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DECISÃO - TST condena empresa por racismo devido a estética padrão - Brasília

Jurisprudência: TST condena empresa por racismo devido a estética padrão A C Ó R D Ã O (2ª Turma) I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Demonstrada possível violação dos arts. 186 e 927 do Código Civil, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista . Agravo de instrumento provido . II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL . Consoante se infere do acórdão do Tribunal Regional, a reclamada possui um guia de padronização visual para seus empregados, no qual não constam fotos de nenhum que represente a raça negra. Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada exclusivamente na cor da pele, raça, nacionalidade ou origem étnica pode ser considerada discriminação racial. No caso, a falta de diversidade racial no guia de padronização visual da reclamada é uma forma de discriminação, ainda que indireta, que tem o condão de ferir a dignidade humana e a integridade psíquica dos empregados da raça negra, como no caso da reclamante, que não se sentem representados em seu ambiente laboral. Cumpre destacar que no atual estágio de desenvolvimento de nossa sociedade, toda a forma de discriminação deve ser combatida, notadamente aquela mais sutil de ser detectada em sua natureza, como a discriminação institucional ou estrutural, que ao invés de ser perpetrada por indivíduos, é praticada por instituições, sejam elas privadas ou públicas, de forma intencional ou não, com o poder de afetar negativamente determinado grupo racial. É o que se extrai do caso concreto em exame, quando o guia de padronização visual adotado pela reclamada, ainda que de forma não intencional, deixa de contemplar pessoas da raça negra, tendo efeito negativo sobre os empregados de cor negra, razão pela qual a parte autora faz jus ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Recurso de revista conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1000390-03.2018.5.02.0046 , em que é Recorrente           e Recorrida                   . A Vice-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região denegou seguimento ao recurso de revista interposto pela reclamante. Inconformada, a reclamante interpõe agravo de instrumento, sustentando que seu recurso de revista tinha condições de prosperar. Foram apresentadas contrarrazões e contraminuta . Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, consoante o art. 95, § 2.º, II, do RITST. É o relatório. V O T O 1 – TRANSCENDÊNCIA Admite-se a transcendência social da causa, nos termos do art. 896-A, § 1.º, III, da CLT. 2 – CONHECIMENTO Preenchidos os requisitos legais de admissibilidade, CONHEÇO do agravo de instrumento. 3 – MÉRITO O recurso de revista da reclamante teve seu seguimento denegado pelo juízo primeiro de admissibilidade, aos seguintes fundamentos: ” PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR / INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A E. Turma entendeu, com base no conjunto fático-probatório dos autos, que não houve comprovação da discriminação sofrida pela autora, apta a ensejar a reparação a título de danos morais. Dessa forma, as razões recursais revelam a nítida intenção de revolver o conjunto fático-probatório apresentado, o que não se concebe em sede extraordinária de recurso de revista, a teor do disposto na Súmula 126, da Corte Superior. Ficam afastadas, portanto, as violações apontadas, bem como o dissenso pretoriano. DENEGO seguimento. CONCLUSÃO DENEGO seguimento ao recurso de revista.” A reclamante alega que a discriminação ao empregado negro, com sua sujeição ao alisamento de seu cabelo ou preso, ofende ao princípio da igualdade. Aduz que o guia de padronização, documento institucional da reclamada, tem cunho discriminatório e sem qualquer representatividade. Assevera que o referido documento serviu para que fosse reiteradas vezes advertida, sofrendo atos discriminatórios em razão do uso do cabelo Black Power. Argumenta que o padrão visual preconizado no referido guia privilegia pessoas caucasianas. Sustenta que o Tribunal Regional chancelou a prática discriminatória da reclamada no que se refere à prática da empresa em intervir na forma como o empregado se expressa de algo que lhe é natural, não permitindo que fizesse uso de seu cabelo solto em razão de ser um cabelo crespo. Pugna pela condenação da reclamada ao pagamento de indenização por dano moral. Aponta violação dos arts. 3º, IV, 5º, XLI, da Constituição Federal; 1º da Lei 9.029/95; 1º, I e II, da Lei 12.288/2010; 186 e 927 do Código Civil. O Tribunal Regional manteve a sentença que julgou improcedente o pedido de condenação da reclamada ao pagamento de indenização por dano moral em razão de discriminação racial. De acordo com a Corte de origem, a reclamante não produziu prova de que tenha sofrido discriminação. Constou no acórdão recorrido: “[…] Demonstra a demandante, por meio de fotos, que os empregados de cabelo liso e comprido os utilizavam soltos, não sofrendo qualquer punição por isso, mesmo que estivessem fora dos padrões da empresa. Já a recorrente, a qual possuía cabelo ‘black power’ acima dos ombros, isto é, no padrão da demandada, era obrigada a utilizar tiara, sendo que constantemente a sua supervisora a chamava atenção acerca da maneira que usava seu cabelo. […] O assédio moral é um processo de violência psicológica. Não é agressão gratuita, mas antes serve a algum propósito. O que importa verificar, em cada caso, é se a agressão é continuada, se é grave a ponto de causar perturbação na esfera psíquica daquele trabalhador em especial, se é discriminatória, ou seja, especificamente dirigida e concentrada naquele empregado, e se tem, por fim, algum propósito eticamente reprovável. Deve ser inequivocamente comprovada por quem alega, nos termos do art. 818, I da CLT e art. 373, I do CPC/2015. No presente caso, contudo, entendo que não restou demonstrada a discriminação alegada. O guia de padronização da ré se coaduna com a postura que normalmente é exigida para estabelecimentos de saúde e é majoritariamente ilustrado com croquis. Não vislumbro qualquer conteúdo discriminatório, sendo que os cabelos crespos foram sim contemplados. Restou claro que todos os tipos de cabelos curtos poderiam ser usados soltos, desde que acompanhados de tiara. Logo, não era uma exigência dirigida à demandante. O fato de não haver, no guia, fotos de pessoas negras não demonstra, por si só, discriminação. Embora a falta de representatividade seja uma questão importante e que deva ser enfrentada, não há como obrigar a empresa a alterar seus documentos internos por este motivo, eis que inexiste lei que determine que tais regramentos sejam ilustrados por todas as cores. Ademais, a autora não consta mais do quadro de funcionários da recorrida, não havendo, pois, direito individual a ser tutelado. Outrossim, as fotos de colaboradores de cabelos lisos e compridos soltos também não demonstram discriminação. Isso porque, além de aparentar terem sido tiradas em momento de festa e descontração, tais colaboradores não se encontravam em atendimento a clientes. Também não há informação sobre se referidos empregados foram advertidos após o ocorrido. Fotos fora do contexto não possuem capacidade probatória. Ainda, a alegação de que negras com cabelo estilo “black power” não poderiam trabalhar na recepção não se sustenta, caso contrário, a recorrente sequer teria sido contratada para tal função. No que tange à apuração dos fatos pela ré é certo que a mesma somente veio a ter conhecimento das denúncias da autora após o desligamento desta, por meio de redes sociais. Não havia procedimento administrativo em aberto, já que este logicamente dependia de iniciativa da vítima ou de denúncia de terceiros. Sem informações sobre o ocorrido, não havia mesmo como a empregadora apurar os fatos e resolver o problema. Ademais, a recorrente não produziu quaisquer provas orais que pudessem comprovar a sua narrativa, quais sejam, as ameaças de seus superiores hierárquicos e, ainda, a discriminação sofrida. Assim, não obstante a extensa argumentação da recorrente, o conjunto fático probatório não foi suficiente para comprovar a alegação de assédio moral. Por tais motivos, desprovejo.” No atual momento histórico dos direitos humanos, o princípio da não discriminação, ganha especial proteção, tanto no plano internacional quanto no plano interno brasileiro. No plano internacional, como fonte costumeira de Direito Internacional, com força vinculante, temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que dispõe, em seu artigo 2º: “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma , nomeadamente de raça , de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.” Ainda no plano da ONU, datada do ano de 1965, temos a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que, em seu artigo 1º , conceitua discriminação racial como: “Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundadas na raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por fim ou efeito anular ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos domínios político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.” Tal convenção foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Presidencial 65.810/1969. Ainda no plano internacional, como parte integrante das Nações Unidas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) atua na defesa dos princípios e direitos fundamentais no trabalho, tendo combatido a discriminação em matéria de emprego e ocupação. No âmbito da OIT, destaca-se a Convenção 111, que também, em seu artigo 1º, conceitua discriminação como: “a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;” No plano interno brasileiro, o princípio da não discriminação encontra fundamento inicial na Constituição Federal, ao prever: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: […] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” No âmbito infraconstitucional, a Lei 9.029/95 proíbe a adoção de práticas discriminatórias, seja para efeitos admissionais ou para permanência no emprego. Dispõe o art. 1º: “É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.” De outra parte, o Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei 12.288/2010, tem como objetivo garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica (art. 1º), considerando como discriminação racial: “Toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;” (art. 1º, I) Pois bem, fixado o arcabouço jurídico de proteção da igualdade racial, passa-se ao exame do caso concreto. Consoante se infere do acórdão do Tribunal Regional, a reclamada possui um guia de padronização visual para seus empregados, no qual não constam fotos de nenhum que represente a raça negra. Como visto acima, qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada exclusivamente na cor da pele, raça, nacionalidade ou origem étnica pode ser considerada discriminação racial. No caso, a falta de diversidade racial no guia de padronização visual da reclamada é uma forma de discriminação, ainda que indireta, que tem o condão de ferir a dignidade humana e a integridade psíquica dos empregados da raça negra, como no caso da reclamante, que não se sentem representados em seu ambiente laboral. Cumpre destacar que no atual estágio de desenvolvimento de nossa sociedade, toda a forma de discriminação deve ser combatida, notadamente aquela mais sutil de ser detectada em sua natureza, como a discriminação institucional ou estrutural, que ao invés de ser perpetrada por indivíduos, é praticada por instituições, sejam elas privadas ou públicas, de forma intencional ou não, com o poder de afetar negativamente determinado grupo racial. É o que se extrai do caso concreto em exame, quando o guia de padronização visual adotado pela reclamada, ainda que de forma não intencional, deixa de contemplar pessoas da raça negra, tendo efeito negativo sobre os empregados de cor negra, razão pela qual a parte autora faz jus ao pagamento de indenização por danos morais. Considerando a realidade econômica das partes, o grau de dano, a culpa da reclamada, conclui-se que o valor da indenização por danos morais, no importe de R$ 10.000,00 é adequado, por atender ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade. Assim, por possível violação do arts. 186 e 927 do Código Civil, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista, a reautuação dos autos e a intimação das partes e dos interessados para seu julgamento, nos termos dos arts. 935 do CPC e 122 do RITST. II – RECURSO DE REVISTA 1 – CONHECIMENTO Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passa-se ao exame dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista. 1.1 – DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL Consoante os fundamentos lançados quando do exame do agravo de instrumento e aqui reiterados, CONHEÇO do recurso de revista por violação dos arts. 186 e 927 do Código Civil. 2 – MÉRITO 2.1 – DISCRIMINAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL Conhecido por violação dos arts. 186 e 927 do Código Civil, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista para julgar procedente a reclamação trabalhista, condenando a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Invertidos os ônus da sucumbência, custas a cargo da reclamada no importe de R$ 200,00. Honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, nos termos do art. 791-A da CLT. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, I) por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, por possível violação dos arts. 186 e 927 do Código Civil, determinando o processamento do recurso de revista, a reautuação dos autos e a intimação das partes e dos interessados para seu julgamento, nos termos dos arts. 935 do CPC e 122 do RITST; II) por maioria, conhecer do recurso de revista, por violação dos arts. 186 e 927 do Código Civil, e, no mérito, dar-lhe provimento para julgar procedente a reclamação trabalhista, condenando a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Invertidos os ônus da sucumbência, custas a cargo da reclamada no importe de R$ 200,00. Honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, nos termos do art. 791-A da CLT. Vencido o Exmo. Ministro José Roberto Freire Pimenta que não conhecia do recurso. Brasília, 11 de novembro de 2020. Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) DELAÍDE MIRANDA ARANTES Ministra Relatora  

DECISÃO - Dispensa discriminatória, tranças afro - MG

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 03ª REGIÃO 2ª Vara do Trabalho de Nova Lima ATSum 0010433-49.2020.5.03.0165 AUTOR: KARINA CARLA DA CONCEICAO RÉU: ANGIOSOMA SERVICOS MEDICOS, BIANCA LORENA NUNES LADEIA 06428379619 SENTENÇA         – RELATÓRIO       Dispensado o relatório, nos termos do art. 852-I da CLT. – FUNDAMENTAÇÃO       LEGITIMIDADE PASSIVA   As condições da ação devem ser analisadas abstratamente, tomando-se como verdadeiras as alegações contidas na Inicial (teoria da asserção). No caso dos autos, há correspondência entre as partes e os sujeitos da relação jurídica narrada na petição inicial (pertinência subjetiva), não se podendo cogitar em ilegitimidade passiva. Eventual responsabilidade da segunda reclamada será analisada no mérito. Rejeito. LICITUDE DA GRAVAÇÃO TELEFÔNICA   As rés impugnaram a legalidade das gravações apresentadas pela autora, mas não o seu conteúdo.   Ocorre que a gravação telefônica produzida por um dos interlocutores, mesmo sem o consentimento ou ciência do outro, chamada de gravação clandestina, como no caso dos autos, é prova lícita, desde que o conteúdo não esteja protegido pelo sigilo e não haja ofensa à privacidade dos interlocutores. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a licitude da prova obtida por meio de gravações clandestinas para a defesa de bem jurídico próprio da parte que a produziu: HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL POR UM DOS INTERLOCUTORES. ILICITUDE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. REPORTAGEM LEVADA AO AR POR EMISSORA DE TELEVISÃO. NOTITIA CRIMINIS. DEVER-PODER DE INVESTIGAR.   Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico. O conteúdo da reportagem representou notitia criminis, compelindo as autoridades ao exercício do dever-poder de investigar, sob pena de prevaricação. A ordem cronológica dos fatos evidencia que as provas, consistentes nos depoimentos das testemunhas e no interrogatório do paciente, foram produzidas em decorrência da notitia criminis e antes da juntada da fita nos autos do processo de sindicância que embasou o Inquérito Policial Militar. A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público. PR. HC 87341 Rel: Min. EROS GRAU Julgamento:07/02/2006, Primeira Turma. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM INTERLOCUTOR SEM CONHECIMENTO DOS OUTROS: CONSTITUCIONALIDADE. AUSENTE CAUSA LEGAL DE SIGILO DO CONTEÚDO DO DIÁLOGO. PRECEDENTES.   A gravação ambiental meramente clandestina, realizada por um dos interlocutores, não se confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de jurisdição. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação. Precedentes. Agravo regimental desprovido - AI." 560223 AgR, Rel: Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 12/04/2011, Segunda Turma. Em vista disso, reputo válidas as provas obtidas por meio da gravação realizada pela reclamante E não há que se falar em violação aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, uma vez que as reclamadas tiveram vista do conteúdo da gravação e, como dito, não impugnaram o seu teor, tampouco produziram prova que a desqualificasse. Logo, não havendo prejuízo à defesa das rés, não há que se falar em nulidade. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL   Afirmou a reclamante que a primeira reclamada, empregadora, mantinha contrato com a segunda ré para orientação quanto a vestimentas dos empregados (dress code), forma de atendimento aos clientes finais, imagem, entre outros aspectos; que, ao retornar de férias, sua superior imediata, proprietária da primeira ré (clínica médica), ao verificar que a demandante havia feito tranças afro no cabelo, decidiu fotografar a trabalhadora e levar a imagem ao conhecimento da segunda reclamada para que esta verificasse a adequação da mudança de visual; que a segunda requerida, em ligação telefônica para a autora, com o conhecimento da empregadora, teria constrangido a demandante a retirar as tranças ao argumento de que o visual não combinaria com a imagem da primeira reclamada; que se negou a atender à solicitação da segunda ré; que, dias depois, foi dispensada sem justa causa; que a dispensa foi discriminatória, em retaliação à recusa da demandante; que, na mesma ligação telefônica, a segunda ré demonstrou ter conhecimento da ajuda que a primeira ré prestou à autora em um tratamento capilar, o que a reclamante avaliou como exposição indevida. Ao se defender, a primeira reclamada sustentou que a dispensa da autora ocorreu em razão da drástica queda de movimentação da clínica médica; que a autora sempre   foi valorizada e elogiada pela empregadora; que a conversa mantida com a segunda reclamada ocorreu em caráter privado; que não houve determinação para que a reclamante alisasse os cabelos; que a empresa não causou à autora, direta ou indiretamente, nenhum dano moral. Já a segunda reclamada, em sua defesa, argumentou que a autora não foi vítima de tratamento discriminatório; que solicitou apenas que a autora fizesse um penteado formal; que a dispensa da trabalhadora ocorreu em razão de dificuldades da primeira ré, após pandemia do novo coronavírus; que soube pela própria autora, e não por terceiros, a respeito do tratamento capilar. Como se vê, a reclamante apresenta três causas de pedir para a pretensão indenizatória: a) determinação das reclamadas para que ela retirasse suas tranças; b) dispensa discriminatória em razão da recusa em proceder à mudança de visual; c) exposição a que a empregadora teria submetido a demandante ao relatar à segunda reclamada o tratamento capilar que teria custeado para a trabalhadora. Para melhor elucidação dos fatos, transcrevo os seguintes trechos da gravação telefônica de ID. 648a54d: é muito informal para sua profissão, sabe Karina, principalmente no padrão da clínica da Lívia, com os clientes que a gente atende, com a imagem com a imagem da clínica precisa ter mesmo. Não dá para você trabalhar com ele, fica muito informal mesmo, sabe, tem até uns penteados, alguns cortes de cabelo que de fato é dress code de empresa muito   casual, muito informal, não se enquadra tipo em banco, clínica médica, essas coisas. E aí   o que eu falei com a Lívia, que a gente pode fazer para facilitar para vocês, é… Eu vou mandar a Carol aí amanhã, pra poder te ensinar a fazer uns coques, algumas coisas pro  dia a dia. (...) Tá, e aí como que faz, cê mesmo que tira, como que faz pro cê tirar? (...)   