Interceptação Telefônica

Autos n.038.07.017396-3.

Interceptação Telefônica/Indiciário

Requerente: Central de Plantão Policial/Ministério Público

VISTOS ...

Trata-se de incidente de interceptação telefônica ajuizado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em detrimento dos investigados S.M.G. e J.A.F.

Justificou, em síntese, que o deferimento da prova afigurava-se essencial para apuração de eventuais crimes contra o patrimônio.

Conclusos os autos, foi a representação deferida. Ulteriormente juntado pedido de prorrogação, igualmente foi deferido.

Procedidas às diligências respectivas, ante a anemia de provas colhidas, pugnou o Ministério Público pelo arquivamento do feito em relação ao investigado J. e ofereceu denúncia contra o investigado S., em parecer lavrado sob os auspícios da Promotora de Justiça, porém rejeitada com o respectivo trânsito em julgado.

É o relato.

Antes de determinar o arquivamente do feito, imprescindível a intimação para ciência dos autos dos investigados que tiveram suas comunicações telefônicas interceptadas.

O sigilo telefônico, conforme expresso dispostivo Constitucional, é direito fundamental do indivíduo, dele não se podendo dispor, somente sendo passível de restrição por ordem judicial, nos casos de investigação criminal ou instrução processual penal. É o que se encontra erigido no art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal.

Lembrado isto, importa ainda não se descurar para o fato de igualmente se constituir como direito fundamental de toda e qualquer pessoa o devido processo legal (art.5º, LIII, da CF), do qual decorrem vários outros, dentre os quais o do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV), bem como a inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV) em apreciar eventuais lesões ou ameaças a direitos.

Vale dizer, o devido processo legal, o verdadeiro contraditório e ampla defesa só podem ser efetivamente exercidos em havendo a prévia ciência da imputação deflagrada, sob pena de se restringir a eficácia dos direitos fundamentos à uma envergadura meramente formal, sem qualquer aplicação fática.

É claro que em sede de inquérito policial, bem como em investigações presididas pelo Ministério Público, o procedimento não é o acusatório, mas sim o inquisitorial, onde o contraditório e a ampla defesa são mitigados. Mas de uma forma ou de outra devido processo legal há e, na medida em que nesta fase houver restrição judicial a algum direito, como o da inviolabilidade das comunicações telefônicas, pelos mesmos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, por óbvio o direito à informação e acesso aos autos pelo investigado resta consolidado.

Não é razoável submeter uma pessoa à violação de sua privacidade e de suas comunicações telefônicas e, após vários atos investigatórios, constatada a ausência de ilicitude, simplesmente mandar arquivar os autos sem que esta mesma pessoa disso tome conhecimento. Seria como se a ficção de George Orwell (1984) se realizasse em sua plenitude no mundo fático.

Sobre o tema, defendendo o contraditório inclusive na fase inquisitorial, assim leciona Rogério Lauria Tucci. in verbis:

"De um modo geral, entendem os processualistas que a tutela judicial eficaz de um direito subjetivo material 'reclama, sempre, a necessidade de informação, consoante as formas traçadas pelas normas processuais, ao titular da antagônica situação, abrangida pela relação jurídica cuja definição é solicitada a agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal'.

"Assim também que essa exigência se concretiza, normalmente, quando o sujeito passivo é informado do aforamento da ação, tomando conhecimento do teor da postulação, a fim de que possa, no tempo e na forma em lei previstos, preparar sua atuação defensiva; isto é, por ocasião da citação válida, cuja finalidade precípua se diversifica em três aspectos, a saber: a) informação sobre o conteúdo do ato introdutório do processo; b) incitação do citando para comparecimento em juízo; e, c) propiciação de atuação judicial pertinente à respectiva defesa, em contradição com as alegações do peticionário.

"(...)

"Isso esclarecido, bem é de ver, outrossim, que, embora generalizados, em princípio, distintos exsurgem tanto os efeitos da citação, como, especialmente, a essencialidade do direito à informação, no processo penal.

"Realmente, no processo extrapenal, particularmente no processo civil, delineia-se satisfatória, com a citação inicial válida, a possibilidade de contraditório; até porque o réu, instado a comparecer e atuar, não tem o dever, mas, apenas, o ônus de defender-se, podendo, consequentemente, o procedimento tramitar à sua inteira revelia.

"(...)

"No processo penal, todavia, o indivíduo tem direito à informação desde o início da persecutio criminis, como apregoa enfaticamente, até a moderna doutrina processual penal.

"(...)

"Atrelado a ela, o legislador constituinte brasileiro, com a proclamada liberalidade na afirmação dos direitos fundamentais, quer individuais, quer sociais, determinou-o, como visto, com todas as letras, ao assegurar aos "acusados em geral" a "ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (cf. o preceituado no já transcrito inc. LV do art. 5.°).

"E essa defesa, segundo precisa observação de José Cretella Júnior, reportando-se ao magistério de Pontes de Miranda, "é a defesa em que há acusado; portanto, a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal, ou administrativo, ou policial".

"E Pontes de Miranda, por sua vez, já intuía, com a sempre louvada genialidade, que a determinação da contraditoriedade da instrução criminal, em nível constitucional, afasta 'qualquer possibilidade de expedientes inquisitoriais, com as características de opressão e conseqüentes parcialidades ou arbitrariedades. Seja judicial, seja judicialiforme, ou perante o juiz, ou perante a polícia, ou perante as autoridades administrativas, a instrução criminal tem de ser, por força da Constituição, contraditória'.

"(...)

"É o que temos repetidamente afirmado, sobrelevando que 'o direito deste à contradiotriedade real assume a natureza de indisponível, dada, precipuamente, a indisponibilidade dos interesse em conflito, de sorte a apresentar-se como autêntica expressão de sua liberdade jurídica, a saber: conferindo-se ao acusado o direito à jurisdição penal, exercido por meio de uma processo no qual se lhe assegure ampla defesa, sobretudo em razão de atividade marcantemente contraditória, efetivada por órgão técnico -, define-se a respectiva defesa como expressão da liberdade jurídica, inerente ao seu status libertatis e, mais especificamente, ao ius litertatis" (in: Direito e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.177-183)(sublinhou-se).

Disso tudo conclui-se, mais uma vez, que o mero arquivamento deste incidente, sem a ciência dos investigados, importaria em veemente cerceamento do direito à informação, sucedâneo do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Ad argumentandum tantum observe-se que o próprio art.9º, parágrafo único, da Lei n.9.296/96, faculta a presença do acusado ou de seu representante legal no que diz respeito à inutilização de gravação que não interessar à prova.

Ex positis:

I-se a acusação sobre esta decisão e após os investigados S.M.G. e J.A.F. sobre este incidente. Caso estejam em local incerto e não sabido, prejudicadas as intimações. Após, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.


Joinville(SC), 22.03.2010.


JOÃO MARCOS BUCH

Juiz de Direito