado por calúnia e difamação Sem poder suportar a demolição moral que sofreu a partir das armadilhas de uma personalidade reincidente na prática da calúnia e da perseguição, o reitor Luiz Carlos Cancellier morreu aos 59 anos, impossibilitado de encontrar saída para a trama em que foi enredado. O destino do reitor e da universidade poderiam ser outro se os antecedentes criminais e o perfil do seu principal acusador tivessem sido levantados e viesse à tona o depoimento das vítimas dentro e fora da universidade. Antes de a Justiça e da Polícia Federal darem crédito à rede de intrigas e acusações que encurralaram o reitor num beco sem saída, sem esperança de reivindicar sua inocência para os “ouvidos moucos” dos aparelhos punitivos, o corregedor geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, 58 anos, já respondia por inúmeras denúncias de calúnia, difamação, ameaças e intimidações. Em seis processos localizados pela reportagem, nos quais em ao menos dois ele foi condenado em instância criminal e civil, um traço do seu caráter permanece: o abuso de autoridade de quem se aproveita da influência e posição para lançar falso testemunho e intimidar pessoas inocentes. Atropelado em sua tentativa de acomodar as divergências políticas internas e colocar em prática seu projeto conciliador de universidade, o reitor nunca teve acesso à ficha criminal do servidor da Advocacia Geral da União (AGU), que foi nomeado para o cargo de corregedor um dia depois da sua vitória nas urnas. Antes de ser conduzido à estrutura de gabinete pela ex-reitora Roselane Neckel, candidata derrotada à reeleição, ninguém sabia quem era de fato Rodolfo Hickel do Prado. Nem ela mesma, de quem ele teria se aproximado como promessa de manter controle estratégico num território perdido sob o apelo do combate à corrupção. Os objetivos da célula de fiscalização que Hickel viria a assumir eram os mais nobres possíveis: “A criação da Corregedoria dá mais visibilidade e instrumentaliza a execução de processos que zelam pelo bom encaminhamento da administração e sua transparência”, anunciou a então reitora quando a criação do órgão foi aprovada pelo Conselho Universitário, no dia 19 de agosto de 2014. Só que não. Depois da sua nomeação, em 4 de maio de 2016, o obscurantismo, a perseguição pessoal e  o terror psicológico começaram a minar a vida da comunidade universitária. Violada em sua autonomia e mergulhada em uma crise política e emocional sem precedentes, a universidade poderia ter sido preservada, caso a ficha criminal do novo corregedor tivesse sido minimamente investigada, como pede um cargo dessa natureza. Todos os processos que mostram conduta de desequilíbrio, falso testemunho e agressividade poderiam ter sido localizados no site do Tribunal de Justiça do Estado pela Superintendência da Corregedoria Geral da União. “Com essa ficha corrida ele nunca poderia ter sido nomeado para cargo nenhum”, afirma o ex- procurador da UFSC Nilton Parma. “A Corregedoria Geral da União deveria ter investigado”. A morte do reitor tem sido amplamente apontada como culminância da criminalização generalizada que usa o combate necessário à corrupção e às irregularidades nos órgãos federais para condenar homens públicos antes de serem julgados. “Em nome da transparência e do controle social dirigentes públicos têm sofrido toda sorte de humilhações e pré-julgamentos por segmentos dos órgãos de controle, Justiça Federal, Polícia Federal e da mídia”, diz nota do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. O manifesto do Conif reconhece os avanços no controle social das instituições públicas, mas alerta sobre os riscos que o desrespeito às instituições democráticas e aos direitos humanos impõem ao Estado brasileiro. Trata-se, seguindo o Manifesto dos Reitores das Redes Federais, de “uma campanha sórdida para o descrédito das instituições, dos servidores e dos gestores públicos”. Nessa campanha de “sepultamento do Estado de Direito” que sepultou o próprio reitor e a possibilidade de paz na comunidade universitária, o corregedor da UFSC teve, com sua conduta pessoal e seus antecedentes criminais escondidos da comunidade, um papel chave. O resultado é angústia, sofrimento coletivo, acirramento das divisões políticas e um luto vivido com guerra. A reitoria está esvaziada como um cemitério, com 16 renúncias de primeiro escalão, e um corregedor que age sozinho, depois de os outros dois eleitos também se exonerarem, assim como a quase totalidade da equipe de assessores, como vamos detalhar mais adiante. INVASÃO MILITAR A DOMICÍLIO BASEADA EM FALSA DENÚNCIA Numa primeira investigação, verificamos que Hickel deixou de ser réu primário já em 7 de novembro de 2011, quando foi condenado pela Justiça Criminal pela prática continuada do  crime de difamação. O processo, pelo qual foi sentenciado a quatro meses e 24 dias de detenção, além de pagamento de multa, refere-se ao mesmo crime três vezes repetido contra o procurador de Justiça estadual, Ricardo Francisco da Silveira, falecido em 2013, pouco antes receber a ação indenizatória no processo cível. Depois de promover uma espetaculosa e ilegal invasão da Polícia Militar à casa do seu amigo, o professor gaúcho Flávio Cozzatti, Rodolfo Hickel imputou-lhe a falsa acusação de “obstruir a ação policial”, um padrão recorrente nas suas acusações. Consta dos autos que ao comandar a operação no condomínio Forest Park, no bairro de Coqueiros, em Florianópolis, o servidor da AGU e então síndico do prédio referiu-se a ele para os policiais nos seguintes termos: “esse procuradorzinho de merda, vem aqui querendo dar carteiraço”. (Processo nº 082. 10.004574-1 Juizados Especiais Criminais da Capital). O caso, que se desdobrou em vários processos, parece um ensaio em menor escala da cilada policial que Hickel armaria seis anos mais tarde para prender o reitor, vítima fatal da difamação. Logo depois de retornar de Joinville, onde atuava pela AGU, o corregedor conseguiu se eleger síndico do condomínio de Coqueiros. “Depois de eleito, ele começou a botar terror em todos os moradores e a implicar com o charuto ou o cachimbo que eu fumava na sacada e daí começou um processo de perseguição”, conta Flávio Antonio Cozzatti, ainda morador do edifício. Conforme os autos, Hickel cortou a fiação da TV a cabo do vizinho, segundo foi comprovado  com laudo da empresa Viamax. “Abri a caixa e cortei o resto dos fios. Subimos para dormir quando formos surpreendidos pelo aparato policial em nosso lar”, narra o professor. Como justificativa do chamado, Hickel alegou que estava sendo ameaçado de morte com arma de fogo pelo vizinho. No dia 3 de junho de 2010, mais de cinco viaturas com oito homens da Polícia Militar armados, sendo três do Bope portando fuzis e metralhadoras, arrombaram e invadiram o apartamento do professor Cozzatti. Quando viu o síndico alcançar uma escada para que os policiais subissem  por ela a sacada do seu apartamento, o professor pediu à mulher que chamasse por telefone o socorro do irmão (como ele se refere ao procurador Ricardo da Silveira dentro e fora dos autos), que acabara de deixar a residência. A cena narrada nos autos logo remete à humilhante prisão do reitor Cancellier na manhã do dia 14 de setembro. Em frente à garagem do prédio, interditada pelos policiais, o procurador Ricardo Francisco viu a movimentação dos policiais e soube por eles que estavam fazendo um “flagrante de ameaça à mão armada” na casa da família que considerava como sua. Chegou a tempo de presenciar os policiais arrebentando a porta com armas em punho, puxarem Flávio Cozzatti pelo braço e aplicarem nele uma gravata na frente da esposa e dos dois filhos (um rapaz de 24 anos e uma adolescente de 14). Foi quando tentou intermediar a situação, perguntando se havia mandado de busca em domicílio. Nos autos, o procurador já falecido deixou o seguinte testemunho: “Meu irmão estava prestes a ser espancado pelos policiais quando eu cheguei”. Tendo o síndico como guia da operação, os policiais responderam que não precisavam de mandado porque se tratava de um flagrante. Um deles, da corporação do BOPE, dirigiu-se a Flávio ameaçando-o com um par de algemas no rosto: “Colabora professorzinho de merda!!!! Se não, te algemo e toda a tua família, e levo para a Delegacia presos”, diz o diálogo reproduzido no processo. Ficou comprovado, na tentativa de flagrante, que não havia arma em posse da vítima. “Nunca tive. Sempre me manifestei publicamente contra o armamento”, atesta o professor. Flávio e Ricardo tinham na época 50 anos, por coincidência, a mesma idade de Rodolfo. Ainda conforme o testemunho nos autos, Cozzatti só não foi preso com algemas porque o procurador alegou que seria uma ilegalidade contra uma pessoa rendida que não apresentava  qualquer resistência. “Depois soubemos que Rodolfo Hickel do Prado se utilizou do artifício de ser filho de um oficial da PM”, conta Flávio. O reitor Cancellier, que era também um jurista, não teve a mesma sorte: sofreu abusos vexatórios ainda maiores, vestiu uniforme laranja e foi submetido a exame íntimo anal, denunciado pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade em célebre discurso na cerimônia do Conselho Universitário que o homenageou um dia após o suicídio. Lédio e outros juristas apontaram o amigo Cau como primeira vítima fatal do novo estado de exceção. Sempre segundo os autos, testemunhas ouviram Hickel referir-se a Ricardo com o mesmo desprezo, como “um procuradorzinho de merda”, e de acusá-lo de “barrar o trabalho dos policiais”. A mesma acusação seria levantada contra o reitor, capaz de fazer a delegada Érika Marena pedir à juíza federal Janaína Cassol Machado a sua prisão temporária e o seu afastamento da universidade, mesmo sem antecedentes criminais e sem processo legal. Foi o próprio Hickel quem entrou primeiro com representação na Corregedoria Geral do Ministério Público contra o amigo-irmão de Cozzatti, acusando-o de interdição do trabalho da polícia e da justiça, exatamente como fez com o reitor. Mas diferente da atitude da delegada e da juíza, o corregedor geral do MP na época, Paulo Ricardo da Silva, não se deixou engambelar pelas intrigas: não só mandou arquivar o processo por julgá-lo improcedente, como deu uma canetada no acusador, no dizer do jargão judicial. “Na época avaliei que não havia nenhum indício de que o acusado tivesse dado um carteiraço, como ele alegava, nem motivos para a prisão”, comenta Paulo, hoje procurador de Justiça, que fez o comentário a partir do processo localizado no site do Tribunal de Justiça e dos documentos fornecidos por Cozzatti à reportagem. Ainda segundo os depoimentos nos autos, Cozzatti foi levado de casa aos empurrões, metido numa viatura com três homens da PM e humilhado na frente de “um corredor polonês de  vizinhos de rua espantados e indagando os motivos da prisão”. O professor foi levado à delegacia de polícia de Coqueiros e do centro da cidade, onde Hickel iniciou um processo de queixa-crime contra ambos. Mas o mais perverso estaria por vir no dia seguinte à invasão: O então síndico espalhou cartazes de edital pelo Forest Park, convocando os condôminos para uma reunião em que deveriam apreciar as atitudes do professor e aplicar-lhe multa. Os pretensos crimes cometidos por Cozzatti estavam discriminados em letras maiúsculas: ameaça de morte com arma de fogo; depredação do patrimônio do prédio; interdição do trabalho da polícia. O futuro corregedor da UFSC também espalhou cartazes pelo condomínio anunciando que estava proibida a entrada de Ricardo, que era coproprietário do apartamento de Flávio Cozzatti, do qual tinha chave e controle remoto. O processo contra os policiais lançados pelo síndico à operação foi arquivado pela justiça militar, mas os PMs foram condenados na justiça comum em 15 de julho de 2014 por abuso de poder e receberam anotação na ficha funcional, conforme sentença que acessamos. (Processo 00000959-56.2012.8.24.0082). Os “amigos-irmãos”, cuja aliança começou aos 18 anos no movimento estudantil,  lutando contra a ditadura militar, em Porto Alegre, entraram com ações individuais de indenização em  18 de março de 2013. Hickel foi condenado na vara cível a pagar R$ 15.000,00 pelos danos morais causados ao procurador e recorreu alegando não ter dinheiro. Ricardo solicitou que fosse anexado o imposto de renda e contra-cheque de servidor da AGU e estavam acordando a forma de pagamento quando a sentença foi extinta devido ao falecimento da vítima, que não deixou herdeiros. (Processo nº 0004770-92.2010.8.24.0082 – 2ª Vara Cível da Capital). Enquanto isso, a ação cível de Cozzatti prosperou para fase final e ele abriu outros processos que estão em grau de recurso por parte de Hickel. (Processo nº 0002768-18.2011.8.24.0082, 2ª Vara Cível do Continente). Entre eles, está a acusação de ter sido destituído pela assembleia do condomínio da função de síndico pelos desmandos praticados, sempre segundo Cozzatti. E também de não ter  até hoje prestado contas do dinheiro gasto em sua gestão, além de ter tentado cobrar os custos  do processo calunioso que promoveu da conta dos condôminos. “Esse homem é um crápula perigoso, que se acostumou a aterrorizar as suas vítimas, em geral pessoas que discordam dele”, diz. “O meu desconforto é pouco; o que me agride é essa situação quando uma pessoa desrespeita as regras mínimas de convivência, é mau, calhorda e continua agindo de forma impune. O reitor foi a primeira perda, quando será a próxima?” CRIME DE TRÂNSITO E CARTEIRAÇO Desde 7 de abril de 2017, Hickel está sendo processado também pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina por prática de crime de trânsito, sob suspeita de fuga. O processo foi gerado a partir de registro de ocorrência no dia 23 de março de 2016, às 17 horas, quando foi autuado por “direção perigosa”, considerada “imprudente” e “totalmente irresponsável” pelas testemunhas. Poucos dias antes da posse como corregedor geral, Hickel foi flagrado por uma viatura com quatro policiais no seu Renan Fluence, trafegando na contramão em alta velocidade, em via perigosa e área de risco, na rua Marco Aurélio Homem, na entrada do Morro da Serrinha, em Florianópolis. Foi denunciado pelo juiz por colocar em risco a vida “da coletividade”. Hickel foi surpreendido por quatro policiais do DEIC, Arthur de Oliveira Rocha, Renato Gamba Torres, Thiago Elpídio Cardoso e Filipe Bueno da Silva, que o viram ultrapassar vários veículos, inclusive, a viatura policial. Segundo o testemunho de Arthur, ao ser parado pela viatura com a sirene e as luzes ligadas, o advogado apresentou sua carteira da OAB e só mostrou a CNH quando o pedido foi reiterado. O futuro corregedor justificou que estava ultrapassando um caminhão em manobra de conversão à direita da pista. Todavia, após verificar imagens das câmeras de residências locais, os policiais registraram que “a versão do condutor era inverídica, pois não havia nenhum caminhão conforme fora mencionado”. As testemunhas e os autos afirmam que as imagens das câmeras constataram: “O motorista estava alterado, falando em alto e bom som que iria falar com todos os policiais somente na corregedoria”. Registram ainda o “comportamento alterado do condutor, a esbravejar que isto não vai ficar assim e que iria até a corregedoria da polícia civil relatar o caso”. As testemunhas declaram que o motorista “não lhes dirigia mais a palavra após a chegada dos policiais militares, afirmando em tom ríspido que iria provocá-los na Corregedoria”. Depois de ter assinado o termo circunstanciado na Delegacia de Investigações Criminais (Deic) em 27 de abril deste ano, o processo foi encaminhado para o Juizado Especial Criminal da Comarca. Uma audiência está marcada para novembro. (Processo nº 0001348-41-2017.8.24.0090 Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade, Florianópolis). Como de hábito, Hickel entrou com ação de notícia-crime na Justiça por abuso de autoridade, mas os policiais foram salvos  pelas câmeras de vigilância dos vizinhos comprovando de quem foi o abuso, inclusive o trecho percorrido na contramão pelo futuro corregedor e a sua tentativa de intimidar os policiais. Ainda assim, Hickel recorreu e o Ministério Público se manifestou de novo pelo arquivamento. DA PRISÃO ILEGAL AO ESVAZIAMENTO DA UNIVERSIDADE A perseguição de Hickel ao reitor começou quando ele lhe solicitou que tivesse mais cuidado  com as pessoas da comunidade. Cancellier recebia diariamente queixas de servidores, professores e alunos se dizendo tratados com truculência pelo corregedor, conforme seu chefe de gabinete Áureo Moraes. “Não se pode tratar alguém sob suspeita que mais tarde pode não ser confirmada como se fosse uma sentença de condenação. É preciso ter cortesia e civilidade com todas as pessoas, não importa a que classe pertençam”, pronunciou-se o jornalista José Hamilton Ribeiro, que esteve na UFSC no dia do falecimento para dar uma palestra no Curso de Jornalismo. “Isso seria a volta à Ditadura Militar”, completou. Quando estava prestes a ser denunciado por um pedido de Processo Administrativo Disciplinar, movido por um professor que ele teria ameaçado e desacatado, Hickel acusou Cancellier de interdição do trabalho da Polícia Federal na Operação Ouvidos Moucos. A denúncia motivou uma emboscada militar com um contingente de 105 homens da Polícia Federal de várias partes do Brasil que algemou e prendeu o reitor quando ele mal iniciava o dia de trabalho na universidade. Na TV Globo, Folha de S. Paulo e outras mídias comerciais, a prisão cinematográfica foi justificada pelo roubo de R$ 80 milhões de verbas do Ensino a Distância, correspondente à verba total do Programa Universidade Aberta. Soube-se tardiamente que o montante dos desvios ainda não comprovados, ocorridos dez anos antes da gestão de Cancellier e sem nenhum envolvimento pessoal dele, não passam de R$ 500 mil. Hickel, de fato, denunciou o reitor por tentativa de obstrução dos trabalhos, mas a divulgação maliciosa da verba total do programa, como se fosse o valor do desvio sob suspeita, continuou a ser criminosamente espalhada mesmo após corrigida. E continua a sê-lo mesmo após o suicídio. Na UFSC e nos meios jurídicos, não faltam notícias de professores, servidores, estudantes e profissionais da área jurídica tratados como suspeitos, intimidados ou insultados pelo  corregedor no trato profissional. “Ele exerce o poder de forma cruel e excessiva”, diz Nilto Parma, advogado do professor de Administração Gerson Rizzatti Júnior na representação que move contra Hickel. Apresentada em 5 de julho deste ano, a denúncia foi retida pelo próprio reitor para não gerar conflitos. Com o seu falecimento e a pressão do apelante, deu origem a uma portaria determinando o seu afastamento por 60 dias para abertura de Processo Administrativo Disciplinar, assinada pelo chefe de gabinete Áureo Moraes. . Sua revogação pela reitora Alacoque Lorenzini Erdmann é hoje motivo de grave crise institucional na universidade. (Veja o processo na íntegra ao final do dossiê) Considerada uma atitude de covardia e traição à autonomia universitária, a anulação desencadeou uma renúncia em massa gradual. O primeiro a pedir exoneração foi o próprio chefe de gabinete, acompanhado nos dias seguintes por 16 ocupantes de cargos de primeiro escalão, num total de 20, incluindo pró-reitores e secretários com status de pró-reitor. Pediram demissão os seguintes gestores, todos confirmados hoje pela manhã à reportagem: Álvaro Lezana, diretor geral do gabinete; Gelson Albuquerque, assessor institucional; Pedro Manique, pró-reitor de Assuntos Estudantis; Jair Napoleão, pró-reitor de Administração; Rogério Cid Bastos, pró-reitor de Extensão; Sérgio Freitas, pró-reitor de Pós-graduação; Vladimir Fey, secretário de Planejamento; Cláudio Amante, secretário de Inovação; Carla Búrigo, pró-reitora de gestão de pessoas; Alexandre Marino, pró-reitor de Graduação; Luiz Henrique Cademartori, secretário de Aperfeiçoamento Institucional; Gregório Varvakis, secretário de Educação a Distância; Edison Souza, secretário de Esportes; Paulo Pinto da luz, secretário de obras e Lincoln Fernandes, secretário de Assuntos Internacionais. Em reunião interna com os pró-reitores, a medida foi atribuída por Alacoque a ameaças de processo por improbidade administrativa que teria sofrido do Ministério Público Federal e da Superintendência da Corregedoria Geral da União. O afastamento de Hickel e a permanência do PAD para investigar os desvios de conduta do corregedor é um ponto de honra para todos esses dirigentes. Eles acreditam que a partir do gesto de coragem do professor Gerson, muitas outras vítimas dos excessos do corregedor vão romper o silêncio. “Vai ser como o caso do médico Abdelmassih: uma denúncia moverá muitas outras”, aposta o ex-procurador. Depois da forte reação contra a derrubada da portaria, a reitora em exercício encaminhou o PAD à consulta na Corregedoria Geral da União, algo visto pelos insurgentes como entregar o julgamento ao próprio carrasco. Uma comissão de apuração foi definida pelo Conselho Universitário na terça-feira (24), com o objetivo de investigar os acontecimentos relativos à Operação Ouvidos Moucos e às circunstâncias que levaram ao suicídio do reitor. Em entrevista  de vídeo ao site Notícias da UFSC, na sexta-feira, a reitora afirmou que essa comissão tem 30 dias prorrogáveis por mais 30 para realizar o seu trabalho e clamou pela pacificação da universidade. Enquanto Alacoque gravava a entrevista, uma reunião dos gestores no Centro de Cultura e Eventos decidia pela debandada geral dos que ainda estavam indecisos. A debandada de integrantes dos órgãos de gabinete, contudo, começou logo com a posse de Hickel. Para se ter uma ideia da crise instaurada, os dois corregedores eleitos para compor a corregedoria sob a chefia dele pediram afastamento por não suportarem a sua conduta intimidadora e destemperada, conforme o ex-chefe de gabinete da reitoria, Áureo Moraes. Entre eles estão Ronaldo David Vianna Barbosa, um crítico dos seus métodos, que deixou a corregedoria poucos dias após sua nomeação e Marcelo Aldair de Souza, que também pediu  para ser removido de setor. Ambos chegaram a ir ao corregedor Geral da União, Fabrício Colombo, reclamar dos procedimentos abusivos de Hickel. “Além da contumaz truculência, a principal queixa é que o corregedor tratar suspeitas que ele mesmo levanta como sentenças de condenação”, diz um servidor que era lotado na Procuradoria Geral e também pediu pra sair. Além de Ronaldo e Marcelo, quatro servidores alegaram não suportar as grosserias e intimidações do corregedor e solicitaram ao gabinete remanejamento para outro setor da UFSC, entre eles duas servidoras com cinco anos de trabalho na procuradoria, e outros dois auxiliares recém-designados para o novo órgão. Uma delas é Karina Jansen Beirão, bacharel em Direito da Procuradoria, que já conhecia a atuação do inquisidor quando vinha à universidade orientar a criação do órgão. Ao saber da escolha de Hickel para o cargo, não pensou duas vezes: saiu em licença-maternidade e no retorno pediu remoção. A outra, Ana Peres, administradora, suportou dois meses e pediu para sair, conforme informações do ex-chefe de gabinete, Áureo Moraes. Até  o estagiário de jornalismo do gabinete, Marcus Vinícius dos Santos se demitiu. Hoje, Hikel comanda uma corregedoria solitária, na qual é chefe dele mesmo, mas feitor de todos os que discutem suas ordens, como o professor Rizzatti, ex-colaborador da corregedoria. Na segunda-feira (23), único dia em que ficou afastado pela portaria, Hickel não interrompeu a fome inquisidora: continuou a fazer intimidações, conforme servidores da Reitoria. Ao todo, ele já emitiu três portarias determinando a instauração de Processos Administrativos Disciplinares contra professores, servidores e alunos de diversos cursos, sem sindicância anterior e com afastamento preventivo. Os investigados foram suspensos de todas as suas atividades na UFSC e proibidos de entrar no campus, incluindo um professor já com tempo de aposentadoria e longa ficha de serviços prestados à comunidade científica. “O problema é que ele nunca dá motivo  para as intimidações”, diz Rizzatti. A falta de sindicância foi um dos argumentos utilizados pela reitora em exercício para anular a instauração do PAD que investiga as denúncias contra o corregedor. Incentivados pelo ambiente hostil da corregedoria, Marcone José de Souza Cunha e Camila Trapp Sampaio, servidores formados em Direito, que auxiliavam no trabalho de controle, pediram