Não, mas não faz parte do dress code da empresa Karina, eu não tenho, é igual trabalhar em banco, eu não posso trabalhar em banco e trabalhar do jeito que eu quero. A Lívia ela não pode trabalhar de calça jeans, a Lívia é a dona da empresa, a médica, se um dia ela quiser ir trabalhar de calça jeans ela não pode, são dress code de organizações. E o dress code de uma clínica médica. (...) Existem duas coisas muito distintas, uma coisa chama estilo e outra coisa chama dress code, a pessoa pode ter o estilo que ela quiser, mas a partir do momento que ela tem um trabalho e o trabalho dela tem o dress code Corporativo formal, ela precisa se enquadrar nisso ou então não tem como ela trabalhar. (...) Então, eu não consigo que as recepcionistas trabalhem com o cabelo que não seja formal. Um cabelo formal não está incluído um cabelo liso, alisado, um cabelo formal é um cabelo formal. (...) Quando eu te dou a opção, eu vou mandar uma pessoa pra te ensinar, é exatamente isso que eu estou te falando. Quando eu te dou a opção de se enquadrar no dress code da minha empresa, te dou uniforme, não te dou? Da mesma forma eu vou mandar uma  pessoa aí para te ensinar como que o seu cabelo tem que tá adequado para o dress code Corporativo da empresa. (...) Mas, se precisar a gente pode ver com a Lívia, porque a Lívia inclusive pagou mesmo para você tratar do seu cabelo, você foi na dermatologista... (...) Você não vai ter nenhum custo, Karina, você está trabalhando, eu sou da equipe da empresa e agora nesse momento você está trabalhando comigo...e você... (...) A Lívia tá aqui comigo Karina. (...) Não são dicas, são normas, Karina. São Normas. A partir da leitura da transcrição, verifico que, com a autorização da empregadora, cuja vontade a segunda reclamada representou no momento da conversa telefônica, houve uma solicitação para que a autora retirasse suas tranças e utilizasse um penteado mais formal e, supostamente, mais adequado ao ambiente de trabalho. Ocorre que não há nos autos nenhum elemento de convicção que indique que as tranças da demandante fossem, de algum modo, impróprias para utilização no local onde a atividade profissional era exercida. Aliás, sequer foi juntada imagem da trabalhadora com as tranças que causaram o constrangimento perpetrado pelas rés, embora a segunda requerida, em seu depoimento pessoal, tenha dito que “as tranças da reclamante eram em castanho dourado e organizado de forma bem informal”. Nesse ponto, destaco que os documentos de ID 3649e42, ID c1fa76b e ID b1d303a não estabelecem que o visual eleito pela trabalhadora estaria excluído do d ress code da empresa, o que leva este magistrado a concluir que a percepção das reclamadas   decorre, exclusivamente, da ideia equivocada de que as tranças da autora representariam um recurso estético informal, moderno e urbano e que, por tais razões, destoariam do ambiente corporativo. De acordo com Lage e Souza (2016, p. 3), Para tentar compreender a centralidade do cabelo para a identidade negra e para os povos de origem africana dispersos pela diáspora, (...) é necessário fazê-la através da visão de mundo africana, onde ao longo dos séculos o cabelo teve um significado espiritual, social, cultural e estético, sendo incluído como parte do sistema de linguagem e comunicação dos povos africanos. Com o processo de colonização da América e o distanciamento do padrão de beleza europeu, os homens negros tinham os cabelos raspados ou usavam perucas e  as mulheres o cobriam com panos (...). Após séculos de escravidão, marcados pela perseguição e opressão, os povos de origem africana começam a acreditar que ter uma pele clara e um cabelo liso iriam ajudá-los a alcançar a mobilidade econômica e social. (...) de maneira recriada e ressignificada, a força simbólica do cabelo para os africanos foi repassada aos seus descendentes, de modo que é possível identificar práticas cotidianas que atendem a essa prática cultural, como as tranças, os dreads e penteados usados pela juventude (...). Por fim, torna-se evidente que assumir o cabelo afro é um ato político de resistência às forças opressoras e desfavoráveis que os inferiorizam. No mesmo sentido, Santos (2013, p. 30). esclarece que (...) as manipulações corpóreas realizadas sobre o cabelo por negros (as) fazem parte da memória coletiva afro-brasileira, seja com o uso de procedimentos como o famoso pente quente ou com as “afirmativas” tranças e outros penteados “afro”. Não são processos “novos” de comportamento estético contra o padrão hegemônico branco ocidental, tem  suas raízes em uma memória “ancestral”. Na realidade, são processos de comportamentos estéticos que viveram sobre forte opressão colonial/racial. Pois não foi nada fácil para os grupos africanos manterem parte de seus valores culturais no território brasileiro, principalmente alguns símbolos étnicos aplicados aos cabelos. (...) Ainda de acordo com Santos (2013, p. 34 e 35), Ao nos remetermos sobre os usos estéticos dados aos cabelos pelos negros (as) são recorrentes as figuras de mulheres e homens que manipulam os cabelos dando inúmeras formas, principalmente as formas de tranças (presas às raízes ou soltas). Percebemos que as tranças fazem parte dos patrimônios históricos deixados em nosso cotidiano pelos nossos ancestrais africanos. (...) a trança é um dos primeiros penteados utilizados pelas crianças negras na infância, principalmente para se apresentarem no ambiente escolar e posteriormente utilizadas na fase adulta por mulheres negras que buscam reconciliação e aceitação com seus fios crespos. Fazer e usar tranças não são nenhuma novidade nos espaços de sociabilidade negros. A trança é sempre um recurso estético, podendo conter vários sentidos desde esconder, camuflar e expressar identidade através dos cabelos.  Seus significados podem ser muitos, mas o seu uso é histórico. Mesmo passando por tantas formas de opressões, os grupos descendentes de africanos não abandonaram ou   as esqueceram como recurso estético, sempre nos foi possível encontrar pessoas negras de cabelos trançados. (...) Por fim, Carvalho (2015, p. 34) explica que As mulheres negras que trançam o cabelo hoje, não o fazem mais como exercício de submissão estética, mas sim, rompem com essa submissão que subjugava seus corpos e passam a trançar o cabelo usando modelos remetentes da cultura africana, da ancestralidade do continente Berço da Humanidade. “Em torno da manipulação do corpo e do cabelo do negro existe uma vasta história. Uma história ancestral e uma memória”. (...)   O cabelo da mulher negra passa a servir como instrumento de contestação da opressão sofrida ao longo da história, seja o cabelo crespo, seja o cabelo trançado, seja mesmo o cabelo alisado, a mulher negra cada vez mais assume o seu papel de buscar uma identidade negra, claro que o cabelo crespo tem uma representatividade muito maior da negritude, estampando em seus estilos de penteados toda a ancestralidade que a mulher negra traz consigo. As tranças afro, portanto, constituem-se em relevante símbolo de ancestralidade para grande parte das mulheres negras e compõem um conjunto de recursos estéticos utilizados há muito tempo, mas que, atualmente, tendem a repercutir de forma muito significativa na afirmação da imagem dessas mulheres e no processo de (re) construção da sua autoestima. Dessa constatação, deflui o indiscutível valor histórico e cultural dos cabelos trançados à moda africana, sem prejuízo do significado individual. Como se vê, uma análise sociológica do tema trazido ao conhecimento deste Juízo afasta a validade da alegação das reclamadas no sentido de que o uso das tranças seria incompatível com a formalidade do ambiente de trabalho. O tratamento dado ao tema pela empregadora parte de um raciocínio reducionista e que carrega uma visão muito distorcida da nossa sociedade, tão plural quanto complexa em sua identidade. A conduta da primeira reclamada, assim, contribuiu para um processo de silenciamento e invisibilidade dos signos que se articulam em torno da afirmação da pessoa negra, com o qual o Poder Judiciário, cujo papel contramajoritário desafia uma resposta firme em busca da concretização dos direitos fundamentais em sua conformação mais ampla, não pode compactuar (artigo 1º, IV, da CRFB). Cumpre assinalar que o chamado racismo institucional, embora comum, tem sua verificação muitas vezes dificultada em decorrência de um discurso antirracista absolutamente incompatível com a prática. Assim, o acesso, a permanência ou a ascensão da pessoa negra nas instituições (públicas ou privadas) são, não raro, mais penosos do que para o indivíduo branco, sem que tal circunstância seja explicitamente demonstrada. Parece-me que a situação no caso concreto é reveladora dessa prática: a reclamada negou a conduta preconceituosa, afirmou em diversas passagens da defesa o seu bom relacionamento com a autora, tendo, inclusive, apresentado várias postagens em redes sociais que explicitariam a excelente convivência com a demandante, mas, quando afrontada pela identidade visual da trabalhadora, que decidiu valer-se de um recurso estético que reforçava sua identidade negra, a empregadora entendeu que a imagem da demandante não mais se adequava ao ambiente organizacional e dispensou-a. Este magistrado reconhece que os reflexos econômicos da pandemia podem ter levado a empregadora a decidir pela redução do seu já enxuto quadro de pessoal, como destacou a testemunha Luiz Gustavo Cruz. Todavia, está claro que a sua escolha pela dispensa da autora teve ao menos como concausa a recusa da trabalhadora em modificar o visual. Isso porque a sobredita ligação telefônica ocorreu em 14/04/2020, conforme esclarecido pela primeira ré em seu depoimento, e o encerramento do contrato se deu no dia 20/04/2020 (ID. c861774), ou seja, menos de uma semana depois. Reforça esse raciocínio a declaração da segunda reclamada, que, agindo como preposta da primeira, durante a ligação telefônica, afirmou que “a pessoa pode ter o estilo que ela quiser, mas a partir do momento que ela tem um trabalho e o   trabalho dela tem o Dress Code Corporativo formal, ela precisa se enquadrarnisso ou então não tem como ela trabalhar”.   A inadequação que a primeira reclamada percebeu nas tranças da trabalhadora traduzem uma perspectiva de desajuste quanto ao modo de ser e de existir da pessoa negra,   que deveria, assim, abster-se de revelar seus símbolos de autoafirmação em benefício de uma pretensa padronização aos modelos impostos pelo grupo que reclama e exerce a hegemonia cultural. Todavia, nem sempre essas relações estão explicitamente reveladas nos discursos. Na maioria das vezes, especialmente numa sociedade que acredita viver uma democracia racial, é necessário ir a fundo nas condutas para que seja possível compreender as motivações implícitas e, sobretudo, as consequências dessas ações. Quando estas são esquadrinhas e as intenções subjacentes reveladas, constata-se que o racismo é um problema presente no “DNA” da sociedade, ou seja, ele se projeta por toda a estrutura de relações que formam as instituições (família, igreja, empresas, partidos políticos etc.). A escravidão no Brasil, que delimitava a pessoa negra como inferior à pessoa branca, atribuindo-lhe a feição de peça passível de compra e venda, ainda repercute na maneira como a sociedade se comporta. Essa noção de inferioridade cristalizou-se de tal maneira no pensamento coletivo que o negro e todos os signos que o individualizam e distinguem tendem a ser vistos como feios, sujos e inapropriados. Essa impressão se estende inclusive ao cabelo (e  às tranças). Um outro fator que ressalta a maneira estrutural como racismo se apresenta é           a interseccionalidade com a condição financeira do sujeito negro. A articulação da opressão  racial com a de classe resulta na verificação de que o negro, em regra mais pobre do que   branco, é duplamente inferior. Tal circunstância reforça a visão de subalternidade que se espraia por diversos aspectos da experiência da pessoa negra, relegando-a a um espaço de desprezo, objetificação e exclusão. Sobre a temática em análise, expõe Almeida (2018, p. 38 e 39) que (...) o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal”  com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição. Nesse caso, além de medidas que coíba, o racismo individual e institucionalmente, torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas. (...) Almeida (2018, p. 40) ainda esclarece que pensar o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas. Pelo contrário: entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna   ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas. Consciente de que o racismo é parte da estrutura social e, por isso, não necessita de intenção para se manifestar, por mais que calar-se diante do racismo não faça do indivíduo moral e/ou juridicamente culpado ou responsável, certamente o silencia o torna ética e politicamente responsável pela manutenção do racismo. A mudança da sociedade não se faz apenas  com denúncias vazias ou o repúdio moral do racismo: depende, antes de tido, da tomada  de posturas e da adoção de práticas antirracistas. Posta a questão nesses termos, entendo que o dano moral decorre do ultraje à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Por resultar da lesão a direito da personalidade (artigos 11 e seguintes do Código Civil), relaciona-se com a dor, a humilhação e o dissabor experimentado (ou que se presume tenha sido suportado) pela vítima. A compensação pecuniária, em tais hipóteses, submete-se, via de regra, aos requisitos da responsabilidade aquiliana (artigos 186 e 927, do CC), quais sejam: a) ato ilícito voluntário, omissivo ou comissivo do agente; b) dano experimentado; c) nexo causal entre a conduta e o dano; d) culpa do agente. Destaco que a dignidade humana é o epicentro da valoração jurídica emprestada ao conjunto de valores morais do indivíduo, de modo que, violada a esfera psíquica de uma pessoa por ato culposo de alguém, desrespeita-se, como consequência, a sua própria dignidade. Assim, é inadmissível que tais violações sofram restrições legislativas que obstem a ampla e integral reparação do dano causado, nos termos do que estabelece o artigo 5º, V e X da Constituição da República, sob pena de violação ao artigo 1º, III, da CRFB. Nessa linha de raciocínio, aliás, o Supremo Tribunal Federal, na decisão proferida na ADPF 130/DF, julgou procedente a ação para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa), aí incluídos os artigos 51 e 52, que estabeleciam, respectivamente, limites à responsabilidade civil do jornalista profissional e da empresa que explora o meio de informação ou divulgação. Reconheço, pois, de plano, a inconstitucionalidade do disposto no artigo 223-G, 1º, §2º e §3º, da CLT, por violação aos artigos 1º, III e 5º, V e X, todos da CRFB. No caso dos autos, tenho que a primeira reclamada cometeu ato ilícito. Isso porque é discriminatória a dispensa que se funda em concepções preconceituosas, geralmente incutidas no subjetivo do empregador, relacionadas à condição pessoal do trabalhador, que não poderiam, de qualquer modo, autorizar a pretensão patronal de alijar a obreira do exercício de  sua atividade profissional. Tal prática está calcada, não raro, em ideias preconcebidas e de forte matiz cultural. Em decorrência da positivação, como direito social, do princípio da isonomia nas relações de trabalho (artigo 7º, XXX a XXXII da CRFB), são nulas as dispensas que, de qualquer forma, resultem na segregação do empregado em decorrência de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade (Lei 9.029/1995).A respeito da matéria, o Brasil ratificou a Convenção nº 111 da OIT (Decreto nº 62.150/1968), que, em seu artigo 1º define como discriminaçãoToda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissãoAdemais, a Lei 9.029/1995 proíbe a adoção de medidas que visem a constranger o trabalhador, limitando o seu acesso ao emprego, a partir da consideração de fatores exógenos relacionados à expressão da sua   personalidade.A legislação brasileira não exige a intenção no agir, o que significa que mesmo as condutas de discriminação indireta são vedadas pelo ordenamento jurídico.De outro lado, tenho que a autora não demonstrou que foi a primeira reclamada quem revelou à segunda ré o tratamento capilar que a demandante estava realizando e que a empregadora custeou. De toda sorte, ainda que tal circunstância tivesse sido demonstrada, não haveria que se cogitar em ato ilícito, seja porque o fato realmente ocorreu, seja porque não teria havido lesão à honra da trabalhadora pelo simples fato de tal auxílio de ter sido noticiado pela primeira ré à segunda. Assim, considerando a natureza do bem jurídico tutelado (princípio constitucional da igualdade, do qual decorre a obrigação de não discriminação) a intensidade do sofrimento ou da humilhação (presumivelmente elevada – dano in re ipsa), a possibilidade de superação física ou psicológica (existente); os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão (a autora foi dispensada); a extensão e a duração dos efeitos da ofensa (não definidas); as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral (durante o contrato de trabalho); o grau de dolo ou culpa (houve intenção de agir, cuja gravidade é majorada pela discriminação de natureza racial); a ocorrência de retratação espontânea (não houve); o esforço efetivo para minimizar a ofensa (não houve); o perdão, tácito ou expresso (não houve); a situação social e econômica das partes envolvidas e o grau de publicidade da ofensa (a ofensa envolveu apenas a autora e as rés), condeno a primeira reclamada a pagar à autora indenização por dano moral no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). PUBLICAÇÃO EM JORNAL   A reclamante requer sejam as reclamadas condenadas a publicar nota em jornal de grande circulação para retratação pública da atitude discriminatória. Conforme esclarecido no tópico anterior, o constrangimento sofrido pela autora ocorreu no âmbito restrito da relação de trabalho, sem publicidade, de modo que a pretensão da trabalhadora é desproporcional e, portanto, descabida. Julgo improcedente o pedido. RESPONSABILIDADE DA segunda RECLAMADA   A segunda reclamada agiu como preposta da primeira ré ao solicitar à demandante que retirasse suas tranças. Logo, a responsabilidade pelo pagamento da parcela é exclusivamente da primeira ré (artigo 932, III, do Código Civil). Julgo improcedente o pedido.   JUSTIÇA GRATUITA   A trabalhadora apresentou declaração de hipossuficiência financeira e requereu  a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Consoante dispõe o artigo o artigo 99, parágrafo 3º, do CPC, e o artigo 1º da Lei 7.115/83 - aplicáveis a todos os litigantes que buscam tutela jurisdicional do Estado (artigo 769 da CLT e 15 do CPC/2015 e Súmula 463 do C. TST), inclusive aos litigantes da Justiça do Trabalho, em sua maioria trabalhadores, sob pena de inconstitucional restrição ao acesso à justiça (art. 5º, LXXIV, da CF), caso prevaleça entendimento diverso -, a declaração do obreiro é dotada de presunção de veracidade, que não foi rechaçada por evidência em sentido contrário. Rejeito a impugnação das rés e defiro os benefícios da Justiça Gratuita, independentemente do valor do salário da reclamante. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS   Tendo em vista o zelo profissional apresentado pelo patrono da reclamante na condução do processo, o lugar da prestação dos serviços, a natureza e a importância da causa, bem como o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (artigo 791- A, incisos I a IV da CLT), fixo os honorários de sucumbência, a serem pagos pela primeira ré em benefício do procurador da autora, no total equivalente a 10% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença (artigo 791-A, caput, da CLT). Considerando que a sucumbência da autora em face da primeira ré restringe-se ao pedido “c” (ID. 0bf0a1a - Pág. 10), que, todavia, não tem expressão econômica, arbitro os honorários devidos ao procurador da primeira reclamada no valor de R$ 300,00, na forma do artigo 85, §8º, do CPC. Observados os critérios estabelecidos no artigo 791-A, incisos I a IV da CLT, condeno a reclamante no pagamento de honorários equivalentes a 5% sobre o valor atualizado da causa em benefício do advogado da segunda reclamada. Fixados os honorários, constato que a reclamante é beneficiária da justiça gratuita. Estabelece o artigo 790-B, §4º, da CLT, que somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar o pagamento dos honorários periciais, ainda que em outro processo, é que a União responderá  pelo encargo. Já o artigo 791-A, §4º, da CLT, ao tratar dos honorários advocatícios, dispõe que  as obrigações decorrentes da sucumbência do trabalhador ficarão sob condição suspensiva de   exigibilidade. Todavia, também de acordo com o dispositivo legal, caso o obreiro tenha obtido em Juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, os honorários de sucumbência serão imediatamente deduzidos das parcelas que lhe são devidas. Sob minha ótica, a possibilidade de utilização dos créditos trabalhistas para o pagamento de honorários advocatícios devidos pelo reclamante à parte contrária e/ou honorários periciais é flagrantemente inconstitucional, por violação ao disposto no artigo 5º, LXXIV, da  CRFB, que garante a prestação de assistência judiciária integral e gratuita àqueles que não têm recursos para custear as despesas do processo, sendo inviável presumir que o simples reconhecimento do direito do trabalhador em Juízo resulta na modificação da sua situação econômica, especialmente quando os valores objetos da condenação, caso pagos, não representarão acréscimo patrimonial significativo. E não é só. A Lei 13.467/2017, no ponto em que autorizou a dedução dos honorários advocatícios/periciais com a utilização, para tal fim, de créditos devidos ao trabalhador, criou regramento mais severo do que aquele estabelecido no Código de Processo Civil, o qual, em seu artigo 98, §3º, limita-se a dispor que, vencido o beneficiário da justiça gratuita, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade, por prazo determinado. A alteração legislativa, portanto, viola o princípio da isonomia (artigo 5º da  CRFB), pois indica que o beneficiário da justiça gratuita que se socorre desta Justiça Especializada é, em termos processuais, carecedor de menor respaldo jurídico do que aquele  que se vale da jurisdição comum. A novidade legislativa é, portanto, carregada de preconceito, seja com relação ao trabalhador (geralmente a quem se destina o benefício da justiça gratuita), via de regra pessoa pobre e desempregada, e à própria Justiça do Trabalho, espaço constitucional legítimo para o conhecimento e julgamento dos litígios que envolvem as relações de labor e que, não raras vezes, revela-se a derradeira tentativa do trabalhador de ver reconhecido o seu direito a prestações básicas, como é o caso do pagamento de verbas rescisórias. Autorizar que o destinatário do benefício da justiça gratuita seja instado a adimplir os honorários advocatícios de sucumbência/periciais com os créditos decorrentes da condenação judicial, enquanto na esfera da jurisdição civil comum, por exemplo, um consumidor inconformado com a falha de um serviço ou produto, ou uma pessoa física que busca uma revisão de contrato bancário – todas pretensões absolutamente legítimas, ao menos em abstrato – não terão a mesma obrigação processual, significa o mesmo que dizer ao titular da pretensão trabalhista que o risco de demandar nessa seara especializada é muito maior do que na Justiça Comum e que, portanto, o seu acesso ao Judiciário é mais restrito, quando comparado ao de alguém que busca o reconhecimento dos seus direitos no fórum da Justiça Estadual. Ocorre que admitir essa contradição equivale a reconhecer também que as demandas trabalhistas não têm   enorme relevância social na concretização de direitos fundamentais e na promoção da dignidade humana como vetor conducente do Estado Democrático de Direito, o que é um absurdo. Significa igualmente assentir com a ideia equivocada de que os abusos processuais cometidos por trabalhadores e empregadores na Justiça do Trabalho – abusos esses que existem em todas as esferas judiciais – devem ser penalizados por meio da redução do acesso à Justiça, o que é indiscutivelmente equivocado do ponto de vista constitucional. Abusos devem sim ser coibidos,  no entanto, valendo-se o magistrado dos meios processuais disponíveis, como é o caso da multa por litigância de má-fé. Ou seja, a punição deve ocorrer a partir do caso concreto, e não abstratamente, reduzindo o alcance da parte necessitada ao Judiciário Trabalhista. Nesse sentido, o Enunciado nº 100 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho organizado pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA). Ante o exposto, declaro inconstitucionais os artigos 790-B, §4º e 791-A, §4º,  todos da CLT, no ponto em que autorizam a dedução dos créditos trabalhistas, inclusive reconhecidos em outro processo, para pagamento dos honorários de sucumbência e periciais. Desse modo, as obrigações decorrentes da sucumbência da autora ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. COMPENSAÇÃO/DEDUÇÃO   A compensação pressupõe a recíproca existência de créditos e débitos de natureza trabalhista (art. 368 e seguintes do Código Civil e Súmula nº 18 do TST), o que não é o caso dos autos. De outro lado, registro não haver nenhuma parcela passível de dedução, dentre aquelas reconhecidas como devidas nesta sentença. OFÍCIOS   A expedição de ofício ao INSS, CEF e DRT não se justifica. Indefiro o pedido. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS   Em liminar proferida nos autos da ADC 58-DF, em 27/06/2020, o Ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos artigos 879, § 7º e 899, § 4º da CLT, com a redação dada pela Lei 13.467/201. Em nova decisão monocrática exarada em 01/07/2020, também nos autos da ADC 58, o Ministro esclareceu que o “que se obsta é a prática de atos judiciais tendentes a fazer incidir o índice IPCA-E como fator de correção monetária aplicável em substituição à aplicação  da TR” e que “a suspensão nacional determinada não impede o regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção”. Consequentemente, determino que a correção monetária observe a aplicação da TR, cuja aplicação é incontroversa, até o pronunciamento final do STF quando à matéria, garantindo-se a posterior apuração de diferenças decorrentes da aplicação exclusiva do IPCA-E, se o STF, no julgamento da mencionada ADC 58, assim entender. Ademais, a correção monetária incidirá a partir da época própria do vencimento de cada parcela, observando-se, em regra, a diretriz da Súmula 381 do TST. Juros simples de 1% ao mês, nos termos da Lei 8.177/91, incidentes desde ajuizamento da ação (art. 883 da CLT) e calculados sobre o importe já corrigido monetariamente (Súmula nº 200 do TST). Observe-se, no que couber, a incidência da Súmula nº 439 do TST, bem como  da OJ nº 302 da SbDI-I, também do TST, e da Súmula nº 15 do TRT 3. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E FISCAIS   Para fins do disposto no art. 832, §3º, da CLT, declaro que todas as parcelas reconhecidas como devidas nesta sentença têm natureza indenizatória – DISPOSITIVO   Ante o exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, propriamente dito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos por KARIN   A CARLA DA CONCEIÇÃO em desfavor de ANGIOSOMA SERVIÇOS MÉDICOS, para   condenar a ré a pagar à autora o valor R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de indenização por dano moral. Improcedentes os demais pedidos, inclusive os que foram deduzidos em desfavor de BIANCA LORENA NUNES LADEIA. Juros, correção monetária e demais critérios de cálculos, nos termos da fundamentação Defiro os benefícios da Justiça Gratuita à autora. Fixo os honorários de sucumbência, a serem pagos pela primeira ré em benefício do procurador da autora, no total equivalente a 10% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença (artigo 791-A, caput, da CLT). Arbitro os honorários devidos ao procurador da primeira reclamada no valor de  R$ 300,00, na forma do artigo 85, §8º, do CPC. Condeno a reclamante no pagamento de honorários equivalentes a 5% sobre o valor atualizado da causa em benefício do advogado da segunda reclamada. As obrigações decorrentes da sucumbência da autora ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. Custas de R$ 600,00, incidentes sobre o valor provisoriamente arbitrado à condenação (R$ 30.000,00), pela primeira reclamada, complementáveis ao final. Cumpra-se. Intimem-se as partes. REFERÊNCIAS:     ALMEIDA, Silvio Luiz de. Letramento, 2018. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG):   CARVALHO, Eliane Paula de. A identidade da mulher negra através do cabelo . Monografia. Especialização em Educação das Relações Étnico-Raciais do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Paraná. 2015.   LAGE, Mariana Luísa da Costa; SOUZA, Eloisio Moulin de. Da cabeça aos pés: racismo e sexismo no ambiente organizacional. In: Anais do Congresso Brasileiro de Estudos Organizacionais. 2016. SANTOS, Luane Bento dos. Para além da estética: uma abordagem etnomatemática para a cultura de trançar cabelos nos grupos afro-brasileiros. Dissertação. Mestrado em Relações Étnico-raciais. Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-raciais do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca. 2013. NOVA LIMA/MG, 07 de outubro de 2020. HENRIQUE MACEDO DE OLIVEIRA Juiz(a) do Trabalho Substituto(a)    Segue no anexo a decisão na íntegra: DECISÃO_-_Dispensa_discriminatória_tranças_afro_-_MG.pdf

DECISÃO - Bloqueio indevido de valores na conta da trabalhadora - RS

ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO   DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO Órgão Julgador: 8ª Turma Polo Ativo: KETHLEEN CATIUCIA DA SILVA RIOS - Adv. Jivago Augusto Ely Temes Polo Passivo: COMPANHIA ZAFFARI COMERCIO E INDUSTRIA - Adv. Joao Luis Kleinowski Pereira, Adv. Stefano Marth Coletto Origem: 7ª Vara do Trabalho de Porto Alegre Prolator da Sentença: JUIZ(A) LUCIANA CARINGI XAVIER Distribuição PJe: 25/06/2020 (2° Grau) Distribuição PJe: 18/12/2019 (1° Grau) E M E N T A   NULIDADE DA SENTENÇA. ARQUIVAMENTO DO FEITO. IMPOSIÇÃO INDEVIDA DE CUSTAS RELACIONADAS A PROCESSO ANTERIOR COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE, COM BASE EM NORMA REPUTADA INCONSTITUCIONAL E INCONVENCIONAL. VIOLAÇÃO DO DIREITO HUMANO DE ACESSO À JUSTIÇA. POSTERIOR BLOQUEIO INDEVIDO DE VALORES EM CONTA DA TRABALHADORA. INFRAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DIRETORES SOBRE EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS PELO ESTADO BRASILEIRO (JUSTIÇA DO TRABALHO) E DECRETO 9571/18. DESCULPAS PÚBLICAS DEVIDAS PELO PODER JUDICIÁRIO. 1. O comando que atribui à parte autora o ônus de pagamento das custas como condição de procedibilidade em ajuizamento de nova demanda, mesmo quando beneficiária da justiça gratuita, viola o o direito humano de acesso à justiça, previsto no art. 14 do Pacto  Internacional   dos   Direitos   Civis   e   Políticos ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                        (Decreto nº 592/92) e no art. 25.1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica - Decreto nº 678/92), que foram fundamentalizados na Constituição da República de 1988 nos princípios da assistência judiciária integral e gratuita e do acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV e LXXIV). 2. Cassação liminar do bloqueio de valores efetivado na conta da trabalhadora com determinação de devolução imediata da quantia à demandante. Grave violação de Direito Humano perpetrada pelo próprio Estado via Poder Judiciário, na forma do PIDCP (art.14), CADH (art. 25.1) e Decreto n.º 9.571/18 (art. 3º, inciso I, alíneas "a" e "b", inciso II, inciso IV, alínea "b" e inciso IX). 3. Decreto n.º 9.571/2018, que estabelece a responsabilidade social do Estado no que concerne à adoção de medidas de reparação à violação de direitos humanos, sendo devidas desculpas públicas à trabalhadora, com base nos arts. 13, VII, b, e 15, I, do Decreto em epígrafe, ante o constrangimento decorrente da violação do direito humano de acesso à justiça e bloqueio indevido de valores realizado por esta Justiça do Trabalho. 5. O Direito do Trabalho deve ser aplicado como instrumento de garantia de promoção da dignidade humana e não ao revés, sendo que a ação que o acompanha deve estar acessível de forma gratuita a todas as pessoas, não podendo obstáculos opostos por lei manifestamente inconstitucional e inconvencional ser transformados em barreiras que, mais além de impedirem o acesso à justiça, o inibem, inviabilizando por completo a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais e a possibilidade de realização de uma vida digna por parte das pessoas que integram a classe despossuída, a classe trabalhadora. Recurso provido para decretar a nulidade da sentença e o regular processamento do feito. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos. ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                      ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, CONFIRMAR A DECISÃO LIMINAR que determinou a cassação da ordem de bloqueio da conta bancária da trabalhadora e o consequente cancelamento da ordem de emissão do alvará de ID. 45dd37f proferida na demanda (0020489- 40.2019.5.04.0007), devendo o valor bloqueado ser restituído à parte autora. Por unanimidade, DAR PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA, KETHLEEN CATIUCIA DA SILVA RIOS, para reconhecer a nulidade da decisão proferida pelo juízo da origem, na qual determinado o arquivamento do feito, determinando-se a baixa do processo para regular processamento, observada a necessária celeridade processual, mediante inclusão em pauta preferencial. Isenta-se a autora de custas, ficando vetada a imposição, a ela, de despesas processuais. Por unanimidade, ainda, DECLARAR, INCIDENTALMENTE, A INCONSTITUCIONALIDADE DA COISA JULGADA NOS AUTOS DO PROCESSO 0020489-40.2019.5.04.0007, tornando-a sem efeitos em relação à condenação da autora em despesas processuais, proibindo-se sua cobrança. Registram-se desculpas públicas à parte autora pelo constrangimento sofrido pelo impedimento do acesso à justiça e bloqueio indevido de valores atinente às custas ilegalmente impostas. Sem valor da condenação. Intime-se. Porto Alegre, 26 de outubro de 2020 (segunda-feira). R E L A T Ó R I O Inconformada com a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito (ID. b0d5a8e), prolatada pela MMª. Juíza, Dra. Luciana Caringi ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO Xavier, recorre a parte autora (ID. 311bfe6). O recurso ordinário da demandante versa sobre nulidade da sentença. Com contrarrazões da ré (ID. 4fe7599), vêm os autos a este Tribunal para julgamento. Em 22/10/2020, foi proferida liminar referente ao processo de n.º 0020489- 40.2019.5.04.0007, que apresenta conexão com a presente ação trabalhista. Processo não submetido à análise prévia do Ministério Público do Trabalho. É o relatório. V O T O DESEMBARGADOR     MARCELO     JOSÉ     FERLIN     D     AMBROSO (RELATOR): Relação de emprego: A autora foi admitida em 17/09/2018 para exercer a função de empacotadora (ID. 720505a - pág. 03). Valor atribuído à causa: R$ 69.091,90. 1.       LIMINAR DEFERIDA NOS AUTOS DO PROCESSO 0020489- 40.2019.5.04.0007. Inicialmente, registro que este Relator, em decisão liminar proferida em 22/10/2020, determinou a cassação da ordem de bloqueio da conta bancária da trabalhadora e, por conseguinte, o cancelamento da ordem de emissão do alvará de ID. 45dd37f, em favor da Fazenda Nacional, relativa   ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO   ao processo trabalhista de n.º 0020489-40.2019.5.04.0007, que apresenta conexão com a presente ação, distribuída por prevenção à Vara de origem. Eis a referida ordem liminar proferida no ID. f5fe6ec: "(...) A ação trabalhista nº 0020489-40.2019.5.04.0007 foi ajuizada sob a égide da Lei 13.467/17. Dentre as várias alterações promovidas pelo legislador na chamada "Reforma Trabalhista", destaca-se o novo dispositivo processual, art. 844 da CLT, parágrafos 2º e 3º, que assim dispõe: "Artigo 844 da CLT: O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não- comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. [...]   2o Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. 3o O pagamento das custas a que se refere o § 2o é condição para a propositura de nova demanda." Sem adentrar, neste momento, na manifesta inconstitucionalidade (art. 5º, XXXVI) e inconvencionalidade da ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                         reforma    (violação   da    Convenção    Americana    de    Direitos Humanos, PIDCP, PIDESC e outros tratados internacionais), ao realizar      consulta      no      sítio      eletrônico      deste      Tribunal (https://pje.trt4.jus.br/consultaprocessual/detalhe- processo/00204894020195040007), verifica-se que na anterior ação, a Julgadora de origem fixou as custas no valor de R$ 1.181,84, ante a ausência injustificada da parte autora à audiência            inicial,                  ocasionando         o           arquivamento       da ação trabalhista. Entretanto, a autora, ao propor a presente demanda, referiu que não possuía condições de arcar com as custas do processo. Ademais, registre-se que na ação trabalhista ajuizada anteriormente a demandante também apresentou declaração de pobreza. Como se não bastasse a declaração de pobreza firmada pela demandante, observa-se que a Magistrada de origem determinou a "citação da autora para pagamento das custas", por Oficial de Justiça, pasme-se, além de ter determinado o bloqueio de valores da conta bancária da autora nos dias 19/05/2020 e 05/06/2020, oportunidades em que foram localizadas e penhoradas as quantias de R$166,47 e R$421,51, respectivamente. Por fim, foi determinada a expedição de alvará à Fazenda Nacional em 21/10/2020, no valor de R$587,98. Ora, a autora apresentou declaração de pobreza e a sua CTPS demonstra que foi contratada para receber salário de R$937,00 ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                      para exercer a função de empacotadora. Nesse aspecto, de forma objetiva, pode-se afirmar que realizar o bloqueio de R$587,98 da conta bancária de uma trabalhadora humilde, com repasse à Fazenda Nacional é uma ato de desrespeito à dignidade da pessoa humana e aos preceitos constitucionais expressos na Constituição da República. É mais, prima facie constata-se lesão grave ao direito humano de acesso à justiça, conforme previsto no PIDCP (Decreto n.º 592/92): Art. 2.1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo. língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição. ... 3. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a:   Garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto tenham sido violados, possa de um recurso efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetrada por pessoas que agiam no exercício de funções oficiais; Garantir que toda pessoa que interpuser tal recurso terá seu ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                        direito determinado pela competente autoridade judicial, administrativa ou legislativa ou por qualquer outra autoridade competente prevista no ordenamento jurídico do Estado em questão; e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; No mesmo sentido, o art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o art. 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto 678/92): Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. Os Estados Partes comprometem-se:   a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e   a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso. Como se não bastasse, a autora foi dispensada da parte ré em 17/09/2018, conforme TRCT juntado no processo que deu ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                    origem à cobrança de custas. Logo, considerando que o país enfrenta uma das maiores crises econômicas e sanitárias das últimas décadas, é possível (e bastante provável) que tenha sido retirado dessa trabalhadora quantia essencial ao seu sustento familiar. Nesse sentido, a Jurisdição ao exercer a interpretação das alterações realizadas pela Lei n.º 13.467/2017, lei da Reforma Trabalhista, não pode ignorar os princípios que norteiam o Direito do Trabalho, nem muito menos os Direitos Humanos. Afinal, não se pode negar que o Direito, como ciência, é formado por regras e princípios, e a lei se submete ao controle de legalidade (constitucionalidade e convencionalidade) e legitimidade. A interpretação literal da lei sem reflexão quanto ao conteúdo e efeitos sociais, pode ofender a dignidade da pessoa humana. Não em demasia, registro que o presente caso nem sequer envolve conflitos de princípios, pois houve violação direta ao direito da trabalhadora quanto ao livre acesso ao Judiciário, conforme inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República. Nestes termos, a aplicação "a ferro e fogo" do previsto no art. 844 da Lei n.º 13.467/2017, a fim de cobrar da trabalhadora beneficiária da Justiça Gratuita as custas processuais, e ainda condicionar o ajuizamento de nova ação ao preenchimento de tal requisito, cria obstáculo ao livre acesso à justiça, justamente para quem não tem condições financeiras e que ainda postula nesta justiça especializada o reconhecimento de créditos de ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                      natureza indisponível e irrenunciável, que são os créditos de natureza alimentar, objeto das suas demandas, cuja tramitação segue frustrada, mais de ano após o primeiro ajuizamento. Portanto, a aplicação da reforma trabalhista deve passar por crivo de valoração de legalidade e legitimidade que impeçam seja oposta à classe trabalhadora como embaraço formal ao sagrado Direito Humano de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CR), que para violações a direitos fundamentais (como os direitos trabalhistas) e para pessoas que não tem recursos, deve ser sempre gratuito. O processo deve servir como meio de instrumentalização do direito material, sendo absolutamente contrária aos Tratados Internacionais versando sobre Direitos Humanos a interpretação que obsta ou dificulta o acesso da pessoa trabalhadora ao Judiciário e inviabiliza a efetivação do bem da vida vindicado e a reparação ao direito violado (lembrando que direitos trabalhistas são Direitos Humanos, na forma do art. 11 da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher - Decreto 4377/02). Nesse sentido, retirar a quantia de R$587,98 de uma trabalhadora, que apenas exerceu seu direito constitucional de livre acesso ao Judiciário, para buscar reparação a Direitos Humanos do Trabalho violados, principalmente durante o período em que o Brasil e o Estado do Rio Grande do Sul encontram-se em estado de calamidade pública, também viola ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                     muitos aspectos jurídicos relacionados à própria constituição do Estado Democrático de Direito. (...) Assim, considerando que a análise da presente demanda  possui vinculação direta com o decidido nos autos do processo 0020489-40.2019.5.04.0007, tendo havido inclusive a distribuição por dependência à presente ação, com o intuito de evitar maiores danos aos direitos da demandante, com base no poder geral de cautela previsto no art. 798 do CPC, determino a cassação da ordem de bloqueio da conta bancária da trabalhadora e o consequente cancelamento da ordem de emissão do alvará de ID. 45dd37f proferida na referida demanda (0020489-40.2019.5.04.0007), devendo o valor bloqueado ser restituído à parte autora, com urgência. Caso tenha havido recolhimento dos valores a contas da Fazenda Nacional, a Vara de origem deverá envidar todos os esforços necessários para a reversão e restituição do dinheiro à autora, no menor tempo possível. Intime-se e notifique-se a Magistrada de origem do inteiro teor desta decisão, COM URGÊNCIA. Determino a reunião dos processos 0020489-40.2019.5.04.0007 e 0021277-54.2019.5.04.0007 para apreciação conjunta dos fatos. A matéria objeto do recurso ordinário interposto pela parte no presente feito será objeto de julgamento em sessão colegiada já ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                      aprazada para 26/10/2020." Frisa-se que o processo de n.