Área do associado

  • Associe-se!
  • Esqueci a minha senha

AJD Portal
  • Início
  • Sobre nós
    • Quem somos
    • Estatuto da AJD
    • Aplicativo AJD
  • Notícias
  • Podcasts
  • Documentos
    • Atividades do Conselho
    • Cidadania
    • Voto e Cidadania
  • Decisões
    • Eleitoral
    • Penal
    • Trabalho
    • Administrativo
    • Cível
    • Consumidor
    • COVID-19
    • Povos indígenas e comunidades tradicionais
    • Juros e correção monetária na JT
  • Artigos
  • Publicações
    • Jornal
    • Revista
  • Eventos

Penal

  1. Início
  2. Decisões
  3. Penal

Execução Penal - ausência de estabelecimento adequado

Rejeição da Denúncia - Princípio da Insignificância

Processo nº 0007153-22.2013.8.19.0003DECISÃO Cuida-se de ação penal ajuizada pelo Ministério Público em face de ANISIO VARELA JUNIOR, dando-o como incurso nas penas do art. 155, §4º, c/c 14, II, todos do Código Penal, por ter tentado subtrair, no interior do estabelecimento comercial Casa do Vergalhão Pronto, a quantia de R$ 17,95 (dezessete reais e noventa e cinco centavos), tudo nos termos da denúncia de fls. 02/02-A, cuja narrativa passa a integrar, para todos os fins, o relatório desta decisão. A exordial merece ser rejeitada. Com efeito, verifico que o conatus do crime de furto tendo por objeto material tão diminuta quantia não ameaça ou lesiona qualquer bem jurídico – in casu, o patrimônio da sociedade comercial em questão. Ainda que qualificada a figura por rompimento de obstáculo – sendo mesmo questionável a comprovação da materialidade de tal circunstância pela ausência de exame de corpo de delito, plenamente passível de realização na hipótese (art. 158 do CPP) –, é certo que a afetação ao bem jurídico deve servir de norte aos operadores do direito para a aferição da existência, ou não, de figura típica, conforme jurisprudência de nossos tribunais, in verbis: 0054040-15.2009.8.19.0000 (2009.059.08503) - HABEAS CORPUSDES. GERALDO PRADO - Julgamento: 17/12/2009 - QUINTA CÂMARA CRIMINAL“EMENTA: HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO MEDIANTE ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO, NA MODALIDADE TENTADA. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO PENAL MÍNIMA E DA LESIVIDADE. INSIGNIFICÂNCIA/PEQUENO VALOR DA COISA QUASE SUBTRAÍDA (R$ 9,00). AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL, SEM A QUAL NÃO SE VERIFICA A TIPICIDADE CONGLOBANTE E, PORTANTO, A TIPICIDADE PENAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Paciente processado como incurso nas sanções do artigo 155, §4º, inciso I, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal porque teria tentado subtrair uma revista de banca de jornal, quebrando a vitrine da mencionada banca. Mercadoria avaliada em R$ 9,00 (nove reais). Hipótese que autoriza a incidência da aplicação do princípio da insignificância. Do ponto de vista da técnica peculiar ao direito penal, para haver tipicidade penal não basta a mera subsunção do fato à norma. Para punir exige-se que a conduta praticada pelo agente seja, necessariamente, contrária à norma penal e afete, também, o bem jurídico por ela tutelado. Irrelevância da lesão ao bem jurídico protegido que afasta a possibilidade de imposição de pena, ao excluir a tipicidade nos casos de menor importância. Atipicidade material da conduta imputada ao paciente. Precedentes do e. Supremo Tribunal Federal. ORDEM CONCEDIDA”. Assim, é necessária, para a análise do presente caso penal, a observância dos princípios lançados no aresto acima colacionado – lesividade, intervenção mínima/ultima ratio -, todos consagrados em doutrina e presentes em praticamente toda obra que se pretenda séria, razão pela qual se dispensam maiores divagações quanto ao ponto.Em relação às alegações lançadas pelo ilustre Parquet na cota que acompanha a denúncia, pelas quais não seria possível “afirmar acerca do que seria efetivamente subtraído caso o agente não fosse impedido pela ação policial, restando, diante da dinâmica do fato, a quantia apreendida, o que não diminui seu lesivo animus furandi”, cumpre tecer algumas considerações. A uma, é de se observar, de início, que na verdade a dinâmica dos fatos, conforme haurida do auto de prisão em flagrante, revela ter sido o réu detido de posse da indigitada quantia já fora do estabelecimento comercial, e não em seu interior, quando em tese poderia continuar subtraindo outros bens. A duas, ainda que assim não fosse, a punição somente pela intenção do agente revela um excessivo e exclusivo apego ao componente típico do desvalor da ação, o que levaria mesmo, no extremo, à validade da incriminação de crimes impossíveis, como nos ensina o mestre Juarez Tavares: “Uma orientação puramente baseada no desvalor do ato é seguida nas últimas décadas por ZIELINSKI, para quem somente a ação e não o resultado constitui objeto da proibição, sob dois argumentos: primeiramente de que só será possível proibir ações e não resultados, seja quando o autor dirige sua atividade diretamente à realização do injusto – por exemplo, no homicídio, a direção no sentido da morte de uma pessoa – seja quando põe em perigo o bem jurídico, através de atividade descuidada; em segundo lugar, porque o resultado pode resultar sempre do acaso, não sendo certa sua verificação.”[1] Em nosso ordenamento, no qual se prevê a menor reprovabilidade da figura do crime tentado (art. 14, § único do Código Penal) e a ausência de reprovação na tentativa inidônea (art. 17 do mesmo diploma), parece evidente que não podemos nos vincular somente ao desvalor da ação para a identificação da figura típica, devendo ser perscrutado, também, o desvalor do resultado. E, na hipótese, como tal resultado afigurou-se desprezível, a consideração de que estamos diante de conduta atípica impõe-se. No que se refere à argumentação pela qual o juízo teria incorrido em equívoco ao relaxar a prisão com a comunicação do flagrante (fls. 24), também devem ser prestados alguns esclarecimentos, inclusive como requerido pelo Ministério Público às fls. 30. De início, cumpre ressaltar que, no Estado Democrático de Direito, a Constituição da República impõe, de maneira taxativa e impositiva, que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária” (art. 5º, LXV). Veja-se que, do advérbio “imediatamente”, conclui-se que não há espaço, aqui, para manifestações prévias do Ministério Público. Em relação à suposta invasão do mérito, não há qualquer irregularidade num tal proceder: com efeito, ao receber, por exemplo, uma comunicação de flagrante por incesto – conduta que em nosso ordenamento é tão atípica quanto a tentativa de furto de valor insignificante –, estaria o Poder Judiciário de mãos atadas, restando-lhe somente a aposição de uma etiqueta constando os protocolares dizeres “ciente, flagrante regular”, enquanto aguarda a formação da opinio delicti ministerial? Urge a compreensão de que barrar, em seu nascedouro, persecuções penais que se afigurem patentemente desproporcionais configura exercício de aplicação direta do princípio do devido processo legal, entendido este desde a sua origem substantiva norte-americana[2]. Nessa mesma linha, a implementação de um direito penal mínimo – i. e., incidente somente sobre os mais graves conflitos sociais – se traduz no objetivo de um processo garantista. O professor Aury Lopes Jr., sempre preciso, após relacionar os dois conceitos (direito penal mínimo e garantismo processual), assevera que “o processo penal faz com que o Estado tenha uma soberania mitigada, um poder limitado e reduzido aos limites racionais e no marco dos princípios garantidores. E cabe ao juiz essa importante tarefa e, enquanto garantidor da eficácia do sistema de garantias constitucionais e processuais, deve atentar, principalmente, para os critérios de necessidade e proporcionalidade (obviamente que estamos falando de proporcionalidade como proibição de excesso), buscando sempre o menor sofrimento possível do sujeito passivo submetido à violência do processo”[3]. Nesse contexto de incidência das regras e princípios processuais constitucionais, parece oportuno assinalar ser evidente que este magistrado preza, a toda evidência, pela rígida separação de funções no processo penal – o que caracteriza mesmo a essência do sistema acusatório[4]invocado pelo órgão ministerial para questionar o relaxamento da prisão do ora acusado. Contudo, deve-se ter em mente sempre que, embora a opinio delicti do titular da ação penal (art. 129, I da Constituição) deva sempre ser resguardada à análise do Ministério Público, a verdadeira e última palavra quanto à ocorrência ou não de um delito caberá invariavelmente ao Poder Judiciário, órgão competente para a decretação em definitivo de absolvições ou condenações, haja ou não concordância do Parquet[5]. E, como já ressaltado, no caso de condutas atípicas, a intervenção do Judiciário deve ser imediata. Por essa razão, e levando também em consideração a necessidade de que, com olhos postos numa escorreita metodologia jurídico-penal, a autoridade judiciária se traduza em instância contramajoritária, cujo papel hodiernamente é associado à contenção do estado de polícia latente no Estado de Direito – aquele exigindo crescente atividade de criminalização secundária ao arrepio de centenárias teorias como a da necessidade de ameaça ou lesão a bens jurídicos [6] –, REJEITO a denúncia que veicula ação penal em face de ANISIO VARELA JUNIOR, com base no art. 395, III do CPP. Proceda o cartório às anotações necessárias. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e se arquivem. Determino ao cartório, também, a correção das providências determinadas no alvará de soltura de fls. 26, visto que, como bem observado pelo atento Parquet, não houve, por óbvio, imposição de medidas cautelares, tendo em conta o fundamento – atipicidade da conduta – tanto da decisão de relaxamento de fls. 24, quanto da presente. Intime-se o acusado, assim, de que sua liberdade é plena, e não vinculada a quaisquer cautelas. Angra dos Reis, 14 de agosto de 2013 ANDRÉ VAZ PORTO SILVA JUIZ DE DIREITO 1 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 200, pg. 240.2 A respeito do substantive due process, preleciona Luis Roberto Barroso que, por meio dele, “o Judiciário passou a desempenhar determinados controles de mérito sobre o exercício de discricionariedade pelo legislador, tornando-se importante instrumento de defesa dos direitos fundamentais – especialmente da liberdade e da propriedade – em face do poder político” [BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 278].3 LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, págs. 49-50.4 Cf., a propósito, BADARÓ, Gustavo Henrique Ivahy. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012, págs. 50-51.5 À exceção, por evidente, da hipótese em que o titular da ação penal postula a absolvição, justo porque o art. 385 do Código de Processo Penal não foi recepcionado exatamente pelo sistema acusatório em comento, este cabalmente consagrado na Carta Magna pelo mencionado art. 129, I.6 Vejam-se as palavras de ZAFFARONI, para quem é “o direito penal o ramo do saber jurídico que, mediante a interpretação das leis penais, propõe aos juízes um sistema orientador de decisões que contém e reduz o poder punitivo, para impulsionar o progresso do estado constitucional de direito”, sendo necessária ainda a seguinte observação: “quanto à preferência dos estados policiais por uma metodologia irracional e a refutação de qualquer dogmática, é uma questão de grau” [ZAFFARONI, Eugenio Raúl, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro e SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2003, págs. 40 e 169, respectivamente].