exoneração da UFSC para fazer outros concurso. A professora Mônica Salomón Gonzáles, do Departamento de Economia e Relações Internacionais do Centro Sócio-econômico, nomeada com o professor Gerson Rizzatti, foi quem mais sofreu nas mãos do inquisidor. Ela disse ao titular da Secretaria de Aperfeiçoamento Institucional, Luiz Henrique Cadermatori, e ao ouvidor da UFSC, Arnaldo Podestá Júnior, que foi interrogada pelo corregedor durante cerca de três horas, como se estivesse numa delegacia. Chamou a isso de “tortura psicológica”. O próprio advogado de Gerson, Nilto Parma, se disse desrespeitado e insultado por ele, assim como a advogada Marina Ferraz Miranda, professora da Udesc e seu aluno cliente, que deverão testemunhar na representação contra o corregedor. “Apenas argumentei que não cabia acusação de improbidade administrativa contra meu cliente, porque é facultado ao servidor o direito legal de solicitar dispensa de encargos que não se julgue capaz de cumprir e fui insultado por ele”, afirma Parma. O Advogado do Siintufsc, Guilherme Querne, também relatou ao SEAI muitos problemas e dificuldades para fazer a defesa de servidores por conta do temperamento hostil de Hickel. PROCESSOS POR AGRESSÃO A MULHERES O relacionamento de Rodolfo Hikel com as mulheres é um capítulo à parte, que deveria ser objeto de outra investigação mais aprofundada, tanto no exame dos processos quanto na apuração de campo. Uma ação amplamente conhecida e comentada nos bastidores jurídicos foi impetrada em 2003 pela sua segunda ex-mulher, Iôni Heiderscheidt, advogada e professora da UFSC, na época professora da Univali. Reclamando indenização por prejuízos financeiros e danos emocionais, ela relata com riqueza de detalhes como perdeu o bebê depois de várias agressões físicas e psicológicas. Anexa nos autos testemunhas e cópia do protocolo de entrada na Maternidade Carlos Corrêa com dores e forte sangramento. Segundo narra, mesmo depois dos riscos que sua gravidez sofreu nessa ocorrência, foi agredida novamente até sofrer um aborto. Embora tenha perdido a ação indenizatória pela ausência de provas, como exame de corpo de delito e Boletim de Ocorrência, o conteúdo da acusação não foi desmentido pelo juiz. Em outra ação, impetrada pela ex-namorada ou ex-noiva de Rodolfo, Lúcia Helena Cardoso, também professora universitária, alega os mesmos padrões de comportamento do acusado: perseguição, intimidação, assédio psicológico e repetidos episódios de agressão física e moral. PERFIL DE CORREGEDOR: EQUILÍBRIO, SENSIBILIDADE E PACIÊNCIA Qualquer que se seja a pessoa com quem se fale a respeito do corregedor na universidade já ouviu falar dessas ações públicas ou sigilosas envolvendo o homem que concentra hoje o poder de fiscalização, denúncia e punição de irregularidades na instituição. Comentários sobre essas ações passam de boca em boca, como narrativas de corredor que ninguém investiga. Mas essas e outras histórias são terrivelmente reais e concretas para as vítimas e as suas famílias. E, à medida que não são de fato apuradas, só servem para amedrontar e acovardar as pessoas prejudicadas e aumentar ainda mais os poderes do inquisidor para intimidar pessoas, fortalecer as divergências políticas internas e espalhar a discórdia no seio da universidade. Por ora o fato mais importante diz respeito ao perfil de Rodolfo para o cargo de corregedor, no momento em que a universidade é devastada por uma crise desencadeada pelo falecimento do reitor e pela presença de um estado policialesco. As orientações que regulamentam a implantação das corregedorias seccionais pelo decreto federal 5.480, estabelecem em 11 itens as habilidades e características de comportamento que compõem o perfil necessário a um ocupante do cargo. Pelo menos oito itens parecem apontar exatamente para o oposto do comportamento da primeira pessoa a ocupar o cargo. Conforme o item 3, por exemplo, o candidato deve ter sensibilidade e paciência; o 4, indica capacidade de escuta; o 5, equilíbrio emocional; o 6, capacidade de trabalhar sob situações de pressão; o 7, proatividade e discrição; o 9, independência e imparcialidade; o 10, adaptabilidade e flexibilidade e o 11, maturidade na prevenção, apuração e solução de conflitos. Envolvido também em queixas de assédio moral contra alunas da universidade, que chamou a depor com base em suas manifestações e curtidas em postagens nas redes sociais, conforme já publicaram os jornalistas Luiz Nassif https://www.conversaafiada.com.br/brasil/quem-e-a-figura- central-da-tragedia e Paulo Henrique Amorim https://m.youtube.com/watch?v=uhRqokWT0qQ, Hickel visivelmente não apresenta a conduta exigida para o cargo de corregedor. Talvez o único requisito que preencha do perfil recomendado hoje é o primeiro, que se refere à “larga experiência em processos disciplinares”, que ele não tinha, conforme auxiliares que se  afastaram da corregedoria, mas adquiriu intensamente depois de assumir o cargo. E também o oitavo item, que se refere à análise crítica, aspecto enfaticamente exercido em relação à administração de Cancellier, o que não significa “independência à administração”, requisitada no item 2, como salienta Rizzatti. Mais do que crítico ao reitor, Rodolfo tinha uma mágoa contra ele que declarou em suas entrevistas aos jornais logo depois da prisão, quando denunciou que estava sendo perseguido. Em entrevista ao Diário Catarinense, publicada no dia 19 de setembro, sob a manchete: “‘Pressões começaram logo após a minha posse’, diz corregedor que investiga desvio de bolsas na UFSC”. Na reportagem, ele acusa o reitor de rebaixar o seu salário de CD-3 para CD-4, o que                     implicaria       numa          perda          de              R$             1                      mil. http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2017/09/pressoes-comecaram-logo-apos-a-minha- posse-diz-corregedor-que-investiga-desvio-de-bolsas-na-ufsc-9905872.html Pessoas que atuam na área de recursos humanos na universidade ficaram estarrecidas com a essa alegação monetária do corregedor. Houve uma alteração na estrutura da administração e a função dele foi igualada à da auditoria interna, explica o chefe de gabinete recém-exonerado, garantindo que não foi uma redução da gratificação. “Várias pessoas passaram por esse reenquadramento”. TIRANIA PESSOAL ENCORAJADA PELO ESTADO DE EXCEÇÃO Esse primeiro levantamento realizado nos autos judiciais indicam que os antecedentes de Hickel não o credenciariam sequer para o cargo de síndico, quanto menos para a responsabilidade do controlador máximo de irregularidades de um órgão público tão importante e tão necessitado de harmonia quanto a universidade, como lembrou o ex-procurador. Foi na condição de síndico de condomínio que Rodolfo Hickel sofreu a primeira condenação criminal por calúnia e difamação  e quase destruiu a vida da família de Cozzatti. “Os traumas psicológicos em mim, na minha mulher e nos meus filhos foram imensuráveis”, diz ele, com o rosto lavado por um pranto convulsivo pelas lembranças que o fizemos reviver durante vários dias de apuração. A dor da família de Cancellier, sua revolta contra o homem que levou o irmão ao gesto de  desespero e o estado de exceção que o agasalhou e encorajou suas calúnias é ainda mais dilacerante. Hickel foi nomeado por Roselane em 4 de maio de 2017, seis dias antes da posse do novo reitor, num momento de grande alegria e júbilo para os irmãos Cancellier que, segundo Accioli, o mais velho dos três, selaria o início da desgraça de um homem público de carreira ilibada. Ao menos quatro dos 14 candidatos preteridos devem entrar com recurso contra a escolha. “Há irregularidades na eleição. Fiz um recurso ao Conselho Universitário quando o professor Cancellier assumiu, mas ele mesmo, sempre tentando soluções pacificadoras, me pediu para desistir porque não queria ser acusado de perseguir o corregedor nomeado pela gestão anterior”, testemunha Fabrício Guimarães, graduado em Direito, ex-assistente administrativo da Procuradoria da UFSC, que trabalhou 17 anos com processos disciplinares. O principal argumento do seu recurso para anulação das eleições: “A lista tríplice foi escolhida não pelo CUN, mas por uma comissão designada pela então reitora, que elegeu Rodolfo Hickel após submeter essa lista a uma reunião esvaziada do CUN, um dia após a vitória der Cancellier nas eleições”, argumenta Guimarães. O traço persecutório, difamador, abusivo e ameaçador demonstrado neste inventário de conduta encontrou alimento em outra personalidade semelhante que chegou à UFSC depois de ter sido proscrita de outros órgãos. Agindo juntos, os parceiros da perseguição ganharam crédito de uma juíza e de uma delegada da Polícia Federal no contexto nacional de supressão geral dos direitos democráticos desde o golpe de 2016. E a tramoia cresceu no terreno fértil do estado de exceção não-declarado que o país vive, encorajando as ações policialescas que desrespeitam as garantias constitucionais e excitam a opinião pública com a fúria injusta dos coliseus. Envolvido num conjunto de suspeitas de irregularidades iniciadas 10 anos antes de sua gestão, sem acesso à universidade, distante dos amigos pelo terror psicológico que os afastou, e sem direito à defesa, o reitor não viu outra saída para acabar com a dor da humilhação a não ser lançar-se ao precipício como denúncia. NOTA DA REDAÇÃO: Os Jornalistas Livres encaminharam 16 perguntas ao corregedor sobe os processos judiciais aqui abordados, com questões sobre seus métodos de trabalho e de tratamento pessoal, bem como a onda de denúncias acerca de sua conduta na universidade e a sua relação e possível influência nos orgãos federais da Justiça, Polícia e Corregedoria da União. Propusemos como teto para recebimento das respostas as 19 horas de domingo (29/10), mas até o fechamento da edição desta reportagem não houve retorno (evento 01, OUT6). Do texto da matéria, o Querelante destaca como condutas supostamente criminosas, sem, contudo, indicar precisamente quais seriam caluniosas e quais seriam difamatórias, as afirmações de que "trata-se de um doente social", "truculento", "desequilibrado perigoso", "arruinou gratuitamente a vida de inúmeras pessoas", "possui diferentes graus de desequilíbrio", "tendência animalesca à destruição de pessoas" e que "seria apenas um truculento a mais, não fosse o poder de Estado do qual foi revestido pelos defensores da exceção" (p. 4 da queixa-crime). Também aponta a divulgação de um "dossiê" publicado pelo blog "Jornalistas Livres", no qual se afirma que o Querelante já foi condenado criminalmente e que possui antecedentes criminais como conduta criminosa apta a ensejar a condenação do Querelado. Desde a propositura da queixa-crime, várias diligências foram realizadas no sentido de se intimar o Querelado para a realização de audiência de conciliação, nos termos do artigo 520 do CPP, com a finalidade de se implementar os princípios e diretrizes da Justiça Restaurativa. Decido nestes autos, ao retornar à titularidade plena da 7ª Vara Federal, após período de afastamento de dois anos para o exercício de função administrativa (Direção do Foro da Seção Judiciária de Santa Catarina) e para a conclusão de pesquisa em programa de doutorado. Após examiná-los e em que pesem as nobres intenções de se concretizar a conciliação e os ideais da Justiça Restaurativa na seara penal, expressos nas decisões anteriores e nos esforços da Secretaria para a realização da aludida  audiência,  tenho  que  o  caso requer solução diversa, pelas razões que passo a expor. 1.    Da    importância     da    liberdade     de    expressão    no    marco    jurídico interamericano e brasileiro  A Convenção Americada de Direitos Humanos, incorporada do direito brasileiro pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, em seu artigo 13, estabelece que: Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. A Declaração Americana em seu artigo IV dispõe que "Toda pessoa tem direito à liberdade de investigação, de opinião e de expressão e difusão do pensamento por qualquer meio". O artigo 4 da Carta Democrática Interamericana destaca que: "São componentes fundamentais do exercício da democracia a transparência das atividades governamentais, a probidade, a responsabilidade dos governos na gestão pública, o respeito aos direitos sociais e a liberdade de expressão e de imprensa." A transcrição das normas supra citadas demonstra que o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos busca dar grande alcance à liberdade de expressão e cercá- la com as maiores garantias. Conforme já se afirmou: "numa perspectiva comparada [...] o marco interamericano foi desenhado para ser mais generoso, e para reduzir ao mínimo as restrições à livre expressão dentro das sociedades do continente" (CIDH - COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão. Marco jurídico interamericano sobre o direito à liberdade de expressão, Versão em Português, maio de 2014, p. 2). No âmbito brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, ao declarar os dispositivos da antiga lei de imprensa como não recepcionados pela Constituição de 1988, teve a oportunidade de afirmar que "o artigo 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilidade ou consequência do pleno gozo das primeiras" (APDF 130/DF, Rel. Ministro Carlos Ayres Britto, j. 30/04/2009). Daí afirmar-se que a liberdade de expressão exerce, ao menos, três funções essenciais nos sistemas democráticos. Inicialmente, trata-se de direito que reflete um dos atributos mais essenciais dos seres humanos enquanto tais: o de pensar o mundo a partir de sua própria perspectiva e assim construir sua realidade por intermédio de processos comunicativos. Hannah Arendt, em “A Condição Humana”, já afirmava que ação e discurso - elementos essenciais da liberdade de expressão - são atributos intrínsecos à humanidade. Para a autora, "a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos aparecem uns para os outros, certamente não como objetos físicos, mas qua homens. [...] É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano e essa inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato simples do nosso aparecimento físico original" (ARENDT, 2015, p. 219). Em segundo lugar, a liberdade de expressão é elemento constitutivo da democracia. Não há regime democrático sem liberdade de expressão. Para Konrad Hesse: "Sem a liberdade de manifestação de opinião e liberdade de informação (...) o desenvolvimento de iniciativas e alternativas pluralistas, assim como ‘formação preliminar da vontade política’ não são possíveis, publicidade da vida política não pode haver, a oportunidade igual das minorias não está assegurada com eficácia e vida política em um processo livre e aberto não se pode desenvolver. Liberdade de opinião é, por causa disso, para a ordem democrática da Lei Fundamental 'simplesmente constitutiva'” (HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 302/303). Por fim, a importância da liberdade de expressão decorre de seu caráter viabilizador do exercício dos demais direitos fundamentais. Por intermédio da liberdade de expressão é que se possibilita o exercício da liberdade religiosa, da liberdade de associação, do acesso à educação e à cultura, à formação da opinião pública, à participação política de forma qualificada, entre outros direitos fundamentais. Nas palavras da Corte Interamericana de Direitos Humanos, "a plena e livre discussão evita que se paralise uma sociedade e a prepara para lidar com as tensões e fricções que destroem as civilizações. Uma sociedade livre, hoje e amanhã, é aquela que possa manter abertamente um debate público e rigoroso sobre si mesma" (CIDH, Relatório Anual 1994. Capítulo V: Relatório sobre a Compatibilidade entre as Leis de Desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Título III. OEA/Ser. L/V/II.88. doc. 9 rev. 17 de fevereiro de 1995).   A liberdade de expressão no cotejo com discursos críticos sobre funcionários públicos no exercício de suas funções   A democracia implica no controle - seja por órgãos técnicos inseridos na estrutura do Estado, seja por meio da opinião pública - da administração pública e de seus atos. Nessa perspectiva, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa atuam  como  impulsionadores da transparência das atividades do Estado, com a consequente responsabilidade dos agentes públicos. A participação da cidadania, não apenas através de eleições regulares, mas por intermédio do acompanhamento atento das decisões que impactam o conjunto da sociedade, somente é possível num ambiente em que a liberdade de expressão e de imprensa sejam as mais amplas possíveis, notadamente no que tange aos temas que envolvem o trato da coisa pública e os agentes estatais. Nesse sentido, o discurso crítico à atuação dos agentes públicos deve gozar de maior espectro de proteção, no cotejo com outras formas de discurso, em especial, no que diz respeito à imprensa. Respeitadas as diferenças de cultura jurídica, não é demasiado citar  o precedente New York Times vs. Sullivan, no qual a Suprema Corte estadunidense afirmou que "nenhum servidor público ou ocupante de cargo público pode ganhar uma ação contra a imprensa, a menos que prove não só que a acusação feita contra ele era falsa e nociva, mas também que o órgão de imprensa fez essa acusão com 'malícia efetiva' - que os jornalistas não só foram descuidados ou negligentes ao fazer as pesquisas para a reportagem, mas que também a publicaram sabendo que ela era falsa ou com 'temerária desconsideração' (reckless disregard) pela veracidade ou falsidade das informações ali contidas" (DWORKIN, Ronald. O direito de liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 311). O efeito prático dessa decisão foi o de impor um ônus da prova aos funcionários públicos praticamente impossível de ser suprido, o que levou Dworkin a qualificar a decisão como "realmente extraordinária" pelo fato de permitir "que a imprensa norte-americana desempenhasse com mais confiança seu papel de proteger a democracia - mais do que a imprensa de qualquer outro lugar do mundo (DWORKIN, Ronald. O direito de liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 342). Conforme pontifica a Corte Interamericana de Direitos Humanos: "o tipo de debate político a que dá lugar o direito à liberdade de expressão e informação gerará, indubitavelmente, certos discursos críticos ou inclusive ofensivos para quem ocupa cargos públicos ou está intimamente vinculado à formulação da política pública" (CIDH, Relatório Anual 1994. Capítulo V: Relatório sobre a Compatibilidade entre as Leis de Desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Título III. OEA/Ser. L/V/II.88. doc. 9 rev. 17 de fevereiro de 1995). Isso não quer dizer que os funcionários públicos não podem ter sua honra protegida pelo direito, mas tal proteção deve dar-se de acordo com os princípios do pluralismo democrático (v.g. Corte I.D.H., Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica. Sentença de 2 de julho de 2004. Série C, n. 107, § 128).   A não recepção das normas penais que criminalizam o discurso crítico a funcionários públicos pela Constituição Federal de 1988   No Relatório produzido pela Relatoria para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos do ano de 2002, a Comissão manifestou a incompatibilidade das denominadas "leis de desacato" contra o artigo 13 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. O argumento central é que o uso do direito penal para sancionar expressões dirigidas contra funcionários públicos atuam como um "meio de silenciar ideias e opiniões impopulares, reprimindo, desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições democráticas" (CIDH, Relatório Anual 1994. Capítulo V: Relatório sobre a Compatibilidade entre as Leis de Desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Título III. OEA/Ser. L/V/II.88. doc. 9 rev. 17 de fevereiro de 1995). A CIDH considerou, da mesma forma, que as leis de desacato proporcionam um maior nível de proteção aos funcionários públicos do que aos cidadãos privados, em completo antagonismo com o princípio democrático e republicano, que sujeita o governo e a administração a controle popular para  conter  eventuais  abusos  de  seus  poderes  coercitivos (CIDH, Relatório Anual 1994. Capítulo V: Relatório sobre a Compatibilidade entre as Leis de Desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Título III. OEA/Ser. L/V/II.88. doc. 9 rev. 17 de fevereiro de 1995). Os mesmos argumentos são válidos no que diz respeito aos tipos penais que dispõem sobre difamação, injúria e calúnia, quando vinculados a fatos imputáveis a funcionários públicos no exercício de suas funções. A CIDH, no referido relatório, considerou que o uso de tais leis penais para silenciar as opiniões críticas é tão grande nestes casos, como no caso das leis de desacato. Em suas palavras: Na arena político em particular, o limiar para a intervenção do Estado a respeito da liberdade  de expressão é necessariamente mais alto devido à função crítica do diálogo político em uma sociedade democrática. A Convenção requer que este limiar se incremente, mais ainda, quando o Estado impor o poder coativo do sistema da justiça penal para restringir a liberdade de expressão. Por isso, caso consideremos as conseqüências das sanções penais e o efeito  inevitavelmente inibidor que têm para a liberdade de expressão, a punição de qualquer tipo de expressão só pode ser aplicada em circunstâncias excepcionais nas quais exista uma ameaça evidente e direta de violência anárquica (CIDH, Relatório Anual 2002. Capítulo V: Leis de desacato e difamação criminal, item 17). Dessa forma, o integral respeito à liberdade de expressão, num ambiente democrático, deve assegurar que jornalistas e formadores de opinião exerçam sua liberdade de investigar e  publicar sem medo de represálias, assédios ou vinganças, o que inclui o uso da legislação penal que sanciona a calúnia, a difamação e a injúria, no que diz respeito a fatos vinculados ao exercício da função pública. Com isso, não se quer dizer que os servidores públicos não tenham direito à tutela de sua honra. O que se afirma é que a sanção penal direcionada contra expressões que dizem respeito a interesses públicos, vulnera, a um só tempo, o artigo 13.2 da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, o artigo 5º, IV da Constituição Federal e o artigo 220 da Constituição Federal, com a interpretação que lhe emprestou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130. A criminalização do discurso crítico à atuação de agentes públicos como ofensa à proporcionalidade em matéria penal   A CIDH também considerou que a utilização do direito penal para sancionar o discurso de "desacato" fere o princípio da proporcionalidade, pois existem outros meios menos gravosos mediante os quais o governo e seus agentes podem defender sua reputação frente a ataques supostamente infundados, seja através de réplicas através dos meios de comunicação, seja através de reparações na esfera cível. Juarez Cirino dos Santos ensina que o princípio da proporcionalidade, em matéria penal, "limita a criminalização primária às hipóteses de grave violações de direitos humanos - ou seja, exclui lesões insignificantes de bens jurídicos - e delimita a cominação de penas criminais conforme a natureza e extensão do dano social produzido pelo crime" (SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal - parte geral, 8ª ed. Florianópolis: Ed. Tirant lo Blanch, 2018, p. 30). Luciano Feldens, a seu turno, ao discorrer sobre a aplicação da proporcionalidade em matéria penal, destaca o importante papel atribuído ao Poder Judiciário na garantia dos espaços de liberdade assegurados pela Constituição. Em suas palavras: "É exatamente aqui que a Constituição - e já não mais a dogmática penal - cobra toda a sua força normativa, repassando a tarefa ao órgão incumbido de garanti-la: o Poder Judiciário ou, a depender do regime, o Tribunal Constitucional, ao qual caberá realizar o juízo de invalidação do produto legislativo em desconformidade à Constituição" (FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal - a Constituição Penal. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2008, p. 132). Na mesma obra, o autor propõe que tal exame de proporcionalidade seja realizado mediante a construção de critérios escalonados, que permitam "melhor aferir (porque com menor grau de subjetivismo, e maior grau de precisão), quando estamos diante de uma intervenção legislativa ilegítima, isso porque: (i) não se revela apta à finalidade (de proteção) para a qual instituída (adequação), (ii) representa um sacrifício desnecessário ao direito afetado, considerando que o bem ou interesse protegido (finalidade da norma restritiva) poderia assim estar com a imposição de uma restrição de caráter extrapenal; (iii) a intensidade da restrição imposta ao direito afetado não corresponde, em proporção, e no caso concreto, à importância do fim objetivado pela norma, ou, de outro modo, quando as vantagens causadas pela promoção do fim não são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio" (FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal - a Constituição Penal. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2008, p. 132/133).   O critério da adequação   Neste aspecto, o que se busca responder no exame da adequação é se a medida estatal utilizada é de fato adequada aos fins que ela persegue. "Trata-se, pois, de controlar       a relação de adequação medida-fim, a partir de um juízo de prognose em que se consideram contrárias à Constituição apenas aquelas medidas legislativas (a) que se mostrem, desde o princípio, como inidôneas para alcançar o fim almejado pelo legislador, (b) em que o próprio fim almejado se revele, em si, legítimo" (FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal - a Constituição Penal. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2008, p. 151). As normas penais que criminalizam o discurso crítico aos agentes públicos por fatos relacionados ao exercício da função pública produzido pela imprensa podem, à primeira vista, parecer adequadas à finalidade de proteção da honra e da reputação destes agentes, afinal, trata-se de bens jurídicos protegidos constitucionalmente (artigo 5º, X, da Constituição Federal). Todavia, a se considerar que a tutela penal acarreta, intrinsecamente a possibilidade do encarceramento, tal como nos casos de reincidência, v.g.,  é  de  se  indagar se sanção de tal natureza é de fato adequada à finalidade de proteção dos bens jurídicos envolvidos e, igualmente de prevenção de condutas supostamente ofensivas à honra dos agentes públicos. Quer nos parecer, quanto ao ponto, que o hipotético encarceramento de jornalistas e profissionais da imprensa por supostos abusos ou excessos não é medida adequada à finalidade de manutenção dos discursos produzidos pela imprensa em patamar de moderação na crítica à atuação dos agentes públicos. Ao contrário, a utilização das sanções penais pode servir como fator multiplicador dos discursos críticos pela imprensa, diante da indignação que tais excessos punitivos podem desencadear no meio jornalístico. Ademais, a análise da adequação impõe considerar até que o ponto o resultado pretendido - a produção de um discurso mais moderado na crítica à atuação dos jornalistas e demais profissionais de imprensa - é de fato desejado, já que a criminalização de supostos excessos sempre poderá induzir a resultados diversos, quais sejam, o silenciamento, a intimidação e, no limite, a falha no cumprimento da missão do jornalismo que é o de informar aos cidadãos sobre fatos que dizem respeito ao interesse público, dada a insegurança na definição do que seria, substancialmente, um discurso moderadamente crítico. Cabe, neste ponto, situar a presente análise no contexto dos países latino- americanos, trazendo ao debate o conceito de cultura do silêncio de Paulo Freire (Ação cultural para a liberdade. 5ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1981), para quem "a sociedade dependente é por definição uma sociedade silenciosa. Sua voz não é autêntica, mas apenas um eco da voz da metrópole". A partir do conceito de cultura do silêncio de FREIRE, o professor da Universidade de Brasília Venício de Lima destaca que "a cultura do silêncio (...) caracteriza a sociedade a que se nega a comunicação e o diálogo e, em seu lugar, se lhe oferece ‘comunicados’, vale dizer, é o ambiente do tolhimento da voz e da ausência de comunicação, da incomunicabilidade" (LIMA, Venício A. de. Cultura do silêncio e democracia no Brasil. Ensaios em defesa da liberdade de expressão (1980-2015). Brasília: Editora da UNB, 2015). Desta forma, quer pelo fato de não "entregar o que promete", ou seja, não ser medida idônea para induzir à moderação nos discursos jornalísticos de crítica à atuação dos agentes públicos pela ameaça de prisão, quer por não produzir um resultado socialmente desejável numa sociedade democrática, conclui-se que a criminalização dos discursos críticos à atuação de agentes públicos pela imprensa, por intermédio dos crimes de calúnia, difamação e injúria, previsto nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, com a causa de aumento de pena do artigo 141, II do Código Penal, não são medidas adequadas ou idôneas para a tutela do bem jurídico honra dos agentes públicos. Prosseguindo na análise da proporcionalidade das medidas penais em debate, impende analisar o critério da necessidade, vale dizer, se a finalidade de proteção do bem jurídico poderia ser alcançada com a imposição de uma restrição de caráter extrapenal. Quanto ao ponto a resposta é positiva e remete ao exame do caráter subsidiário e fragmentário do próprio direito penal. O critério da necessidade: a ofensa aos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade do direito penal Ao se considerar que o direito penal é o meio estatal de intervenção mais gravoso na esfera de liberdade da pessoas, é preciso considerar seu caráter necessariamente subsidiário na tutela dos bens jurídicos tidos por relevantes em dado contexto social. Disso resulta igualmente, seu caráter fragmentário. Nas palavras de Cezar Bittencourt, "a fragmentariedade do Direito Penal é corolário do princípio da intervenção mínima e da reserva legal. [...] Ora, este ramo da ciência jurídica protege tão somente valores imprescindíveis para a sociedade. Não se pode utilizar o Direito Penal como instrumento de tutela de todos os bens jurídicos. E neste âmbito, surge a necessidade de se encontrar limites ao legislador penal" (BITTENCOURT, Cezar. Tratado de Direito Penal, vol. 1, 22ª ed. São Paulo: 2016, p. 55). Tal diretriz, aplicada ao exame da necessidade da tutela penal, em sede de controle de proporcionalidade, induz à conclusão de que "o Direito Penal não será um meio necessário a fazer-lhe frente se a lesão, real ou potencial, a determinado bem jurídico, pode ser evitada, com   Poder Judiciário JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Santa Catarina 7ª Vara Federal de Florianópolis semelhante eficácia, mediante a utilização de outras medidas menos invasivas, predispostas pelo ordenamento para alcançar o mesmo fim" (FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal - a Constituição Penal. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2008, p. 153). No caso em exame, ao se admitir o uso do direito penal para sancionar o discurso crítico à atuação de agentes públicos no exercício de suas funções, quando existentes mecanismos extrapenais de maior eficácia e menor custo social para a democracia, também se estará vulnerando o princípio da proporcionalidade, em sua vertente da necessidade, que pode ser desdobrada nos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade do direito penal. O direito brasileiro fornece mecanismos extrapenais de tutela da honra, seja através das ações civis de reparação, seja através de mecanismos jurisdicionais inibitórios, tais como aqueles contidos no artigo 20 do Código Civil e no artigo 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Além da existência de mecanismos extrapenais aptos à tutela da honra, impõe-se aqui, novamente, a consideração dos demais aspectos que tal restrição da liberdade de informar da imprensa envolvem, necessariamente. Nessa perspectiva, a se considerar que o discurso crítico a agentes públicos envolve temas essenciais para a robustez do debate público, formador da opinião pública qualificada e que a tutela da honra dos servidores públicos pode ser garantida de forma menos gravosa, resulta inafastável a vulneração do princípio da proporcionalidade nas normas que criminalizam a calúnia, a difamação e a injúria, quando os fatos dizem respeito à atuação de agente público exercício da função pública. Nos dizeres da CIDH: A Comissão considera que a obrigação do Estado de proteger os Direitos dos demais se cumpre estabelecendo uma proteção estatutária contra os ataques intencionais à honra e à reputação, mediante ações civis e promulgando leis que garantam o direito de retificação ou resposta. Neste sentido, o Estado garante a proteção da vida privada de todos os indivíduos sem fazer um uso abusivo de seus poderes de coação para reprimir a liberdade individual de se formar opinião e expressá-la. (CIDH, Relatório Anual 2002. Capítulo V: Leis de desacato e difamação criminal, item 17). A honra dos agentes públicos é, sem dúvida, um bem jurídico relevante. Todavia, se sua tutela penal deve se dar à custa do sacrifício da amplitude do debate público, da transparência e da participação cidadã, inerentes ao controle popular que define os regimes democráticos, é trivial que tal tutela deve ceder lugar a outras formas, mais aderentes ao interesse de toda a sociedade e não de apenas uma parcela de cidadãos. Proporcionalidade em sentido estrito De acordo com este critério, examina-se se a medida não se revela desproporcional, em concreto, em relação ao fim perseguido. "A proporcionalidade em sentido estrito, pois, estaria a exigir um juízo concreto de ponderação, havendo de verificar-se a partir da constatação de que a gravidade da intervenção e suas razoes justificadoras devem estar em adequada proporção" (FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal - a Constituição Penal. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2008, p. 158). No caso concreto, sem exaurir o exame trifásico de fixação da pena de forma prematura, é preciso considerar, para fins de análise da proporcionalidade da sanção, a hipótese de integral procedência da ação penal. Dessa forma, em que pese a inexistência de indicação precisa de quais condutas seriam caluniosas e quais seriam difamatórias, a eventual condenação poderia resultar na fixação de penas relativas a seis crimes de difamação (artigo 139 do Código Penal), em concurso material, somada a mais um crime de calúnia (artigo 138, § 1º do Código Penal), todas sujeitas a causa de aumento de pena do artigo 141, II do Código Penal, o que, em tese, poderia resultar numa pena que gravitaria no patamar de 02 anos e 08 meses a 3 anos de detenção, além da reparação civil postulada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Tal sanção criminal, para uma conduta praticada sem violência contra a pessoa, nem uso de meios artificiosos ou fraudulentos e sem exposição de pessoas a perigo em sua vida, saúde, liberdade ou dignidade, revela-se desproporcional em sentido estrito. Sem entrar no mérito do grau de sofrimento psíquico e dos demais danos sofridos pelo Querelante, em razão da aludida publicação e que, por certo terão na esfera cível um debate mais amplo e adequado, o fato é que a sanção penal de encarceramento de até 3 anos, ao mesmo tempo  em  que  não  tem  como  fim  precípuo  reparações  de  ordem  privada, sequer repararia adequadamente tais danos, revelando-se, além de inadequada e desnecessária, inequivocamente desproporcional aos fins que persegue. Precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos Diversas decisões da CIDH e da Corte Interamericana exemplificam o tipo de discurso crítico aos agentes públicos que devem receber proteção reforçada. No caso Palamara Iribarne vc. Chile a Corte criticou decisão da justiça militar chilena que houvera condenado Palamara por desacato, em razão de declarações críticas que fez contra funcionários da justiça penal militar que moviam um processo contra ele. A Corte asseverou que era "lógico e apropriado que as expressões concernentes a funcionários públicos ou outras pessoas que exercem funções de natureza pública gozem, nos termos do artigo 13.2 da Convenção [Americana], de uma maior proteção que permita uma margem de abertura para um debate amplo, essencial para o funcionamento de um sistema verdadeiramente democrático" (Corte I.D.H., Caso Palamara Iribarne vs. Chile, sentença de 22 de novembro de 2005, série C, nº 135, § 83). Em sentido análogo, o caso Herrera Ulloa vc. Costa Rica, no qual estava em debate a reprodução em um diário local de certas afirmações publicada na imprensa europeia, que comprometiam um alto funcionário público costa-riquenho destacado na Bélgica. No precedente, a Corte explicitou que "é lógico e apropriado que as expressões que dizem respeito a funcionários públicos ou a outras pessoas que exercem funções de natureza pública devem gozer, nos termos do artigo 13.2 da Convenção [Americana] de uma margem de abertura a um debate amplo a respeito de assuntos de interesse público, que é essencial para o funcionamento de um sistema verdadeiramente democrático. Isso não significa, de modo algum, que a honra dos funcionários públicos ou das pessoas públicas não deva ser juridicamente protegida, e sim que ela deve sê-lo em conformidade com os princípios do pluralismo democrático" (Corte I.D.H., Caso Herrera Ulloa vc. Costa Rica, sentença de 2 de julho de 2004, série C, nº 107, 128). No caso Ricardo Canese vs. Paraguai, a Corte se pronunciou sobre a condenação de Ricardo Canese, um candidato presidencial na disputa eleitora paraguaia de 1992, por delito de difamação como consequência de afirmações de que seu concorrente teria sido testa de ferro da família ao antigo ditador Stroessner e representado de forma oculta seus interesses econômicos em um consórcio que participou da construção e desenvolvimento do Complexo Hidrelétrico de Itaipu. A Corte, após ressaltar a crucial importância da liberdade  de expressão, concluiu que havia ocorrido uma violação da liberdade de expressão de Canese, notadamente no período eleitoral, "circunstância na qual as opiniões e críticas são externadas de uma maneira mais aberta, intensa e dinâmica, de acordo com os princípios do pluralismo democrático", razão pela qual "aquele que julga devia ponderar o respeito aos direitos ou à reputação dos demais com o valor que o debate aberto sobre temas de interesse ou preocupação pública tem em uma sociedade democrática (Corte I.D.H, Caso Ricardo Canese vs.  Paraguai, sentença de 31 de agosto de 2004. Série C, nº 111. § 105). Vale citar, ainda os casos Kimmel vs. Argentina (Corte I.D.H., sentença de 2 de maio de 2008, série C, nº 177), em que estavam em debate críticas endereçadas a um magistrado e Tristán Donoso vs. Panamá (Corte I.D.H., exceção preliminar, mérito, reparações e custas. sentença de 27 de janeiro de 2009, série C, nº 193, § 115), que envolvia críticas à atuação de um advogado público. Precedentes das Cortes brasileiras Além do já citado julgamento da ADPF 130, no qual o Supremo Tribunal Federal declarou a não recepção dos dispositivos da antiga "Lei de Imprensa", a liberdade de imprensa tem sido prestigiada em uma série de pronunciamentos das Cortes Superiores brasileiras. Nesse sentido, o recente julgado do Supremo Tribunal Federal, citado a título ilustrativo:   E M E N T A: RECLAMAÇÃO – ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À AUTORIDADE DO JULGAMENTO PLENÁRIO DA ADPF 130/DF – EFICÁCIA VINCULANTE DESSA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – POSSIBILIDADE DE CONTROLE, MEDIANTE RECLAMAÇÃO, DE ATOS QUE TENHAM TRANSGREDIDO TAL JULGAMENTO – LEGITIMIDADE ATIVA DE TERCEIROS QUE NÃO INTERVIERAM NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA – LIBERDADE DE EXPRESSÃO – JORNALISMO DIGITAL (“BLOG”) – PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL – DIREITO DE INFORMAR: PRERROGATIVA FUNDAMENTAL QUE SE COMPREENDE NA LIBERDADE CONSTITUCIONAL DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DE COMUNICAÇÃO – A DECLARAÇÃO DE CHAPULTEPEC (1994) – JORNALISTAS – DIREITO DE CRÍTICA – PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL CUJO SUPORTE LEGITIMADOR REPOUSA NO PLURALISMO POLÍTICO (CF, ART. 1º, V), QUE REPRESENTA UM DOS FUNDAMENTOS INERENTES AO REGIME DEMOCRÁTICO – O EXERCÍCIO DO DIREITO DE CRÍTICA INSPIRADO POR RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO: UMA PRÁTICA INESTIMÁVEL DE LIBERDADE A SER PRESERVADA CONTRA ENSAIOS AUTORITÁRIOS DE REPRESSÃO PENAL E/OU CIVIL – A CRÍTICA JORNALÍSTICA E AS FIGURAS PÚBLICAS – A ARENA POLÍTICA: UM ESPAÇO DE DISSENSO POR EXCELÊNCIA (RTJ 200/277, Rel. Min. CELSO DE MELLO) – INADMISSIBILIDADE DE CENSURA ESTATAL, INCLUSIVE DAQUELA IMPOSTA, PELO PODER JUDICIÁRIO, À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, NESTA  COMPREENDIDA A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA E DE CRÍTICA  –  TEMA EFETIVAMENTE VERSADO NA ADPF 130/DF, CUJO JULGAMENTO FOI INVOCADO,    DE    MODO    INTEIRAMENTE    PERTINENTE,    COMO    PARÂMETRO   DE CONFRONTO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – A liberdade de imprensa, qualificada por sua natureza essencialmente constitucional, assegura aos profissionais de comunicação social, inclusive àqueles que praticam o jornalismo digital, o direito de opinar, de criticar (ainda que de modo veemente), de buscar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, ressalvada, no entanto, a possibilidade de intervenção judicial – necessariamente “a posteriori” – nos casos em que se registrar prática abusiva dessa prerrogativa de ordem jurídica, inocorrente na espécie, resguardado, sempre, o sigilo da fonte quando, a critério do próprio jornalista, este assim o julgar necessário ao seu exercício profissional. Precedentes. – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de manifestação do pensamento e de imprensa cujo exercício – por não constituir concessão do Estado – configura direito inalienável e privilégio inestimável de todos os cidadãos. “Uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade” (Declaração de Chapultepec). – A prerrogativa do jornalista de preservar o sigilo da fonte (e de não sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, em razão da prática legítima dessa franquia outorgada pela própria Constituição da República), oponível, por isso mesmo, a qualquer  pessoa, inclusive aos agentes, autoridades e órgãos do Estado, qualifica-se como verdadeira garantia institucional destinada a assegurar o exercício do direito fundamental de livremente buscar e transmitir informações. Doutrina. Precedentes (Inq 870/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Rcl 21.504-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO). – A crítica que os meios de comunicação social e as redes digitais dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade. – Não induz responsabilidade civil, nem autoriza a imposição de multa cominatória ou “astreinte” (Rcl 11.292-MC/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 16.434/ES, Rel. Min. ROSA WEBER – Rcl 18.638/CE, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – Rcl 20.985/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a  quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública – investida, ou não, de autoridade governamental –, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Jurisprudência. Doutrina. – O Supremo Tribunal Federal tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático. – Mostra-se incompatível com o pluralismo de ideias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais) o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação a repressão, ainda que civil, à crítica jornalística, pois o Estado – inclusive seus Juízes e Tribunais – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (AI 705.630-AgR/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Jurisprudência comparada (Corte Europeia de Direitos  Humanos e Tribunal Constitucional Espanhol). (Rcl 15243 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/04/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 10-10-2019 PUBLIC 11-10-2019) Digno de nota, ainda, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça, no qual se resguardou o discurso crítico, divulgado por meio jornalístico, a autoridade pública: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEI DE IMPRENSA.   NÃO   RECEPÇÃO   PELA   CF/88.   APLICAÇÃO   DO   DIREITO   À    ESPÉCIE. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. CONTEÚDO OFENSIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. LIBERDADE DE IMPRENSA EXERCIDA DE MODO  REGULAR, SEM ABUSOS OU EXCESSOS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 186 e 927 DO CÓDIGO CIVIL. Ação de compensação por danos morais ajuizada em 01.10.2004. Recurso especial concluso ao Gabinete em 22.09.2011. Discussão relativa à potencialidade ofensiva de matéria publicada em jornal de grande circulação, que aponta possível envolvimento ilícito de magistrado com traficantes de drogas e consequente afastamento do cargo. A contradição a que se refere o inc. I do art. 535 do CPC é a que se verifica dentro dos limites do julgado embargado (contradição interna), aquela que prejudica a racionalidade do acórdão, afetando-lhe a coerência, não se confundindo com a contrariedade da parte vencida com as respectivas conclusões. Somente a partir do julgamento da ADPF 130/DF é que a invalidade da Lei de Imprensa foi declarada, ainda que com efeitos pretéritos. Antes desse julgamento a Lei vinha sendo normalmente aplicada por todos, salvo quanto aos dispositivos cuja eficácia fora expressamente suspensa após a apreciação da medida liminar deferida na ADPF 130/DF. Na hipótese, o recurso deve ser admitido, para que haja aplicação do direito à espécie, sendo possível a análise da controvérsia com fulcro no art. 159 do CC/16, vigente à época, sem que se configure qualquer desrespeito ao efeito vinculante do julgamento da ADPF 130/DF. A liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em A honra e imagem dos cidadãos não são violados quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, além disso, são do interesse público. O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce   atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias  quanto à veracidade do que divulgará. Quando a reportagem foi veiculada, as investigações mencionadas estavam em andamento e a pena administrativa havia sido aplicada pelo TJ/SP. A diligência que se deve exigir da imprensa, de verificar a informação antes de divulgá-la, não pode chegar ao ponto de que notícias não possam ser veiculadas se não forem utilizados os termos estritamente técnicos ou até que haja certeza plena e absoluta da sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial, no qual se exige cognição plena e exauriente acerca dos fatos analisados, bem como a sua exata qualificação jurídica. Não houve, por conseguinte, ilicitude na conduta do recorrido, devendo ser mantida a improcedência do pedido de compensação por danos Recurso especial desprovido. (REsp 1269841/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 25/10/2013) Dispositivo   Dessa forma, por entender que os crimes previstos no artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, quando invocados para sancionar penalmente o discurso crítico a agentes públicos em razão do exercício de sua função, além de ofender os postulados da proporcionalidade, em seus critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, bem como o princípio da fragmentaridade do direito penal, não foram recepcionados pelos artigos 5º, IV da Constituição Federal, pelo artigo 220 da Constituição Federal, com a interpretação que lhe deu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 130 e pelo artigo 13.2 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, por força do artigo 5º, § 2º da Constituição Federal, tenho que a rejeição de presente queixa-crime é medida que impõe. Por tais fundamentos, REJEITO a presente queixa-crime. Cancelo a audiência designada, devendo-se comunicar às partes com urgência. Após as cautelas legais, dê-se baixa e arquivem-se. Documento eletrônico assinado por CLAUDIA MARIA DADICO, Juíza Federal na Titularidade Plena, na forma do  artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 720005768814v63 e do código CRC 18109d04.   Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): CLAUDIA MARIA DADICO Data e Hora: 4/3/2020, às 10:39:46 Segue documento na íntegra: DECISÃO_Rejeição_de_queixa_crime_jornalistas_livres_SC.pdf