º 0020489-40.2019.5.04.0007, no qual realizada a cobrança irregular de custas, tem conexão direta com a presente ação (que repete aquela, arquivada, gerando, inclusive, distribuição por prevenção de juízo,  reconhecida no primeiro grau), originando a imposição ilegal de custas como condição de procedibilidade neste feito. Assim, considerando que a decisão que fundamentou a cobrança ilegal de custas da trabalhadora teve por fundamento o art. 844, §§2º e 3º, da CLT, este último dispositivo declarado inconstitucional pelo Tribunal Pleno deste Regional, em sessão do dia 12/12/2018, não há falar em coisa julgada, eis que a decisão mostra-se inconstitucional e contrária ao efeito erga omnes que emana da decisão desta Corte, retirando eficácia à referida norma. Portanto, se a coisa julgada acoberta decisão inconstitucional e que viola o já decidido com efeito erga omnes por esta Corte, não há falar em sua validade, uma vez que não se sustenta a ofensa nela contida aos princípios constitucionais da moralidade e legalidade, em nome de uma suposta segurança jurídica. Ao contrário, a segurança jurídica se estabelece pelo respeito ao julgado por este Tribunal com efeito erga omnes. Por adequado, citam-se as palavras do processualista Cândido Rangel Dinamarco, que ensina o seguinte, em relação à coisa julgada inconstitucional e a excepcionalidade de avaliação de tais decisões viciadas: (...)   a   ordem   constitucional   não tolera que se eternizem injustiças a pretexto de não eternizar litígios (...). Propõe-se ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                    apenas um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com o objetivo de que providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses graves inconvenientes. (...)." (Relativizar a Coisa Julgada Inconstitucional. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (org.). Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, pág. 72). (grifou-se) Na mesma linha, destaca-se outra passagem do referido jurista, na obra "Instituições de Direito Processual Civil": "A coisa julgada material tem, acima de tudo, o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional. (...) Pelo que significa na vida das pessoas em suas relações com os bens da vida ou com outras pessoas, a coisa julgada tem por substrato ético-político o valor da segurança jurídica, que universalmente se proclama como indispensável à paz entre os homens ou grupos. Esse valor de primeira grandeza, alçado à dignidade constitucional mediante a garantia do respeito à coisa julgada, só não pode prevalecer quando a estabilidade do julgado significar imutabilidade de situações de contrariedade a outros valores humanos, éticos ou políticos de igual ou maior porte. (...)" (São Paulo, Editora Malheiros, 2005, pág. 300) (grifou-se) Nesse aspecto, por oportuno, citam-se, ainda, as palavras do Exmo. Min. Ricardo Lewandowski sobre a relativização dos efeitos da coisa julgada, tema amplamemente debatido pela Suprema Corte nos últimos anos, ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                      principalmente com a vigência do CPC de 2015, o qual passou a estabelecer, de forma expressa, diversos mecanismos de revisão da coisa julgada material: "(...) A coisa julgada não pode ser encarada como um valor absoluto, pois às vezes deriva de decisões teratológicas ou encontra fundamento em falhas ou fraudes grosseiras (STF. Revista Consultor Jurídico, Anuário da Justiça Brasil, 2011: O Poder da última palavra. São Paulo: Conjur Editorial, p. 51). Diante do exposto, como a decisão relacionada ao processo de n.º 0020489-40.2019.5.04.0007, proferida pela Magistrada de origem, adotou, como razões de decidir, o dispositivo 844, §§2º e 3º, especialmente norma declarada inconstitucional pelo Tribunal Pleno deste Regional, reconhece- se, de forma incidental, a coisa julgada inconstitucional do processo em epígrafe, por haver violação direta ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), e por desrespeito aos demais alicerces principiológicos estabelecidos na Constituição da República relativos à justiça social, combate à desigualdade e discriminação. Não há falar, portanto, em coisa julgada material no que refere à demanda supracitada, nos termos do art. 5º, XXXV e XXXVI, da Constituição da República, c/c arts. 4º, 5º, 6º e 502 do CPC. Isto posto, confirmo a decisão liminar proferida na qual restou determinada a cassação da ordem de bloqueio da conta bancária da trabalhadora e o consequente cancelamento da ordem de emissão do alvará de ID. 45dd37f proferida na demanda (0020489-40.2019.5.04.0007), devendo eventual valor remanescente bloqueado ser restituído à parte autora, com urgência, vetando-se novas cobranças. ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                     2. NULIDADE DA SENTENÇA. ARQUIVAMENTO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DE CUSTAS RELACIONADAS A PROCESSO ANTERIORMENTE EXTINTO POR AUSÊNCIA DA AUTORA À AUDIÊNCIA. Insurge-se a autora contra a decisão de origem que extinguiu o processo, sem resolução de mérito, tendo em vista a ausência de comprovação referente ao recolhimento de custas a si atribuídas no que diz respeito ao processo nº 0020489-40.2019.5.04.0007, considerando-se, no caso, a sua ausência injustificada à audiência inicial designada para o processo supracitado, que ocorreu em 16/10/2019. Ao exame. A ação trabalhista ajuizada anteriormente, processo de nº 0020489- 40.2019.5.04.0007, fora ajuizada sob a égide da Lei n.º 13.467/17, também chamada "reforma trabalhista". Dentre as várias alterações promovidas na chamada "reforma trabalhista", destaca-se o dispositivo processual contido no art. 844 da CLT, §§ 2º e 3º, que dispõe o seguinte: Art. 844 CLT: O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não- comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. [...] 2o Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                      art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. 3o O pagamento das custas a que se refere o § 2o é condição para a propositura de nova demanda. " (grifei) Inicialmente,   ao    realizar   consulta   no   sítio eletrônico deste Tribunal (https://pje.trt4.jus.br/consultaprocessual/detalhe- processo/00204894020195040007), verifica-se que, na anterior ação, a autora deste feito, ao propor aquela demanda trabalhista (assim como a atual), referiu que não possuía condições de arcar com as custas do processo, inclusive apresentou declaração de pobreza. A Julgadora de origem fixou as custas no valor de R$1.181,84, ante a ausência injustificada da parte autora, arquivando a ação trabalhista anterior e, não obstante tenha reconhecido a hipossuficiência da autora, não se absteve de cobrar, nestes autos, a quantia imposta a título de custas. Ocorre que este Tribunal, em sua composição plenária, declarou, na sessão do dia 12/12/2018, a inconstitucionalidade do §2º do art. 844 da CLT quanto à expressão "ainda que beneficiário da justiça gratuita", bem como do §3º do mesmo dispositivo, quando dispõe que "o pagamento das custas a que se refere o §2º é condição para a propositura de nova demanda". Segue ementa: INCONSTITUCIONALIDADE DOS PARÁGRAFOS 2º E 3º DO ARTIGO 844 DA CLT. O comando que atribui à parte reclamante, ainda que beneficiária da justiça gratuita, o ônus de pagamento  das  custas  como  condição  para  a  propositura de ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                    nova demanda, repercute como violação aos princípios da assistência judiciária integral e gratuita e do acesso ao judiciário, traduzidos nos incisos e LXXIV e XXXV da Constituição Federal. Declara-se a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 844 da CLT quanto à expressão ainda que beneficiário da justiça gratuita, bem como do parágrafo 3º do mesmo dispositivo, quando prevê que o pagamento das custas a que se refere o § 2º é condição para a propositura de nova demanda.Nesse aspecto, a aplicação do art. 844 da Lei n.º 13.467/2017, a fim de cobrar do trabalhador beneficiário da Justiça Gratuita as custas processuais, e ainda condicionar a propositura de nova ação ao preenchimento de tal requisito, cria obstáculo ao livre acesso à justiça, justamente para quem não tem condições financeiras e que ainda pleiteia nesta justiça especializada o reconhecimento de créditos de natureza indisponível e irrenunciável, que são os créditos de natureza alimentar, objeto da ação. Como se sabe, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade realizada por controle difuso de constitucionalidade pelos juízos e tribunais retiram a eficácia da norma viciada. Assim, a Magistrada da origem não poderia ter aplicado as referidas normas, revestindo-se o ato de exigência de pagamento de custas como condição de procedibilidade deste feito, e posterior cobrança com bloqueio judicial de valores em conta bancária, de absoluta ilegalidade e desrespeito à decisão desta Corte. Não bastasse, o regramento da dita "reforma trabalhista" deve ser interpretado de forma sistemática e não se pode admitir nenhuma possibilidade de embaraço formal ao direito humano de acesso à justiça, sob pena do processo de trabalho não cumprir sua função instrumental de   ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                       concretização/efetividade de direito material, sobretudo quando se trata de Direitos Humanos do Trabalho ditos violados no curso de relação de trabalho que motivam a demanda. A obstaculização do acesso à justiça à pessoa trabalhadora é prática totalmente contrária ao art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Decreto nº 592/92), e ao art. 25.1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica - Decreto nº 678/92), o qual estabelece que: "Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercícios de suas funções oficiais". E segundo o art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, não há espaço para nenhum tipo de interpretação restritiva do amplo acesso à justiça. Com efeito, os direitos econômicos, sociais e culturais estão fundamentalizados como cláusula pétrea nos arts. 6º a 11 da Constituição da República, cujo art. 5º, XXXV, também contempla o princípio do amplo acesso à justiça como garantia fundamental (direito humano), revestindo-se a ação trabalhista e o processo do trabalho como instrumentos de concretização dos Direitos Humanos do Trabalho. O direito ao acesso à justiça para o fim de vindicar direitos trabalhistas é, portanto, um Direito Humano duplamente fundamentalizado, tanto no art. 5º, XXXV, quanto no art. 7º, XXVIII, da Constituição da República e, nesta ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                   condição, recebe o tratamento dedicado previsto na proteção jurídica da CADH, que o amplia para conferir simplificação, efetividade e celeridade, características incompatíveis  com as normas impostas pela reforma trabalhista e com a conduta adotada pela Magistrada de 1º grau ao aplicar a legislação doméstica sem considerar o indispensável e prévio controle de constitucionalidade e convencionalidade da Lei 13467/17. Assim, por qualquer prisma que se observe o caso, a decisão da origem reveste-se da mais absoluta ilegalidade, ferindo de morte o direito humano de acesso à justiça, impossibilitando que a trabalhadora, de humildes condições, obtenha do Estado a proteção necessária para a reparação dos seus direitos humanos ditos violados no curso da relação de trabalho. Nessa esteira, também foi desrespeitado pelo Estado o teor do Decreto n.º 9.571/18, o qual estabelece as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, determinando a aplicação, dentre outros instrumentos, dos Princípios Diretores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, estabelecidos no tripé respeitar, preservar e reparar. Neste norte, cabe aos Estados, além de respeitar os Direitos Humanos, protegê-los, fazendo com que sejam observados pelas empresas, e devidamente reparados quando violados. Na espécie, no entanto, o Estado, via Poder Judiciário (Justiça do Trabalho), até o presente momento falhou com todos os princípios, negando o acesso à justiça (direito humano fundamental) e impedindo a reparação de direitos econômicos e sociais apontados como violados na relação de trabalho com a empresa acionada. Destacam-se os dispositivos do Decreto 9571/18 aplicáveis ao caso: "(...) ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                     Art. 3º A responsabilidade do Estado com a proteção dos direitos humanos em atividades empresariais será pautada pelas seguintes diretrizes: I           - capacitação de servidores públicos sobre a temática de direitos humanos e empresas, com foco nas responsabilidades da administração pública e das empresas, de acordo com os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, principalmente ações de: sensibilização e promoção da educação contínua dos recursos humanos da administração pública para o fortalecimento da cultura em direitos humanos; e capacitação dos recursos humanos da administração pública para o tratamento das violações aos direitos humanos em contexto empresarial, de seus riscos e de seus impactos; - fortalecimento da consonância entre políticas públicas e proteção dos direitos humanos; (...) VI - desenvolvimento de políticas públicas e realização de alterações no ordenamento jurídico, a fim de: (...) b) estimular a criação de medidas adicionais de proteção e a elaboração de matriz de priorização de reparações e ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                  indenizações para grupos em situação de vulnerabilidade; (...) IX - criação de plataformas e fortalecimento de mecanismos de diálogo entre a administração pública, as empresas e a sociedade civil; (...)." (grifou-se). Ademais, nos termos do Decreto n.º 9.571/2018, verifica-se responsabilidade social do Estado no que concerne à adoção de medidas de reparação à violação de direitos humanos. Neste sentido o disposto nos arts. 13, inciso VII, alínea "b", e 15, inciso I, do Decreto em epígrafe: Art. 13. O Estado manterá mecanismos de denúncia e reparação judiciais e não judiciais existentes e seus obstáculos e lacunas legais, práticos e outros que possam dificultar o acesso aos mecanismos de reparação, de modo a produzir levantamento técnico sobre mecanismos estatais de reparação das violações de direitos humanos relacionadas com empresas, como: (...) VII - incentivar a adoção por parte das empresas e a utilização por parte das vítimas, de medidas de reparação como: (...) b) desculpas públicas; (...) ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                     Art. 15. A reparação integral de que trata o inciso IV do caput do art. 14 poderá incluir as seguintes medidas, exemplificativas e passíveis de aplicação, que poderão ser cumulativas: ... I - pedido público de desculpas; Assim, ante as graves violações de Direitos Humanos constatadas neste processo, cumpre registrar pedido de desculpas públicas do Estado (Poder Judiciário - Justiça do Trabalho) à trabalhadora, pelo constrangimento derivado do impedimento do seu direito humano de acesso à justiça, como também do subsequente e indevido bloqueio de valores realizado por esta Justiça do Trabalho nos autos do processo 0020489-40.2019.5.04.0007, comprometedor, inclusive, de sua subsistência, dada sua  condição hipossuficiente. Reconhecer as falhas do sistema judicial é necessário não só para atender à finalidade de reparação integral de Direitos Humanos que foram violados como também para que se possa extirpar adequadamente atos que não representam a excelência da prestação jurisdicional deste ramo do Judiciário, cuja criação e existência são diretamente vinculadas  à distribuição de justiça social. Afinal, os direitos laborais, além de constituírem uma dimensão dos Direitos Humanos, representam, ainda, direitos fundamentais que possibilitam a concretização de uma vida digna, reconhecidamente ligados à manutenção da paz e à própria existência do Estado Democrático de Direito, como se pode inferir da Constituição da OIT e da Declaração de Filadelfia, de 1944. Registra-se, por fim, que o Direito do Trabalho deve ser aplicado como ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                  instrumento de garantia de promoção da dignidade humana e não ao revés, sendo que a ação que o acompanha deve estar acessível de forma gratuita a todas as pessoas, não podendo obstáculos opostos por lei manifestamente inconstitucional e inconvencional ser transformados em barreiras que, mais além de impedirem o acesso à justiça, o inibem, inviabilizando por completo a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais e a possibilidade de realização de uma vida digna por parte das pessoas que integram a classe despossuída, a classe trabalhadora. Por todos os motivos expostos, decreta-se a nulidade na sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, sendo imperioso o retorno dos autos à origem, para regular  prosseguimento, em observância aos princípios da celeridade processual (recomendando-se inclusão em pauta preferencial, ante o atraso na prestação jurisdicional devido aos percalços ora reconhecidos), e devido processo legal, inclusive sob o aspecto substancial com seus consectários, vetando-se a cobrança de qualquer tipo de custas ou despesas judiciais à demandante. Nestes termos, dá-se provimento ao recurso da autora para declarar a nulidade do processo a partir da sentença que extinguiu o feito, sem resolução do mérito, proferindo-se novo julgamento em seu lugar, com registro de desculpas públicas à parte autora, Sra. Kethleen Catiucia da Silva Rios. II. PREQUESTIONAMENTO. Adotada tese explícita a respeito das matérias objeto de recurso, são desnecessários o enfrentamento específico de cada um dos argumentos expendidos pelas partes e referência expressa a dispositivo legal para que se tenha atendido o prequestionamento e a parte interessada possa ter ACÓRDÃO 0021277-54.2019.5.04.0007 (PJe) RO                                                       acesso à instância recursal superior. Nesse sentido, o item I da Súmula 297 do TST e a Orientação Jurisprudencial 118 da SDI-1, ambas do TST. Igualmente, é inexigível o prequestionamento de determinado dispositivo legal quando a parte entende que ele tenha sido violado pelo próprio Acórdão do qual pretende recorrer, conforme entendimento pacificado na Orientação Jurisprudencial 119 da SDI-1 do TST. Isto considerado, tem-se por prequestionadas as questões e matérias objeto da devolutividade recursal, bem como os dispositivos legais e constitucionais invocados pelas partes. DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS: Acompanho integralmente o voto do eminente Relator.] DESEMBARGADORA BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS: Acompanho o voto do Exmo.  Desembargador Marcelo José Ferlin D'Ambroso. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO: DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO (RELATOR) DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS DESEMBARGADORA BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS   Decisão na íntegra: DECISÃO_-_Bloqueio_indevido_de_valores_na_conta_da_trabalhadora_-_RS.pdf

DECISÃO - Mandado de Segurança em favor de trabalhadora doente (HIV) - RS