Pedido de Relaxamento de Prisão

Pedido de relaxamento de prisão n.°:480651-26.2011.8.06.0001/0.Relativo à ação penal n.°: 486279-30.2010.8.06.0001/0.Acusado requerente: P D D A S.Vistos, etc.Sob os auspícios de legítimo operador jurídico, o acusado requerente acima nominado, qualificado nos autos, invocando o art. 5º, LXV da Constituição Federal combinado com o art. 648, II do Código de Processo Penal, pede relaxamento de sua prisão, ocorrida em 1º de dezembro de 2010, aduzindo, em resumo, excesso de prazo para o desenredo da ação, pois decorridos mais de cento e oitenta dias desde aquela data, não tendo o acusado ou sua defesa dado causa à demora (fls. 2/9).Juntou a documentação de fls. 10 a 56.Chamado a intervir, o Ministério Público reconheceu a procedência do que pleiteado (fls. 58/60).Brevemente relatado. Decido:O requerente está preso provisoriamente desde 1º de dezembro de 2011, não se vislumbrando nos autos responsabilidade protelatória do mesmo ou de sua defesa técnica.São normas de aplicabilidade imediata, insculpidas no art. 5º do Documento Constitutivo do Estado Brasileiro, as seguintes:“(...);LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;(...);LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;(...);LXV – A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;(...)”.Os acima transcritos preceitos fundamentais da Carta Magna, perfeitamente ajustados à disciplina jurídica internacional dos Direitos e Garantias Individuais da Pessoa Humana, documentados no Pacto de São José da Costa Rica, da qual o Estado Brasileiro é signatário, são de irrefutável observância pelos agentes públicos, mormente do Poder Judiciário, em qualquer de suas instâncias.“Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal.(...)5. Toda pessoa presa, (...) tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. (...).”[1]Embora, em tese, ainda estejam presentes, in casu, as circunstâncias que dão ensejo à prisão preventiva do acusado requerente, situação esta que, até este momento, justificava a manutenção da clausura processual, firmei convencimento de que a continuidade da segregação, na espécie, sem uma definição de culpabilidade (latu sensu), isto é, sem o término do devido processo legal e sem que tenha sido prolatada uma sentença penal condenatória transitada em julgado, afronta a razoabilidade, e constituir-se-ia em grave desrespeito ao tratado internacional antes mencionado e verdadeira mácula à Constituição desta República Federativa, Lei Maior, querida, legitimamente aprovada e posta a comandar o ordenamento jurídico nacional pelo próprio Povo Brasileiro, do qual todo o poder político emana, através de representantes eleitos diretamente com esta finalidade.O relaxamento da prisão do acusado requerente é, destarte, em decorrência de tais princípios, cujo respeito é-me imposto pela função judicante, o mais límpido reflexo da soberana vontade do Povo Brasileiro.Quanto às causas do descumprimento do prazo para julgamento do feito estando o acusado requerente ainda preso provisoriamente, saliente-se que o Juiz, é preciso que se entenda de uma vez por todas, como qualquer ser humano, não é onisciente, faculdade que Deus guardou para si.A atividade de cognição dos fatos para, ao final, prolatar uma sentença justa, finalidade primordial do processo criminal e sua razão de existir, demanda tempo, muito tempo para a produção de todas as provas que forem possíveis de se produzir, na busca da verdade real sobre o fato apontado como delituoso, suas circunstâncias e autoria.Nem mesmo quando o réu é preso em flagrante delito, por mais abjeto que seja o crime cuja autoria se lhe imputa, é justa uma sentença instantânea, lavrada de afogadilho, prolatada e influenciada pelo mormaço do fato, observado que ao increpado em processo penal é assegurado o inarredável exercício do direito de ampla defesa, pilar do Estado Democrático de Direito, o que demanda, isso também, tempo.Mesmo quando ainda se proibia a concessão de liberdade provisória aos acusados da prática de crime hediondo, a súmula 697 do colendo Supremo Tribunal Federal, editada em 24 de setembro de 2003, já declarava a possibilidade do relaxamento de prisão processual por excesso de prazo:“A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.”É, como vigorosamente propalado aos quatro cantos do País, necessária uma Justiça célere, mas antes disso, a maior necessidade é de uma Justiça justa, que não seja tardinheira a ponto de deixar impune um culpado, mas que também não se precipite a condenar um inocente, tampouco mantenha preso, indefinidamente, aquele que ainda não se sabe se é culpado ou inocente.O juiz criminal, sob pena de travestir-se de verdugo, não pode acatar o clamor público pela desforra imediata contra o réu e, com tal nefasta inspiração, permitir que se hospede em seu espírito qualquer sentimento de vindita ou prevenção contra este, por mais abjeto que seja o delito imputado ao mesmo, fazendo-o, em conseqüência, cumprir, atabalhoadamente, uma pena privativa de liberdade antecipada, indefinida, imprecisa, injusta portanto.“Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais.”.[2]Deve o togado, isto sim, fazer a Justiça acontecer, seja condenando ou absolvendo, conforme o caso, mas sempre com a mais absoluta serenidade d’alma.Neste sentido é a abalizada jurisprudência da Corte Suprema da Federação:“Na ordem constitucional pátria, os direitos fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF, art. 5º, §1º). A realização dessas prerrogativas não pode nem deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que conduzem investigação de caráter criminal. Em nosso Estado de Direito, a prisão provisória é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.” (STF – HC 102176/SP – Min. Gilmar Mendes).“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO PRATICADO CONTRA FILHA MENOR DE IDADE. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. IRRAZOABILIDADE. EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA. OFENSA AO ARTIGO 5º, INCISO LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Prisão preventiva efetivada em 12 de dezembro de 2004 sem que até a presente data a instrução processual tenha chegado ao fim. Abstraído o tempo de fuga, que perdurou por um ano, não é razoável que a instrução criminal dure mais cinco anos. 2. A permanecer essa situação, o paciente cumprirá, antecipadamente, pena que eventualmente lhe venha a ser imposta, consubstanciando nítida violação do princípio da presunção de inocência. 3. O crime imputado é grave, repugnante, hediondo. Isso, contudo, não justifica prisão cautelar cujos requisitos são outros.” (STF – HC 100529/RJ – Min. Eros Grau).“EMENTA: "HABEAS CORPUS" - PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR - EXCESSO DE PRAZO - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - PEDIDO DEFERIDO. O EXCESSO DE PRAZO NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU. - Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264 - RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu. - O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. - A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado e o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.” (STF – HC 98878/MS – Min. Celso de Mello).Defiro, portanto, a súplica.Expedientes necessários à espécie de soltura, inclusive Alvará, a ser cumprido se não houver outro motivo determinante da clausura do acusado, devendo constar no instrumento da ordem a advertência de que o feito continuará a tramitar, devendo o réu manter atualizado o endereço nos autos para futuras intimações.O acusado deverá ser apresentado, pela autoridade administrativa responsável pela custódia, ficando esta responsável também pela correta identificação do custodiado, ao Oficial de Justiça encarregado da diligência de cumprimento do alvará de soltura.Registre-se, publique-se e intime-se.Fortaleza – CE, 7 de junho de 2011.Marlúcia de Araújo BezerraJuíza de Direito da 17ª Vara Criminal[1] Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, em vigor no Brasil por força do Decreto Presidencial n.º 678, de 6 de novembro de 1992, destaque inovado.[2]Excerto do discurso “ORAÇÃO AOS MOÇOS”, proferido pelo inesquecível Ruy Barbosa, no ano de 1920, quando, na oportunidade, escutavam-no uma turma de advogados e juízes neófitos.