DECISÃO - Interceptação telefônica e prorrogação de interceptação em caráter improrrogável - RJ

DECISÃO  1) Inicialmente, impõem-se algumas considerações em caráter preliminar ante o pedido de prorrogação de interceptações quanto a duas linhas telefônicas: dispõe o inciso XII do artigo 5o da Constituição Federal (grifei): “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações tele- gráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.  Dois fatores desde logo sobressaem: 1o) as comunicações telefô- nicas são invioláveis, sendo esta uma garantia fundamental do cidadão; 2o) tal inviolabilidade não é absoluta, podendo ser limitada nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, advindo a limitação, tanto à inviolabilidade quanto à sua excepcional quebra, do próprio texto constitucional.  Ou seja: não é a lei que excepciona a inviolabilidade, é a Consti- tuição Federal que o faz e, para que a exceção guarde consonância com a Lei Maior, há de ser feita nos termos e hipóteses da lei regulamentadora – que, no caso, se trata da Lei 9296/96.  Assim é que dispõe o artigo 5o (coincidência, não?) do referido or- denamento legal, em tormentosa e debatida redação (grifei novamente): “A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.  Passemos desde logo à lição de Geraldo Prado, em obra seminal e pioneira1 (grifos no original):  “35. (...) não são juridicamente válidas as interpretações relativas à restrição de direitos fundamentais que busquem a sua fundamentação em outra área, salvo na própria Consti- tuição da República. O discurso jurídico-penal que se nutre de considerações acerca do controle da criminalidade é legítimo. Afinal de contas, é a Constituição da República que promete segurança a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer natureza. No entanto, este discurso é inadequado quando se  1 PRADO, Geraldo. Limite às Interceptações Telefônicas e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 40/43.  trata de configurar os limites ao exercício de direitos funda- mentais. Estes limites estão dados na Constituição e se diri- gem ao legislador de modo a conformar a sua atuação, bem como também são ditados ao juiz. Como assevera Perfecto Andrés Ibánez, "a Constituição impõe uma leitura crítica da- quela (referindo-se à lei), mas tal leitura deverá ser intelectu- almente honesta, rigorosa no uso das normas do discurso ra- cional e técnico-jurídico e dotada do máximo de transparên- cia na justificação".  36. Nessa perspectiva o artigo 5° da Lei na 9.296/96 en- contra a medida de sua racionalidade, ao dispor que o prazo da interceptação não poderá exceder a quinze dias, "renová- vel por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabili- dade do meio de prova". É interessante observar que a ex- pressão usada para delimitar o tempo de duração da inter- ceptação por si só denota o caráter excepcional que a regu- lamentação de restrição ao exercício de direito fundamental há de ter. Utiliza-se a expressão "não poderá exceder". É vi- sível aí, ao nosso juízo, o caráter limitativo desse meio de cap- tação de informações! Ao contrário de outras regras que fi- xam prazos em procedimento penal, na hipótese legal optou- se por indicação clara da natureza excepcional. Não poderá exceder significa o prazo final é esse, pois reconheço a gravi- dade dessa intervenção na esfera das comunicações do indi- víduo investigado! É como se a lei explicitasse dessa maneira sua condição excepcional.  37. Quando confrontamos essa razão legal (razão signifi- cando fundamento ou base) com as marcas insuperáveis do estado de defesa - quebra do sigilo das comunicações telefô- nicas por trinta dias, prorrogável por mais trinta, uma só vez -, torna-se compreensível a impossibilidade de uma interpre- tação distinta que esteja em conformidade com a Constitui- ção. E isso é ainda mais acentuado se entendermos o direito como criação do homem, consequência de sua história. A his- tória brasileira dos estados de exceção é por todos conhecida e se quiséssemos ficar apenas com os relatos da República isso já seria o bastante para admitirmos a máxima cautela no emprego de limitações aos direitos fundamentais. O estado de crise permanente foi usado como argumento competente, durante longo período, para reduzir a eficácia de direitos bá- sicos da cidadania e conspirar contra valores elementares da república e da democracia. Por isso os cuidados tomados na Constituição da República de 1988!  Irretocáveis fundamentos.  A lei que regulamenta a exceção constitucional ao direito funda- mental à inviolabilidade das comunicações telefônicas estipulou, de ma- neira cristalina, prazos: quinze dias, prorrogáveis por mais quinze dias.  Não há palavras vãs na lei – este um princípio fundamental e ele- mentar de hermenêutica, que aqui ganha maior relevo pois se trata de in- terpretar os limites que a própria Constituição Federal estipulou ao excep- cionar uma garantia da cidadania, o que impõe seja a interpretação feita ao mesmo tempo de forma restritiva (ou quando menos taxativa) quanto aos limites às garantias, e ampliativa quantos aos limites à limitação das garan- tias.  Portanto, a lei não disporia “não poderá exceder” (esta a expres- são chave) “o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo”, se não qui- sesse que a limitação ao limite à garantia fundamental tivesse um prazo certo e determinado, qual seja, trinta dias. Não utilizaria, por outro lado, o numeral quinze se não quisesse estabelecer o somatório de quinze mais quinze como tempo limite às interceptações, que devem sempre ser excep- cionais, e não a regra.  O caráter excepcional das interceptações, aliás, como se não bas- tasse estar claro no texto constitucional, vem expresso na própria Lei 9296/96 ao dispor: Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;  II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.  Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibili- dade manifesta, devidamente justificada.  Desta feita, o que à toda evidência querem tanto a Constituição Federal como a lei que regulamenta o inciso XII do artigo 5o é que as inter- ceptações telefônicas não sejam feitas de forma ilimitada (o que implicaria numa ilimitada e inaceitável limitação a direito fundamental que, assim, tenderia a tornar-se letra morta em certas investigações). Por outro lado, querem que seja utilizada de maneira excepcional e limitada no tempo quando a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis, logo, como um pontapé inicial para a apuração de violações à lei penal.  Não colhe razão o argumento de que a gravidade de certas infra- ções imporia a possibilidade de interceptações ilimitadas, pois se trata de uma tautologia. Na verdade, a gravidade de certas infrações é justamente o que fundamenta a própria exceção à inviolabilidade das comunicações telefônicas criada pelo texto constitucional e regulamentada pela lei, ao dis- por esta que não se admitirá a interceptação para a apuração de crimes apenados com detenção ou menos que isto. Logo, a gravidade do crime é pressuposto da interceptação em si, pressuposto da exceção, uma das ra- zões de ser desta exceção, e não fundamento para uma ampliação à limita- ção ao direito fundamental em oposição ao texto constitucional e legal.  Leonardo Luiz Santos Cabette fornece subsídios importantes à presente discussão2:  Malgrado as abalizadas conclusões em prol da possibili- dade de renovações indeterminadas da interceptação, con- forme acima mencionado, ousa-se discordar. Na realidade, considerar a possibilidade de renovações indeterminadas se- ria conceder uma "carta branca" ao magistrado para uma contínua intromissão na esfera privada das comunicações te- lefônicas das pessoas, para fins de investigação criminal.  Já de muito tempo remonta a lição de Beccaria de que "cabe exclusivamente às leis fixar o espaço de tempo que se deve empregar para a investigação das provas do delito, e o que se deve conceder ao acusado para sua defesa. Se o juiz tivesse esse direito estaria exercendo as funções de legisla- dor".  Ademais, tratando-se de norma que restringe a esfera de irradiação dos direitos individuais, não cabe ao intérprete sua ampliação no sentido de estender a aplicação da restrição àquilo que o texto legal não determina expressa e induvido- samente.  O entendimento quanto à possibilidade de renovações ao arbítrio do juiz, conduziria à mesma conclusão nos casos de prisão temporária previstos no art. 2o da Lei n. 7.960/89 e no art. 2o, § 3o, da Lei n. 8.072/90, fato este plenamente inad- missível à consciência geral, mas que, em essência, não di- verge do caso das interceptações. A redação dos dispositivos é bastante semelhante e os argumentos expendidos para a defesa de reiterações indeterminadas da interceptação te- riam pleno cabimento, sob a alegação de que sempre que fosse comprovada a "extrema necessidade" para as investi- gações, poder-se-ia renovar o prazo de restrição da liberdade. O que nos faz pensar, numa análise perfunctória, que se tratam de situações absolutamente díspares, é o fato de que a prisão temporária afeta diretamente a liberdade, o que torna a situação mais sensível ao espírito crítico e garantista.  2 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação Telefônica. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 120/123.  No entanto, o sigilo das comunicações e o direito à intimidade são valores de alto relevo, não menos prestigiado pelo sis- tema de garantias em que se baseia o Estado Democrático de Direito.  Chama ainda a atenção o fato de que a renovação da inter- ceptação, em tese, seria de fácil comprovação no que tange à “indispensabilidade” do meio de prova, poia a partir do mo- mento em que foi deferida inicialmente e, mesmo com ela, não se logrou a obtenção dos resultados colimados, claro se afigura sua necessidade prática à otimização das atividades persecutórias.  Ficaria, posta em segundo plano a "imprescindibilidade” como acima demonstrado, ao critério de cada juiz a delimita- ção considerada razoável e proporcional para o prolonga- mento da diligência.  Tudo isso ainda com uma agravante; porque além da inter- ceptação ser medida por natureza tomada "inaudita altera parte", possui o caráter de "segredo de justiça" e toda sua operacionalização se faz com base na preservação do sigilo (Lei n. 9.296/96, arts. 1° e 8°, parágrafo único). Desse modo, o sujeito passivo da interceptação sequer tem a possibilidade de atacar de qualquer maneira sua realização durante esse período, pois nem mesmo tem ciência de sua ocorrência, di- ferentemente do que acontece com a prisão, onde, ao menos, poderá utilizar os meios e recursos para fazer prevalecer o seu ius libertatis.  Portanto, a conclusão em relação à renovação das inter- ceptações somente pode ser ponderada no sentido da possi- bilidade de uma única reiteração pelo período de 15 dias, to- talizando o tempo máximo de 30 dias de intromissão insidiosa na esfera do sigilo das comunicações do indivíduo.  A jurisprudência pátria é vacilante a respeito do tema, ora se po- sicionando num sentido, ora em outro. Acórdão paradigmático é aquele pro- ferido pelo Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus 76686/PR, assim ementado:  Comunicações telefônicas. Sigilo. Relatividade. Inspirações ideológicas. Conflito. Lei ordinária. Interpretações. Razoabili- dade. 1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas; admite- se, porém, a interceptação "nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer". 2. Foi por meio da Lei no 9.296, de 1996, que o legislador re- gulamentou o texto constitucional; é explícito o texto infra- constitucional – e bem explícito – em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo, quanto à renovação "renovável por igual tempo uma vez comprovada a indis- pensabilidade do meio de prova". 3. Inexistindo, na Lei no 9.296/96, previsão de renovações su- cessivas, não há como admiti-las. 4. Já que não absoluto o sigilo, a relatividade implica o conflito entre normas de diversas inspirações ideológicas; em caso que tal, o conflito (aparente) resolve-se, semelhantemente a outros, a favor da liberdade, da intimidade, da vida privada, etc. É que estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana (Maximiliano). 5. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei (Lei no 9.296/96, art. 5o), que sejam, en- tão, os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, art. 136, § 2o), ou razoável prazo, desde que, é claro, na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não explícita ou implícita violação do art. 5o da Lei no 9.296/96, evidente violação do princípio da razoabili- dade. 6. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resul- tante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo os autos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito. (HC 76.686/PR, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 10/11/2008)  Firmou de tal forma um paradigma este aresto que serviu de base como representativo da controvérsia para o Supremo Tribunal Federal re- conhecer repercussão geral ao Recurso Extraordinário 625263/PR, inter- posto justamente contra aquele acórdão, ainda não julgado no mérito:  PROCESSO PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5o; 93, INCISO IX; E 136, § 2o DA CF. ARTIGO 5o DA LEI N. 9.296/96. DISCUSSÃO SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DE SUCESSIVAS RENOVAÇÕES DA MEDIDA. ALEGAÇÃO DE COMPLEXIDADE DA INVESTIGAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. RELEVÂNCIA SOCIAL, ECONÔ- MICA E JURÍDICA DA MATÉRIA. REPERCUSSÃO GERAL RECO- NHECIDA. (RE 625263 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 13/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 06-09- 2013 PUBLIC 09-09-2013 )  Entender de forma diversa do que aqui se sustenta é abrir cami- nho para a diminuição da densidade dos direitos fundamentais e, em última análise, para o arbítrio e para a instauração do estado de exceção – aquele que, perdoem-me o truísmo, é construído de exceções aqui, outras ali.  De fato, alegando aqui e ali a necessidade de segurança e de com- bate ao crime se tenderá, aos poucos, a fragilizar de tal maneira o sistema de garantias que, dentro em breve, haverá doutrinadores sustentando a re- lativização da vedação à tortura – se é que isto já não está a ocorrer...  De todo o exposto, preliminarmente entendo pela viabilidade do deferimento de uma única prorrogação por quinze dias, prorrogação está im- prorrogável.  2) Assentado tal entendimento, temos que os indícios coligidos ao feito até o presente momento (em especial aqueles que indicam a possível existência do crime de extorsão mediante sequestro, contidos às fls. omissis dos autos principais, agora robustecidas pelas interceptações parcialmente degravadas às fls. omissis do Apenso 1) apontam no sentido da prática, em tese, do grave crime previsto no artigo 159 do Código Penal, não havendo efetivamente outro meio, por ora, para a elucidação do crime em tese per- petrado, apenado com reclusão (sobretudo visando evitar a continuidade das extorsões que estão atormentado à vítima e seus familiares), senão pela quebra do sigilo e interceptação das comunicações telefônicas pleite- adas.  De fato, as apurações até aqui encetadas demonstram que omis- sis...  Do exposto, acolho parcialmente as pretensões aqui deduzidas pela Autoridade Policial, que contaram com o respaldo de promoção do Mi- nistério Público e defiro, em caráter improrrogável, a prorrogação por quinze dias da quebra de sigilo de dados e interceptação das linhas omissis, assim como para determinar por quinze dias a quebra de sigilo de dados e inter- ceptação das linhas omissis, dos IMEIs omissis, bem como dos IMEIs de to- dos os celulares que utilizem e vierem a utilizar aquelas linhas, nos termos deduzidos pela autoridade policial na Representação de fls. omissis deste Apenso 2, fixando o prazo de 15 dias para a interceptação, indeferindo a extensão das interceptações aos telefones que mantiverem ou tenham man- tido contatos com os alvos ou outros telefones usados por estes, porquanto, acaso acolhido tal pleito, tal importaria em conferir carta branca para a dis- seminação de quebras de sigilos de maneira incontrolável, por mera ordem da autoridade policial, abrangendo inclusive pessoas sem qualquer envolvi- mento com os delitos apurados, com grave vulneração à tutela constitucional de seus direitos à intimidade.  Fica terminantemente vedada a escuta de categorias profissionais que disponham da garantia de sigilo profissional (tais como, v.g., médicos, advogados, sacerdotes religiosos – artigo 207 do Código de Processo Penal), situação em que a escuta deverá ser imediatamente interrompida e este Juízo imediatamente informado.  Ratifico absoluto sigilo e segredo de justiça, determinando a circu- lação dos autos em envelope lacrado, designando as serventuárias omissis para processamento deste feito, neste momento processual, em caráter ex- clusivo, devendo serem observados todos os ditames contidos na Consoli- dação Normativa da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Ja- neiro (CNCGJ) aplicáveis, com as alterações trazidas pelo Provimento CGJ/RJ 68 de 26 de outubro de 2015.  Expeçam-se com urgência ofícios (observando-se o parágrafo 1o do artigo 72 da Parte Judicial da CNCGJ) a serem enviados em envelopes lacrados às empresas concessionárias de telefonia, para que seja de imedi- ato executada a presente ordem de prorrogação e interceptação e para que no prazo de cinco dias informem os dados pretendidos pela Autoridade Po- licial, nos termos acima deferidos, seguindo com os ofícios cópia da Repre- sentação (especificamente fls. omissis), devendo as informações, respostas e ofícios serem encaminhados diretamente à DAS com referência ao Apenso Sigiloso 2 do Inquérito Policial 042-02624/2018.  Comunique-se ao egrégio Conselho Nacional de Justiça, cadas- trando-se a presente no Sistema Nacional de Interceptação Telefônica.  Proceda-se, acaso necessário, na forma do artigo 69 da Parte Ju- dicial da CNCGJ.  Tudo feito, devolva-se em envelope lacrado à autoridade policial para prosseguimento das investigações.  Rio de Janeiro, 12 de maio de 2018.  MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO JUIZ DE DIREITO   