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO Identificação PROCESSO  nº 0021648-05.2020.5.04.0000      (MSCiv)   IMPETRANTE: AUTORIDADE COATORA: MAGISTRADO(A) DA 1ª VARA DO TRABALHO DE NOVO HAMBURGO RELATOR: MARCELO JOSE FERLIN D’AMBROSO EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. DESPEDIDA DE TRABALHADOR DOENTE. PRESUNÇÃO DE DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 443 DO TST. INOBSERVÂNCIA DE DIREITOS HUMANOS E GARANTIAS    FUNDAMENTAIS   PREVISTOS    NA   CONSTITUIÇÃO    DE    1988.  1.Trabalhador impetrante portador do vírus HIV, dispensado em tratamento de saúde, quando em condição de fragilidade (doença), configurando-se a dispensa presumivelmente discriminatória. 2. Aplicação da teoria do Enfoque de Direitos humanos como novo paradigma hermenêutico que propõe interpretação e aplicação do Direito do Trabalho orientadas por uma visão humanística, na qual os direitos sociais são vistos em sua gênese, como Direitos Humanos, com vistas à sua efetividade, destacando-se o valor social do trabalho e a pessoa como ser humano nas relações de trabalho. Coerência com a Declaração do Centenário da OIT (2019), recomendando a centralidade do trabalho nas pessoas. 3. A Constituição da República estabelece como mandato imperativo a não discriminação, sendo que nos seus princípios e garantias fundamentais aplicáveis à espécie, destacam-se o valor social do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a melhoria das condições sociais do trabalhador (princípio da progressividade) e a função social da propriedade (arts. 1º, III e IV, 7º, caput, e 170, III e VIII). Repúdio à discriminação de trabalhadores e trabalhadoras em razão de doenças, sejam elas de ordem física ou mental e quaisquer sejam as limitações delas derivadas. 6. Aplicação, também, da Convenção 111 da OIT e da Convenção Americana de Direitos Humanos, ambas ratificados pelo Brasil, além do disposto no Decreto 9571/18 (Princípios Diretores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos).  7. A lei  9029/95  prevê  proibição  de  discriminações  sob  diversos aspectos, elencadas de forma meramente exemplificativa, enquanto o art. 118 da Lei 8.213/91 garante estabilidade provisória a trabalhadores e trabalhadoras portadores de doenças de origem ocupacional. 8. A função social da propriedade, como princípio constitucional, está diretamente atrelada ao respeito do valor social do trabalho, devendo ser cumprida através da observância de direitos e garantias fundamentais, dentre os quais, o de melhoria das condições sociais do trabalhador (art. 7º, caput, CRFB – vedação de retrocesso social) e do direito humano fundamental à saúde (art. 6º da CRFB), como na espécie. 9. Direitos humanos, princípios, direitos e garantias constitucionais possuem eficácia erga omnes, sendo aplicáveis nas relações jurídicas estabelecidas entre todas as pessoas, especialmente nas relações de trabalho, que contêm assimetrias de poder (poder econômico vs. trabalho assalariado). 10. Segurança concedida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, CONCEDER A SEGURANÇA para tornar definitiva a decisão que determinou a reintegração do impetrante no mesmo cargo e função ocupados, e mesma remuneração e, ainda, o restabelecimento do plano de saúde, nas mesmas condições que eram alcançados no curso da relação de trabalho, restando prejudicado o julgamento do agravo regimental. Custas dispensadas. Intime-se. Porto Alegre, 05 de outubro de 2020 (segunda-feira). Cabeçalho do acórdão Acórdão RELATÓRIO Trata-se  de mandado de segurança  impetrado por                                         contra decisão proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, Dr. Paulo Andre de Franca Cordovil, que, nos autos da ação 0020399-86.2020.5.04.0301, indeferiu o pedido de tutela de urgência para sua reintegração no emprego, com a asseguração da manutenção das condições e direitos da relação de trabalho operada até então, e com pagamento dos salários do período de afastamento até a efetiva reintegração, em razão da  despedida  discriminatória  realizada  pelo  litisconsorte  em  06.07.2020.  Pugna  pela concessão da medida liminar vindicada, para que seja cassada a decisão impetrada e determinada a sua imediata reintegração no emprego, com o pagamento dos salários vencidos desde a despedida e a manutenção das condições e direitos doa relação de trabalho até então. Requer, ainda, seja declarado judicialmente o perdão tácito no que diz de qualquer acusação relativa ao desparecimento de valores conforme narrado na petição inicial da ação subjacente e confirmado na manifestação do                                                                                          . O pedido liminar foi deferido por este Relator (Id. 2912f83). O litisconsorte interpôs agravo regimental (Id. 71ce6df), o qual resta prejudicado face ao julgamento do mérito do mandado de segurança nesta oportunidade. O impetrante, regulamente notificado, apresentou contraminuta (Id.4ede08b). A autoridade apontada como coatora, regularmente oficiada, não prestou informações (Id. 6266cce). O Ministério Público do Trabalho, no Parecer de lavra do Exmo. Sr. Procurador Regional do Trabalho, Dr. Victor Hugo Laitano, preconiza pela parcial concessão da segurança postulada (Id. acf3c69). É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO Alega o impetrante que mantém relação de trabalho com o                          desde 09.09.2010, exercendo atualmente a função de Supervisor Administrativo. Afirma que é soropositivo, portador do vírus HIV – situação que é de conhecimento do litisconsorte até o dia em que foi surpreendido com sua despedida sem justa causa (06.07.2020), eivada de caráter discriminatório. Refere que o ato coator, ao determinar que se aguarde a cognição exauriente, lhe causará inequívoco prejuízo, pois terá que permanecer sem emprego, até o deslinde do feito e, consequentemente, sem renda e acesso ao plano de saúde, indispensável para os cuidados de sua saúde. Alega que a decisão viola seu direito líquido e certo, nos termos da Lei 12.016/2009. Ressalta que a documentação anexada aos autos da ação subjacente revela que o                                                                                          não respeitou a sua condição, que assumiu perante médico do trabalho como soropositivo, portador do vírus HIV, fato que impede a sua despedida imotivada à luz do que preconiza a Súmula 443 do TST. Revela que desde o ano de 2011 possui diagnóstico positivo para o vírus  HIV, contudo, num primeiro momento, por receio, diante do inequívoco estigma relacionado à doença, optou por não informar ao empregador, mantendo esta questão pessoal em sigilo. Diz que desde o diagnóstico mantém tratamento médico com infectologista e outros especialistas utilizando-se do convênio médico do Litisconsorte,. Ressalta que, em 2019, um exame médico ocupacional noticiou que é soropositivo, mas esta informação constou apenas em seu prontuário médico, não sendo lançada no Atestado de Saúde Ocupacional. Informa que, em 2020, repetiu a conduta e comunicou ao médico do trabalho que é portador do vírus HIV. Destaca que, desde o início de 2020 vinha observando carência de empregados no       e, ao que sabe, o litisconsorte estaria contratando empregados para suprir a falta de trabalhadores. Refere que não se afastou do trabalho devido à recomendação de isolamento em decorrência da COVID-19, pois mantinha receio de punição em virtude de investigação/inspetoria ocorrida e encerrada no ano de 2019, em face de, no desempenho de suas funções, ter feito um chamado para conserto na porta do cofre da agência, ocasião em que foi constatada uma diferença a menor em moeda estrangeira, ao contar o dinheiro no dia seguinte ao conserto realizado por empresa terceirizada. Diz que a investigação administrativa e interna perdurou até novembro, sem a preservação do contraditório e demais garantias constitucionais de ampla defesa, sendo encerrada sem punições ou cobranças, inclusive porque não cometeu ato faltoso. Destaca que, mesmo sem contestar o encerramento do expediente investigatório em novembro de 2019, sem punições ou cobranças, o         alega que este foi o motivo da despedida – o que evidentemente não merece guarida, já que se conclui ter sido a despedida discriminatória diante do fato de ser portador do vírus HIV. Menciona que outro fato a ser destacado e que revela o caráter discriminatório da despedia é que o          litisconsorte está carecendo de empregados, o que não foi contestado na ação subjacente. Alega que estão demonstrados a probabilidade do direito e o risco de dano, e não há risco de irreversibilidade da medida, porquanto a manutenção do emprego não acarretará prejuízo ao litisconsorte. Invoca o princípio da continuidade da relação empregatícia. A decisão atacada encontra-se assim fundamentada (Id. 9793f3d): Vistos, etc. Diante da controvérsia existente nos autos, indefere-se a tutela provisória requerida na petição inicial, pois desafia a cognição exauriente do feito. Em razão das medidas estabelecidas pelo TRT-RS (Portaria Conjunta nº 1.770, de 28 de abril de 2020) visando prevenir o contágio do novo coronavírus nas dependências da Justiça do Trabalho, deixa-se de designar audiência inicial para o presente feito. A reclamada deverá juntar, no PJE, contestação, documentos e eventual proposta conciliatória, no prazo de 15 dias, a contar do recebimento da notificação, sob pena de decretação de revelia e de confissão quanto à matéria de fato. Após, o autor será intimado para manifestar-se, no prazo de 15 dias, sobre os documentos juntados com a defesa, oportunidade em que deverá apresentar as diferenças que entende devidas. Nos respectivos prazos, as partes poderão apresentar proposta de acordo e deverão especificar as provas que pretendem produzir, sua pertinência e finalidade, inclusive em relação à eventual prova oral. Cite-se a ré, por meio do Advogado habilitado nos autos. NOVO HAMBURGO/RS, 27 de julho de 2020. PAULO ANDRE DE FRANCA CORDOVIL Juiz do Trabalho Titular Por sua vez, a decisão deste Relator, ao deferir a liminar nestes autos de writ, está assim fundamentada (Id. 2912f83): “(…). A Sum. 443 do TST, tem a seguinte redação: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 . Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. Destaco que a dispensa imotivada por parte das empresas vem sofrendo cada vez mais limitações, no contexto da pandemia mundial de COVID-19, em busca da preservação do trabalho das pessoas e de sua fonte de sobrevivência. O que, aliás, se coaduna ao princípio da função social da propriedade, previsto na Constituição da República. Por outro lado, inexiste nos autos da ação subjacente, prova cabal que afaste a presunção relativa de dispensa discriminatória. A Súmula 443 do TST está em consonância com o raciocínio de que, demonstrada tamanha fragilidade na saúde do empregado, em razão de doença que, sabidamente, ainda é objeto de severo estigma social e preconceito, a dispensa que ocorre contemporaneamente a tal condição, é, presumivelmente discriminatória. A presunção, como já ressaltado, admite prova em contrário, contudo, não há elementos nos autos a autorizar conclusão reversa. A interpretação sistemática da Constituição da República e dos seus princípios e direitos fundamentais, notadamente, os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a melhoria das condições sociais do trabalhador e a função social da propriedade (arts. 1º, III e IV, 7º, caput e 170, III e VIII), aponta para a direção diametralmente oposta à discriminação de pessoas com limitações de qualquer ordem, inclusive em razão de doenças, sejam elas físicas ou mentais. E no mesmo compasso, a Convenção 111 da OIT, a qual assim disciplina: CONVENÇÃO 111 Convenção concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão. (…) CONSIDERANDO que a declaração de Filadélfia afirma que todos os seres humanos, seja qual for a raça, credo ou sexo têm direito ao progresso material e desenvolvimento espiritual em liberdade e dignidade, em segurança econômica e com oportunidades iguais; CONSIDERANDO, por outro lado, que a discriminação constitui uma violação dos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adota neste vigésimo quinto dia de junho de mil novecentos e cinqüenta e oito, a convenção abaixo transcrita que será denominada Convenção sobre a discriminação (emprego e profissão), 1958. ARTIGO 1º 1.Para fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende: a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados. (…) 3.Para os fins da presente convenção as palavras “emprego” e “profissão” incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como as condições de emprego. ARTIGO 2º Qualquer Membro para o qual a presente convenção se encontre em vigor compromete- se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria. ARTIGO 3º Qualquer Membro para o qual a presente convenção se encontre em vigor deve, por métodos adequados às circunstâncias e os usos nacionais: a) Esforçar-se por obter a colaboração das organização de empregadores e Trabalhadores e de outros organismos apropriados, com o fim de favorecer a aceitação e aplicação desta política; b) Promulgar leis e encorajar os programas de educação próprios a assegurar esta aceitação e esta aplicação; c) Revogar todas as disposições legislativas e modificar todas as disposições ou práticas, administrativas que sejam incompatíveis com a referida política. d) Seguir a referida política no que diz respeito a empregos dependentes do controle direto de uma autoridade nacional; e) Assegurar a aplicação da referida política nas atividades dos serviços de orientação profissional, formação profissional e colocação dependentes do controle de uma autoridade nacional; f) Indicar, nos seus relatórios anuais sobre a aplicação da convenção, as medidas tomadas em conformidades com esta política e os resultados obtidos. (…) A mencionada Convenção foi objeto de ratificação pelo Brasil, por meio do Decreto nº 62.150, de 19-01-1968, integrando o cabedal de normas sobre Direitos Humanos, e ainda que se discuta sua equivalência à norma constitucional, possui, no mínimo, de norma status supralegal, nos moldes do art.. 5º, §§ 1º a 3º, da Constituição da República. Além disso, é evidente que a discriminação fundada em ato ilícito ou mesmo abuso de direito, rompe com os princípios básicos expressos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em setembro de 1992. Atento a tais comandos, saliento que a Lei 9.029/95 vem ao encontro das diretrizes constitucionais e internacionais acima citadas, ao estipular proibição de discriminações as quais elenca de forma exemplificativa: Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias: I- a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez; II- a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem; a) indução ou instigamento à esterilização genética; b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS). Pena: detenção de um a dois anos e multa. Parágrafo único. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este artigo: I – a pessoa física empregadora; II- o representante legal do empregador, como definido na legislação trabalhista; III- o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 3º Sem prejuízo do prescrito no artigo anterior, as infrações do disposto nesta lei são passíveis das seguintes cominações: Art. 3º Sem prejuízo do prescrito no art. 2º desta Lei e nos dispositivos legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça, cor ou deficiência, as infrações ao disposto nesta Lei são passíveis das seguintes cominações: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) I- multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, elevado em cinqüenta por cento em caso de reincidência; II– proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais. (…) Portanto, o ordenamento jurídico nacional, calcado na Constituição Cidadã de 1988 e em normas internacionais que proíbem o discrímen revestido de ilícito, perpetrado com abuso de direito, por vezes travestido como legítimo, reprimem, por consequência, dispensas com tal teor, como no caso daquelas discriminatórias que se efetuam em razão de  doença grave que suscite estigma ou preconceito, nos termos da Sum. 443 do TST. Refiro ainda, calcado no princípio do diálogo das fontes, que a boa-fé objetiva deve ser observada nas relações de ordem trabalhista, em atenção ao comando descrito no CC de 2002 fundado em princípios constitucionais, dentre os quais, o da função social da propriedade, o qual estabelece, no art. 422, a necessidade de que as partes observem a boa-fé objetiva tanto na conclusão como na execução dos contratos. A liberdade de contratar deve estar atrelada à função social dos contratos (art. 421 do CC 2002), sendo inquestionável que tal comando tem destinação certeira com vistas ao observância dos direitos fundamentais, dentre os quais, o de melhoria das condições sociais do trabalhador (art. 7º, caput, CRFB) e o direito social à saúde (art. 6º da CRFB). Destaco que, contemporaneamente, não se sustenta uma leitura dos direitos fundamentais que tenha por base apenas a diferenciação entre a pessoa (titular do direito) e o Estado (de prestação social), implicando a simples verticalização dos direitos fundamentais. Tal dimensão convive e por vezes perpassa e se confunde, com a ideia de que os direitos fundamentais também devem ser observados pelo particular em suas relações sociais (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Tanto é assim que os códigos e legislações mais modernas trazem tal concepção a exemplo do CC de 2002 e do Código de Defesa do Consumidor. No contexto, oportunas as lições do professor João Trindade Cavalcante Filho: Antigamente se pensava que os direitos fundamentais incidiam apenas na relação entre o cidadão e o Estado. Trata-se da chamada “eficácia vertical”, ou seja, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre um poder “superior” (o Estado) e um “inferior” (o cidadão). Em meados do século XX, porém, surgiu na Alemanha a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que defendia a incidência destes também nas relações privadas (particularparticular). É chamada eficácia horizontal ou efeito externo dos direitos fundamentais (horizontalwirkung), também conhecida como eficácia dos direitos fundamentais contra terceiros (drittwirkung). Em suma: pode-se que dizer que os direitos fundamentais se aplicam não só nas relações entre o Estado e o cidadão (eficácia vertical), mas também nas relações entre os particulares-cidadãos (eficácia horizontal). Fonte:http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade    teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf) Acresço, ademais, que o TST, ao confirmar a incidência dos termos da Sum. 443, leva em conta as circunstâncias fáticas apuradas pelo Tribunal Regional respectivo, que indiquem discriminação presumida no despedimento do trabalhador, situação configurada no presente no caso. Neste norte, cumpre transcrever ementa da decisão proferida pela 3ª Turma do TST, noAIRR nº 1291-82.2014.5.07.0015, em 28-06-2017, publicada no DEJT de 03-07-2017, voto de lavra do Ministro Maurício Godinho Delgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI  13.015/2014.  DESPEDIDA  DISCRIMINATÓRIA.  EMPREGADO   PORTADOR   DE DOENÇA GRAVE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física do empregado. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas do nosso ordenamento jurídico, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade (arts. 1º, III e IV, e 170, III e VIII, da CF). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111, da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. Na esteira desse raciocínio, foi editada a Súmula 443/ TST, que delimita a pacificação da jurisprudência trabalhista neste aspecto, com o seguinte teor: ‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’. No caso concreto, o TRT consignou que o Reclamante era portador de doença renal grave, que culminou em gozo de auxílio- doença previdenciário, no período de 07.11.2013 a 17.12.2013, tendo a dispensa ocorrido oito dias após retornar do benefício previdenciário, no dia 25.12.2015, feriado de Natal, sem que a Reclamada apresentasse qualquer motivo a justificar o término do vínculo – o que, nos termos da Súmula 443 desta Corte, faz presumir o seu caráter discriminatório. O TRT, para chegar a tais conclusões, baseou-se nos fatos e circunstâncias constantes dos autos. (grifei) A respeito do tema, também, matéria recente publicada pela revista Galileu: COMO O PRECONCEITO CONTRIBUI PARA O AUMENTO DA EPIDEMIA DE AIDS Perconceito e epidemia A questão do preconceito não pode ser separada de uma síndrome estigmatizante como a aids. O assunto é tão importante que o Unaids criou um índice que mede como isso contribui para o avanço da epidemia, o Stigma Index – que deve incluir o Brasil no próximo ano. Leis como a que garante o tratamento gratuito pelo SUS e a que penaliza atos de discriminação ajudam, mas não são suficientes para mudar a mentalidade da sociedade, que ainda enxerga quem vive com o vírus como um “merecedor”. Além disso, o acesso à saúde e à orientação não é igual para todos. (…) (http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2017/07/como-o-preconceito-contribui-para-oaumento- da-epidemia-de-aids.html) Uma vez estabelecida a existência elementos a autorizar a presunção relativa de despedida discriminatória, configurado o ato ilícito e/ou o abuso de direito praticado pelo litisconsorte, no ato da rescisão contratual, entendo plausível o pedido do impetrante. No caso, considerando a condição de saúde do autor, entendo que o direito de despedir do empregador resta mitigado, em razão de um bem maior, na espécie, a tutela da saúde da pessoa trabalhadora. De outra parte, o princípio da continuidade da relação de trabalho, firma o perigo da demora na reintegração do obreiro, já que privada da relação de trabalho que dá lastro ao seu sustento. Além disso, a perda do plano de saúde no momento delicado da vida do impetrante, em que precisa continuar o tratamento, caracteriza o dano irreparável. Por fim, destaca-se que não há maiores prejuízos ao litisconsorte no deferimento da medida, uma vez que os salários pagos serão contraprestados pelo trabalho do impetrante. No que tange ao pedido para que seja declarado judicialmente o perdão tácito relativo à acusação sobre o desparecimento de valores, não cabe, em sede de mandado de segurança, a análise da matéria, a qual deve ser examinada de forma mais aprofundada na ação subjacente. Isto considerado, CONCEDO PARCIALMENTE O PEDIDO LIMINAR, para determinar a reintegração do autor no emprego, com o pagamento dos salários vencidos desde a despedida e a manutenção das condições e direitos da relação de trabalho, bem como o restabelecimento do plano de saúde. (…).”