Prisão em Flagrante

Autos n°038.11.022171-8Ação:Auto de Prisão Em FlagranteAutuado: J.L.L.Os juízes não são juízes porque combatem a criminalidade, ou porque, intrépidos como mocinhos do faroeste, enfrentam e duelam com os bandidos, os malvados e os maltrapidos. Os juízes – e a lição é tão antiga quanto eles próprios! – são juízes simplesmente porque dizem publicamente o direito. E dizer o direito hoje é, antes de mais nada, pregar a Constituição, suas garantias, seus fundamentos, seus princípios e suas liberdades. Feito isso, feito apenas isso, os juízes cumprem e bem cumprem o que deles se reclama ( Editorial do Boletim da Associação Juízes Para a Democracia – ano 6, n.29)Vistos.O autuado J.L.L., de 19 anos, tecnicamente primário, servente de pedreiro, solteiro, foi preso em flagrante porque teria na noite de 22.5.11 tentado subtrair bens, nada conseguindo retirar, de uma residência ao tempo desocupada, através do arrombamento de uma janela. Segundo os policiais ouvidos, ao chegarem no local encontraram o autuado já detido por populares, tendo verificado que ele apresentava ferimentos na cabeça e pelo corpo em razão de agressão sofrida pelos mesmos populares, tendo assim que chamar os paramédicos para socorro. A vítima por sua vez disse que estava fora de Joinville e ao saber dos fatos retornou, encontrando a casa já arrombada. Disse que soube por outras pessoas que populares haviam "pego de pau" o autuado. Nenhum dos referidos populares foi inquirido pela autoridade policial. Junto aos autos fotografias do autuado com bandagens na cabeça mostrando a olhos nus os ferimentos.Como se vê, as agressões desferidas contra o autuado não decorreram de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito. O autuado ao que se observa já estava detido por várias pessoas quando passou a ser agredido.Este magistrado não pode compactuar com o ocorrido, jamais. Não é razoável, aliás, é injustificável que pessoas, nutridas por sentimento paranóico coletivo de vingança, arvorem-se em senhores do bem e do mal para agredir de forma covarde um jovem envolvido em um delito, se não de menor potencial, de menor gravidade e sem violência contra a pessoa (tentativa de furto com arrombamento).Os novos padrões de civilidade e os fundamentos do Estado Democrático de Direito não permitem, em absoluto, a medieval "justiça pelas próprias mãos". Estes fundamentos, ao contrário do que muitos pensam, são conquistas de todos, da vítima, do réu, deste magistrado, do Promotor de Justiça, do advogado, dos populares, dos trabalhadores, dos pais de família, das crianças, adultos e idosos, ou seja, de todos os sujeitos, todos os seres humanos. São garantias de que nunca ninguém jamais sofrerá vinditas e suplícios e que todos, sempre que acusados de um delito, terão direito a um julgamento resultante do devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, perante o Juízo Competente. Admitir atos de barbárie como o que hora se anuncia é retroceder no tempo, para antes até mesmo de Beccaria (Dos Delitos e das Penas).Aliás, conforme os comandos constitucionais é direito do preso ter sua integridade física e moral respeitadas (art.5º, XLIX). Sempre é bom repetir que o Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), já suficientemente solidificado, precisa ser respeitado. E neste ponto, segundo os ensinamentos do Ministro Celso de Melo a dignidade da pessoa humana "representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art.1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência" (HC n. 85.988, 2ª Turma, j.04.05.10, v.u., DJU 28.05.10).O resultado no caso dos autos aliás é que o flagrante acaba por ser viciado, em razão da ilicitude da prova, ilicitude esta decorrente das violações supra elencadas. E uma vez ilícitas, não podem ser aproveitadas (art.5º, LVII, da Constituição Federal c/c art.157, do Código de Processo Penal).Ex positis:Em obediência ao Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), com base na garantia de respeito à integridade física e moral aos presos (art.5ª, XLIX, da CF), no Estado Democrático de Direito, que veda a "justiça pelas próprias mãos", bem como na inadmissibilidade da prova ilícita (art.5º, LVII, da CF e art.157, do CPP) RELAXO A PRISÃO de J.L.L. (art.5º, LXV, da CF). Expeça-se o r. Alvará de Soltura, se por al não estiver preso.Incabível a decretação de prisão preventiva tendo em conta a primariedade do réu e a natureza do delito.Intime-se o Ministério Público.Requisite-se à autoridade policial a instauração de inquérito policial para apurar os delitos em tese de lesões corporais e tortura sofridos pelo autuado, independentemente de outros que se verificarem.Aguardem-se as demais peças do auto.Joinville (SC), 23 de maio de 2011.João Marcos BuchJuiz de Direito