DECISÃO - Indeferimento de pedido de prisão preventiva - RJ

Processo no omissis  DECISÃO  Considerando ter ocorrido mero reconhecimento fotográfico do indiciado em sede policial, e levando em conta a ampla falibilidade de tal procedimento mormente quando inobservados os ditames do artigo 226 do Código de Processo Penal, considero-o insuficiente para vulnerar direito fundamental do cidadão, qual seja, o de liberdade – ainda que se mostre suficiente como indício a respaldar o recebimento da inicial acusatória sobretudo se e quando somado a outras peças de informação aptas a formar a justa causa.  Neste sentido cabe citar os seguintes arestos, oriundos do TJRJ, apreciando e mantendo decisões idênticas deste magistrado:  0280231-32.2017.8.19.0001 – Recurso em Sentido Estrito 7a Câmara Criminal Des(a). JOSÉ ROBERTO LAGRANHA TÁVORA Julgamento: 05/06/2018 Recorrido preso por outra ação penal. Denunciado pela suposta prática de roubo circunstanciado por emprego de arma de fogo. Indeferimento da prisão preventiva. Recurso Ministerial Impossibilidade de decretação da constrição. O magistrado corretamente não impôs a custódia baseado no reconhecimento fotográfico do indiciado em sede policial, considerando a sua ampla falibilidade. A simples identificação por imagem não se mostra subsídio robusto para a decretação da medida extremada cautelar sem a realização de maiores investigações. O ato só se deu após 13 dias da data do sucesso e, além disso, o paciente já responde preso por outro evento criminoso, encontrando-se segregado em unidade prisional. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.  Recurso em Sentido Estrito 0003894-83.2017.8.19.0001 7a Câmara Criminal Relator: Desembargador Sidney Rosa da Silva Julgamento: 25/07/2017 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 157, PARÁGRAFO 2o, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. INDEFERIMENTO. NÃO CONFORMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. RECONHECIMENTO DOS ACUSADOS PELA VÍTIMA QUE FOI FEITA POR MEIO DE FOTOGRAFIA E DEPOIS DE  *  ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO TRANSCORRIDO UM LAPSO TEMPORAL DE 120 DIAS DA OCORRÊNCIA DOS FATOS. PROVA VÁLIDA COMO SUPEDÂNEO À PERSECUÇÃO PENAL, MAS FRÁGIL PARA AUTORIZAR UM DECRETO CAUTELAR DE SEGREGAÇÃO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ANTECEDENTES CRIMINAIS QUE NÃO REFLETEM A INTENSIDADE DOS INDÍCIOS SUFICIENTES DESSA AUTORIA CAPAZ DE ENSEJAR A PRISÃO CAUTELAR. FUMUS COMISSI DELICTI. AUSÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA.  Recurso em Sentido Estrito 0324655-96.2016.8.19.0001 5a Câmara Criminal Relator: Des. Luciano Silva Barreto Julgamento: 20/07/2017 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DIREITO PROCESSUAL PENAL. IMPUTAÇÃO DA CONDUTA MOLDADA NO ARTIGO 157, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA E INDEFERIU A PRISÃO PREVENTIVA DO RÉU, SOB O FUNDAMENTO DE NÃO HAVER INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. RECONHECIMENTO POR FOTOGRAFIA. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESACOLHIMENTO. 1. Para a decretação da prisão preventiva a lei exige a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, fulcrada em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela, à luz do comando das artigos 312 e 313, caput e inciso I, do Código de Processo Penal. 2. Com o advento da Lei no 12.403/11, a prisão preventiva fora mantida em nosso ordenamento jurídico, mormente quando se mostrar necessária para a garantia das ordens pública e econômica, por conveniência instrução do processo e para a aplicação da lei penal, assim como nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. 3. Portanto, ao exigir a presença de indícios suficientes de autoria, a lei deixou claro que não são meros indícios que justificam a medida extrema de contrição da liberdade, mas apenas aqueles fundados, que apontem a probabilidade da participação do acusado no fato descrito na denúncia. E nessa senda o reconhecimento fotográfico, malgrado afigure-se suficiente para o recebimento da peça acusatória, não se presta a sustentar a segregação processual. 4. A prisão preventiva é medida excepcional que somente pode ser adotada quando as outras cautelares diversas forem inadequadas e insuficientes, diante das circunstâncias do caso e da gravidade do delito.  *  ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 5. Doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte. RECURSO DESPROVIDO.  Gustavo Noronha de Ávila, profundo estudioso do tema, traz informação relevante que diminui ainda mais a credibilidade do reconhecimento in casu, ao enfatizar: “Um dos mais fortes padrões a ser destacado foi o efeito negativo do tempo na taxa de identificação do suspeito. Isto é, a taxa de identificação do suspeito para roubos, quando o procedimento de identificação foi menos que um dia depois do crime, foi de 71,43%. Em contraste, se o intervalo de retenção entre o crime e a identificação foi de 7 a 34 dias ou mais que 34 dias, a taxa de identificação caiu para 33.33% e 14.29% respectivamente” (ÁVILA, Gustavo Noronha de, Falsas Memórias e Sistema Penal: a Prova Testemunhal em Xeque, Editora Lumem Juris, 1a edição, 2013, pág. 130). Aqui, o reconhecimento se deu após transcorridos 137 dias desde a alegada prática delitiva.  Porém, acresço outro fundamento contrário à pretensão prisional: o fato teria ocorrido no dia omissis, portanto, há mais de três anos e meio atrás, carecendo, portanto, o pedido de prisão do requisito indispensável a qualquer cautelar: o perigo na demora consubstanciado, na esfera penal, no perigo na liberdade, tendo com conta que a Folha de Antecedentes Criminais acostada ao feito não aponta outros envolvimentos do denunciado com práticas delitivas desde então, menos ainda abrangendo sentenças condenatórias transitadas em julgado.  Ressalto, por fim, que este Juízo, ao instruir processos similares ao presente, vem se deparando rotineiramente com situações nas quais as vítimas, ouvidas judicialmente, não ratificam os reconhecimentos feitos em Delegacia quando apresentadas pessoalmente aos denunciados observados os ditames do artigo 226 do Código Penal, ensejando reiteradas absolvições, o que somente corrobora o entendimento aqui esposado e endossa a ampla temeridade que representaria decreto prisional como o aqui pretendido.  Pelo exposto, indefiro o pedido de decretação de prisão preventiva de omissis.  P. Vista ao Ministério Público.  Rio de Janeiro, 18 de abril de 2019.  MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO JUIZ DE DIREITO

DECISÃO - Liberdade provisória ao custodiado - RJ

Processo no omissis  SENTENÇA  O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofereceu denúncia em face de omissis imputando-lhe as práticas das condutas tipificadas nos artigos 33 e 35 da Lei 11.343/06, narrando as alegações contidas na peça inicial de fls. 02/02B, que veio instruída pelos autos de Inquérito Policial instaurado por força de prisão em flagrante acostado às fls. 02C/116, onde consta de mais relevante os autos de apreensões de fls. 12/14 e a audiência de custódia de fls. 30/verso ocasião em que foi concedida liberdade provisória ao custodiado, efetivada conforme certidão de fl. 35, interpondo o Ministério Público recurso contra a decisão.  Juntada de documentos e procuração pela defesa às fls. 36/55 dos autos.  Decisão às fl. 118 e verso rejeitando a denúncia e declarando prejudicado o recurso interposto.  Manifestação do Ministério Público à fl. 123 interpondo recurso em sentido estrito.  Certidão de tempestividade do recurso à fl. 124.  Recebido o recurso à fl. 125.  Razões do recorrente às fls. 126/133.  Intimação do denunciado, em cartório, conforme fl. 135, quando manifestou o desejo de ser patrocinado por advogado.  Contrarrazões defensivas às fls. 139/140.  Juízo de retratação à fl. 141, mantendo a decisão impugnada.  Autos remetidos ao segundo grau à fl. 151.  Acórdão de fls. 133/138 dando provimento ao recurso para receber a denúncia.  Regular notificação do réu à fl. 158.  Folha de Antecedentes Criminais às fls. 161/165.  Defesa Prévia de Alison às fls. 167/168.  Decisão de recebimento da denúncia à fl. 183.  Audiência de instrução e julgamento às fls. 211/217 ocasião em que não respondeu o acusado, não mais encontrado no endereço contido no feito conforme fls. 158 e 169, razão pela qual foi decretada sua revelia, dando-se prosseguimento ao feito na forma do artigo 367 do Código de Processo Penal. Presente o patrono do acusado. Em seguida, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação, conforme termos em apartado, em depoimentos gravados mediante registro audiovisual digital nos termos do parágrafo 2o do artigo 405 do CPP, cuja mídia segue acostada aos autos, informando a defesa não dispor de prova oral a produzir, ficando prejudicado o interrogatório por conta da revelia. Pelo Ministério Público foi requerida a juntada aos autos da FAC atualizada do denunciado, bem como que certifique o cartório se já se encontram acostados ao feito os laudos pertinentes aos bens apreendidos, nada requerendo a defesa nesta fase.  Folhas de Antecedentes criminais atualizadas às fls. 229/233 e 263/267. Laudo de exame e descrição de material às fls. 276/277.  Laudo de exame de entorpecente às fls. 278/280.  Alegações finais pelo Ministério Público às fls. 284/292 requerendo seja julgada parcialmente procedente a pretensão punitiva do Estado para condenar o acusado como incurso nas sanções penais previstas no artigo 33 c/c. § 4o da Lei 11.343/06, bem como a sua absolvição quanto a imputação do delito previsto pelo artigo 35 da Lei 11/343/06, na forma do artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal.  Alegações finais pela defesa às fls. 298/308 pugnando pela absolvição do acusado. Caso não seja este o entendimento, pugna pelo reconhecimento da tese de erro de tipo. Subsidiariamente, requer a aplicação do § 4o do artigo 33 da Lei 11.343/06, fixação de pena em regime aberto, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e, por fim, a concessão ao réu de recorrer em liberdade. Novo laudo de material às fls. 312/313.  Novo laudo de entorpecente às fls. 314/316. Ciência do Ministério Público à fl. 327 reiterando, na íntegra, as alegações finais outrora apresentadas.  Ciência da defesa à fl. 330, reiterando, igualmente, o teor das alegações finais já apresentadas.  Feito breve relatório, DECIDO:  No que concerne, de início, ao artigo 35 da Lei de Entorpecentes, cuja conduta típica foi inicialmente imputada ao réu pela denúncia, a melhor doutrina processual penal pátria vem mais recentemente se pacificando no sentido de inadmitir a possibilidade de condenação na hipótese de pedido absolutório formulado pelo Ministério Público, entendendo desta forma não recepcionado o artigo 385 do Código de Processo Penal frente ao sistema acusatório acolhido pelo ordenamento constitucional em vigor.  Cito Geraldo Prado1 (as notas no texto estão no original):  Como o contraditório é imperativo para a validade da sentença que o juiz venha a proferir, ou, dito de outra maneira, como o juiz não pode fundamentar sua decisão condenatória em provas ou argumentos que não tenham sido objeto de contraditório, é nula a sentença condenatória proferida quando a acusação opina pela absolvição.2 O fundamento da nulidade é a violação do contraditório (artigo 5o, inciso LV, da Constituição da República). Como destaca Badaró, “a regra da correlação entre acusação e sentença é uma decorrência do princípio do contraditório”.3 Avançando sobre o tema, o culto professor paulista sublinha que, na atualidade, não é correto limitar a idéia – e o alcance – do contraditório apenas ao debate sobre questões de fato.4 Também as questões de direito estão afetas ao contraditório, pois que podem estar marcadas  1 PRADO, Geraldo L.M.. Sistema Acusatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 190. 2 Não é este o entendimento do Supremo Tribunal Federal. No acórdão proferido em HC 82.844/RJ, 2a Turma, Relator Min. Nelson Jobim, publicado em 28/05/04, fixou-se que é significativo o fato de o Ministério Público ter sugerido a absolvição do réu, sugestão acatada pelo juiz de primeiro grau, para determinar a absolvição. No caso o Assistente do Ministério Público recorreu da sentença absolutória e obteve a condenação em segundo grau. Esta condenação foi atacada por Habeas Corpus. 3 BADARÓ, Gustavo Henrique R. Ivahy. Correlação entre acusação e sentença. São Paulo: RT, 2000, p. 27. 4 Idem, p. 32. 3 pela controvérsia a ser esclarecida mediante escolha entre duas ou mais teses pertinentes ao mesmo tema.5 Assim, quando em alegações finais o Ministério Público opina pela absolvição do acusado o que ocorre em concreto, no processo, é que o acusador subtrai do debate contraditório a matéria referente à análise das provas que foram produzidas na etapa anterior e que possam ser consideradas desfavoráveis ao réu. Como a defesa poderá reagir a argumentos que não lhe foram apresentados? Esta é, em resumo, a posição de Santiago Martínez, ao avaliar a posição dos tribunais argentinos sobre o assunto. 6  O pedido absolutório subtrai à defesa a possibilidade de contra argumentar os fundamentos de uma condenação. Melhor dizendo: se o Ministério Público pede a absolvição, uma condenação surpreenderia a defesa, que não teria o ensejo de rebater teses condenatórias que simplesmente inexistiram. Assim, condenar sem pedido condenatório viola a ampla defesa e o contraditório.  Alcançando a mesma conclusão porém por caminho diverso, Aury Lopes Jr. ensina:  E por que, então, o juiz não pode condenar quando o Ministério Púbico pedir a absolvição? Exatamente porque o poder punitivo estatal — nas mãos do juiz — está condicionado à invo- cação feita pelo Ministério Público através do exercício da pretensão acusatória. Logo, o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém. Como consequência, não pode o juiz condenar, sob pena de exercer o poder punitivo sem a neces- sária invocação, no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo. Condenar sem pedido é violar, inequivocamente, a regra do fundante do sistema acusatório que é o ne procedat iudex ex officio. Também é rasgar o Princípio  5 Exemplo disso é a questão sobre a insignificância de determinada ação não negada pelo réu. O único debate no processo pode ser acerca da qualificação de comportamento insignificante – e atípico – ou não. Negar o contraditório sobre este ponto é esvaziar o princípio constitucional e retornar ao tempo do paleopositivismo, abandonado pela ideologia de princípios da Constituição da República de 1988, no Brasil. 6 MARTÍNEZ, Santiago. La acusacion como presupuesto procesal y alegato absolutorio del Ministerio Publico Fiscal: observaciones sobre una cuestión recurrente. Buenos Aires: Fabian J. Di Placido, 2003.  da Correlação, na medida em que o espaço decisório vem demarcado pelo espaço acusatório e, por decorrência, do espaço ocupado pelo contraditório, na medida em que a decisão deve ser construída em contraditório (Fazzalari). 7  Se o Estado Administração acusa (leia-se: propõe uma denúncia) dizendo "aqui, a princípio, há crime", e ao final, encerrada toda a instrução e colhidas todas as provas sobre o crivo das garantias constitucionais diz "não, aqui não há crime", isto importa em que não teria sido proposta a ação desde o início se houvesse já clareza quanto ao fato à época da propositura da inicial, i.e., que o Ministério Público pediria o arquivamento das peças de informação ou do Inquérito Policial diante das provas que só passaram a existir depois, não podendo o servir devido processo legal para prejudicar o réu.  Desta feita, seria teratológico o Estado Juiz condenar quando o Estado Administração sequer acusaria! Por outras palavras, se o processo visa esclarecer os fatos e, esclarecidos, a acusação se convence que sequer acusaria, não pode haver condenação se o processo, desde o início, sequer deveria ter sido deflagrado. Do contrário, restaria violado o princípio acusatório.  Lembremos que o Código de Processo Penal deve ser analisado sob o foco constitucional e convencional, i.e., deve passar pelo filtro de constitucionalidade e de convencionalidade. Pelo acima exposto, as regras que possibilitam a condenação apesar do pedido absolutório do Ministério Público não passam por tais filtros, logo, não foram recepcionadas, o que ora declaro.  Ressalte-se que este Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem, em diversos julgados, encampado a tese aqui adotada. Por exemplo, no aresto proferido na Apelação Criminal 0059447- 14.2014.8.19.0004, relator o Des. Paulo Baldez, a 5a Câmara Criminal sustentou, de forma unânime, na fundamentação do acórdão, o seguinte 8:  Quanto à possibilidade de prolação de um decreto condenatório quando a Acusação pugna pela absolvição, convém ressalvar o entendimento firmado por este Relator, no  7 LOPES JR., Aury. Por que o juiz não pode condenar quando o Ministério Público pedir a absolvição? Disponível em <undefined absolvicao>. Acesso em 05/12/2014. 8 No mesmo sentido os acórdãos na Apelação Criminal 0080326-61.2008.8.19.0001 e no Recurso em Sentido Estrito 0053684-71.2010.8.19.0004.  sentido de que a manifestação pela absolvição exarada pelo Ministério Público, titular do exercício da ação penal, por força do art. 129, I, da Constituição Republicana, esvazia o objeto da ação penal, não restando ao Magistrado outra alternativa senão a absolvição, sob pena de violação ao princípio acusatório e ao devido processo legal, ambos com sede constitucional e dos mais caros ao Estado Democrático de Direito vigente.  Neste mesmo sentido tem caminhado a 6a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, valendo citar (eis que se trata de entendimento quase pacificado perante aquele órgão jurisdicional) o seguinte julgado, a título meramente exemplificativo9:  0354390-14.2015.8.19.0001 - APELAÇÃO Des(a). LUIZ NORONHA DANTAS Julgamento: 18/04/2017 SEXTA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL - PENAL E PROCESSUAL PENAL - ROUBO TRIPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA, CONCURSO DE PESSOAS E RESTRIÇÃO A LIBERDADE DA VÍTIMA E RECEPTAÇÃO - EPISÓDIO OCORRIDO NO BAIRRO DE SANTA CRUZ, COMARCA DA CAPITAL - IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA, DIANTE DO DESENLACE CONDENATÓRIO FRENTE AO ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES E À RECEPTAÇÃO, PLEITEANDO SUA ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO DE RECEPTAÇÃO, SOB ALENTADA FRAGILIDADE PROBATÓRIA, BEM COMO QUE SEJA AFASTADA A EXACERBADORA DO EMPREGO DE ARMA, UMA VEZ QUE AS TESTEMUNHAS TERIAM CONFIRMADO EM JUÍZO, QUE O RECORRENTE NÃO ESTARIA ARMADO, SEM PREJUÍZO DA FIXAÇÃO DA PENA-BASE DO CRIME DE ROUBO NO SEU MÍNIMO VALOR LEGAL, DIANTE DO RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO - PARCIAL PROCEDÊNCIA DA  9 No mesmo sentido os arestos proferidos nos recursos 0245783-09.2012.8.19.0001, 0354390- 14.2015.8.19.0001, 0483525-84.2012.8.19.0001, 0307655-83.2016.8.19.0001, 0289876- 23.2013.8.19.0001, 0131197-51.2015.8.19.0001, 0049476-58.2007.8.19.0001 ou 0259781- 39.2015.8.19.001.  PRETENSÃO RECURSAL - INSUSTENTÁVEL SE MOSTROU O JUÍZO DE CENSURA QUANTO AO DELITO PATRIMONIAL ACESSÓRIO, QUER PELA INCOMPROVAÇÃO DE QUE O IMPLICADO EFETIVAMENTE CONHECIA A PRÉVIA NATUREZA ILÍCITA DO VEÍCULO QUE DIRIGIA, APRESENTANDO-SE COMO PLAUSÍVEL A SUA VERSÃO A RESPEITO, QUER POR VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS AFETOS AO SISTEMA ACUSATÓRIO: DA INÉRCIA JUDICIAL, DA IMPARCIALIDADE, DO CONTRADITÓRIO, DA SEPARAÇÃO ENTRE OS PODERES DA REPÚBLICA, DA EXCLUSIVIDADE DO PARQUET NA PROMOÇÃO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA, NA MEDIDA EM QUE DESCABE AO MAGISTRADO CONDENAR QUANDO O DOMINUS LITIS REQUEREU A ABSOLVIÇÃO CORRESPONDENTE - DESTARTE, IMPÕE-SE O DESFECHO ABSOLUTÓRIO QUANTO A ESTA PARCELA DA IMPUTAÇÃO COM FULCRO NO DISPOSTO DO ART. 386, INC. No VII DO C.P.P. Omissis PARCIAL PROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO.  Por tais motivos, a absolvição quanto ao delito previsto ao artigo 35 da Lei de Entorpecentes mostra-se impositiva.  Passando ao delito contido no artigo 33 da Lei de Entorpecentes e, neste ponto, passando à análise do presente feito através da apreciação da prova testemunhal trazida aos autos pelas partes, temos que as testemunhas ouvidas em Juízo afirmaram, em suma, o que segue:  Omissis – que é policial militar; que nesse dia teve uma operação dentro da comunidade de Parada de Lucas; que teve um certo horário, já fora da comunidade, mandaram averiguar uma casa aonde havia elementos; que era um terreno com três casas; que quando chegaram no beco, ele vinha saindo com uma mochila na mão; que ele logo levantou a mão, foram até ele e havia com ele na mochila entorpecentes e rádio; que bateram as outras casas com autorizações dos moradores e não acharam mais ninguém; que ele estava num beco e não tinha opção, logo se rendeu; que acha que ele tinha cerca de 25 anos; que nunca o tinha visto antes; que lá atua o TCP; que as drogas tinham inscrições do TCP; que não lembra se o rádio estava ligado; que atua em rádio patrulha atendendo 190; que  desse beco só saiu ele; que disse que aquela droga ele estava tirando da favela para alguém, para levar para fora, mas não sabia o que tinha na mochila.  Omissis – que é policial militar; que se recorda da ocorrência; que estava sendo realizada operação em Parada de Lucas e Vigário Geral; que quando isso ocorre elementos adentram Vigário Geral para se esconder; que as localidades são contíguas; que veio informação de 190 que elementos tinham entrado numa casa e feito um senhor de refém; que estavam no local atentando para a casa, quando se depararam com um cidadão no beco com uma mochila; que o abordaram e encontraram na mochila dinheiro, grande quantidade de drogas e rádio; que o depoente ficou balançado; que ele disse que mora em comunidade e mandaram ele tirar a mochila dali; que ele disse que era trabalhador, trabalhava com o pai e foi obrigado; que ele ficou muito assustado; que ele não estava marrento, se rendeu automaticamente; que quanto ao proprietário da casa, três pularam para lá, bateram o quintal mas não encontraram; que o proprietário disse que os três que estavam ali pularam e foram embora; que no local atua o TCP; que nas drogas havia inscrição do TCP; que ele era jovem; que ele mencionou que trabalhava com o pai nesse comércio; que ele ficou surpreso com a abordagem e disse que sequer sabia o que tinha na mochila; que ele disse que mandaram pegar a mochila e não sabia o que tinha; que foi uma surpresa para ele saber o que tinha ali.  O interrogatório do acusado restou prejudicado por conta da revelia, o que de forma alguma será interpretado em seu desfavor.  Sendo esta a prova oral contida no feito e encontrando-se a materialidade dos fatos (agora sim...) perfeitamente demonstrada pelos laudos técnicos e autos de apreensões de fls. 12, 13, 14, 276 e 278, temos que merece ser julgado também aqui improcedente a pretensão punitiva estatal.  Qualquer julgador que não more no mundo da lua e conheça, ainda que à distância, o mundo cão estabelecido nas comunidades carentes de nossa malfadada cidade entregue a uma absurda, contraproducente e sanguinária guerra às drogas, sabe perfeitamente que é absolutamente corriqueiro que traficantes exijam – inclusive sob pena de morte do próprio ou de familiares – de moradores das localidades dominadas por associações criminosas que guardem ou transportem entorpecentes visando retirá-los do local em meio a batidas policiais, como ocorreu na espécie. A prova trazida ao feito nos fornece, assim, dúvida razoável em torno da culpabilidade da conduta imputada.  Isto porque enquanto os dois policiais ouvidos em Juízo afirmam que o denunciado a eles confessou que estava retirando o material de dentro da comunidade, o militar Gláucio atesta, com sua experiência de policial, que “ficou balançado” com a fala do réu naquele momento da abordagem ao narrar, muito nervoso e sem estar “marrento”, que tinha sido obrigado pelos traficantes a retirar a mochila daquele local durante a batida policial, sendo que sequer sabia o que ela continha (embora seja lícito supor que imaginasse tratar-se de algo ilícito, pelo que incabível falar de erro de tipo, como alega a denodada defesa técnica).  Os policiais testemunham, ademais, que o acusado rendeu- se assim que avistou-os, sendo que nunca o viram antes pela localidade, vindo aos autos, outrossim, farta comprovação (fls. 36/55) acerca de atividade lícita do acusado, endereço fixo, isto sem olvidar que, instaurado o processo em 2017, até recentemente (Folha de Antecedentes Criminais às fls. 263/267) não havia voltado a se envolver com a traficância – fato raro em situações como a presente em que jovens, quando efetivamente envolvidos com a traficância ilícita de entorpecentes, são comumente obrigados a retornar ao tráfico visando “pagar” a carga perdida para os agentes da lei.  Do exposto verifica-se que, havendo a concreta possibilidade, admitida de forma expressa pelo policial ouvido em Juízo, da ocorrência de causa suficiente à configuração de inexigibilidade de conduta diversa decorrente da ameaça de traficantes ao morador, e não tendo a acusação cabalmente afastado essa possibilidade demonstrando (leia-se: comprovando) a inexistência desta causa de exclusão da culpabilidade, impõe-se aqui a aplicação do princípio in dubio pro reo.  Vale sempre lembrar que o ônus da prova no que tange às imputações contidas na denúncia compete inteira e exclusivamente à acusação, não cabendo aos réus, a princípio, fazer prova negativa. Neste sentido o posicionamento adotado por Aury Lopes Júnior:  A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem que o réu (e muito menos o juiz) tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução (direito de silêncio - nemo tenetur se detegere).  esclarece que a acusação tem a carga de descobrir hipóteses e provas, e a defesa tem o direito (não dever) de contradizer com contra- hipóteses e contraprovas. O juiz, que deve ter por hábito profissional a imparcialidade e a dúvida, tem a tarefa de analisar todas as hipóteses, aceitando a acusatória somente se estiver provada e, não a aceitando, se desmentida ou, ainda que não desmentida, não restar suficientemente provada. É importante recordar que, no processo penal, não há distribuição de cargas probatórias: a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador, não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória (denúncia ou queixa), mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência. 10  É menos mau, num Estado Democrático de Direito regido pelo princípio favor rei, na dúvida, absolver um culpado que condenar um inocente. Esta a razão pela qual se adota no processo penal (inclusive no pátrio, segundo a melhor doutrina) o exigente standard probatório conhecido como BARD (beyond any reasonable doubt, o que entre nós foi traduzido como “para além de toda dúvida razoável”).  Vale ressaltar neste ponto as lições de Janaina Matida e Antonio Vieira:  Em meio ao cenário de críticas às arbitrariedades judiciais, à falta de controlabilidade da racionalidade de suas decisões, é que a noção de standard de prova ganhou especial atenção. Sua função consiste em fixar o grau de corroboração suficiente para que uma hipótese seja considerada verdadeira. Quanto suporte probatório uma hipótese precisa apresentar para que seja considerada verdadeira e, na sequência, seja incluída como premissa menor do raciocínio decisório? Nos casos individuais, a determinação suficiente da ocorrência do fato juridicamente relevante é condição inafastável da justificada condenação de alguém e essa é precisamente a função que um standard de prova deve cumprir. Os standards mais conhecidos são originários da cultura jurídica estadunidense: o preponderance of the evidence (de agora em diante, PoE), o clear and  10 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 11a edição, 2014, p. 562. convincing evidence (de agora em diante, CCE) e o beyond any reasonable doubt (BARD) pretendem refletir uma gradação quanto à exigência de corroboração probatória para que determinada hipótese seja considerada verdadeira. Essa gradação vai, respectivamente, da menor à maior exigência de corroboração. Ou seja: entre os três standards, o PoE é o menos exigente enquanto que o BARD é o mais exigente. Ao CCE sobra a posição intermediária de exigir menos do que o BARD e mais do que o PoE.  A atribuição de probabilidades matemáticas a cada um deles é um recurso frequentemente utilizado por parte dos autores de modo a esclarecer as diferentes exigências dos standards. As probabilidades matemáticas indicadas como representativas de cada um deles são as seguintes: BARD é de 95%, CCE é de 75% e do PoE é de 50%+1 (qualquer ponto acima de 50%). Significa que, para que uma hipótese seja considerada verdadeira segundo o BARD ela tem de alcançar uma probabilidade (de ser verdadeira) de 95% ou mais; já para que seja considerada verdadeira segundo o CCE ela tem de alcançar uma probabilidade em torno de 75%, e, por último, caso estejamos diante do PoE, será suficiente se atingir qualquer probabilidade superior a 50% de chance de ser verdadeira. Ou seja: Uma mesma hipótese x pode ser considerada verdadeira quando se lhe aplique o PoE e não verdadeira (ou, em termos menos precisos, falsa) quando seja o BARD o standard aplicável. Isso acontece porque o mesmo conjunto probatório pode ser suficiente para alcançar o patamar de 50%+1 de probabilidade de ser verdadeira e insuficiente para alcançar o patamar de 95% de probabilidade de ser verdadeira. Logo, é certo concluir que a imposição de distintos standards de provas serve a dificultar (ou facilitar, a depender de qual perspectiva se assume) determinadas decisões sobre os fatos.  Não é por outra razão que o BARD é aplicável originalmente no âmbito da Justiça criminal e impõe a exigência de 95% de probabilidade à hipótese da acusação. Enquanto isso, na Jurisdição civil atuam standards de prova menos exigentes, os quais produzem assimetrias menos profundas entre os resultados possíveis. Desde Blackstone, reconhecemos que, no âmbito da Justiça criminal, é manifestamente pior condenar um inocente do que absolver um culpado. A formulação do BARD teria em sua origem a pretensão de dificultar a condenação de inocentes. Como? Dificultando as condenações em geral. Se o sistema criminal passa a exigir robustamente mais da hipótese de condenação para que seja considerada verdadeira (95%), então, dificulta-se as condenações e, com isso, também as condenações de inocentes. O outro lado dessa moeda é que as absolvições de culpados se veem facilitadas (pense-se que as hipóteses acusatórias que atinjam probabilidades altas como 80, 90% teriam de ser descartadas com base em um standard de prova tão exigente. A hipótese mais provável seria considerada perdedora para dar lugar a uma hipótese menos provável). 11  No caso concreto, como visto, não se desincumbiu o órgão acusatório estatal, com a devida vênia, a contento, de seu ônus de comprovar, além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do denunciado afastando a possível ocorrência de inexigibilidade de conduta diversa e demonstrando, pelo contrário, fosse-lhe exigível outra conduta que não aquela típica e antijurídica que praticou, a importar, também aqui e agora quanto ao artigo 33 da Lei de Entorpecentes, inexoravelmente, na absolvição do réu.  Por tudo o que foi exposto e devidamente fundamentado, julgo totalmente improcedente o pedido contido na denúncia para absolver, como de fato absolvo omissis quanto à acusação de ter praticado as condutas tipificadas nos artigos 33 e 35 da Lei 11.343/06, na forma do inciso VII do artigo 386 do Código de Processo Penal. Sem custas.  P. Vista ao Ministério Público.  Oficie-se imediatamente determinando a inutilização das substâncias ilícitas apreendidas.  Intime-se o réu, revel, por edital com prazo de trinta dias para ciência da sentença e quanto ao prazo recursal e, transcorrido o prazo, intime-se o patrono constituído.  11 MATIDA, Janaina e VIEIRA, Antonio. Para além do BARD: uma crítica à crescente adoção do standard de prova “para além de toda a dúvida razoável” no processo penal brasileiro, Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 156, p. 221-248, Jun/2019. Transitada em julgado, comunique-se, anote-se, dê-se baixa, transcorridos noventa dias sem manifestação de eventual interessado oficie-se autorizando a aplicação do artigo 123 do Código de Processo Penal quanto aos rádios, bases e calculadora apreendidos e, tudo feito, arquive-se.  Rio de Janeiro, 23 de julho de 2020.  MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO JUIZ DE DIREITO 