. Pois bem. Como visto, a decisão que deferiu a liminar ao impetrante já examinou à exaustão a situação fática delineada nos autos e, ipso facto, ratifico os fundamentos nela expostos. A manifestação do litisconsorte não traz elementos novos ou capazes de alterar o julgamento deste mandamus. Conforme decisão liminar, nos termos da Súmula 443 do TST, presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV. A dispensa de trabalhador doente é diametralmente contrária ao princípio da função social da propriedade, estabelecido na Constituição Federal como informador da ordem econômica brasileira (art. 170, II e III) que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. A função social da propriedade deve ser entendida, portanto, de forma a coadunar- se aos mais elevados objetivos constitucionalmente previstos, notadamente os concernentes à construção de uma sociedade livre, justa e solidária e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Reitero que aplica-se, na espécie, o entendimento constante da Súm. 443 do TST: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. Desta sorte, ao empregado não cabe provar a existência de discriminação, cabe à empresa comprovar que a despedida não foi discriminatória. Neste sentido, a jurisprudência majoritária vem invertendo o ônus da prova em casos que envolvam a dispensa de empregados portadores de moléstias graves tal como HIV positivo, cabendo aos empregadores a prova do fato modificativo, extintivo ou impeditivo da manutenção do empregado no trabalho. Isso se dá em virtude, notadamente, dos princípios da proteção ao trabalho e da aptidão para a prova, haja vista ser de extrema dificuldade ao trabalhador conseguir provar que a dispensa se deu por motivo discriminatório, constituindo este, também, um desdobramento do direito humano fundamental de acesso à justiça, com a facilitação dos meios de exercício do direito para melhor eficácia de sua tutela. Destarte, considerando que a despedida do impetrante teve cunho discriminatório, milita em seu favor o princípio da continuidade da relação de emprego (seguridade e estabilidade no trabalho), no que vislumbro, na decisão impetrada, violação a direito líquido e certo do trabalhador concernente à obtenção da tutela reintegratória como lhe foi deferida neste mandamus. Por fim, a ré se trata de empresa de grande porte financeiro na manutenção da decisão liminar, na medida e não se constata prejuízo em que alcançará salário mediante a respectiva prestação de trabalho. A recíproca, ao revés, causa grave prejuízo ao impetrante, privado de meios de subsistência e tratamento de saúde quando doente. A função social da propriedade, como princípio da ordem econômica e social, deve ser cumprida mediante o respeito ao valor social do trabalho, especialmente observando-se os Direitos Humanos das pessoas trabalhadoras para entrega de uma vida digna a quem trabalha. Aplicação do Decreto 9571/18 (Princípios Diretores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, que determina a entrega de trabalho decente e reitera a vedação à discriminação por parte das empresas: Art. 7º Compete às empresas garantir condições decentes de trabalho, por meio de ambiente produtivo, com remuneração adequada, em condições de liberdade, equidade e segurança, (…) Art. 8º Caberá às empresas combater a discriminação nas relações de trabalho e promover a valorização e o respeito da diversidade em suas áreas e hierarquias, com ênfase em: I – resguardar a igualdade de salários e de benefícios para cargos e funções com atribuições semelhantes, independentemente de critério de gênero, orientação sexual, étnico-racial, de origem, geracional, religiosa, de aparência física e de deficiência; Por todos estes aspectos, confirmo integralmente a decisão que determinou a reintegração do impetrante no emprego, com o pagamento dos salários vencidos desde a despedida e a manutenção das condições e demais direitos da relação de trabalho consolidada com a litisconsorte, bem como o restabelecimento do plano de saúde. Destaco, ainda, que nesse sentido também é o parecer do Ministério Público do Trabalho, de lavra do Exmo. Sr. Procurador Regional do Trabalho, Dr. Victor Hugo Laitano, que preconiza pela parcial concessão da segurança postulada (Id. acf3c69): “(…). Na espécie em exame, à luz do quadro fático, se divisa a ilegalidade ou abuso de poder no ato praticado pela autoridade apontada como coatora a dar azo à concessão da ordem mandamental. O pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado pelo autor foi indeferido, nos autos da ação subjacente, nos seguintes termos: (…). Com efeito, na hipótese dos autos, verifica-se a verossimilhança das alegações do autor, de modo a autorizar o Juízo impetrado a conceder, mediante liminar, a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional de mérito. Isto porque, é factível concluir que pode haver ilegalidade no ato que indeferiu a reintegração do trabalhador ao serviço em antecipação dos efeitos da tutela de mérito, ante a razoabilidade da tese de existência de despedida fundada em critério discriminatório na hipótese sob lume. Além disso, importa ressaltar que a discriminação pode ser entendida como qualquer distinção, exclusão ou preferência que altere a igualdade de oportunidades ou de tratamento. Existe discriminação quando o empregador impede a contratação ou a continuidade da relação de trabalho por motivo arbitrário, como no caso em exame. Assim, restando presente a verossimilhança das alegações do impetrante, também existe o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ante a possibilidade de ficar o trabalhador sem os meios necessários à sua subsistência com o rompimento contratual procedido pela empresa. De outra parte, a manutenção do contrato de trabalho do impetrante até o final julgamento da matéria debatida na ação subjacente não traz prejuízos à empresa litisconsorte, porquanto estará se valendo da força de trabalho do obreiro até o julgamento do mérito da ação subjacente. Neste cenário, não merece vingar a decisão atacada, ao não conceder a tutela de urgência pretendida na ação subjacente. Destarte, entendo caracterizados os requisitos que autorizam seja determinada a imediata reintegração do impetrante ao quadro de empregados do litisconsorte, restabelecendo-se o vínculo de emprego em seus termos primitivos, nas mesmas condições anteriores. Portanto, face o entendimento acima aduzido, no sentido de que a decisão proferida na ação subjacente importou em violação ao direito líquido e certo do impetrante, preconizo pela concessão da segurança pleiteada, confirmando-se a decisão liminar anteriormente deferida. Nesses termos, CONCEDO A SEGURANÇA, para tornar definitiva a decisão que determinou a reintegração do impetrante no mesmo cargo, função e remuneração, e, ainda, o restabelecimento do plano de saúde, tudo nas mesmas condições que eram alcançados no curso do contrato de trabalho, restando, por conseguinte, prejudicado o julgamento do agravo regimental. Concedo o benefício da gratuidade da justiça ao impetrante. Sem custas. Assinatura MARCELO JOSE FERLIN D’AMBROSO Relator VOTOS DESEMBARGADORA ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER: Na condição de revisora, acompanho o voto condutor. JUIZ CONVOCADO CARLOS HENRIQUE SELBACH: Acompanho o voto do Exmo. Desembargador Relator. DEMAIS MAGISTRADOS: Acompanham o voto do(a) Relator(a). PARTICIPARAM DO JULGAMENTO: DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO (RELATOR) DESEMBARGADORA ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER (REVISORA) DESEMBARGADORA VANIA MATTOS DESEMBARGADOR GILBERTO SOUZA DOS SANTOS DESEMBARGADOR ANDRÉ REVERBEL FERNANDES DESEMBARGADOR FERNANDO LUIZ DE MOURA CASSAL DESEMBARGADOR FABIANO HOLZ BESERRA DESEMBARGADOR MARCOS FAGUNDES SALOMÃO DESEMBARGADOR MANUEL CID JARDON DESEMBARGADOR ROGER BALLEJO VILLARINHO DESEMBARGADORA SIMONE MARIA NUNES DESEMBARGADOR ROSIUL DE FREITAS AZAMBUJA JUIZ CONVOCADO CARLOS HENRIQUE SELBACH

DECISÃO - Mandado de Segurança em favor de trabalhadora doente (neoplasia de mama) - RS

Identificação PROCESSO nº 0021796-16.2020.5.04.0000 (MSCiv) IMPETRANTE: NONONONONONONONONO AUTORIDADE COATORA: MAGISTRADO(A) DA 22ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE RELATOR: MARCELO JOSE FERLIN D'AMBROSO EMENTA   MANDADO DE SEGURANÇA. DESPEDIDA DE TRABALHADORA DOENTE. PRESUNÇÃO DE DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 443 DO TST. INOBSERVÂNCIA DE DIREITOS  HUMANOS FUNDAMENTALIZADOS  NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A SEREM RESGUARDADOS PELO ESTADO, MORMENTE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. 1. A trabalhadora e impetrante, quando da dispensa, estava acometida de neoplasia de mama, CID10 C50, encontrando-se em tratamento com hormonioterapia (com duração de 5 anos). Desligamento em condição de fragilidade (enfermidade), a configurar dispensa presumivelmente discriminatória. 2. Aplicação da teoria do Enfoque de Direitos humanos como novo paradigma hermenêutico que propõe interpretação e aplicação do Direito do Trabalho orientadas por uma visão humanística, na qual os direitos sociais são vistos em sua gênese, como Direitos Humanos, com vistas à sua efetividade, destacando-se o valor social do trabalho e a pessoa como ser humano nas relações de trabalho. Neste sentido, a Declaração do Centenário da OIT recomenda a centralidade do trabalho  nas  pessoas.  3.  A  Constituição  da  República  estabelece  como  mandato  imperativo  a  não discriminação, sendo que dos seus princípios e direitos fundamentais, notadamente, o valor social do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a melhoria das condições sociais do trabalhador e a função social da propriedade (arts. 1º, III e IV, 7º, caput, e 170, III e VIII), não é possível outra interpretação que não a da impossibilidade de discriminação de trabalhadores e trabalhadoras em razão de doenças, sejam elas de ordem física ou mental e quaisquer sejam as limitações delas derivadas. Leitura, também, da Convenção 111 da OIT e da Convenção Americana de Direitos Humanos, ambas ratificados pelo Brasil, além do disposto no Decreto 9571/18 (Princípios Diretores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos. 6. Entendimento que também encontra amparo na legislação ordinária (Lei 9.029/95), a qual prevê proibição de discriminações sob diversos aspectos, elencadas de forma meramente exemplificativa, e no art. 118 da Lei 8.213/91, que garante estabilidade provisória a trabalhadores portadores de doenças de origem ocupacional. 7. A função social da propriedade, como princípio constitucional, está diretamente atrelada ao respeito do valor social do trabalho, devendo ser cumprida através da observância de direitos e garantias fundamentais, dentre os quais, o de melhoria das condições sociais do trabalhador (art. 7º, caput, CRFB) e do direito social à saúde  (art.  6º  da  CRFB),  como  na  espécie.  8.  Direitos  humanos,  princípios,  direitos  e  garantias constitucionais são aplicáveis nas relações jurídicas estabelecidas entre todas as pessoas, especialmente nas relações de trabalho, consoante sua eficácia erga omnes. 9. Segurança concedida. ACÓRDÃO  Vistos, relatados e discutidos os autos. ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade,  CONCEDER A SEGURANÇA  para tornar definitiva a decisão liminar e cassar o ato da autoridade coatora, confirmando a reintegração da autora no emprego, em setor compatível com as funções antes exercidas e, sobretudo, com a doença a que está acometida, conforme recomendação médica. Custas dispensadas. Intime-se. Porto Alegre, 21 de setembro de 2020 (segunda-feira). RELATÓRIO   Trata-se de mandado de segurança impetrado por NONONONONONONONONOCOSTA VIEIRA, contra decisão proferida pelo MM. Juiz da 22ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, Dr. Maurício Graeff Burin, que, nos autos da ação 0020227-11.2020.5.04.0022, entendeu impossível determinar a sua reintegração ao emprego por conta da terceirização do setor em que a autora laborava antes do seu afastamento. Requer seja concedida medida liminar de segurança para determinar a sua imediata reintegração ao antigo emprego, com o restabelecimento do status quo ante ou com a tomada de medidas executivas atípicas consideradas necessárias por este juízo, conforme requerido no pedido principal. Requer aina, o benefício da gratuidade da justiça. A liminar postulada foi deferida (Id. 37a6747). A litisconsorte se manifesta no Id. 45bc9d9.   A autoridade apontada como coatora prestou informações no Id. 3a8176f. O Ministério Público do Trabalho, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Procurador Regional do Trabalho, Dr. Paulo Eduardo Pinto de Queiroz, preconiza pela concessão da segurança (Id. a6086d6). É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO   A impetrante alega, em síntese, que é portadora de neoplasia de mama (CID 10 C50), possuindo a necessidade de manter o tratamento da moléstia por, pelo menos, 05 (cinco) anos. Refere que esteve afastada entre 05.01.2019 até 31.12.2019, por força de benefício previdenciário concedido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS e apesar disso, foi dispensada em 02.01.2020 pela ré, isto é, no dia útil seguinte ao fim do seu benefício. Destaca que juntou ao feito de origem diversos documentos indicando que ainda realiza acompanhamento médico para evitar a piora do seu estado de saúde, com diversos exames - de sangue, mamografia, etc. Informa que, inicialmente, o juízo a quo deferiu a tutela antecipada, pautando-se no amplo conjunto probatório juntado aos autos da ação subjacente, porém, acatou o pedido de reconsideração da ré litisconsorte e revogou a tutela concedida baseando-se única e exclusivamente em suposta impossibilidade fática de cumprimento do pedido sob o argumento de que o setor de labor da ora impetrante foi terceirizado, o que impede o gozo do direito arguido. Refere que a terceirização do setor em que laborava antes do seu afastamento, por si só não afasta a discriminação com a trabalhadora portadora de doença grave, tampouco impede faticamente a sua reintegração. Ressalta que a dispensa sem justa causa de trabalhador realizando tratamento médico para evitar reincidência de câncer configura a dispensa discriminatória e, portanto, inválida. Invoca os termos da Súmula 443 do TST A decisão atacada encontra-se assim fundamentada (Id. 9745ac1): Vistos. Trata-se de pedido de reconsideração da decisão que determinou a reintegração da autora ao emprego e o restabelecimento do seu plano de saúde. A reclamada informa no ID. 171ea2c a terceirização do setor de higienização e a dispensa de todos os empregados. Alega que não possui mais tal setor e que a higienização é feita por empresa terceirizada, bem como por ser "instituição de saúde, os seus quadros exigem formação específica", razão pela qual afirma que "não há como cumprir a decisão, da forma como proferida". Ainda que a reclamada não acoste aos autos documentos que embasem suas alegações, verifico que, de fato, assiste razão à ré.   Isto porque recentes decisões deste Regional, tais como nas reclamatórias nº 0020137- 67.2019.5.04.0012 e nº 0021311-57.2018.5.04.0009, revelam que evidenciada a terceirização do setor de higienização e, por conseguinte, a dispensa de todos os empregados que nele lab oravam. Evidenciada, portanto, a extinção do setor em que a reclamante laborava, e a despedida também dos demais empregados, não há como presumir a dispensa discriminatória da autora, nada impedindo revisão deste posicionamento após esgotada a dilação probatória. Demonstrada a ausência dos pressupostos do art. 300 do CPC, revogo a liminar concedida no ID. 1ba0da9. Dê-se ciência às partes por meio de seus procuradores. Após, intime-se a parte autora para que se manifeste, em 15 dias, sobre a contestação e documentos apresentados pela ré (ID. f10abce e anexos). No mesmo prazo, dê-se ciência a reclamada acerca da proposta conciliatória apresentada (ID. 0f5dea4), oportunidade em que poderá, querendo, formular contraproposta. PORTO ALEGRE/RS, 12 de junho de 2020. MAURICIO GRAEFF BURIN Juiz do Trabalho Substituto Por sua vez, a decisão deste Relator, ao deferir a liminar nestes autos de writ, está assim fundamentada (Id. 37a6747): (...). É incontroverso nos autos que a impetrante é portadora de carcinoma ductal invasivo da mama esquerda (Id. 7626582), de modo que necessita constantemente de acompanhamento médico e tratamento. O atestado de Id. 69eab76 datado de 09/10/2019 dá conta que a impetrante "(...) é portadora de neoplasia de mama, cid10 C50, o estadio clínico atual da doença é IIA e o paciente encontra-se em tratamento como hormonioterapia (fará tratamento por 5 anos) e mantém acompanhamento nesta instituição.". O documento expedido pelo INSS de Id. 4c850dd - pág 4 (Comunicação de Decisão), dá conta que a impetrante esteve em benefício previdenciário -auxílio doença, até 31/12/2019 O Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho, Id. f30fe22, demonstra que a impetrante foi despedia em 02/01/2020, ou seja, dois dias após a cessação do benefício. Assim, os elementos existentes nos autos demonstram de forma inequívoca que a impetrante estava doente quando da despedida, em 02/01/2020, razão pela qual o contrato de trabalho deveria ter sido interrompido com o afastamento da autora de suas atividades para a realização de tratamento e não despedida sem justa causa. No caso, considerando a condição de saúde da autora entendo que o direito potestativo de despedir da empregadora resta mitigado, em razão de um bem maior, na espécie, a tutela da saúde da trabalhadora. Além disso, dispõe o art. 1º da Lei 9.029/95 que "É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros , ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal." (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015). O rol previsto no art. 1º desta lei (sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade) é meramente exemplificativo, incluindo-se aí, a proibição de outras formas de discriminação, na esteira dos princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação. Da mesma forma, a Convenção 111 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1968, traz um conceito de discriminação especificamente nas relações de trabalho, assim definindo-a em seu art. 1º, ipsis verbis: ARTIGO 1º 1. Para fins da presente convenção, o termo "discriminação" compreende : a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados. (...) 3. Para os fins da presente convenção as palavras "emprego" e "profissão" incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como as condições de emprego. A mencionada Convenção foi objeto de ratificação pelo Brasil, por meio do Decreto nº 62.150, de 19-01-1968, embora não tenha ela status de emenda constitucional pelos critérios expostos no art. 5º, §3º, da Constituição da República que assim especifica: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais." (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). Observa-se, no entanto, que os direitos e garantias expressos na Constituição de 1988 não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa seja parte (art. 5º, § 2º, CRFB). Além disso, é evidente que a discriminação fundada em ato ilícito ou mesmo abuso de direito, rompe com os princípios básicos expressos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil pelo Decreto 678, em setembro de 1992.   Nessa linha, o Decreto Federal 9.571/18, que promove as Linhas Diretrizes sobre Empresas e Direitos Humanos no Brasil, em diversos preceitos proíbe a prática de condutas discriminatórias pelas empresas, senão vejamos: Art. 3º A responsabilidade do Estado com a proteção dos direitos humanos em atividades empresariais será pautada pelas seguintes diretrizes: (...) - combate à discriminação nas relações de trabalho e promoção da valorização da diversidade; - promoção e apoio às medidas de inclusão e de não discriminação, com criação de programas de incentivos para contratação de grupos vulneráveis; (...) Art. 8º Caberá às empresas combater a discriminação nas relações de trabalho e promover a valorização e o respeito da diversidade em suas áreas e hierarquias, com ênfase em: (...) VIII - buscar a erradicação de todas as formas de desigualdade e discriminação; Tratam-se de normas imperativas e cogentes (art. 5º, § 2º, da Constituição Federal), de observância obrigatória, não podendo sua violação permanecer incólume. No caso, restou comprovada a conduta discriminatória adotada pela ré ao dispensar a autora assim que retornou de licença para tratamento de sua saúde, ignorando a gravidade da moléstia que a acometia (neoplasia de mama) e a possibilidade de sua recidiva, mesmo tendo ciência da sua existência. A dispensa de pessoa trabalhadora em condição de fragilidade física (doença) é diametralmente contrária ao princípio da função social da propriedade, estabelecido na Constituição Federal como informador da ordem econômica brasileira (art. 170, II e III), que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. A função social da propriedade deve ser entendida, portanto, de forma a coadunar-se aos mais elevados objetivos constitucionalmente previstos, notadamente os concernentes à construção de uma sociedade livre, justa e solidária e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Sob este aspecto, a empresa é tão responsável quanto o Estado no que se refere a assegurar direitos individuais e sociais, na promoção dos princípios da dignidade, valores sociais do trabalho e solidariedade humana. O respeito à legislação trabalhista e ao trabalhador é condição fundamental para o desenvolvimento sustentável da sociedade e para o cumprimento dos princípios fundamentais da República concernentes ao valor social do trabalho e dignidade da pessoa humana. Por óbvio que as condutas que violam a legislação social, notadamente as atitudes abusivas dos empregadores que se valem de sua posição econômica para impor condições aviltantes às pessoas que necessitam vender sua força de trabalho, constituem macro lesões que afrontam a própria existência do Estado. Aplica-se, na espécie, a Lei 9.029/95, a qual assim especifica: Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (...) Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: - a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais; - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros Por fim, destaco que a alegação da litisconsorte de que terceirizou o setor de higienização e dispensou todos os empregados, não pode servir como motivo para impossibilitar a reintegração da impetrante, haja vista que é notório que os empregados portadores de doenças graves, como no caso, sofrem certo estigma em nossa sociedade, sendo conveniente ao empregador, considerando a extinção do setor em que a pessoa trabalhadora laborava, optar por despedi-la, ao invés de adaptá-la em outra função compatível com as funções anteriormente exercidas. Ainda, não é crível que a Associação litisconsorte, considerando o seu porte e as unidades que administra, não possa aproveitar o trabalho da Impetrante em qualquer outro setor compatível com sua condição de saúde. Destarte, resta presente a verossimilhança das alegações da impetrante consubstanciada na prova inequívoca da doença, enquanto vigente o contrato de trabalho e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pois se encontra desprovido de salários. Caracterizada, prima facie, a violação a direito líquido e certo da impetrante, deve ser concedido o provimento judicial antecipatório, que configura direito subjetivo da autora do feito originário. Na espécie, portanto, examinando o contexto destes autos eletrônicos, a despeito da decisão impetrada, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada para fins de reintegração, de forma initio litis, postulada na ação subjacente. Aliás, tratando-se de contrato de trabalho - cujas obrigações principais, vale frisar, são a prestação de serviços e o pagamento do salário, evidentemente não há prejuízo à litisconsorte em tomar o serviço da autora, na medida em que a reintegração deferida implica a obrigação do empregador contraprestar salário mediante a respectiva prestação de trabalho pela empregada. Isto considerado, CONCEDO O PEDIDO LIMINAR, para cassar o ato da autoridade coatora denegatório de antecipação de tutela e, em reversão, determinar a reintegração da autora no emprego, em setor compatível com as funções antes exercidas e, sobretudo, com a doença a que está acometida, conforme recomendação médica. Como visto, a decisão que deferiu a liminar à impetrante examinou à exaustão a situação fática delineada nos autos. Ipso facto, atifico os fundamentos já expostos: a manifestação da litisconsorte não traz elementos novos ou capazes de alterar o julgamento deste mandamus. Conforme decisão liminar, os elementos existentes nos autos demonstram de forma inequívoca que a impetrante estava doente quando da despedida, em 02/01/2020, razão pela qual a relação de trabalho deveria ter sido interrompida e ou suspensa para permitir o afastamento da autora de suas atividades para a realização de tratamento, jamais despedida por justa causa: enfermidade não é motivo de desligamento. A documentação juntada nos autos (atestados médicos), deixa claro que a impetrante é portadora de carcinoma ductal invasivo da mama esquerda (Id. 7626582), necessitando constantemente de acompanhamento médico e tratamento, caracterizando-se, pois, a dispensa promovida, como ato discriminatório violador de Direitos Humanos fundamentais (de não ser discriminada) e à seguridade no trabalho (não ser despedida doente). Aplica-se, na espécie, o entendimento constante da Súm. 443 do TST: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. Conforme bem aponta o Ministério Público: Entendo que os argumentos destacados pelo Exmo. Relator são suficientes para o deferimento da liminar requerida. Com efeito, conforme exposto na decisão, restou comprovada a conduta discriminatória adotada pela ré ao dispensar a autora assim que retornou de licença para tratamento de sua saúde, ignorando a gravidade da moléstia que a acometia (neoplasia de mama) e a possibilidade de sua recidiva, mesmo tendo ciência da sua existência. Sendo assim, entende-se deva ser confirmada a liminar deferida no presente mandado de segurança. Destaco, ainda, o argumento também mencionado na decisão que deferiu a liminar, no sentido de que "nã o é crível que a Associação litisconsorte, considerando o seu porte e as unidades que administra, não possa aproveitar o trabalho da Impetrante em qualquer outro setor compatível com sua condição de saúde.". Destarte, considerando que a despedida da impetrante teve cunho discriminatório, de alta reprovabilidade social, e que milita em seu favor o princípio da continuidade da relação de emprego, vislumbro, na decisão da origem, violação a direito líquido e certo concernente à obtenção da tutela reintegratória deferida neste mandamus. Por fim, a ré se trata de empresa de grande porte e não se constata prejuízo financeiro na manutenção da decisão liminar, na medida em que a impetrante receberá salário mediante a respectiva prestação de trabalho. A recíproca, ao revés, causa grave prejuízo à impetrante. A função social da propriedade, como princípio da ordem econômica e social, deve ser cumprida mediante o respeito ao valor social do trabalho, observando-se os Direitos Humanos das pessoas trabalhadoras. Aplicação do Decreto 9571/18 (Princípios Diretores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos. Por todos estes aspectos,  CONCEDE-SE A SEGURANÇA pretendida, de modo a confirmar integralmente a decisão que determinou a reintegração da impetrante no emprego, em setor compatível com as funções antes exercidas e, sobretudo, com a doença a que está acometida, conforme recomendação médica. MARCELO JOSE FERLIN D'AMBROSO Relator VOTOS   DESEMBARGADORA MARIA SILVANA ROTTA TEDESCO: Na condição de Revisora, acompanho o voto do Exmo. Relator, por seus próprios fundamentos. JUIZ CONVOCADO CARLOS HENRIQUE SELBACH: Acompanho o Relator. DEMAIS MAGISTRADOS: Acompanham o voto do(a) Relator(a). PARTICIPARAM DO JULGAMENTO: DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO (RELATOR) DESEMBARGADORA MARIA SILVANA ROTTA TEDESCO (REVISORA) DESEMBARGADORA VANIA MATTOS DESEMBARGADOR GILBERTO SOUZA DOS SANTOS DESEMBARGADOR ANDRÉ REVERBEL FERNANDES DESEMBARGADOR JOÃO PAULO LUCENA DESEMBARGADOR FERNANDO LUIZ DE MOURA CASSAL DESEMBARGADORA BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS DESEMBARGADOR FABIANO HOLZ BESERRA DESEMBARGADORA ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER DESEMBARGADOR MARCOS FAGUNDES SALOMÃO DESEMBARGADOR MANUEL CID JARDON DESEMBARGADOR ROGER BALLEJO VILLARINHO DESEMBARGADORA SIMONE MARIA NUNES DESEMBARGADOR ROSIUL DE FREITAS AZAMBUJA JUIZ CONVOCADO CARLOS HENRIQUE SELBACH

DECISÃO - Suspensão de retorno das aulas presenciais até a vacinação - SP

Relator: JORGE LUIZ SOUTO MAIOR Processo Judicial Eletrônico   Data da Autuação: 07/10/2020 Valor da causa: R$ 1.000,00 Partes: IMPETRANTE: ADISI EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS LTDA CNPJ: 01.476.559/0001-55 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ALETHEIA INSTITUTO DE EDUCACAO, CULTURA E PESQUISA - CNPJ: 67.994.277/0001-58 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ASSOCIACAO FRANCISCANA DE ASSISTENCIA SOCIAL SAO JOSE CNPJ: 72.303.589/0001-08 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ASSOCIACAO EDUCACIONAL ATMO - CNPJ: 10.338.858/0001-14 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: CASSOLI & MALHEIROS LTDA CNPJ: 45.800.356/0001-48 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: CENTRO COMERCIAL E EDUCACIONAL BRASINHA LTDA CNPJ: 51.878.403/0001-79 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: CENTRO CULTURAL BRASIL ESTADOS UNIDOS DE CAMPINAS CNPJ: 46.023.214/0001-84 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: CENTRO DE APOIO ARTISTICO PEDAGOGICO LTDA CNPJ: 02.974.976/0001-90 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: CIE - CENTRO INTEGRADO DE EDUCACAO LTDA CNPJ: 03.603.786/0001-20 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: CENTRO EDUCACIONAL BASICO DE CAMPINAS LTDA CNPJ: 57.503.450/0001-14 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: COLEGIO AXIS MUNDI LTDA CNPJ: 67.164.079/0001-67 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: COLEGIO FUNDAMENTUM LTDA CNPJ: 49.607.070/0001-00 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: CONGREGACAO DE SANTA CRUZ CNPJ: 60.993.193/0001-50 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: COLEGIO RENOVATUS LTDA CNPJ: 46.064.093/0001-19 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ECOL COLEGIO E PRE-VESTIBULAR LTDA CNPJ: 24.054.246/0001-04 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ENSINO INFANTIL E FUNDAMENTAL FONTE DE EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS EIRELI                                            CNPJ: 04.523.953/0001-95 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ESCOLA DE EDUCACAO INFANTIL PATACOLA LTDA CNPJ: 68.003.847/0001-63 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ESCOLA INFANTIL PARAISO LTDA CNPJ: 51.901.734/0001-82 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ESCOLA 14 BIS EIRELI CNPJ: 02.760.018/0001-17 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ESCOLA CONTEMPORANEA LTDA CNPJ: 05.505.827/0001-70 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ESCOLA INFANTIL ELEFANTINHO AZUL LTDA CNPJ: 58.392.713/0001-28 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ESCOLA DE EDUCACAO INFANTIL FARROUPILHA LTDA CNPJ: 03.298.811/0001-09 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: ESPACO - CENTRO EDUCACIONAL LTDA CNPJ: 12.768.350/0001-81 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: INSTITUTO DE EDUCACAO TRACO MAGICO LTDA CNPJ: 54.693.593/0001-48 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: INSTITUTO EDUCACIONAL CRESCER LTDA CNPJ: 54.131.610/0001-53 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: M D S EDUCACAO INFANTIL LTDA CNPJ: 28.940.004/0001-79 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: NUCLEO DE RECREACAO INFANTIL FABULAS ENCANTADAS LTDA CNPJ: 00.716.608/0001-17 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: OBCAMP EDUCACAO LTDA CNPJ: 07.317.660/0001-40 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: RECANTO DE EDUCACAO INFANTIL ABELHINHA LTDA CNPJ: 59.028.290/0001-24 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: SOCIEDADE COMUNITARIA DE EDUCACAO E CULTURA CNPJ: 49.430.564/0001-53 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: COLEGIO INTEGRACAO CAMPINAS LTDA CNPJ: 54.696.687/0001-70 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: COLEGIO ANEXANDO EDUCACAO EIRELI CNPJ: 29.165.036/0001-07 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRANTE: SOCIEDADE DE EDUCACAO E ESPORTE EDUCAP LTDA CNPJ: 03.093.307/0001-72 ADVOGADO: JOSE CARLOS MARTINS JUNIOR - OAB: SP0254315 IMPETRADO: JUÍZO DA 3ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS CUSTOS LEGIS: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - CNPJ: 26.989.715/0001-02 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO Gabinete do Desembargador Jorge Luiz Souto Maior - SDC MSCol 0009468-48.2020.5.15.0000 IMPETRANTE: ADISI EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS LTDA, ALETHEIA INSTITUTO DE EDUCACAO, CULTURA E PESQUISA, ASSOCIACAO FRANCISCANA DE ASSISTENCIA SOCIAL SAO JOSE, ASSOCIACAO EDUCACIONAL ATMO, CASSOLI & MALHEIROS LTDA, CENTRO COMERCIAL E EDUCACIONAL BRASINHA LTDA, CENTRO CULTURAL BRASIL ESTADOS UNIDOS DE CAMPINAS, CENTRO DE APOIO ARTISTICO PEDAGOGICO LTDA, CIE - CENTRO INTEGRADO DE EDUCACAO LTDA, CENTRO EDUCACIONAL BASICO DE CAMPINAS LTDA, COLEGIO AXIS MUNDI LTDA, COLEGIO FUNDAMENTUM LTDA, CONGREGACAO DE SANTA CRUZ, COLEGIO RENOVATUS LTDA, ECOL COLEGIO E PRE-VESTIBULAR LTDA, ENSINO INFANTIL E FUNDAMENTAL FONTE DE EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS EIRELI, ESCOLA DE EDUCACAO INFANTIL PATACOLA LTDA, ESCOLA INFANTIL PARAISO LTDA, ESCOLA 14 BIS EIRELI, ESCOLA CONTEMPORANEA LTDA, ESCOLA INFANTIL ELEFANTINHO AZUL LTDA, ESCOLA DE EDUCACAO INFANTIL FARROUPILHA LTDA, ESPACO - CENTRO EDUCACIONAL LTDA, INSTITUTO DE EDUCACAO TRACO MAGICO LTDA, INSTITUTO EDUCACIONAL CRESCER LTDA, M D S EDUCACAO INFANTIL LTDA, NUCLEO DE RECREACAO INFANTIL FABULAS ENCANTADAS LTDA, OBCAMP EDUCACAO LTDA, RECANTO DE EDUCACAO INFANTIL ABELHINHA LTDA, SOCIEDADE COMUNITARIA DE EDUCACAO E CULTURA, COLEGIO INTEGRACAO CAMPINAS LTDA, COLEGIO ANEXANDO EDUCACAO EIRELI, SOCIEDADE DE EDUCACAO E ESPORTE EDUCAP LTDA IMPETRADO: JUÍZO DA 3ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS Seção de Dissídios Coletivos   Gabinete do Desembargador Jorge Luiz Souto Maior - SDC Processo: 0009468-48.2020.5.15.0000 MSCol IMPETRANTE: ADISI EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS LTDA, ALETHEIA INSTITUTO DE EDUCACAO, CULTURA E PESQUISA, ASSOCIACAO FRANCISCANA DE ASSISTENCIA SOCIAL SAO JOSE, ASSOCIACAO EDUCACIONAL ATMO, CASSOLI & MALHEIROS LTDA, CENTRO COMERCIAL E EDUCACIONAL BRASINHA LTDA, CENTRO CULTURAL BRASIL ESTADOS UNIDOS DE CAMPINAS, CENTRO DE APOIO ARTISTICO PEDAGOGICO LTDA, CIE - CENTRO INTEGRADO DE EDUCACAO LTDA, CENTRO EDUCACIONAL BASICO DE CAMPINAS LTDA, COLEGIO AXIS MUNDI LTDA, COLEGIO FUNDAMENTUM LTDA,  CONGREGACAO DE SANTA CRUZ, COLEGIO RENOVATUS LTDA, ECOL COLEGIO E PRE- VESTIBULAR LTDA, ENSINO INFANTIL E FUNDAMENTAL FONTE DE EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS EIRELI, ESCOLA DE EDUCACAO INFANTIL PATACOLA LTDA, ESCOLA INFANTIL PARAISO LTDA, ESCOLA 14 BIS EIRELI, ESCOLA CONTEMPORANEA LTDA, ESCOLA INFANTIL ELEFANTINHO AZUL LTDA, ESCOLA DE EDUCACAO INFANTIL FARROUPILHA LTDA, ESPACO - CENTRO EDUCACIONAL LTDA, INSTITUTO DE EDUCACAO TRACO MAGICO LTDA, INSTITUTO EDUCACIONAL CRESCER LTDA, M D S EDUCACAO INFANTIL LTDA, NUCLEO DE RECREACAO INFANTIL FABULAS ENCANTADAS LTDA, OBCAMP EDUCACAO LTDA, RECANTO DE EDUCACAO INFANTIL ABELHINHA LTDA, SOCIEDADE COMUNITARIA DE EDUCACAO E CULTURA, COLEGIO INTEGRACAO CAMPINAS LTDA, COLEGIO ANEXANDO EDUCACAO EIRELI, SOCIEDADE DE EDUCACAO E ESPORTE EDUCAP LTDA IMPETRADO: JUÍZO DA 3ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS Vistos e examinados. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por ADISI EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS LTDA E OUTROS, em face ato praticado pela autoridade tida como coatora nos autos da Ação Civil Pública nº 0011244-51.2020.5.15.0043, em trâmite na 3ª Vara do Trabalho de Campinas/SP. Pugnam pelo deferimento de liminar a fim de que seja cassada a liminar deferida parcialmente nos autos da Ação Civil Pública. Vejamos. O Sindicato dos Professores de Campinas ajuizou a ação civil pública já referida pleiteando, inclusive liminarmente, que o Estado (1º requerido) seja compelido a editar  ato  normativo suspendendo a autorização de retorno das aulas presenciais até a vacinação de professores e alunos; sucessivamente, que seja editado novo ato normativo autorizado o retorno     de aulas presenciais apenas “(...) após a realização dos testes de Covid e fornecimento de EPIs, bem como para que não sejam convocados professores que são portadores de comorbidades ou integram grupo de risco ou que residam com pessoas que integram grupo de risco”; que os estabelecimentos de ensino representados pelos sindicatos (2º e 3º requeridos) se abstenham de convocar professores até a vacinação de toda a “comunidade escolar”; sucessivamente, que os estabelecimentos de ensino se abstenham de convocar professores que são portadores de comorbidades ou integram grupo de risco ou que residam com pessoas que integram grupo de   risco; que os estabelecimentos de ensino se abstenham de convocar os professores antes da realização dos testes de Covid-19 e sem o fornecimento de EPIs; que sejam apresentados estudos técnicos que comprovem a ausência de risco para a saúde dos professores, bem como a viabilidade do cumprimento dos planos pedagógicos. Pleiteou liminar. O juízo de origem deferiu parcialmente a liminar pleiteada, nos seguintes termos (cópias de fls. 152/157): (...) Por isso, acolho parcialmente o pedido de tutela de urgência e determino que as instituições de ensino substituídas pelo segundo e terceiro requeridos cumpram as seguintes obrigações, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, por empregado prejudicado e por determinação descumprida: abster-se de convocar para retorno ao trabalho presencial os empregados substituídos enquadrados em grupo de risco e os empregados que coabitam com pessoa enquadrada em grupo de risco, até que estejam imunizados pela vacinação; realizar previamente testes de COVID19 em todos os empregados substituídos, ficando condicionado o retorno ao trabalho ao resultado negativo do exame; fornecer gratuitamente EPIs a todos os empregados substituídos em quantidade suficiente para prestação de serviços em segurança, especialmente: máscaras de proteção respiratória cirúrgica ou máscara de proteção respiratória (N.95 ou equivalente); óculos de proteção ou máscara de proteção facial; álcool gel e disponibilização de luvas descartáveis. Consideram-se trabalhadores do grupo de risco aqueles com mais de 60 anos ou que apresentem condições clínicas de risco para desenvolvimento de complicações da COVID19: cardiopatias graves ou descompensadas (insuficiência cardíaca, infartados, revascularizados, portadores de arritmias, hipertensão arterial sistêmica descompensada); pneumopatias graves ou descompensadas (dependentes de oxigênio, portadores de asma moderada/grave, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica - DPOC); imunodeprimidos; doentes renais crônicos em estágio avançado (graus 3, 4 e 5); diabéticos, conforme juízo clínico, e gestantes de alto risco (PORTARIA CONJUNTA Nº 20, DE 18 DE JUNHO DE 2020, do Ministério da Economia/Secretaria Especial de Previdência e Trabalho). (...) Aduzem as 33 (trinta e três) impetrantes, em síntese, que o governo do Estado de São Paulo programou o retorno das aulas por meio de cronograma válido para escolas públicas e privadas, do ensino infantil ao superior, atrelado à permanência de todas as regiões da fase amarela do “Plano SP – Fase 3”; que o Município de Campinas se encontra na fase amarela; que todas as instituições de ensino de Campinas e região instituíram rigorosos protocolos sanitários para a proteção de seus alunos, familiares e empregados, vislumbrando o retorno graduais às aulas presenciais; que o Decreto Municipal nº 21.094/2020 disciplinou o retorno das atividades escolares presenciais do Município de Campinas, não impedindo o retorno do grupo de risco e não exigindo a testagem prévia de todos os funcionários. Sustentam que os itens 1 e 2 da tutela deferida não possuem amparo legal, médico ou científico, além de serem desprovidos de bom senso e proporcionalidade; que não há proibição legal ao retorno de pessoas do grupo de risco ou que coabitem com pessoas do grupo de risco; que o protocolo sanitário do Estado apenas recomenda o afastamento de pessoas do grupo de risco, mas não proíbe o retorno, como o fez o juízo impetrado; que é exagerada a decisão impetrada ao determinar que o retorno das pessoas do grupo de risco ocorra apenas quando da imunização, o que não se sabe quando ocorrerá; que não existe obrigação legal para realização de testes prévios como condição para retorno dos trabalhadores; que a orientação das entidades nacionais e internacionais é de que a testagem seja realizada apenas nos trabalhadores sintomáticos. Pois bem. Como visto, em concreto, as pretensões formuladas pelo Sindicato dos Professores sequer foram acolhidas pelo juízo impetrado, sendo acatadas apenas aquelas referentes a medidas que, não sendo efetivadas, significariam expressa declaração de desprezo ao direito à vida. O que estabeleceu o juízo de origem foram apenas condições mínimas de segurança para que a retomada das aulas presenciais pelos estabelecimentos de ensino pudesse ocorrer sem potencializar o risco de contaminação dos(as) trabalhadores(as) e, consequentemente, de todas as demais pessoas relacionadas à atividade, o que se deu, ademais, em absoluta harmonia com o que estabelecem os arts. 1º, inciso III, 5º caput e 7º, inciso XXII, da CF/88. Fundamentalmente, as impetrantes dizem que como o Decreto Municipal de 21.094 de 05 de outubro de 2020, editado para disciplinar o retorno das atividades escolares  presenciais no município de Campinas, não impediu o retorno do grupo de risco e não exigiu testagem prévia essas condições não poderiam ser estabelecidas judicialmente. Com tal argumento, as impetrantes consideram que é possível atribuir a um decreto do Executivo municipal uma posição superior às normas constitucionais, para o efeito, inclusive, de rebaixar a proteção dos direitos fundamentais. A obrigação de evitar riscos de vida a outras pessoas não depende de uma deliberação administrativa do Poder Executivo (em todos os níveis). A ausência de uma previsão neste sentido, portanto, só gera o efeito de se poder lamentar a inércia a respeito. Não gera direitos e não elimina obrigações. No