Interceptação Telefônica

Autos n.038.07.017396-3.Interceptação Telefônica/IndiciárioRequerente: Central de Plantão Policial/Ministério PúblicoVISTOS ...Trata-se de incidente de interceptação telefônica ajuizado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em detrimento dos investigados S.M.G. e J.A.F.Justificou, em síntese, que o deferimento da prova afigurava-se essencial para apuração de eventuais crimes contra o patrimônio.Conclusos os autos, foi a representação deferida. Ulteriormente juntado pedido de prorrogação, igualmente foi deferido.Procedidas às diligências respectivas, ante a anemia de provas colhidas, pugnou o Ministério Público pelo arquivamento do feito em relação ao investigado J. e ofereceu denúncia contra o investigado S., em parecer lavrado sob os auspícios da Promotora de Justiça, porém rejeitada com o respectivo trânsito em julgado.É o relato.Antes de determinar o arquivamente do feito, imprescindível a intimação para ciência dos autos dos investigados que tiveram suas comunicações telefônicas interceptadas.O sigilo telefônico, conforme expresso dispostivo Constitucional, é direito fundamental do indivíduo, dele não se podendo dispor, somente sendo passível de restrição por ordem judicial, nos casos de investigação criminal ou instrução processual penal. É o que se encontra erigido no art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal.Lembrado isto, importa ainda não se descurar para o fato de igualmente se constituir como direito fundamental de toda e qualquer pessoa o devido processo legal (art.5º, LIII, da CF), do qual decorrem vários outros, dentre os quais o do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV), bem como a inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV) em apreciar eventuais lesões ou ameaças a direitos.Vale dizer, o devido processo legal, o verdadeiro contraditório e ampla defesa só podem ser efetivamente exercidos em havendo a prévia ciência da imputação deflagrada, sob pena de se restringir a eficácia dos direitos fundamentos à uma envergadura meramente formal, sem qualquer aplicação fática.É claro que em sede de inquérito policial, bem como em investigações presididas pelo Ministério Público, o procedimento não é o acusatório, mas sim o inquisitorial, onde o contraditório e a ampla defesa são mitigados. Mas de uma forma ou de outra devido processo legal há e, na medida em que nesta fase houver restrição judicial a algum direito, como o da inviolabilidade das comunicações telefônicas, pelos mesmos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, por óbvio o direito à informação e acesso aos autos pelo investigado resta consolidado.Não é razoável submeter uma pessoa à violação de sua privacidade e de suas comunicações telefônicas e, após vários atos investigatórios, constatada a ausência de ilicitude, simplesmente mandar arquivar os autos sem que esta mesma pessoa disso tome conhecimento. Seria como se a ficção de George Orwell (1984) se realizasse em sua plenitude no mundo fático.Sobre o tema, defendendo o contraditório inclusive na fase inquisitorial, assim leciona Rogério Lauria Tucci. in verbis:"De um modo geral, entendem os processualistas que a tutela judicial eficaz de um direito subjetivo material 'reclama, sempre, a necessidade de informação, consoante as formas traçadas pelas normas processuais, ao titular da antagônica situação, abrangida pela relação jurídica cuja definição é solicitada a agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal'."Assim também que essa exigência se concretiza, normalmente, quando o sujeito passivo é informado do aforamento da ação, tomando conhecimento do teor da postulação, a fim de que possa, no tempo e na forma em lei previstos, preparar sua atuação defensiva; isto é, por ocasião da citação válida, cuja finalidade precípua se diversifica em três aspectos, a saber: a) informação sobre o conteúdo do ato introdutório do processo; b) incitação do citando para comparecimento em juízo; e, c) propiciação de atuação judicial pertinente à respectiva defesa, em contradição com as alegações do peticionário."(...)"Isso esclarecido, bem é de ver, outrossim, que, embora generalizados, em princípio, distintos exsurgem tanto os efeitos da citação, como, especialmente, a essencialidade do direito à informação, no processo penal."Realmente, no processo extrapenal, particularmente no processo civil, delineia-se satisfatória, com a citação inicial válida, a possibilidade de contraditório; até porque o réu, instado a comparecer e atuar, não tem o dever, mas, apenas, o ônus de defender-se, podendo, consequentemente, o procedimento tramitar à sua inteira revelia."(...)"No processo penal, todavia, o indivíduo tem direito à informação desde o início da persecutio criminis, como apregoa enfaticamente, até a moderna doutrina processual penal."(...)"Atrelado a ela, o legislador constituinte brasileiro, com a proclamada liberalidade na afirmação dos direitos fundamentais, quer individuais, quer sociais, determinou-o, como visto, com todas as letras, ao assegurar aos "acusados em geral" a "ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (cf. o preceituado no já transcrito inc. LV do art. 5.°)."E essa defesa, segundo precisa observação de José Cretella Júnior, reportando-se ao magistério de Pontes de Miranda, "é a defesa em que há acusado; portanto, a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal, ou administrativo, ou policial"."E Pontes de Miranda, por sua vez, já intuía, com a sempre louvada genialidade, que a determinação da contraditoriedade da instrução criminal, em nível constitucional, afasta 'qualquer possibilidade de expedientes inquisitoriais, com as características de opressão e conseqüentes parcialidades ou arbitrariedades. Seja judicial, seja judicialiforme, ou perante o juiz, ou perante a polícia, ou perante as autoridades administrativas, a instrução criminal tem de ser, por força da Constituição, contraditória'."(...)"É o que temos repetidamente afirmado, sobrelevando que 'o direito deste à contradiotriedade real assume a natureza de indisponível, dada, precipuamente, a indisponibilidade dos interesse em conflito, de sorte a apresentar-se como autêntica expressão de sua liberdade jurídica, a saber: conferindo-se ao acusado o direito à jurisdição penal, exercido por meio de uma processo no qual se lhe assegure ampla defesa, sobretudo em razão de atividade marcantemente contraditória, efetivada por órgão técnico -, define-se a respectiva defesa como expressão da liberdade jurídica, inerente ao seu status libertatis e, mais especificamente, ao ius litertatis" (in: Direito e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.177-183)(sublinhou-se).Disso tudo conclui-se, mais uma vez, que o mero arquivamento deste incidente, sem a ciência dos investigados, importaria em veemente cerceamento do direito à informação, sucedâneo do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.Ad argumentandum tantum observe-se que o próprio art.9º, parágrafo único, da Lei n.9.296/96, faculta a presença do acusado ou de seu representante legal no que diz respeito à inutilização de gravação que não interessar à prova.Ex positis:I-se a acusação sobre esta decisão e após os investigados S.M.G. e J.A.F. sobre este incidente. Caso estejam em local incerto e não sabido, prejudicadas as intimações. Após, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.Joinville(SC), 22.03.2010.JOÃO MARCOS BUCHJuiz de Direito

Bagatela