DECISÃO - Liberdade provisória à custodiada, inércia - RJ

SENTENÇA  O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofereceu denúncia em face de omissis imputando-lhe a prática da conduta tipificada no artigo 16 da Lei 10826/2003, narrando as alegações contidas na peça inicial de fls. 02/02A, que veio instruída pelos autos de Inquérito Policial instaurado por força de prisão em flagrante acostado às fls. 02B/40, onde consta de mais relevante o auto de apreensão de fl. 17, a Folha de Antecedentes Criminais de fls. 29/32 e a audiência de custódia de fls. 33/34 na qual foi concedida liberdade provisória à custodiada.  Sentença às fls. 42/47 absolvendo sumariamente a acusada.  Inconformado, o Ministério Público interpôs apelação à fl. 48, apresentando suas razões conforme fls. 49/62.  Laudo de exame de arma de fogo e munições às fls. 65/66.  Defesa Prévia às fls. 66/67.  Contrarrazões da defesa às fls. 71/81.  Acórdão proferido pela 3a Câmara Criminal às fls. 126/129 dando provimento ao recurso ministerial a fim de imprimir prosseguimento ao feito com o recebimento da denúncia.  Decisão de fl. 149 determinando a citação da denunciada considerando o recebimento da denúncia pelo segundo grau.  Citação regular à fl. 159.  Petição da defesa à fls. 162 justificando o descumprimento das cautelares fixadas, acompanhada da documentação de fls. 163/167.  Nova Folha de Antecedentes Criminais às fls. 170/175 com esclarecimentos de anotações às fls. 179/184.  Resposta à acusação à fl. 197.  Decisão de recebimento da denúncia na fase do artigo 399 do Código de Processo Penal à fl. 199.  Audiência de instrução e julgamento à fl. 266 quando não compareceu a acusada, sendo decretada sua revelia.  Nova Audiência de Instrução e Julgamento à fl. 277 quando foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 278/279), conforme termos em apartado, em depoimentos gravados mediante registro audiovisual digital cuja mídia segue acostada aos autos, insistindo o Ministério Público na oitiva de Rafael, requerendo sua condução.  Em uma última audiência de instrução e julgamento às fls. 283/284 foi ouvida uma testemunha arrolada pela acusação, conforme termos em apartado, em depoimento gravado mediante registro audiovisual digital, informando a defesa não dispor de prova oral a produzir, ficando prejudicado o interrogatório por conta da revelia. Pelo Ministério Público foi requerida a atualização da FAC, enquanto nada foi requerido pela defesa nesta fase.  Folhas de Antecedentes Criminais atualizadas às fls. 288/293 e 313/318, com esclarecimentos de anotações às fls. 297/307, 319 e 322/324.  Alegações finais pelo Ministério Público às fls. 330/337 requerendo seja julgada procedente a pretensão punitiva estatal nos termos da denúncia, com a consequente condenação da acusada.  Alegações finais pela defesa da acusada às fls. 342/349 requerendo a absolvição na forma do artigo 386, III do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, requer a estipulação da pena básica no mínimo legal com fixação de regime inicial aberto, substituindo-se a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.  Feito breve relatório, DECIDO:  A sustentação defensiva contida no item primeiro das alegações finais de fls. 342/349 não merece prosperar. Apesar de comungar este magistrado em gênero, número e grau de idêntico posicionamento e, assim, resguardada esta posição pessoal, fato é que o tema foi objeto da sentença de fls. 42/47 que absolveu sumariamente a denunciada pelo mesmo motivo a qual, entretanto, foi reformada pelo aresto de fls. 126/129, logo, inviável o acolhimento da pretensão defensiva sob pena de incidir este Juízo em violação a entendimento sufragado por instância superior dentro deste mesmo processo.  Posto isso, temos que merece desacolhimento – desta feita – a pretensão acusatória estatal, a importar na absolvição da acusada. Analisando mais detidamente o feito com o objetivo de prolatar sentença, verifico que o Laudo de Exame de Munições acostado às fls. 65/66 não é concludente acerca da potencialidade lesiva dos projéteis apreendidos.  De fato, quanto aos dois projéteis percutidos e não deflagrados afirmam os peritos que “não descartam a possibilidade dos mesmos sofrerem deflagração” (fl. 66 - grifei), enquanto com relação ao único projétil apreendido não percutido afirma o laudo: “possui virtual capacidade de sofrer deflagração” (fl. 65 verso).  Os termos inconclusivos da perícia decorrem do fato de que, como informado pelos experts à fl. 65 verso, “não foi enviado a exame arma de fogo por meio da presente requisição”, o que impediu o teste de deflagração dos projéteis – que, vale lembrar, agora são de uso permitido e não mais proibido, graças ao atual Governo Federal...  Pois bem: algo que possui “virtual” capacidade de deflagração também possui “virtual” incapacidade de deflagração. Da mesma forma, algo de que “não se descarta” a possibilidade de deflagração também não pode ensejar que se “descarte” a impossibilidade de deflagração – e aqui perdoem-nos o truísmo, indispensável no contexto, todavia.  Pelo que se percebe, portanto, há dúvida mais que razoável gerada pela perícia trazida ao feito no que toca à potencialidade lesiva dos projéteis e, assim, acerca da tipicidade da conduta imputada pela inicial e ratificada em alegações finais pelo Ministério Público.  Cabe lembrar que o ônus da prova no que tange às imputações contidas na denúncia compete à acusação. Neste sentido o posicionamento adotado por Aury Lopes Júnior:  A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem que o réu (e muito menos o juiz) tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução (direito de silêncio - nemo tenetur se detegere). FERRAJOLI esclarece que a acusação tem a carga de descobrir hipóteses e provas, e a defesa tem o direito (não dever) de contradizer com contra- hipóteses e contraprovas. O juiz, que deve ter por hábito profissional a imparcialidade e a dúvida, tem a tarefa de analisar todas as hipóteses, aceitando a acusatória somente se estiver provada e, não a aceitando, se desmentida ou, ainda que não desmentida, não restar suficientemente provada. É importante recordar que, no processo penal, não há distribuição de cargas probatórias: a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador, não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória (denúncia ou queixa), mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência. 1  Por outro lado, se a parte autora se dá por satisfeita com a comprovação feita nos autos acerca de determinada matéria, proferindo sem qualquer ressalva suas alegações finais, não compete ao Poder Judiciário, mormente após a edição da Carta de 1988 (a tornar já desde então de duvidosa constitucionalidade a atual redação do artigo 156 e incisos, do Código de Processo Penal2), arrogar-se à função de parte para suprir a atividade probatória, desequilibrando o atuar das partes, fazendo tábula rasa da divisão do ônus probatório e, pior, contribuindo ativamente para o afastamento da presunção constitucional de inocência.  Neste sentido a preci(o)sa lição de Geraldo Prado:  (...) quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador. Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios de prova que sequer foram considerados pelo órgão da acusação, ao qual, nestas circunstâncias, acaba por substituir. Mais do que isso, o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto das reservas quanto ao poder do próprio juiz iniciar o processo aqui igualmente se verificará, na medida em que o juiz se fundamentará normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao feito, por considerar importantes para o deslinde da questão, o que o afastará da desejável posição de seguro distanciamento das partes e de seus  1 Lopes Jr., Aury; Direito Processual Penal, Ed. Saraiva, 11a edição, 2014, pág. 562. 2 “Um juiz que detenha a gestão da prova não presume que o réu seja inocente, como determina a Constituição e, assim, não há como restar afastada a conclusão a respeito da inconstitucionalidade das posturas probatórias de ofício na forma como resultou a nova redação do artigo 156 do CPP, mais consentânea com uma formatação inquisitória e antidemocrática de processo”. Castanho de Carvalho, Luis Gustavo Grandinetti, e Depaoli, Solon Bittencourt, Por que o juiz não deve produzir provas – a nova redação do artigo 156 do CPP, in Boletim IBCCRIM, ano 16, no 190, Setembro/2008, pág. 06   interesses contrapostos, posição esta apta a permitir a melhor ponderação e conclusão”3  Complementa esta lição o ensinamento de Natalie Ribeiro Pletsch:  Menos que um juiz ator que colabore com a produção de provas, as partes precisam de um juiz imparcial capaz de lhes conferir tratamento paritário, o que só é possível quando permanece inerte. Quando o juiz é atuante, o resultado do jogo é definido antes que as jogadas sejam feitas. É o que alerta Jacinto Coutinho quando refere que "mais importante, contudo, ao sistema acusatório - é bom que se diga desde logo - é que da maneira como foi estruturado não deixa muito espaço para que o juiz desenvolva aquilo que Cordero, com razão, chamou de 'quadro mental paranóico', em face de não ser, por excelência, o gestor da prova, pois, quando o é, tem, quase que por definição, a possibilidade de decidir antes e, depois, sair em busca do material probatório suficiente para confirmar a 'sua versão', isto é, o sistema legitima a possibilidade da crença no imaginário, ao qual toma como verdadeiro.4  Saliento que toda a reforma do processo penal mais recente, decorrente do chamado Pacote Anticrime, caminhou no sentido do quanto aqui firmado, ou seja, ratificando que a inércia do juiz é fator capital dentro de um processo penal que se pretenda acusatório e democrático, valendo salientar o que dita o novel artigo 3o-A do Código de Processo Penal: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação” – o que, inclusive, revogou tacitamente o acima mencionado artigo 156 deste mesmo ordenamento, na parte em que estatui: “(...) sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.  Neste sentido vale mencionar, por derradeiro, a lição de Marcos Paulo Dutra Santos, Defensor Público titular perante este Juízo,  3 Prado, Geraldo L.M.; Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis penais, Ed. Lumen Juris, 3a edição, 2005, pág. 136. 4 Pletsch, Natalie Ribeiro; Formação da Prova no Jogo Processual Penal, IBCCRIM, 1a edição, 2007, pág. 70. para quem tive a honra de prefaciar sua mais recente obra, Comentários ao Pacote “Anticrime”, no prelo (grifos no original):  A inovação legislativa compele o STJ e o STF a darem uma guinada de 180o na jurisprudência, até então simpática à atuação probatória oficiosa do juiz em busca da (utópica) verdade material72. Inegavelmente haverá resistência à tamanha depuração, pautada na interpretação isolada dos dispositivos que autorizam a atuação oficiosa do juiz conjugada ao princípio da especialidade, ponderando que o art. 3o-A do CPP estabeleceu uma diretriz geral, sem prejuízo das exceções previstas em lei, desprezando a intepretação sistemática e a mens legis da reforma - o citado art. 3o-A não se referiu ao CPP, mas ao processo penal brasileiro como um todo. Não atuar de ofício importa decréscimo de poder, quadra que, naturalmente, incomoda, e muito, vários segmentos da magistratura nacional, especialmente entre os que se veem como justiceiros ou guardiões da sociedade, tudo que não se espera de um magistrado, em resguardo da imparcialidade. 5  Por todo o exposto e devidamente fundamentado, julgo totalmente improcedente o pedido deduzido na inicial para absolver, como de fato absolvo omissis quanto à acusação de prática da conduta tipificada no artigo 16 da Lei 10826/2003, na forma do inciso VII do artigo 386 do Código de Processo Penal. Sem custas.  Vista ao Ministério Público.  Intime-se a acusada por edital com prazo de trinta dias sobre os termos desta sentença e, transcorrido o prazo, abra-se nova vista à Defensoria Pública.  Transitada em julgado, comunique-se, anote-se, dê-se baixa, oficie-se determinando a inutilização das munições apreendidas e, tudo feito, arquive-se.  Rio de Janeiro, 9 de julho de 2020.  MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO JUIZ DE DIREITO  5 Santos, Marcos Paulo Dutra; Comentários ao Pacote “Anticrime”, no prelo.