Autos n°038.10.008945-0Ação:Auto de Prisão Em Flagrante/IndiciárioAutuado: Julio Cesar das NevesVISTOS .I – Tanto nos depoimentos dos policiais como da vítima relatou-se que o autuado Julio Cesar Neves, de 25 anos de idade, morador de rua, teria furtado um aparelho de som de um veículo, sendo que populares, após a sua detenção, revoltados, lesionaram-no.Não é razoável o cometimento de atos de violência e abuso, por aqueles que ao que parece se auto-intitulam "cidadãos de bem" e "proprietários" da moral e bons costumes, contra quem quer que seja. Pior, contra pessoa já marginalizada e protagonista da roda da miséria, como é o caso do autuado.O Estado de Direito, nesta quadra arduamente conquistado, não pode admitir barbáries que remontam à Idade Média, muito menos para satisfazer sentimentos paranóicos coletivos de vingança.Ex positis, requisite-se o encaminhamento do exame de corpo de delito do autuado, em 24 horas. Vindo, extraia-se cópia do exame e destes autos e encaminhe-se à autoridade policial, requisitanto-se a instauração de Inquérito Policial para apuração dos delitos de lesão corporal e eventual tortura pelos populares que detinham o autuado, independentemente de outros existentes.II – Com relação ao flagrante, além da gravidade da situação estampada, mormente pelos atos de barbárie relatados, cumpre tecer algumas ponderações.Como já salientado acima, trata-se de comunicação em flagrante, noticiando a prisão do autuado Julio Cesar das Neves pelo cometimento, em tese, do furto tentado de 1 (um) aparelho de CD, avaliado em R$ 150,00.Necessário de plano reconhecer a ocorrência do princípio da insignificância, com o conseqüente relaxamento da prisão.É cediço que a concepção de aplicabilidade da reprovação penal no contexto atual não mais se restringe a subsunção da fato delitivo à norma incriminadora insculpida, mas também a necessária presença de uma terceira condicionante, a lesividade da conduta para vítima.Dispõe Maurício Antônio Ribeiro Lopes: "(...) o princípio da insignificância é que erige uma hermenêutica dinâmica projetada sobre o direito Penal já construído, buscando atualizar e materializar a tipicidade e a ilicitude em função do resultado concreto da ação ou do móvel inspirador do comportamento" (in Princípio da Insignificância no Direito Penal. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2ª ed., pág. 82).Esta orientação justifica-se, ainda mais, quando se observa que o tipo penal resta composto por três elementos, quais sejam: a ação, o resultado e o nexo causal. A existência de crime e eventual sanção conseqüente exige destarte, ao par da ação e do nexo causal, a configuração de um resultado, que, na realidade, traduz-se na lesão a bem juridicamente protegido. Ou seja, ausente o resultado, não há conduta típica.Ao passo de todos estes fundamentos, cumpre reconhecer ser dispendiosa e improfícua a movimentação da máquina estatal para apuração de delitos de menor significância, como é o caso. Na mesma proporção, verifica-se salutar o direcionamento destes recursos no combate aos delitos que merecem de fato a reprovação penal.Com efeito, antecipando-se a adoção do princípio da insignificância como fundamento para prolação de eventual sentença absolutória pela atipicidade da conduta, alguns Tribunais, em recentes julgados, vem abarcando este princípio, inclusive para efeito de rejeição de denúncia, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:"EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. OCULTA COMPENSATIO. 1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa e casuística. 2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que adota São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo. 3. O paciente se apropriou de um violão cujo valor restou estimado em R$ 90.00 [noventa reais]. O direito penal não deve se ocupar de condutas que não causem lesão significativa a bens jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem tutelado, bem assim à integridade da ordem social. Ordem deferida" (STF; HC 94770 / RS - RIO GRANDE DO SUL; Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA; Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU; Julgamento: 23/09/2008; Órgão Julgador: Segunda Turma)."Em sendo ínfimo o valor da res furtiva e do dano causado pelo rompimento de obstáculo, admite-se o trancamento da ação penal, em face da inexistência da tipicidade material. Para a aplicação do princípio da bagatela deve o julgador se ater à análise do fato e não do autor do fato, impondo-se observar essencialmente a intensidade da lesão causada ao bem juridicamente protegido, não constituindo, por isso, óbices á incidência do instituto, a reincidência ou antecedentes do agente" (Sublinhou-se) (TJMT – 3ª C. - HC 34123/09 – rel. José Luiz de Carvalho – j. 04.05.2009 – Dje 12.05.2009)."FURTO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. Subtração de roupas do varal. Objetos devolvidos a vítima. Crime de bagatela caracterizado, ante a falta de lesividade jurídica do fato cometido pelo acusado. Decisão mantida" (TJRS; Apelação Criminal n. 70006168736; Des. Rel. Alfredo Foerster; J. em 21.08.2003).Muito embora o enfoque recaia mais sobre o campo teórico do que em âmbito prático, Oscar Wilde, conhecido escritor irlandês, em 1895 já pincelava os contornos defendidos por Roxin, apregoando que "(...) juntamente com a autoridade se extinguirá a punição, o que será uma grande conquista – uma conquista, com efeito de valor incalculável. A quem estuda História – não nas edições expurgados que se destinam a leitores ingênuos ou nada exigentes, mas sim nas fontes autorizadas e originais de cada época – repugnam menos os crimes cometidos pelos perversos que as punições infligidas pelos bons; e uma sociedade se embrutece infinitamente mais pelo emprego freqüente de punição do que pela ocorrência eventual do crime. Segue daí que, quanto mais punição se aplica, mais crime se gera. A legislação mais atualizada, reconhecendo isso com toda clareza, toma para si a tarefa de diminuir a punição até onde julgue possível. Toda vez que ela realmente o consegue, os resultados são extremamente bons. Quanto menos punição, menos crime. Não havendo punição, ou o crime deixará de existir, ou, quando ocorrer, será tratado pelos médicos como uma forma de demência, que deve ser curada com afeto e compreensão. Aqueles a quem hoje se chama de criminosos, não o são em hipótese alguma. A fome, e não o pecado, é o autor do crime na sociedade moderna. Eis porque nossos criminosos são, enquanto classe, tão desinteressantes de qualquer ponto de vista psicológico. Eles não são admiráveis Macbeths ou Vautrins terríveis. São apenas o que seriam as pessoas comuns e respeitáveis se não tivessem o suficiente para comer" (in A Alma do Homem sob o Socialismo/Oscar Fingal O'Flahertie Wills; tradução de Heitos Ferreira da Costa – Porto Alegre: L&PM, 2003) (Sublinhou-se).Quiçá em casos tais como o dos autos a ética, enquanto perspectiva do outro, devesse preponderar sobre a moral. Assim às intituições civis buscariam soluções para integração social e econômica daqueles marginalizados e não simplesmente os empurrariam para o estigmatizante cárcere, fábrica de exclusão.Desta feita, em se tratando a res subtraída tão-somente de 1 (um) aparelho de CD, avaliado em R$ 150,00, conforme se denota da narrativa indiciária, o caminho mais judicioso é o reconhecimento da insignificância da conduta perpetrada.Ademais, como se não bastasse o parco valor atribuído a res, a vítima recuperou o bem substraído, não se vislumbrando, desta forma, expressividade na conduta enveredada pelo autuado.Em suma, tem-se a seguinte situação: reconhecido o princípio da insignificância, nos termos aduzidos, não há que se falar na tipicidade da conduta. Esta, por sua vez, juntamente da culpabilidade e da antijuridicidade compõe o crime, logo, não se vislumbrando a tipicidade da conduta, inconcebível se mostra a homologação do flagrante.EX POSITIS:Por não se encontrarem satisfeitos os requisitos necessários à homologação do flagrante, RELAXO A PRISÃO do autuado Julio Cesar das Neves (art.5º, LXV, da CF).Expeça-se o r. alvará de soltura, se por al não estiver preso.I-se o Ministério Público.Requisite-se à autoridade policial o encaminhamento de fotocópia do documento de identificação do autuado ou, alternativamente, que proceda à identificação criminal pelo processo datiloscópico e fotográfico, nos termos da Lei nº. 12.037/09, no prazo de 5 dias (art. 5º). Dê-se ciência ao Delegado Regional.No mais, aguardem-se as demais peças do auto ou o decurso do prazo para encaminhamento, quando deverá ser aberta vista ao Ministério Público.Joinville (SC), 17 de fevereiro de 2010.João Marcos BuchJuiz de Direito

Auto-aborto - Fato atípico. Voto Vencido Proferido pelo Juiz José Henrique R. Torres

Furto de Cebola

Ação: Ação Penal - Ordinário/ComumAutor: Justiça PúblicaSENTENÇATrata-se de Ação Penal deflagrada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, imputando ao denunciado O. P. A., cidadão primário e sem nenhum antecedente criminal (fls. 19/20) a prática de tentativa de furto de seis barras de chocolate, avaliadas em módicos R$ 25,74, todas devolvidas à atenta vítima, que impediu o furto.A meu ver (já antecipando a decisão), tudo poderia ter acabado por aí, mas a polícia foi acionada e cumpriu seu papel, encaminhando o acusado à Delegacia de Polícia.A autoridade policial lavrou o Auto de prisão em Flagrante, encaminhando o pobre O., às vésperas do Natal, ao presídio. Cumpriu seu papel.Após dois dias trancafiado junto com outros acusados (de delitos mais graves, por certo) o juiz plantonista, verificando não haver motivos para a prisão, cumpriu seu papel e mandou soltar o pobre O.O Ministério Público bem que tentou aliviar a situação de O., oferecendo-lhe a transação penal, mas O. não apareceu, de modo que foi oferecida e recebida a denúncia, pois todos cumprem seu papel.Após três anos de vai-e-vem, consumo de papéis, horas e horas de trabalho e toda aquela conhecida burocracia, os autos vieram conclusos para nomeação de defensor ao pobre O.É bom lembrar que o defensor custará ao Estado de Santa Catarina (ou melhor, aos contribuintes) 15 URHs, cerca de R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais).É o relato. DECIDO.O caso não deveria ter chegado ao Judiciário, mas já que chegou, vou cumprir o meu papel e absolver o réu sumariamente.Ora, tais fatos, dada a absoluta insignificância, não devem servir de suporte à instauração de lides penais.Neste caso, aplicam-se os princípios da insignificância ou bagatela, intervenção mínima e proporcionalidade.O entendimento doutrinário é neste sentido: "PRISÃO POR FURTO DE UMA CEBOLA A ISTOÉ n. 1702, de 15.05.02, p. 44 (Madi Rodrigues) noticiou: Izabel tem 38 anos. É empregada doméstica. Subtraiu do seu patrão uma cebola, uma cabeça de alho e um tablete de caldo de carne. Total da subtração: R$ 4,00. O delegado de polícia (Márcio Barros de Campos) lavrou a prisão em flagrante e disse: "Ela vai responder por furto sim. O flagrante está perfeito".O que é insignificante não deve ser resolvido pelo Direito penal. O furto de uma cebola e uma cabeça de alho só é formalmente típico, não, porém, materialmente. Está, portanto, fora do Direito penal. Deve ser solucionado com o direito trabalhista, civil etc., jamais com o instrumento mais terrível com que conta o sistema de controle social.A prisão em flagrante de Izabel é fruto de um equívoco. Demonstra de outro lado que o ensino jurídico no nosso país (e particularmente o ensino do Direito penal) precisa avançar. O homem já chegou à lua, o mundo se globalizou, a planeta se integrou inteiramente pela Internet e nosso Direito penal continua o mesmo da Segunda Guerra mundial. O delegado agiu da forma como agiu porque aprendeu na faculdade ser um legalista positivista e napoleônico convicto. Esse modelo de ensino jurídico (e de Direito penal) já morreu.Mas se já morreu, porque o delegado continua lavrando flagrante no caso do furto de uma cebola? A resposta é simples: morreu mas ainda não foi sepultado! O modelo clássico e provecto de Direito penal é como elefante: dar tiros nele é fácil, difícil será sepultar o cadáver.O delegado, o juiz e o promotor que seguem o velho e ultrapassado modelo de Direito penal (formalista, legalista), no máximo aprenderam o Direito penal do finalismo (que começou a ficar decadente na Europa na década de 60 exatamente por ser puramente formalista). Apesar disso, ainda é o modelo contemplado (em geral) nos manuais brasileiros e é o ensinado nas faculdades de direito.(...)No que se relaciona com a admissibilidade do princípio da insignificância no Direito penal já não há o que se discutir. Dos fatos mínimos (dos delitos de bagatela) não deve cuidar o juiz (minina non curat praetor). Esse importante princípio, já aplicado no tempo do direito romano e recuperado depois da segunda guerra por Roxin (Kriminalpolitik und Strafrechtssystem, em JUS, 1964, p. 373 e ss.), vem sendo reconhecido amplamente pelos juízes e tribunais, especialmente nos delitos de descaminho, furto etc.Conseqüências práticas: ninguém pode ser preso em flagrante por fato absolutamente insignificante (por ser atípico). Ninguém pode ser processado por isso. O correto, portanto, em razão da atipicidade penal do fato, é arquivar o caso logo no princípio. O delegado faz um simples boletim de ocorrência e o promotor pede o arquivamento. E se o promotor denunciar? Cabe ao juiz rejeitar a denúncia, com base no art. 43, I, do CPP ("a denúncia ou queixa será rejeitada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime").Tipo legal não é a mesma coisa que tipo penal. Subsunção formal não é adequação típica material. O Direito penal já não se coaduna com a dogmática formalista do século XX. Por força do princípio da intervenção mínima nem toda ofensa ao bem jurídico merece sanção penal. Os critérios de política criminal (intervenção mínima, por exemplo) fazem parte do Direito penal (Roxin). Esse é o novo Direito penal, que se mostra antagônico frente ao Direito penal formalista e literalista do século passado.Duas são as hipóteses de insignificância no Direito penal: (a) insignificância da conduta; (b) insignificância do resultado.No delito de arremesso de projétil (CP, art. 264: "Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar: pena - detenção de 1 a 6 meses"), quem arremessa contra um ônibus em movimento um bolinha de papel pratica uma conduta absolutamente insignificante; no delito de inundação (CP, art. 254: "Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: pena - reclusão de 3 a 6 anos, no caso de dolo, ou detenção de 6 meses a 2 anos, no caso de culpa"), quem joga um copo d´água numa represa de 10 milhões de litros de água pratica uma conduta absolutamente insignificante.Nessas hipóteses, o risco criado (absolutamente insignificante) não pode ser imputado à conduta (teoria da imputação objetiva em conjugação com o princípio da insignificância). Estamos diante de fatos atípicos.No delito de furto (CP, art. 155), quem subtrai uma cebola e uma cabeça de alho, que totaliza R$ 4,00, pratica uma conduta relevante (há desvalor da ação) mas o resultado jurídico (a lesão) é absolutamente insignificante (não há desvalor do resultado). Também nessa hipótese o fato é atípico. Não há incidência do Direito penal.Mas ficaria impune o autor do fato insignificante? Não. Deve recair sobre ele todas as sanções civis (indenização), trabalhistas (despedida do empregado, quando o caso) etc. O que não se justifica é a aplicação do Direito penal. Não devemos utilizar o canhão para matar um passarinho!" (LUIZ FLÁVIO GOMES. Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri e Diretor-Presidente do Centro de Estudos Criminais-Cursos ao vivo e pela Internet (www.estudoscriminais.com.br).No mesmo sentido, o promotor Fernando Capez em sua obra Curso de Direito Penal – parte geral. 4ª Edição, página 20:"O princípio da intervenção mínima tem dois destinatários principais. O legislador, do qual se exige cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal e o operador do direito, a este recomenda-se não proceder enquadramento típico, quando notar que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos do direito menos agressivos ao ordenamento jurídico. Assim, se a demissão por justa causa pacifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido pelo empregado, tornou-se inoportuno o ingresso do Direito Penal.Continua o referido doutrinador:Se um furto de chocolate em um supermercado já foi solucionado com o pagamento do débito e a expulsão do freguês inconveniente, não há necessidade de se movimentar a máquina persecutória do Estado, tão assoberbada com a criminalidade violenta, a organizada, o narcotráfico e as dilapidações ao erário." (http://www1.jus.com.br/doutrina/ texto.asp?id=4247). (sem destaque no original).A jurisprudência tem adotado este entendimento para trancar a ação penal em curso:"Superior tranca ação contra homens que furtaram seis frangosA 6ª Turma do STJ concedeu, anteontem, habeas corpus para trancar ação penal contra dois homens que furtaram seis frangos congelados em um frigorífico no interior de São Paulo. O valor total dos frangos é de R$ 21,00.