DECISÃO - Absolvição, sem provas suficientes - RJ

Processo no omissis  SENTENÇA  O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofertou denúncia em face de omissis imputando-lhe a prática da conduta tipificada no artigo 157, parágrafo 2o, I do Código Penal, narrando os fatos contidos na petição inicial de fls. 02A/02B, que veio instruí- da pelos autos de Inquérito Policial de fls. 02/72 onde consta de mais relevante omissis  Decisão recebendo a denúncia e indeferindo o pedido de prisão preventiva às fls. 76 e verso.  Omissis  É, em síntese, o relatório. DECIDO.  Ao contrário do que sustenta o Ministério Público, não há prova suficiente nestes autos que dê ensejo à condenação do acusado, pois ainda que tenha a vítima narrado em pormenores a práti- ca delitiva e reconhecido o réu, tal isoladamente não se revela sufi- ciente para o decreto condenatório.  De fato, ouvida em Juízo sustentou a informante omissis, em suma, o que segue: omissis  Ocorre que, não obstante a clareza de suas declarações, a vítima, pessoa diretamente interessada no deslinde da demanda, é ouvida na qualidade de mera informante, sem prestar o compromis- so de dizer a verdade, devendo, justamente por isto, seu depoimen- to ser sopesado com redobrada cautela1, não bastando, por si só, para fundamentar uma condenação, sendo imprescindível que ve- nha aos autos respaldada em alguma outra prova.  Aliás, neste sentido encontramos reiterado posicionamento doutrinário, cabendo fazer referência à lição de Weber Martins Ba- tista (grifei):  Não havendo nenhum outro motivo capaz de le- var a vítima a querer prejudicar os réus – no ca- so, sequer os conhecia – pode-se duvidar da ve- emência com que os acusa, fruto da revolta pro-  1 Não se está aqui afirmando que, no caso concreto, a vítima forçosamente mentiu: é na simples pos- sibilidade da mentira, ou de falsas memórias, que reside todo o problema como mais adiante veremos. vocada pelo crime, não da veracidade de sua afirmação ao apontá-los como autores do delito. Assim, para justificar a condenação, basta que a palavra da vítima esteja apoiada em outra prova qualquer, ainda que meramente indiciária, prova que existe no caso dos autos, pois os réus foram presos quando fugiam do local e a polícia apre- endeu as coisas roubadas com um deles. 2  Certa jurisprudência vem repetindo, como num cansativo mantra, que a exclusiva vontade de lesados em crimes patrimoniais seria a de apontar o verdadeiro autor da ação delituosa que sofre- ram, não existindo maiores interesses envolvidos: não é verdade, bastando que se leia o artigo 63 do Código de Processo Penal para se concluir exatamente o oposto. Daí a correta advertência de André Nicolitt:  Não há dúvida de que as declarações do ofendido constituem meio de prova. Na sua aferição, como sempre, faz-se mister cautela e deve ser feito o cotejo com os outros meios de prova, devendo-se ter sempre em mente o cuidado em perceber até que ponto o seu interesse na causa pode interfe- rir no conteúdo das declarações. 3  Leonardo Marcondes Machado trás, igualmente, subsídios relevantes endossando o entendimento aqui esposado:  Quanto à oitiva, em si, uma observação prelimi- nar bastante importante. Embora não haja qual- quer elemento de informação que mereça crédito absoluto ou valoração privilegiada, inegável que as palavras da vítima “devem ser recebidas com grande reserva”. Afinal de contas, se o injusto penal realmente tiver ocorrido, trata-se de sujeito diretamente afetado pela conduta criminosa e, portanto, com marcas importantes no âmbito da subjetividade. Há, por óbvio, uma expressão do relato da vítima a partir de seus próprios desejos, muitas vezes inconscientes, aflorados pela expe- riência conflitiva (o fato criminoso) e a necessi- dade de reprodução histórica sob a forma de de- claração no contexto da justiça criminal.  2 BATISTA, Weber Martins. O Furto e o Roubo no Direito e no Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 460. 3 NICOLITT, André Luiz. Manual de Processo Penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 666. 37a Vara Criminal da Capital - II -  ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO Segundo Lopes Jr., não se pode ignorar a relação da vítima com o caso penal, do qual faz parte, o que gera interesses (diretos) na persecução cri- minal, os quais podem se manifestar em diferen- tes sentidos, tanto para beneficiar o imputado (ex.: por medo) como também para prejudicar um inocente (ex.: vingança pelos mais diversos motivos). Além desse comprometimento materi- al, existe, ainda, a disciplina processual, que de- sobriga o ofendido de prestar compromisso de di- zer a verdade, abrindo-se a porta para eventuais mentiras impunes. Nesse viés, há quem fale em "uma suspeita objetiva de parcialidade" quanto às declarações da vítima. A doutrina especializada aponta que a oitiva do ofendido é muito similar à do imputado, uma vez que está em jogo o mesmo interesse que o inves- tigado/acusado, porém em sentido contrário. O mais comum de se imaginar é que, se alguém formaliza uma notícia crime ou apresenta uma acusação em juízo com imputação delitiva a ter- ceira pessoa, manifestando interesse na persecu- ção penal, justo porque busca a condenação do imputado. Logo não pode figurar como testemu- nha. Ademais, tem-se na vítima um protagonista dos fatos em questão. Por consequência, flagran- te interesse na reconstrução narrativa do evento, o que já enseja por si só consideráveis riscos à instrução do caso penal, bastante semelhantes aos existentes por ocasião do interrogatório do investigado/acusado.4  Ressalte-se que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem entendido de forma reiterada no sentido da insuficiência da palavra exclusiva da vítima para efeito de recebimento da denún- cia, que nesta hipótese carece de justa causa, cabendo citar a título meramente exemplificativo o seguinte aresto:  0253264-18.2015.8.19.0001 - RECURSO EM SEN- TIDO ESTRITO Des(a). ANTONIO JAYME BOENTE Julgamento: 20/03/2018 PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL  4 MACHADO, Leonardo Marcondes. É preciso muita cautela com a palavra da vítima na justiça criminal. Disponível em <undefined vitima-justica-criminal>. Acesso em 21/05/2019. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. Crime de injúria. Forma qualificada. Decisão de rejeição da denún- cia por ausência de justa causa. Recurso ministe- rial. A jurisprudência tem respaldado a assertiva de que o exercício do direito de ação se queda à constatação de atipicidade do fato, da extinção da punibilidade do sujeito e quando a imputação não vier lastreada em um mínimo suporte proba- tório. In casu, a prova se resume à palavra da ví- tima. O segundo informante arrolado na denúncia é filho da vítima e, segundo o relato produzido em sede policial, a própria mãe lhe noticiou os supostos fatos. Suporte probatório mínimo para deflagração da ação penal que efetivamente não está presente. Desprovimento ao recurso.  Assim é que, insuficiente para o mero recebimento da de- núncia, com mais razão ainda o é a palavra isolada da vítima, ainda que em Juízo, para consubstanciar um decreto condenatório, não se podendo proferir sentença que imponha tamanho gravame a um ci- dadão, sobretudo na hipótese de roubo, com base exclusivamente no que afirma uma única informante.  Fiabilidade e corroboração são, na verdade, as duas pedras de toque para a análise adequada, sob o prisma da epistemologia jurídica, de informações de vítimas em situações como a do presen- te feito, não bastando que suas informações disponham de coerên- cia interna (ou fiabilidade) necessitando, para ensejar um decreto condenatório, que venha de alguma forma corroboradas por meio de prova externo, alheio à própria vítima. Nas palavras de José Luis Ramírez Ortiz (em tradução livre):  (...) a aptidão probatória de um relato não se po- de verificar nem contrastar tomando por base o próprio relato; essa verificação há de encontrar apoio em elementos externos. 5  Também esta é a lição de Vitor de Paula Ramos em livro especificamente voltado para a análise epistêmica da prova teste- munhal:  (...) não se pode, como faz o Direito, simplesmen- te presumir que tudo o que diz a testemunha é  5 No original: “(...) la virtualidad probatoria de un relato no puede verificarse ni contrastarse sobre la base del mismo relato; esa verificación ha de encontrar apoyo en elementos externos” – ORTIZ, José Luis Ramírez. El testimonio único de la victima em el proceso penal desde la perspectiva de género, p. 40. Disponível em < undefined Acesso em 18/06/2019. verdadeiro, salvo prova em contrário. Afinal, a adoção de uma versão presuntivista do testemu- nho acaba por afastar o Direito de uma busca pe- la verdade rigorosa, colocando para dentro do processo uma série de “conhecimentos” sem qualquer qualidade epistêmica verificada ou veri- ficável. Partindo-se de uma lógica não presuntivista do testemunho, a valoração da prova testemunhal deverá dar-se sempre em cotejo com as demais provas dos autos(...).6  E mais à frente prossegue:  Feita a valoração individual da prova testemu- nhal, com efeito negativo, o seu valor não pode jamais ser avaliado individualmente, devendo tal prova sempre ser cotejada com os demais ele- mentos probatórios dos autos, quando presentes, a fim de que os fatos narrados sejam, quando possível, confirmados. Tudo mediante critérios de valoração racional. Quando não houver possibili- dade de confirmação daquilo que é dito pela tes- temunha, entretanto, a confiabilidade da infor- mação obtida será baixíssima, uma vez que não se poderá ter qualquer forma de controle seguro a respeito(...).7  Neste mesmo sentido temos o posicionamento do e. Su- premo Tribunal Federal (grifei):  EMENTA: DENÚNCIA. CRIMES DE PECULATO, CORRUPÇÃO PASSIVA E FALSIDADE IDEOLÓGICA. ALEGAÇÕES PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA: VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. PRE- CEDENTES. PRELIMINARES REJEITADAS. PRECE- DENTES. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVI- ÇÃO. AÇÃO PENAL JULGADA IMPROCEDENTE. 1. É apta a denúncia que bem individualiza a conduta do réu, expondo de forma pormenorizada o fato criminoso, preenchendo, assim, os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. Basta que, da leitura da peça acusatória, possam-se vislum- brar todos os elementos indispensáveis à exis- tência de crime em tese, com autoria definida, de  6 RAMOS, Vitor de Paula. Prova Testemunhal. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 135 7 Idem. Op, cit., p. 136 modo a permitir o pleno exercício do contraditó- rio e da ampla defesa. Precedentes. 2. O proce- dimento especial previsto no artigo 514 do Códi- go de Processo Penal não é de ser aplicado ao funcionário público que deixou de exercer a fun- ção na qual estava investido. Precedentes. 3. Não há cerceamento de defesa pelo indeferimento de diligências requeridas pela defesa, mormente se foram elas consideradas descabidas pelo órgão julgador a quem compete a avaliação da neces- sidade ou conveniência da prova. Precedentes. 4. Preliminares rejeitadas. 5. Os depoimentos e lau- dos acostados aos autos não apresentam ele- mentos de convicção suficientes para a formação de juízo de certeza sobre a responsabilização criminal do Réu pelos crimes de peculato, corrup- ção passiva e falsidade ideológica. Falta nos au- tos prova irrefutável a demonstrar a materialida- de e autoria dos crimes a ele imputados. 6. A de- lação de corréu e o depoimento de informante não podem servir como elemento decisivo para a con- denação, notadamente porque não lhes são exigi- dos o compromisso legal de falar a verdade. 7. Ação penal julgada improcedente. (AP 465, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribu- nal Pleno, julgado em 24/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)  No feito em exame, como acima dito, é certo que a vítima reconheceu o acusado em sala própria para tanto, estando ele posi- cionado ao lado de um dublê. Ocorre que tal se deu em sede inquisi- torial após vinte e cinco dias e em sede judicial decorridos oito me- ses desde a prática delitiva, dispondo a vítima, face ao dublê dispos- to ao lado do réu em audiência, de cinquenta por cento de chance de acerto – logo, também de erro.  Gustavo Noronha de Ávila, profundo estudioso do tema, traz informação relevante que diminui ainda mais a credibilidade do reconhecimento isolado como prova suficiente para a condenação, ao enfatizar:  Um dos mais fortes padrões a ser destacado foi o efeito negativo do tempo na taxa de identificação do suspeito. Isto é, a taxa de identificação do suspeito para roubos, quando o procedimento de identificação foi menos que um dia depois do crime, foi de 71,43%. Em contraste, se o intervalo de retenção entre o crime e a identificação foi de 7 a 34 dias ou mais que 34 dias, a taxa de identi- ficação caiu para 33.33% e 14.29% respectiva- mente. 8  Ademais, no caso concreto, a “certeza” da vítima quanto à autoria adveio, como ela informa, de uma foto num jornal, que se foi possivelmente suficiente para iludi-la há oito meses, o é também para manter viva essa ilusão, pois se guardou o fotograma consigo dele se serviu para, na audiência, pautar o ato de reconhecimento, logo, se errou no passado ao reconhece-lo por fotografia, manteve- se em erro agora ao repetir o reconhecimento pessoalmente.  Em suma, se alguns parcos fatores levam a suspeitar que o réu estaria envolvido com o crime ora apreciado, não há certeza, não há prova, enfim, por ausência de respaldo probatório idôneo não foi formado pelo Juízo o convencimento indispensável ao decre- to condenatório.  Pelo que foi exposto e devidamente fundamentado, julgo totalmente improcedente o pedido formulado na denúncia para ab- solver, como de fato absolvo omissis da acusação de prática do deli- to tipificado no artigo 157, parágrafo 2o, I do Código Penal, com ful- cro no inciso V do artigo 386 do Código de Processo Penal. Sem cus- tas.  P. Vista ao Ministério Público.  Intime-se o acusado para ciência da sentença e do prazo recursal, devendo, outrossim, informar se pretende recorrer e, após, dê-se nova vista à Defensoria.  Transitada em julgado, proceda-se às comunicações e ano- tações devidas, dê-se baixa e arquive-se.  Rio de Janeiro, 4 de agosto de 2019.  MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO JUIZ DE DIREITO  8 ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas Memórias e Sistema Penal: a Prova Testemunhal em Xeque. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 130. 37a Vara Criminal da Capital - VII -