(...)Os ministros consideraram que esse é mais um exemplo de crime em que deve ser aplicado o princípio da insignificância e que poderia ser solucionado nas instâncias inferiores.O relator do processo, Hamilton Carvalhido, entendeu que este tipo de crime não pode ser chamado de furto porque "não apresentou dano relevante". Segundo o ministro, "o Direito Penal não pode se ocupar de questões insignificantes". Ele relata que "o acontecimento é tão irrelevante que não chega nem a causar risco ao bem jurídico tutelado a ponto de se fazer necessário o uso da máquina estatal de repressão a delitos".A denúncia havia sido rejeitada em primeira instância, mas o Ministério Público de São Paulo recorreu da decisão e a 5ª Câmara do extinto Tribunal de Alçada Criminal paulista recebeu a acusação. O MP paulista argumentava que, "manter o raciocínio do princípio de insignificância seria o mesmo que estender uma norma autorizando a quem quer que seja o direito de burlar o direito de propriedade de alguém no tocante a bens de pequenos valores". (HC nº 34.895 - com informações do STJ).Recentemente, o STJ concedeu a liberdade a outros dois denunciados por cometer crimes classificados como "insignificantes". A empregada doméstica Maria Aparecida de Matos saiu da prisão depois de um ano e sete meses na cadeia. Ela cumpria pena no Hospital de Custódia de Franco da Rocha, em São Paulo, por tentar furtar um xampu e um condicionador no valor de R$ 24 em uma farmácia.Num outro caso, a 6ª Turma do Superior mandou trancar a ação penal contra um homem que foi pego furtando quatro frascos de desodorante em um supermercado. O preço somado dos produtos era de R$ 9,96. Na ocasião, os ministros entenderam que furtar produto com valor inexpressivo e que não causa prejuízo econômico ao patrimônio da vítima não constitui crime.(Com informações da base de dados do Espaço Vital)." (Disponível em http://www.espacovital.com.br/novo/noticia_ler.php?idnoticia=1095>. Acesso em: 24.08.2005).Também tem-se utilizado referido entendimento para rejeitar a denúncia oferecida. Neste sentido o e. TJSC:"PROCESSUAL PENAL – DENÚNCIA REJEITADA – TENTATIVA DE FURTO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICABILIDADE – RECURSO DESPROVIDO – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS."O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social" (STF – HC 84412/SP – rel. Min. Celso de Mello – j. 19.10.2004 – DJU 19.11.2004)." (Recurso Criminal n. 2004.037473-2, de Joinville. Relator: Des. Amaral e Silva.)Do corpo do acórdão se extrai:"O Supremo Tribunal Federal, recentemente, em caso análogo, decidiu:"PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL"- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público."O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’ O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social" (HC 84412/SP – rel. Min. Celso de Mello – j. 19.10.2004 – DJU 19.11.2004).Do voto:(...)"Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado – que tem por destinatário o próprio legislador – e, de outro, o postulado da insignificância – que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto, na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI ("Curso de Direito Penal – Parte Geral", p. 68, item n. 51, 2a ed., 2004, Forense) –, cumpre reconhecer, presente esse contexto, que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social".O culto e operoso Procurador de Justiça, Dr. Raul Schaefer Filho, com o costumeiro acerto, assim se pronunciou (fls. 70/74):"A insignificância, a bagatela, a nonada, constitui-se exsurgente."Com efeito, espelha a exordial acusatória que o imputado restou surpreendido, graças aos serviços do circuito interno de televisão, num supermercado, em ação de subtração de 03 (três) frascos de desodorante, cuja monta, em preço do próprio estabelecimento comercial subtraído é de R$ 14,48 (quatorze reais e quarenta e oito centavos), perfazendo um valor aproximado dos 5% do valor do atual salário mínimo."Que risco (relevante) expôs o bem jurídico tutelado pela norma penal?"O ilustre professor Luiz Flávio Gomes, ao expor sobre alguns princípios constitucionais penais, trata do princípio da intervenção mínima, donde destaca dois aspectos relevantes: a) fragmentariedade, e b) subsidiariedade. Acerca do primeiro aspecto preleciona significar duas coisas: 1 – somente os bens mais relevantes devem merecer a tutela penal, e 2 – exclusivamente os ataques mais intoleráveis é que devem ser punidos penalmente. Assim, ataques ínfimos, irrisórios, devem ser regidos pelo princípio da insignificância, que tem como fundamento a fragmentariedade do Direito Penal – (in Direito Penal – Parte Geral, vol. 1 – RT, ed. 2003, p. 108 e seguintes)."Em que pese ter estado o denunciado envolvido em ocorrências semelhantes (doc. de fls. 18 usque 20), o que de per se não pode levar a uma condenação prévia, sua conduta não afetou concretamente o bem jurídico tutelado, vez que impedido a tempo, permitiu a inteira recomposição de tal bem, sem contar a ínfima representação de valor da res almejada. Ora, ainda na lição do ilustre professor citado, não há crime sem lesão ou perigo concreto de elisão o bem jurídico tutelado, ou seja, nullum crimem sine injuria (cfe. Ob. cit. P. 111)."O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, com base no princípio, não da insignificância, mas da ofensividade, decidiu que ‘se o fato não for ofensivo materialmente não haverá crime’ (ACrim. N. 0.031.723-5, rel. juiz Márcio Bártoli)."Ora, data magna venia, que ofensa material proporciona ao patrimônio de um supermercado, de solidez comercial, a diminuição do acervo em 03 frascos de desodorante?! E recuperados, em sua totalidade, ainda!"Quanto à rejeição da denúncia, além do julgado do e. TJSC acima transcrito, colhe-se:"REJEIÇÃO DA DENUNCIA. RECURSO CABIVEL. APELAÇÃO. Amoldando-se o suposto concretizado a letra do art. 43, do Código de Processo Penal, a rejeição da denúncia e o corolário lógico, sendo cabível, em tais circunstancias, o recurso de apelação. Outra e a situação quando desatendidos os requisitos do art. 41, do mesmo estatuto procedimental, não se recebendo a denúncia , pois, nessa hipótese, mostra-se adequado o recurso em sentido estrito. DENUNCIA. REJEIÇÃO. PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TENTATIVA DE FURTO. E imperativa a exclusão da tipicidade pelo principio da insignificancia sempre que a lesão ao bem jurídico tenha sido irrelevante. Apelação ministerial desprovida. Sentença confirmada." (TARS. Ap. Crim. n. 297000457 . 1ª CC. Rel. Montaury dos Santos Martins. j. em: 23/04/1997).E:"TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO (ART. 155, § 4º, INC. II, C/C O ART. 14, INC. II, AMBOS DO C.P.B.) REJEIÇÃO DA DENÚNCIA (PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ). FURTO TENTADO DE PEQUENO VALOR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA .O VALOR ÍNFIMO DA RES FURTIVA, SEM FORÇA PARA CAUSAR DANO RELEVANTE AO PATRIMÔNIO DA VÍTIMA, NÃO TEM REPERCUSSÃO NA SEARA PENAL, À MÍNGUA DE EFETIVA LESÃO DO BEM JURÍDICO TUTELADO (PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA MANTIDA. APELO IMPROVIDO." (TJRGS. Ap. Crim. n. 70.006.292.015. 6ª CCr, de Ijuí).A intervenção do direito penal em casos como o que ora se apresenta não pode prosperar, por se tratar de ultima ratio do sistema.Ante o exposto, forte no artigo 397, III, do CPP, ABSOLVO SUMARIAMENTE o acusado O. P. A.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Com o trânsito em julgado, ARQUIVE-SE.Canoinhas (SC), 12 de março de 2009.Fernando de Castro FariaJuiz de Direito

Decisão Penal

Decisão Propriedade Imaterial

ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 2a Vara Criminal de Nova Iguaçu I2a VARA CRIMINAL DA COMARCA DE NOVA IGUAÇU Processo nº DECISÃO "A coerência não é condição de validade, mas é sempre condição para a justiça do ordenamento". Norberto Bobbio De início é mister salientar que pacífico entendimento doutrinário-jurisprudencial firma a impossibilidade de imiscuir-se o magistrado da capitu-lação contida na exordial, eis que atinente à oppinio delicti formada pelo Minis-tério Público em atribuição exclusiva do Parquet, devendo a aferição da ade-quação típica ser relegada ao momento da sentença, com eventual aplicação da emendatio ou da mutatio libelli. Todavia, tal entendimento há de ser aplicado atualmente com extrema cautela – muito embora de fato ainda sirva como re-gra... – diante das amplas conseqüências práticas desta capitulação inicial face ao ordenamento penal e processual penal pátrio atual, dentre as quais pode-se citar, v.g., a possibilidade (ou não) da concessão de liberdade provisória ou, como in casu, da oferta de suspensão condicional do processo ao acusado, fato-res essenciais e bastantes para colocar em xeque a regra acima disposta. Neste sentido, o posicionamento do egrégio Supremo Tribunal Fede-ral, como se verifica no seguinte aresto: HC89686 / SP - SÃO PAULO Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 12/06/2007 Órgão Julgador: Primeira Turma DJ 17-08-2007 PP-00058 EMENT VOL-02285-04 PP-00638 I. Omissis.II. Denúncia: errônea capitulação jurídica dos fatos narrados: erro de direito: possibibilidade do juiz, ve-rificado o equívoco, alterar o procedimento a seguir (cf. HC 84.653, 1ª T., 14.07.05, Pertence, DJ 14.10.05). 1. Se se tem, na denúncia, simples erro de direito na tipificação da imputação de fato idonea-mente formulada é possível ao juiz, sem antecipar formalmente a desclassificação, afastar de logo as ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 2a Vara Criminal de Nova Iguaçu IIconseqüências processuais ou procedimentais decor-rentes do equívoco e prejudiciais ao acusado. 2. Na mesma hipótese de erro de direito na classificação do fato descrito na denúncia, é possível, de logo, proceder-se a desclassificação e receber a denúncia com a tipificação adequada à imputação de fato vei-culada, se, por exemplo, da sua qualificação depen-der a fixação da competência ou a eleição do proce-dimento a seguir. Posto isso, é certo que o ordenamento jurídico não pode causar-nos estranhamento, reticência quando de sua aplicação; se nos causa, há algo errado – e há, deveras, na espécie vertente, como passo a demonstrar. O artigo 184 do Código Penal – de crucial relevância para corpora-ções de grande influência e, diga-se, ativo lobby junto ao Congresso Nacional – já foi, desde a edição do Código Penal, alterado diversas vezes, seja para am-pliar a dicção legal quanto às ações típicas ali previstas, seja para aumentar as reprimendas contidas no preceito secundário da norma; assim se deu pelas Leis nº 6.895/1980, 8.635/1993 e, mais recentemente, pela Lei nº 10.695/2003 que, na parte que mais nos importa, majorou a pena mínima do delito contido no pa-rágrafo 1º (e consequentemente a do parágrafo 2º...) do artigo 184 do Código Penal de um ano de reclusão para dois anos, mantendo a pena máxima no pa-tamar anterior, i.e., de quatro anos de reclusão, além da multa, entrando o novo texto em vigor aos 02 de agosto de 2003. Trata-se, como bem se sabe, de crime contra a propriedade imaterial e, mais especificamente, contra a propriedade intelectual, dispondo da se-guinte redação (que pedimos vênia para transcrever, para maior clareza do ra-ciocínio): Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fono-grama, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, con-forme o caso, ou de quem os represente: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distri-bui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga ori-ginal ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos di-reitos ou de quem os represente. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 2a Vara Criminal de Nova Iguaçu IIIOcorre que a Lei nº 9.609/1998, ao dispor "sobre a proteção da pro-priedade intelectual de programas de computador, sua comercialização no Pa-ís, e dá outras providências" (grifo nosso...), estatui: Art. 12. Violar direitos de autor de programa de computador: Pena - Detenção de seis meses a dois anos ou multa. § 1º Se a violação consistir na reprodução, por qualquer meio, de programa de computador, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o re-presente: Pena - Reclusão de um a quatro anos e multa. § 2º Na mesma pena do parágrafo anterior incorre quem vende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito autoral. Logo se vê o absurdo da situação: se violar direito autoral atinente a programa de computador, o autor do fato poderá ser apenado com um a quatro anos de reclusão e multa; se violar obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma poderá receber reprimenda que vai de dois a quatro anos de reclusão além da multa – o mesmo se aplicando a quem vende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio aqueles bens produzidos com violação de direito autoral. Qual a lógica ? Nenhuma... As duas normas tutelam penalmente a mesma objetividade jurídica, qual seja, o direito autoral, ou mais amplamente a propriedade intelectual; ambas têm como sujeito passivo o autor ou outro titular do direito imaterial; as duas dispõem de redações praticamente idênticas; pos-suem o mesmo tipo subjetivo, i.e., o dolo. Diferem somente em uma coisa: no preceito secundário, na pena, vulnerando drasticamente, assim, primeiramente o princípio da igualdade, ao tratar desigualmente criminosos em situações to-talmente isonômicas, i.e., que pratiquem condutas que dispõem do mesmo des-valor intrínseco, isto com graves conseqüências de ordem penal e processual penal, dentre as quais aquelas atinentes ao benefício do sursis processual.Como assevera Mariângela Gama de Magalhães Gomes "o princípio da igualdade significa a proibição, para o legislador ordinário, de discrimina-ções arbitrárias: impõe que a situações iguais corresponda um tratamento i-gual, do mesmo modo que a situações diferentes deve corresponder um trata-mento diferenciado. Isto se dá uma vez que o princípio da igualdade não se re-fere, apenas, a direitos e deveres políticos, mas ordena ao legislador que pre-veja com as mesmas conseqüências jurídicas os atos que, em linha de princí-pio, sejam comparáveis, e lhe permita realizar diferenciações apenas para as ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 2a Vara Criminal de Nova Iguaçu IV hipóteses em que exista uma causa objetiva – pois caso não se verifiquem moti-vos desta espécie, haverá distinções arbitrárias". 1 Nem se cogite de argumentar que tratam-se de normas de natureza diversa, com relação de especialidade, sendo aquela contida no Código Penal de caráter geral, devido à absoluta ausência de lógica em tal sustentação, per-missa venia, a uma porque é totalmente ilógico (para não dizer risível...) supor que a criação intelectual pertinente ao software disponha de valor inferior ao de outras criações intelectuais e, portanto, que o desvalor da conduta que a vulnere mereça reprimenda mais amena; a duas porque o princípio da especialidade não pode servir de desculpa ou pretexto para a quebra da isonomia do sistema, com desconsideração a ditame constitucional1 Magalhães Gomes, Mariângela Gama; O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal, Ed. Re-vista dos Tribunais, 1ª edição, 2003, pág. 67; 2 Idem; op.cit., pág. 67;Mas há também inconstitucionalidade sob o prisma do princípio da proporcionalidade. Ora, à toda evidência, uma norma que tutela penalmente direito autoral, ou seja, direito exclusivamente patrimonial (que deveria inclusi-ve, ressalte-se, ser objeto exclusivamente de ação penal de iniciativa privada...), não pode dispor da mesma pena mínima que, por exemplo, um homicídio sim-ples tentado, uma indução a suicídio que se consuma, um infanticídio, uma le-são corporal gravíssima, ou um abandono de recém nascido com resultado mor-te; mais, não pode dispor de pena superior a um homicídio culposo, um aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, uma lesão corporal grave, ou um abandono de incapaz de que resulte lesão grave. Fere completamente o senso de razoabilidade admitir-se tamanha disparidade. Quebra toda a lógica do sistema. Vejamos mais uma vez as precisas palavras de Mariângela Gomes: "Deve a atividade legislativa, desta forma, ser orientada pela racionalidade, uma vez que cabe ao legislador valorar racionalmente as diferenças e seme-lhanças entre os fatos a serem disciplinados, de modo que os resultados desta ponderação mostrem-se coerentes". 2Nos ensina Norberto Bobbio: "É evidente que quando duas normas contraditórias são ambas válidas, e pode haver indiferentemente a aplicação de uma e de outra... são violadas duas exigências fundamentais em que se ins-piram ou tendem a inspirar-se os ordenamentos jurídicos: a exigência da cer-teza (que corresponde ao valor da paz ou da ordem), e a exigência da justiça (que corresponde ao valor da igualdade). Onde existam duas normas antinô-micas, ambas válidas, e portanto ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 2a Vara Criminal de Nova Iguaçu Vdo cidadão, de prever com exatidão as conseqüências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como o igual tratamento das pessoas que pertencem à mesma categoria". 33 Bobbio, Norberto; Teoria do Ordenamento Jurídico, Ed. Universidade de Brasília, 1ª edição, 1989, pág. 113; 4 Estellita, Heloisa. Direito penal, constituição e princípio da proporcionalidade. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.n. esp., p. 11-13, out. 2003.Não se diga que mediante o presente decisum estaria o Poder Judici-ário se apropriando de atribuições típicas do Poder Legislativo, retirando deste a margem de discricionariedade legítima para a fixação das reprimendas penais abstratamente consideradas, e que deveria o juiz se limitar à aplicação da pena em concreto, se atendo necessariamente aos limites da norma erigida pelo legis-lador: nada mais falso, data maxima venia, eis que, nas palavras simples e obje-tivas de Heloísa Estellita, "na medida em que ao Poder Judiciário incumbe a tarefa de garantir a autoridade, a primazia e a aplicação da Constituição Fe-deral, incumbe-lhe o controle de constitucionalidade das normas penais que violem o princípio da proporcionalidade". 4 Ainda sobre o tema encontramos a precisa lição de Pedro Augusto Lopes Sabino, verbis: "O constitucionalismo hodierno está voltado para um enfoque material da Constituição. Busca-se a máxima efetividade das normas constitucionais, quer sejam en-tendidas como regras, como princípios ou como postu-lados normativos aplicativos. Como cada ordem jurídica ajusta modelos teóricos de ordenação societária ao seu contexto histórico real exis-tente, é imperativo o delineamento de normas em conso-nância com o contexto social específico. Por conseqüên-cia, o legislador é necessariamente apto a estabelecer restrições, desde que sujeitas a um controle de constitu-cionalidade. Este controle exercido pelo Judiciário, inobstante deva ser utilizado com a cautela indispensável para a não vi-olação da separação de poderes, não deve inibir uma contribuição atualizadora dos princípios pelo magistra-do.A decisiva participação do Judiciário na atualização a-xiológica dos princípios ocorre de modo singular no conflito de bens jurídicos, notadamente entre direitos fundamentais. Na solução destes casos, impende a utili-zação dos postulados normativos da proporcionalidade ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO 2a Vara Criminal de Nova Iguaçu VI e da razoabilidade em todos os seus aspectos, melhor instrumentalizando, assim, o intérprete na concretização de princípios constitucionais". 5 Ressalte-se por derradeiro que não há qualquer fundamento razoável na alegação de que a mens legislatoris que norteou a majoração da pena míni-ma no delito em questão estaria no grave prejuízo causado à indústria de CDs e DVDs, posto que o argumento beira o absurdo. Seria como se sustentássemos, v.g., a cisão do crime de furto, permanecendo este com a pena mínima de 1 ano de reclusão para as hipóteses em que o bem jurídico concretamente tutelado não ultrapasse R$100.000,00, passando o mesmo a dispor da pena mínima de 2 anos de reclusão quando o bem visado pelo criminoso seja superior a tal valor. Não cremos que tal disparate seja minimamente idôneo a embasar e tornar legítima a alteração legislativa em comento, dispensando maiores comentários. Pelo exposto, declaro incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei nº 10.695/2003, na parte em que amplia a pena mínima contida no preceito se-cundário do parágrafo 1º do artigo 184 do Código Penal, entendendo como vi-gorante a pena prevista para tal dispositivo pela Lei nº 8.635/1993, i.e., reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de CR$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) a Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros) e, em assim sendo, determino que seja aberta vista dos autos ao Ministério Público para pronunciar-se em conformida-de com o artigo 89 da Lei nº 9.099/95. Cumpra-se. Nova Iguaçu, 16 de abril de 2008. MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO JUIZ DE DIREITO5 Sabino, Pedro Augusto Lopes. Proporcionalidade, razoabilidade e direito penal. Disponível na inter-net: www.ibccrim.org.br, 12.11.2003

  • Início
  • Anterior
  • 1
  • 2
  • 3
  • 4
  • Próximo
  • Fim
Página 3 de 4

Decisões

  • Eleitoral
  • Penal
  • Trabalho
  • Administrativo
  • Cível
  • Consumidor
  • COVID-19
  • Povos indígenas e comunidades tradicionais
  • Juros e correção monetária na JT

logo horizontal branco

Reunir institucionalmente magistrados comprometidos com o resgate da cidadania do juiz, por meio de uma participação transformadora na sociedade.

Rua Maria Paula, 36 - 11º andar, Conj.B
Bela Vista, São Paulo-SP, CEP: 01219-904
Tel.: (11) 3242-8018 / Fax.: (11) 3105-3611
juizes@ajd.org.br

 

varidelAssessoria de Imprensa:
Varidel Comunicação

varidel@varidelcomunicacao.com

Aplicativo AJD

O aplicativo da AJD está disponível nas lojas para Android e IOs. Clique abaixo nos links e instale:

google

apple

Juízes para a Democracia © 2019 Todos os direitos reservados.

logo

  • Início
  • Sobre nós
    • Quem somos
    • Estatuto da AJD
    • Aplicativo AJD
  • Notícias
  • Podcasts
  • Documentos
    • Atividades do Conselho
    • Cidadania
    • Voto e Cidadania
  • Decisões
    • Eleitoral
    • Penal
    • Trabalho
    • Administrativo
    • Cível
    • Consumidor
    • COVID-19
    • Povos indígenas e comunidades tradicionais
    • Juros e correção monetária na JT
  • Artigos
  • Publicações
    • Jornal
    • Revista
  • Eventos