DECISÃO - Crime impossível de entorpecentes - RJ

Processo no Omissis  SENTENÇA  O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofereceu denúncia em face de Omissis imputando-lhe a prática da conduta tipificada no artigo 33 c/c. 40, inciso III da Lei 11.343/2006, narrando as alegações contidos na peça inicial de fls. 02/02B, que veio instruída pelos autos de Inquérito Policial instaurado por força de prisão em flagrante acostado às fls. 02C/63, onde consta de mais relevante Omissis... Omissis...  Feito breve relatório, DECIDO:  Conferindo início à análise do presente feito através da apreciação da prova testemunhal trazida aos autos pelas partes, temos que as testemunhas e informante ouvidos em Juízo afirmaram, em suma, o que segue:  Omissis...  Interrogada a ré alegou que Omissis...  A materialidade dos fatos encontra-se positivada pelo auto de apreensão e laudo pericial já acima referidos, inexistindo controvérsia a tal respeito.  Não obstante isto, impõe-se a absolvição da acusada, em que pesem as alegações finais do Ministério Público, da lavra de culta Promotora de Justiça titular perante este Juízo.  Como já o reconheceu de forma expressa o Supremo Tribunal Federal ao declarar o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro, este é absolutamente caótico e, além disso, fortemente criminógeno, no sentido de produzir ele próprio novos crimes e criminosos mesmo que em potencial, sendo simplesmente inexistente, via de regra (diríamos mesmo que em 99% dos casos), seu potencial ressocializador – salvo uma ou outra (louvável) iniciativa absolutamente isolada.  Esta capacidade de produzir novos crimes tem uma natureza endógena e outra exógena: o sistema prisional produz crimes em seu próprio âmago, de dentro para fora e de fora para dentro das unidades prisionais, sendo exemplo desta última hipótese situações como aquela narrada na denúncia, em que pessoas que não estão presas são levadas (ou sujeitas, ou induzidas, ou forçadas...) a praticar condutas tipificadas como crimes visando alimentar a criminalidade interna ao sistema, qual seja, o tráfico e (para quem entenda que se trate de um ilícito penal, o que não é o caso deste magistrado) o uso de entorpecentes.  Assim é que como o sistema penal, por óbvio, não pode punir a si próprio pela sua absoluta inoperância e autofagia, em situações como essa narrada na inicial pretende punir quem opera dentro desta inoperância. Ou seja, por outras palavras, como não consegue coibir o tráfico e uso de drogas intramuros, de forma absolutamente hipócrita pretende punir quem, via de regra não por opção própria mas por induzimento, instigação, ameaça ou violência, se vê tangido a tentar ingressar com pequenos quantitativos de drogas em estabelecimentos prisionais – chegando mesmo a erigir tal situação como causa especial de aumento de pena!  A questão se torna ainda mais interessante (e mais ainda hipócrita) se considerarmos controversos estudos que sustentam que o uso de entorpecentes dentro das unidades prisionais é de certa forma “aceito” porque “útil” para manter a “normalidade” intramuros, ou seja, que o tráfico interno e o uso de drogas é de certa forma “tolerado”, sofre “vista grossa” porque, sem detentos entorpecidos, o caos carcerário não seria minimamente controlável.  Portanto, pretender punir pessoas em razão da própria ineficiência do sistema (e a ineficiência é a melhor das hipóteses, posto que em alguns casos há, na verdade e infelizmente, conluio e até mesmo fomento) não passa de buscar bodes expiatórios tão vulneráveis quanto inúteis, já que o uso e o tráfico intramuros continuará a existir e inclusive em alguns locais a vicejar, contando com certa complacência do Estado que, aqui ou ali, de forma absolutamente aleatória, se contentará em punir alguém que tente ingressar, por exemplo, com 200g de maconha, isto enquanto quilos e quilos das mais variadas drogas circulam diuturnamente dentro do sistema carcerário.  Quando inexistir (ou pelo menos houver drástica diminuição do) tráfico e uso de drogas no interior do sistema prisional, ou seja, quando o sistema obtiver controle interno sobre si mesmo e a tal respeito, aí sim será “razoável” pretender punir (melhor seria pretender auxiliar a se afastar do crime através de medidas despenalizadoras e concretamente ressocializadoras pois, como diria Radbruch em famosa frase, “não temos que fazer do Direito Penal algo melhor, mas sim fazer algo melhor do que o Direito Penal”) as chamadas “mulas” que tentam ingressar em presídios levando consigo pequenas quantidades de tóxicos que ali mesmo ingressam, neste exato instante, aos borbotões.  Enquanto isso não ocorre, a atuação do direito penal em hipóteses como a presente continuará sendo meramente alegórica, inútil e falaciosa (numa única palavra: simbólica), como de hábito ensejando sentenças que não passam de um mero panfleto publicitário de uma ideologia punitivista arcaica, perversa e contraproducente, que somente faz retroalimentar a violência na sociedade lançando cada vez mais pessoas a manterem estreito contato com facções criminosas, a elas se aliando comumente por falta de opção e medo.  Posto isso, no caso concreto estamos diante de crime impossível eis que, por absoluta impropriedade do meio utilizado pela ré, se mostrou inviável, neste específico caso concreto (e é o que importa já que não estamos aqui tratando de crime impossível “em tese”, mas analisando uma conduta particular), alcançar a consumação do ilícito. Neste sentido, analisando situação em que reconheceu a existência de crime impossível em hipótese de furto sob monitoramento em estabelecimento comercial, assentou o Supremo Tribunal Federal no corpo do aresto proferido no Recurso em Habeas Corpus n. 144516/SC, relatoria do Min. Dias Toffoli, o seguinte (grifei):  Ressalto que esse entendimento não conduz, automaticamente, à atipicidade de toda e qualquer subtração em estabelecimento comercial que tenha sido monitorada pelo corpo de seguranças ou pelo sistema de vigilância, sendo certo que o agente infrator, não obstante todo esse aparato, pode vir a lograr êxito no intento delituoso, o que permitiria concluir que o meio empregado para a consecução do crime não seria ineficaz ao ponto de tornar o crime impossível (v.g. HC no 94.129/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 4/6/10).  Por isso, é de bom tom deixar consignado que a conclusão pela atipicidade, tal como se deu na espécie, dependerá da análise individualizada das circunstâncias de cada caso concreto.  Voltando, pois, ao caso concreto: é absolutamente notório que alimentos que ingressam em unidades carcerárias são submetidos usualmente a minucioso escrutínio visto se tratar de um via absolutamente corriqueira de ingresso de drogas para alimentar aquele microcosmo. Ao tentar ingressar com drogas em inusuais pedaços grandes de carne, desproporcionais, a atuação da ré imediatamente chamou a atenção dos agentes penitenciários – e não poderia ser de outra forma, restando inviabilizada (desde o início, portanto) a consumação do crime.  No sentido de tudo o quanto aqui sustentado, temos o seguinte aresto proferido pela 3a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Criminal n. 70051788081, tendo como relator o desembargador Diógenes V. Hassan Ribeiro:  APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. TENTATIVA DE INGRESSO EM CASA PRISIONAL COM SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. Crime impossível. Verificada a ineficácia absoluta do meio utilizado para consumação do fato. A indispensável e rigorosa revista pessoal na entrada da casa prisional torna ineficaz o meio utilizado. Crime de mera conduta. A jurisprudência e a doutrina apontam expressões nucleares do tipo do art. 33 da Lei no 11.343/2006 que possibilitam a forma tentada. Aplicação crítica da lei, não acrítica. Conforme o constitucionalismo contemporâneo, há uma reaproximação da ética ao Direito na aplicação. O princípio da razoabilidade serve de exemplo. Doutrina. Deficiência do Estado. A deficiência do Estado na sua infra-estrutura prisional não pode ser solucionada pela imposição de pena a fatos que, em sentido lógico e rigoroso, jamais seriam concretizados em ilícitos penais. A permissão de facções no interior de casas prisionais não pode ser esquecida, uma vez que o sistema prisional se auxilia da organização interna que permite nas casas prisionais. Interrogatório. Violação à ampla defesa, porque deve ser o último ato da instrução. Precedente do Supremo Tribunal Federal. Absolvição por fundamento diverso pelo vogal e Presidente. APELO PROVIDO. DECISÃO POR MAIORIA.  Mas não é “só”.  Como sabemos, indícios e presunções, se dispõem de força na esfera cível onde vigora o princípio da verdade formal, não têm o mesmo vigor no âmbito criminal que, se imiscuindo com direito primordial do ser humano - qual seja, a liberdade – é instruído essencialmente pelo princípio in dubio pro reo, corolário direto do princípio constitucional da presunção de inocência, que há de ser cabalmente desconstituída pela acusação de modo a alcançar almejada condenação.  Como sustenta Natalie Ribeiro Pletsch, via de regra “não é preciso trazer aos autos elementos de prova para atestar que o acusado é inocente, já que esta presunção deve ser destruída pela prova – e não construída –, conforme orientação imposta pela Constituição da República”.1  De outro lado, não são suficientes para ensejar a condenação exclusivamente as provas coletadas na fase de inquérito policial; estas, muito embora possam ser tomadas como indícios, devem ser corroboradas pela prova produzida em Juízo, esta sim realizada sob o crivo do contraditório, do devido processo legal e da ampla defesa, isto sob pena de não restarem demonstradas a contento as imputações iniciais, implicando na absolvição.  É o que ensina André Nicolitt:  Como registramos, o devido processo legal é um conjunto de princípios, como o contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência, a motivação etc. Aqui isto fica muito evidente, pois temos que trabalhar também com o princípio da presunção de inocência, o que impõe à acusação o ônus da prova e ainda como regra de julgamento o in dubio pro reo. Destarte, se a prova produzida sob o crivo do contraditório, por si só, é incapaz de possibilitar a formação de um juízo condenatório, está evidenciada insuficiência de prova, impondo-se a absolvição do réu.2  Ademais, como já lembrado, o ônus da prova no que tange às imputações contidas na denúncia compete à acusação, não cabendo aos réus, a princípio, fazer prova negativa. Neste sentido o posicionamento adotado por Aury Lopes Júnior:  1 PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da Prova no Jogo Processual Penal. São Paulo:IBCCRIM, 1a edição, 2007, p. 71. 2 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 1a edição, 2009, p. 358 A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem que o réu (e muito menos o juiz) tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução (direito de silêncio - nemo tenetur se detegere). FERRAJOLI esclarece que a acusação tem a carga de descobrir hipóteses e provas, e a defesa tem o direito (não dever) de contradizer com contra- hipóteses e contraprovas. O juiz, que deve ter por hábito profissional a imparcialidade e a dúvida, tem a tarefa de analisar todas as hipóteses, aceitando a acusatória somente se estiver provada e, não a aceitando, se desmentida ou, ainda que não desmentida, não restar suficientemente provada. É importante recordar que, no processo penal, não há distribuição de cargas probatórias: a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador, não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória (denúncia ou queixa), mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência. 3  Ora, no feito em exame, um dos agentes penitenciários ouvidos não mais se lembrava dos fatos, não reproduzindo em Juízo suas declarações contidas no caderno inquisitorial, pelo que aqui não poderão ser consideradas em respeito aos princípios constitucionais do contraditório e do devido processo.  Já a outra agente ouvida não deixou claro e demonstrado de modo satisfatório a efetiva existência de dolo por parte da ré quanto a dispor de plena ciência que, como sustenta a denúncia, “trazia consigo” substância entorpecente para fins de tráfico, ao passo que não se mostra de todo inverossímil a alegação erigida em autodefesa no sentido de que estava, a acusada, somente querendo ajudar uma pessoa que não dispunha (segundo alegou) de carteira de visitante e, não obstante, pretendia remeter (segundo também alegou) comida para um certo “Pedro”.  Em suma, se alguns parcos fatores de natureza indiciária e circunstancial levam a suspeitar que a ré poderia estar envolvida com o crime ora apreciado, não há certeza, não há prova, enfim, por ausência de respaldo probatório idôneo não foi formado pelo Juízo o convencimento indispensável ao decreto condenatório.  3 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 11a edição, 2014, p. 562. Assim é que na esfera penal, diante da dúvida, há que se absolver: in dubio pro reo. Adequa-se com perfeição à hipótese em análise a precisa lição de Álvaro Mayrink da Costa, verbis (grifei):  PROVA. DÚVIDAS. “IN DUBIO PRO REO”. ABSOLVIÇÃO. Se diante do fato há duas versões, uma fornecida pela declarada vítima e outra pelo acusado, não se trata de questionar o velho adágio testius unus, testius nullus, mas de constatar dentro do conjunto probatório na variante de possibilidades a versão cabal, firme e inconteste da dinâmica do acontecer, caso contrário, diante da intranqüilidade da dúvida, o único caminho que resta ao julgador sereno e imparcial é a aplicação do consagrado princípio in dubio pro reo ínsito no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. Recurso do órgão do Ministério Público improvido. 4  No mesmo sentido a lição de outros Tribunais da Federação (grifei):  APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06 (DOIS DENUNCIADOS), ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (UM DENUNCIADO) E ART. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (UM DENUNCIADO) - EXARADO DECRETO CONDENATÓRIO NO JUÍZO SINGULAR - RECURSO DA DEFESA DOS CONDENADOS PELO ART. 33, CAPUT, DA LEI DE TÓXICOS - ARGUIÇÃO DE CARÊNCIA DE PROVAS PARA ESTEAR A CONDENAÇÃO - PROCEDÊNCIA ARGUMENTATIVA RECURSAL - MATERIALIDADE E AUTORIA INDEMONSTRADAS - AUTORIAS, PELOS RECORRENTES, SINALIZADA COMO MERA POSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE PROVA CABAL - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO - RECURSOS PROVIDOS. "A condenação criminal, com todos os seus gravames e consequências, só pode apoiar-se em prova cabal e estreme de dúvidas, pois presunções e meros indícios não ostentam aquelas qualidades de segurança e certeza, pelo que não servem para fundamentar um decreto condenatório." (ex-TACRIM - SP - Rel. Pires Neto -  4 COSTA, Álvaro Mayrink da. Casos em Matéria Criminal. Rio de Janeiro: Forense, 3a edição, 1995, p. 613. "É preferível a absolvição de culpado, por deficiência de provas, à condenação de inocente com provas deficientes." (ex-TACRIM/SP - Rel. Geraldo Ferrari - JUTACRIM 55/417). (6247561 PR 0624756-1, Relator: Eduardo Fagundes, Data de Julgamento: 06/05/2010, 5a Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 392)  TRÁFICO - PROVA INSUFICIENTE - ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Inexistindo prova segura de que a substância entorpecente apreendida era também comercializada pelos acusados, em obediência ao velho brocardo do 'in dúbio pro reo', impõe-se manter a absolvição, pois é preferível absolver um culpado que condenar um inocente, vez que para se absolver não é necessário a certeza da inocência, bastando somente a dúvida quanto à culpa. Recurso improvido. (101450419244010011 MG 1.0145.04.192440- 1/001(1), Relator: ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS, Data de Julgamento: 12/09/2006, Data de Publicação: 27/09/2006)  APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA OS COSTUMES - VÍTIMA MENOR - TESTEMUNHOS PRESENTES NOS AUTOS FIRMES E COERENTES QUE BENEFICIAM O RÉU - MATERIALIDADE E AUTORIA DÚBIAS - PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - DECISUM ABSOLUTÓRIO MANTIDO - RECURSO DESPROVIDO É sabido que em crimes contra a liberdade sexual, geralmente praticados na clandestinidade, as declarações da vítima são de forte valor probante, desde que não desmentidas ou não se revelem ostensivamente mentirosas ou contrárias aos demais elementos das provas existentes nos autos. Havendo um mínimo de incerteza quanto às declarações, torna-se preferível absolver mil culpados do que condenar um inocente. (274440 SC 2002.027444-0, Relator: Solon d ́Eça Neves, Data de Julgamento: 03/06/2003, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Apelação Criminal n. 2002.027444-0, de Criciúma.)  Pelo que foi exposto e devidamente fundamentado, julgo totalmente improcedente o pedido formulado na denúncia para absolver, como de fato absolvo Omissis da acusação de prática do  delito tipificado no 33 c/c. 40, inciso III da Lei 11.343/2006, com fulcro no inciso VII do artigo 386 do Código de Processo Penal. Sem custas.  P. Vista ao Ministério Público.  Intime-se a acusada para ciência da sentença no endereço de fl. 123, devendo, outrossim, informar ao próprio OJA se pretenderá recorrer e, após, intime-se o patrono constituído.  Oficie-se determinando a inutilização do entorpecente apreendido e devidamente periciado em inexistindo controvérsia acerca de sua natureza.  Transitada em julgado, proceda-se às comunicações e anotações devidas, dê-se baixa e arquive-se.  Rio de Janeiro, 25 de julho de 2019.  MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO JUIZ DE DIREITO

DECISÃO - Inimputabilidade sem medida de segurança - RJ

Processo no omissis  SENTENÇA  O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofereceu denúncia em face de omissis imputando-lhe as práticas das condutas tipificadas nos artigos 157, § 2o incisos I, II e V do Código Penal (três vezes), no artigo 329 do Código Penal e no artigo 16 da Lei 10.826/2003, todos em concurso material, narrando os fatos contidos na peça inicial de fls. 02A/02F, que veio instruída pelos autos de Inquérito Policial instaurado por força de prisão em flagrante acostado às fls. 02/94, onde consta de mais...  Omissis  Feito breve relatório, DECIDO:  O mundo jurídico em sua ancestral aversão à interdisciplinaridade desde sempre pretendeu se atribuir um caráter autopoiético – no sentido de acreditar-se uma rede fechada capaz de analisar e regulamentar a absolutamente tudo a partir exclusivamente dos próprios conceitos e teses, sempre que possível desprezando contribuições externas.  Tal aversão alcança seu paroxismo nas chamadas “ficções jurídicas”: incapaz de adequar determinada situação à antíteses oriundas de outros saberes que demonstram ser impossível, inviável, improvável aquilo que o mundo jurídico sustenta, o jurista então diz se tratar de uma ficção, e ponto final: resolvido.  O grave problema em matéria de direito penal é que, por óbvio, ficções não podem gerar punições legítimas – isto se abandonarmos este mundo autopoiético que por vezes beira o bizarro.  Todos sabemos, por exemplo, através de (lamentável) experiência própria ou muito próxima, que uma pessoa absolutamente embriagada não tem qualquer controle sobre si própria – aliás, não por outro motivo o próprio direito penal criou um tipo específico e mais gravoso para o “estupro de vulnerável”, dispondo em norma de extensão (parágrafo 1o do artigo 217-A) que “incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência” (grifei), aí incluída de forma pacífica pela  jurisprudência justamente situações nas quais uma vítima esteja de tal forma embriagada que não possua mínima condição de “oferecer resistência” à conjunção carnal ou outro ato libidinoso que lhe é imposto naquele contexto.  Não obstante isto – e pior: em absoluta contraposição ao que dispõe a norma incriminadora (o que inclusive denota os dois pesos e duas medidas do legislador, que adota um entendimento para ampliar a punição e o desconsidera, em outro momento, quando se trata de despenalizar) – o artigo 28 do Código Penal estatui que não exclui a imputabilidade “a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos”. Voilá! Está criada a ficção: um cidadão em total e completo estado de ebriez, para o direito penal brasileiro, não só comete crime como não está isento de pena, reprimenda que sequer será, por tal razão, reduzida!  Ou seja, para o direito penal posto, uma pessoa trôpega, que sequer consegue falar o próprio nome, fora de si e absolutamente embriagada não só pode cometer um crime doloso (que, portanto, pressupõe a vontade consciente direcionada a determinado fim) sob tal situação, como será punida como se absolutamente nada de estranho houvesse nisso, ainda que em absoluta ofensa ao mais elementar bom senso.  Como afirmou Norberto Bobbio em frase que se tornou famosa de seu livro Teoria do Ordenamento Jurídico, “a coerência não é condição de validade, mas é sempre condição para a justiça do ordenamento” (grifei).1  Tal estranhamento pode ser transplantado para a situação em que o direito penal reconhece a plena inimputabilidade de uma pessoa por qualquer motivo que seja. Aqui, a depender do grau de inimputabilidade a afetar a culpabilidade, o acusado de determinado crime poderá ser isento de pena sofrendo, contudo, neste caso, a imposição de medida de segurança, ou ter diminuída a reprimenda criminal, continuando, desta feita, sob controle e observação da justiça criminal.  Ocorre que para o direito penal o crime foi cometido pois, como estatui o artigo 26 do Código Penal, “é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (grifei) – e a isenção de pena não isenta do crime.  1 BOBBIO, Noberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, Pg. 113.    Portanto, em suma e para exemplificar, um cidadão em meio a surto psicótico grave e, portanto, absolutamente incapaz de entender, naquele momento, o que faz ou de se autodeterminar, para o direito penal, comete crime, mas será isento de pena.  Atento ao rematado absurdo da situação, Juarez Tavares, reconhecidamente um dos maiores penalistas contemporâneos, em sua recente obra Fundamentos de Teoria do Delito sabiamente desvia o foco da discussão em torno da existência (ou não) de dolo em tais situações – o que implicaria mais do que isentar da pena, mas sim isentar do crime, o que como visto não é aceito pelo Código Penal pátrio que remete a discussão para o âmbito da imputabilidade e, portanto, da culpabilidade – realocando-o, de forma absolutamente precisa, no âmbito da conduta ou, mais especificamente no caso, nas palavras do mestre, da carência de performatividade.  “A doutrina sempre teve dificuldades de trabalhar os critérios para excluir do direito penal determinados sujeitos ou determinadas condutas”, afirma Tavares. E prossegue:  Por herança do positivismo, sedimenta a assertiva de que a eliminação da conduta do direito penal não se confunde com incapacidade do sujeito. Daí tratar a ausência de ação apenas sob o aspecto naturalístico, de ato desprovido de consciência ou de domínio causal. Quando se dedica às condições do sujeito, a doutrina caracteriza esse fato no âmbito da culpabilidade, ora como seu pressuposto, ora como seu elemento, na forma de inimputabilidade ou incapacidade de culpa.2  Ocorre que tal entendimento, como vimos, não resolve de forma minimamente adequada situações como a que se constata nestes autos, ou seja, em que o réu, declarado plenamente inimputável por laudo técnico que o declara incapaz, no momento dos fatos, para entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ainda assim teria cometido um crime a impor sentença absolutória imprópria, o submetendo a controle do sistema criminal sob a forma de medida de segurança.  Sigamos com Tavares:  Não haverá ação relevante no âmbito penal quando o sujeito não puder se exprimir normalmente dentro  2 TAVARES, Juarez. Fundamentos de Teoria do Delito. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018, p. 152.   do contexto em que se encontre, no caso de falta de performatividade. Se o contexto determina a orientação de conduta, a falta de relação com o contexto quebra a performatividade. Esta constitui um pressuposto indeclinável da conduta penalmente relevante porque o sujeito, por deficiência em relação ao contexto, não pode orientar sua conduta em face da norma. Como a performatividade pressupõe a existência de uma norma que regule a conduta, deverá ela induzir também consequências compatíveis com a relação entre essa norma e o sujeito. Caso a norma seja permissiva da conduta, estarão eliminadas, desde logo, quanto ao agente todas as consequências penais. O mesmo vale quando esteja extinta a punibilidade da conduta.3  Especificamente quanto aos inimputáveis, seguindo a linha de raciocínio, prossegue o citado autor (grifei):  O sujeito que, em virtude de grave anomalia mental, não possa participar do discurso e, assim, orientar- se pelos objetos de referência da norma, não pratica ação, estará fora do injusto penal. Não há necessidade de se esperar até o exame da culpabilidade para excluir do injusto quem não tenha a possibilidade de se orientar pelos parâmetros de referência da norma e atribuir-lhe uma pretensão de validade, por estar desvinculado das condições de contexto sobre as quais se deve basear a incriminação.4  E mais à frente (grifei):  A inclusão da inimputabilidade entre os casos de ausência de ação está de acordo com o sentido da Lei de Saúde Mental, que objetiva excluir os enfermos mentais e também os portadores de retardamento e deficiência de desenvolvimento do âmbito de medidas penais de segurança, a fim de possibilitar seu tratamento em condições assemelhadas ao de pessoas mentalmente sadias ou que apresentem leves distúrbios psíquicos.  3 TAVARES, Juarez. Op.Cit., p. 152. 4 TAVARES, Juarez. Op.Cit., p. 160.  ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO A falta de performatividade pressupõe, em sua análise, que, conduta do agente seja apreciada em face das normas proibitivas ou mandamentais ou seja, das normas criminalizadoras. Essa relação entre a conduta e as normas criminalizadoras é avaliada no âmbito do injusto, em uma fase prévia ao exame dos elementos do tipo O que se objetiva, com essa inserção no âmbito do injusto de uma fase prévia destinada a avaliar a ação, é excluir do direito penal, por força da relação de contexto, aqueles comportamentos que não podem ser atribuídos a um sujeito que se encontre impossibilitado de atuar, porque não pode conferir à sua atuação uma pretensão de validade, ou seja, não pode refletir acerca da validade de sua conduta diante da norma. Como consequência normal dessa condição, o inimputável não deveria sofrer qualquer medida penal. As medidas de segurança só teriam sentido dentro do sistema tradicional de delito, mas não em um sistema crítico e democrático. Embora o Código Penal imponha aos inimputáveis uma medida de segurança de internação (art. 97), esta está em desacordo com a Lei de Saúde Mental.5  Retornando ao caso concreto, como acima dito, o denunciado foi declarado absolutamente inimputável, logo, incapaz de ação performática, ou seja, incapaz de pautar sua atuação em conformidade (ou não) com a lei, pelo que não há como se reconhecer aqui, no específico contexto destes autos, a existência de ação válida para o direito penal, o que equivale à inexistência de ação, impondo-se portanto a plena absolvição já que, atuando sob o domínio de sua enfermidade, o acusado precisa de tratamento e não, sob qualquer ótica, da aplicação de medida de natureza penal, sendo direito da pessoa portadora de transtorno mental “ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade” (grifei – inciso II do parágrafo único do artigo 2o da Lei 10216/2001).  Por tudo o que foi exposto, julgo totalmente improcedente o pedido inicial para absolver, como de fato absolvo omissis quanto à acusação de prática das condutas tipificadas nos artigos 157, § 2o incisos I, II e V do Código Penal (três vezes), no artigo 329 do Código Penal e no artigo 16 da Lei 10.826/2003, na forma do inciso III do artigo 386 do Código de Processo Penal. Sem custas.  5 TAVARES, Juarez. Op.Cit., p. 166.  P. Vista ao Ministério Público.  Intime-se pessoalmente o acusado na pessoa de sua curadora, que deverá informar ao próprio OJA se pretenderá recorrer e, em seguida, intime-se a defesa constituída.  Transitada em julgado, comunique-se, anote-se, dê-se baixa e aguarde-se pelo prazo de noventa dias eventual manifestação de algum interessado quanto aos bens apreendidos.  Rio de Janeiro, 12 de julho de 2019.  MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO JUIZ DE DIREITO 

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