caso, se existem, conforme cientificamente comprovado, um grupo de pessoas cujo risco de sofrer consequências mais graves com a COVID-19, é evidente que a proteção à vida dessas pessoas exige maiores rigores. O argumento em favor da exposição a risco de pessoas reconhecidamente integradas ao grupo de risco só porque um decreto municipal não criou tal obrigação equivale a desconsiderar os princípios mínimos de solidariedade e de respeito à dignidade humana, que constituem os preceitos fundantes da República Federativa do Brasil. Além disso, há de se reconhecer, que se no decreto em questão não há um tratamento específico para as pessoas em grupo de risco, também não se encontra uma autorização expressa para que sejam desconsideradas. E há de se acrescentar que mesmo a defesa do limite estabelecido na decisão atacada, acaba servindo para naturalizar a volta ao trabalho presencial das pessoas que não estão integradas ao grupo de risco antes que as autoridades sanitárias anunciem o fim da pandemia. De fato, o retorno ao trabalho presencial, sem as garantias de que o risco de contágio foi reduzido a zero ou sem o advento de uma vacina eficiente contra a doença, mesmo com a adoção de todas as medidas sanitárias recomendadas ou judicialmente estabelecidas, não deixa de se constituir uma situação em que vidas são postas em risco, valendo lembrar que os problemas decorrentes da doença não se restringem aos casos de morte. Há vários efeitos deletérios que a COVID-19 pode produzir em curto ou a longo prazo. Daí porque a providência acautelatória mínima e fundamental é a testagem, conforme fixado pelo juízo impetrado. Em concreto, a pretensão das 33 (trinta e três) impetrantes no sentido de tornar sem efeito as exigências estabelecidas pelo juízo de origem na decisão impugnada, apenas  reforça os fundamentos expostos pelo Sindicato profissional na inicial da ação civil pública, ainda mais justificando o receio de que, efetivamente, o retorno dos(as) trabalhadores(as) pode representar um grave risco a toda a sociedade. Se as 33 (trinta e três) impetrantes não querem nem cumprir essas medidas mínimas de prevenção e até invocam um suposto direito líquido e certo para assim agir, melhor mesmo teria sido acolher a pretensão do sindicato de proibir a volta às aulas. Nesse contexto, fica a desconfiança de que se outros cuidados, referentes também ao corpo discente e aos demais trabalhadores e trabalhadoras que atuam nas impetrantes, incluindo terceirizados e terceirizadas, serão efetivamente tomados. Vale verificar que o único argumento supostamente jurídico trazido pelas impetrantes, para não cumprirem as obrigações fixadas na decisão impetrada, é a ausência de disposição neste sentido nos decretos executivos que cuidam do retorno das atividades presenciais. De mais a mais, o respeito à vida alheia é desses preceitos também de ordem moral que não dependem da existência de uma norma jurídica para que tenha plena eficácia na convivência humana. No fundo, suas justificativas são de ordem econômica e burocrática, considerando que já estava tudo preparado para o retorno das atividades presenciais a partir de 07 de outubro. Bem se vê, no entanto, que as impetrantes se esqueceram do fundamental, a negociação com os(as) trabalhadores(as). Sob os pressupostos de praticidade, com fundo econômico, as impetrantes parecem despreocupadas com os efeito que a situação do retorno açodado das atividades presenciais possa causar para o conjunto da sociedade. Não é demais lembrar que a experiência mundial caminha em sentido contrário. Mais precisamente, no início de setembro, o governo da França determinou o fechamento de dezenas de escolas após a verificação de casos de contaminação relacionados à retomada das atividades escolares presenciais, mesmo com a adoção de protocolo rígido de higiene e segurança (undefined devido-casos-de-covid-19-24642607 - acesso em 08/10/2020). É exatamente disso que cuida a r. decisão impugnada ao estabelecer, com forte amparo na Constituição Federal de 1988, na Convenção nº 155, da OIT, e nas Normas Regulamentadoras nº 7 e nº 9, condições mínimas e inafastáveis para o retorno das atividades presenciais nas instituições impetrantes. O item 1 da decisão impugnada é necessário, pois é de conhecimento geral, conforme amplamente divulgado nos meios de comunicação, que os efeitos da Covid-19 em pessoas integradas ao chamado “grupo de risco” podem ser muito graves, levando à morte. O item 2, por sua vez, trata de condição absolutamente essencial, na medida em que, sem a realização de testes, não é possível saber se o(a) trabalhador(a) convocado para o trabalho presencial está contaminado(a). A ausência dessa verificação, além de colocar em risco a vida do(a) trabalhador(a), também pode promover a transmissão da doença, tanto no local de trabalho, quanto entre as pessoas com as quais o(a) trabalhador(a) se correlacione no percurso de casa até o trabalho. Aliás, como se sabe, a ampla e reiterada testagem, além do isolamento dos profissionais, foram as principais medidas adotadas para a retomada de algumas atividades desportivas, embora nem mesmo isso tenha se mostrado suficiente para garantir ampla segurança. Por fim, quanto ao item 3 (fornecimento de EPIs), além de obrigação legal, trata- se de medida já prevista nos planos sanitários das próprias impetrantes, sequer havendo alguma motivação na inicial do mandado de segurança justificando sua exclusão. Aliás, causa espécie que empregadores socorram ao Judiciário pleiteando o direito (que seria, na sua visão, líquido e certo, ou seja, inquestionável) de não oferecer equipamentos de proteção individual a seus empregados. Nenhum argumento de dificuldade econômica, de fundo burocrático ou de ordem cronológica tem vigor diante das inúmeras normas jurídicas voltadas à preservação da vida e o que efetivamente se cuida no caso concreto é da adoção de medidas que, minimamente, possam garantir alguma redução de risco de contaminação entre professores(as), estudantes e demais trabalhadores(as). De minha parte, seguramente, nenhuma pretensão, sob qualquer pretexto, de desprezo ao direito fundamental à vida terá acolhida. Aliás, considerando a pretensão expressamente formulada pelas impetrantes, que, invocando, de forma prioritária, questões burocráticas e econômicas, condicionam a adoção de medidas de proteção à vida no ambiente de trabalho à existência de um decreto municipal que as obriguem a tanto e se negam a cumprir um comando judicial que, invocando vários preceitos jurídicos fundamentais, meramente preencheu as graves omissões contidas em referidos decretos, o provimento mais apropriado talvez tivesse sido mesmo o da proibição do retorno das atividades presenciais, como, ademais, pretendia o Sindicato dos Professores. Isso, no entanto, extrapola os limites objetivos do presente mandado se segurança. Por todos esses fundamentos, indefiro a liminar pleiteada, mantendo intacta a decisão proferida pelo juízo impetrado, que, vale reforçar, não proibiu a retomada das atividades, tendo meramente fixado condições essenciais para tanto, no sentido de: 1) não haver convocações para retorno ao trabalho presencial dos(as) empregados(as) enquadrados(as) em grupo de risco e dos(as) empregados(as) que coabitam com pessoa enquadrada em grupo de risco, até que estejam imunizados(as) pela vacinação; 2) realização prévia de testes de COVID19 em todos(as) os(as) empregados(as), ficando condicionado o retorno ao trabalho ao resultado negativo do exame; e 3 fornecimento gratuito de EPIs a todos(as) os(as) empregados (as) em quantidade suficiente para prestação de serviços em segurança, especialmente: máscaras de proteção respiratória cirúrgica ou máscara de proteção respiratória (N.95 ou equivalente); óculos de proteção ou máscara de proteção facial; álcool gel e disponibilização de luvas descartáveis. À autoridade impetrada para informações, no prazo legal. Após, ao Ministério Público do Trabalho. Campinas, 08 de outubro de 2020. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR   Desembargador relator

Decisão - Arguição de Inconstitucionalidade, beneficiário da justiça gratuita - PA

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO - PJE PLENO Relator: GABRIEL NAPOLEAO VELLOSO FILHO ArgIncCiv 0000944-91.2019.5.08.0000 ARGUINTE: SEGUNDA TURMA DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO ARGUÍDO: EGREGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIAO CERTIDÃO   Certifico, para os devidos fins, que até a presente data não houve apresentação recurso contra o Acórdão de Id BELÉM, 12 de março de 2020. PAULO RODRIGO BARROSO DE MENDONÇA Servidor BELEM/PA, 12 de março de 2020. PAULO RODRIGO BARROSO DE MENDONCA Diretor de Secretaria   CERTIDÃO PJe-JT   CERTIFICO, para os devidos fins, que o presente processo foi julgado na sessão do dia 10/02 /2020, havendo participado de seu julgamento os Exmºs Srs. Desembargadores: PASTORA DO SOCORRO TEIXEIRA LEAL – Presidente, GRAZIELA LEITE COLARES, VICENTE JOSÉ MALHEIROS DA FONSECA, JOSÉ EDÍLSIMO ELIZIÁRIO BENTES, FRANCISCA OLIVEIRA FORMIGOSA, SUZY ELIZABETH CAVALCANTE KOURY, GABRIEL NAPOLEÃO VELLOSO FILHO, MÁRIO LEITE SOARES, LUIS JOSÉ DE JESUS RIBEIRO, MARIA VALQUÍRIA NORAT COELHO, MARIA ZUÍLA LIMA DUTRA e PAULO ISAN COIMBRA DA SILVA JÚNIOR. E, como representante do Ministério Público do Trabalho, esteve presente na sessão a Exmª Srª. Drª. CINTIA NAZARÉ PANTOJA LEÃO, Procuradora do Trabalho. CERTIFICO que o Acórdão de Id 16283c7 foi divulgado no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho - DEJT do dia 11/02/2020, considerando-se como data da publicação neste juízo o dia 12/02/2020 (quarta-feira), em consonância com o ATO CONJUNTO TST.CSJT Nº 26, de 18 de setembro de 2008. O referido é verdade. Dou fé. BELEM/PA, 12 de fevereiro de 2020 PAULO RODRIGO BARROSO DE MENDONCA Servidor(a) BELEM/PA, 12 de fevereiro de 2020.   PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO Gab. Des. Gabriel Velloso PROCESSO nº 0000944-91.2019.5.08.0000 (ArgIncCiv) ARGUINTE: EGRÉGIA 2ª TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIÃO ARGUIDO : EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIÃO CUSTOS LEGIS: MINISTERIO PUBLICO DA UNIAO               ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO QUARTO DO ART. 791-A, DA CLT. Declara-se a inconstitucionalidade do parágrafo quarto do art. 791-A da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/17, por violação aos princípios e garantias fundamentais consagrados no artigo 1º, III (princípio da dignidade da pessoa humana), artigo 5º, caput (princípio da igualdade), artigo 5º, XXXV (princípio de amplo acesso à jurisdição) e artigo 5º, LXXIV (garantia fundamental da assistência jurídica integral e gratuita), da Constituição Federal em vigor.           RELATÓRIO   Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, em que são partes, como suscitante e suscitado, as acima indicadas. Trata-se de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade do §4º do art. 791-A, da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/2017, suscitado por este Relator em sessão da E. Segunda Turma deste Egrégio Regional, de 13.11.2019, que, acolhido, ora é submetido à apreciação do TRIBUNAL PLENO, nos termos previstos no artigo 948 e seguintes do Código de Processo Civil e nos artigos 23, 103 e 180 do Regimento Interno deste Tribunal. Após a autuação e a redistribuição regular do feito, este Relator determinou a intimação do Ministério Público do Trabalho (MPT), para emitir parecer, o qual consta sob o Id c89a69d, opinando pelo conhecimento e provimento parcial do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, para declarar inconstitucional trecho do art. 791-A, §4º da CLT, qual seja: "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", por violar a Constituição Federal em seus arts. 1º, III e 5º, caput, XXXV e LXXIV. É o relatório. FUNDAMENTOS   Admissibilidade   Consoante relatado, em sessão de julgamento realizada no dia 13.11.2019, a EGRÉGIA SEGUNDA TURMA DESTE TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIÃO, acolhendo proposta suscitada por este Relator, deliberou, por maioria de votos, pela instauração do presente INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE do §4º do art. 791-A da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, com fundamento no artigo 948 e seguintes do Código de Processo Civil e nos artigos 23, 103 e 180 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal do Trabalho, nos autos do PROCESSO nº 0000269-41.2019.5.08.0126 (RO), em que são partes: RECORRENTE: SANADREA DOS SANTOS SOARES E RECORRIDA: HIPERMERCADO SENNA DIST. EXP. E IMPORT. LTDA. Desse modo, presentes os requisitos de admissibilidade, uma vez superado o impeditivo a que se refere o inciso I do art. 949 do CPC, resta admitido o presente incidente de inconstitucionalidade. 2.3. Mérito   DA INCONSTITUCIONALIDADE DO §4º DO ARTIGO 791-A DA CLT   Objetiva o presente incidente a declaração de inconstitucionalidade do §4º do artigo 791-A da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/2017, no que diz respeito à condenação em honorários de sucumbência, quando o vencido for beneficiário da Justiça gratuita. Entendo que o dispositivo é inconstitucional, por quatro razões: a) viola o artigo 5º, LXXIV, da Constituição: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos"; b) viola a dignidade da pessoa humana, erigida a princípio constitucional no inciso III do art. 1º; c) viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 5º, caput da Constituição, na medida em que nega ao trabalhador garantias que são concedidas no processo civil (§1º do art. 98 do CPC); d) bem como viola o princípio de amplo acesso à jurisdição consagrado no artigo 5º, XXXV, da Carta Magna em vigor, uma vez que se choca com os direitos à inafastabilidade da jurisdição. Desta maneira, pretende-se por este incidente seja declarada a inconstitucionalidade: - in totum do §4º do art. 791-A da CLT e/ou; - da expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa" contida no §4º do art. 791-A da Transcreve-se o teor do dispositivo celetista ora em debate: Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. (...) 4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. De fato, à luz do citado comando legal, mesmo que beneficiário da justiça gratuita, o trabalhador vencido deverá pagar honorários quando tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar este pagamento. Por evidente que referida previsão celetista, que confere o mesmo tratamento às partes processuais que se encontram em posições desiguais, malferindo os princípios basilares do direito do trabalho, em especial o princípio da proteção, viola as garantias constitucionais do acesso à jurisdição e do mínimo material necessário à proteção da dignidade humana (CR, arts. 1º, III, e 5º, LXXIV). A Constituição de 1988 consagra a garantia de amplo acesso à jurisdição em seu art. 5º, nos incisos XXXV e LXXIV, que tratam, respectivamente, dos direitos à inafastabilidade da jurisdição e à assistência judiciária integral aos necessitados, in verbis: "XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...] LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Todavia, em posicionamento contrário aos movimentos democráticos que consolidaram essas garantias de amplo e igualitário acesso à justiça, a norma em evidência inviabiliza tal acesso ao trabalhador economicamente desfavorecido, imputando-lhe o pagamento de custas e despesas processuais de sucumbência com uso de créditos trabalhistas auferidos na Reclamação Trabalhista, de natureza alimentar, em prejuízo do próprio sustento e de sua família. Neste sentido, manifesta-se o insigne doutrinador Maurício Godinho Delgado em sua obra in "A reforma trabalhista no Brasil com os comentários à Lei n. 13.467/2017" - São Paulo: LTr, 2017, página 329: (..)A alteração inserida pela Lei n. 1 3.467/2017 no tocante ao regime de concessão dos honorários advocatícios de sucumbência - da maneira como regulado esse regime - corresponde a um, entre vários, dos aspectos mais impactantes da reforma, considerado o plano processual trabalhista.   É que o conjunto normativo constante do art. 791-A, caput e §§ 1º até 5º, da CLT - se lido em sua literalidade -, pode inviabilizar o direito e a garantia constitucionais fundamentais constitucionais da justiça gratuita (art. 5º, XXXV, CF) e o direito, garantia e princípio constitucionais fundamentais do amplo acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF) relativamente à grande maioria das pessoas físicas dos trabalhadores do País. Isso em decorrência dos elevados riscos econômico-financeiros que passam a envolver o processo judicial trabalhista, particularmente para as pessoas destituídas de significativas (ou nenhuma) renda e riqueza". (...).   Acerca do tema em questão, também posiciona-se Mauro Schiavi em sua obra "A reforma trabalhista e o processo do trabalho : aspectos processuais da Lei n. 13.467/17 / Mauro Schiavi. - 1. ed. - São Paulo : LTr Editora, 2017, páginas. 83/86: "A previsão da sucumbência recíproca configura a alteração mais significativa da novel legislação, pois altera, em muito, o protecionismo processual que é um dos pilares de sustentação do processo trabalhista e, pode em muitos casos inviabilizar ou ser um fator inibitório do acesso à justiça da parte economicamente fraca. Como bem adverte José Afonso Dallegrave Neto(79): "Imagine-se, por exemplo, um trabalhador que ingressa na Justiça do Trabalho por ter adquirido doença que lhe causou perda laboral total. Segundo ele e a opinião de seu médico particular a incapacidade tinha nexo com a execução do seu trabalho. Após intenso debate, produção de prova documental, testemunhal e pericial o juiz acolhe o pedido e defere indenização por dano moral de R$ 30.000,00, mais pensionamento equivalente a R$ 170.000,00, e honorários advocatícios de 10%. Além disso, o Reclamante também ganha R$ 10.000,00 referente a diferenças salariais de equiparação salarial. O Reclamado recorre e, por maioria de votos, a Turma reforma a decisão. Julga improcedente o pedido acidentário e mantém o da equiparação. Ora, neste caso, mesmo com o êxito no pedido de diferenças salariais, o trabalhador terá um saldo negativo em seu processo. Apesar de ganhar R$ 11.000,00 (R$ 10.000,00 + 10% de honorários), terá que pagar R$ 20.000,00 ao Reclamado relativo aos honorários de sucumbência do pleito reformado (10% sobre: R$170.000,00 + R$ 30.000,00). Moral da história, o trabalhador ganhou equiparação e mesmo assim sairá devendo R$ 9.000,00 para a empresa". De nossa parte, a sucumbência recíproca deverá ser vista com muita sensibilidade pelo Judiciário Trabalhista de modo a não obstar a missão histórica da Justiça Trabalhista que é facilitar o acesso à Justiça ao trabalhador. No mesmo diapasão advertem Jorge Luiz Souto Maior e Valdete Severo(80): "Aqui talvez se esteja diante de uma das mais nefastas previsões da Lei n. 13.467/17, pois a sucumbência recíproca é a antítese da razão de existência mesma de um processo do trabalho, ao menos nos moldes propostos, isto é, sem o reconhecimento da gratuidade como princípio do acesso à justiça e sem a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, ou seja, impondo custos a quem não tem como pagar. A Justiça do Trabalho tem por pressuposto a facilitação do acesso à justiça, o que inclui a noção de jus postulandi e de assistência gratuita. Essa última, como se viu, abrange todas as despesas do processo. E se assim não for, para que a norma seja aplicada em consonância com a proteção que inspira a existência do processo do trabalho e com a própria linha argumentativa dos defensores da "reforma", que insistem em dizer que não houve retirada de direitos, outras duas questões devem ser necessariamente observadas. Primeiro, que os honorários deferidos ao patrono do reclamante precisarão ser compensados com aqueles fixados em contrato, caso não se compreenda pela própria impossibilidade de cumulação. E, ainda, que os honorários fixados para o advogado da empresa deverão ser de 5%, enquanto aquele a ser reconhecido ao patrono do trabalhador deverá observar o patamar máximo de 15%, em razão da objetiva diferença na capacidade econômica das partes. Além disso, há de se reconhecer que sucumbência recíproca não existe no aspecto específico da quantificação do pedido. Isto é, se, por exemplo, o pedido de dano moral, com valor pretendido de R$ 50.000,00, for julgado procedente mas no patamar fixado pelo juiz de R$ 5.000,00, não se terá a hipótese de "procedência parcial", da qual advém a hipótese de sucumbência recíproca, porque, afinal o pedido foi julgado procedente e a própria lei autoriza fixar as indenizações em outro patamar, que não é de um valor exato. E, se assim não se entendesse, os honorários advocatícios conferidos ao empregador poderiam até ser superiores à indenização deferida ao reclamante. Destaque-se que mesmo na dinâmica do processo civil, a compreensão doutrinária, já refletida em jurisprudência e em lei, é a de que os honorários advocatícios não servem para conferir um proveito econômico à parte que não tem razão; ou, dito de outro modo, não constituem instrumento para penalizar a parte economicamente desprovida e que vai à Justiça pleitear os seus direitos. Vide, neste sentido, a Súmula n. 326 do STJ: "Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca." E, também, o teor do parágrafo único do art. 86: "Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários." Por oportuno trago à baila a seguinte lição doutrinária de Antônio Umberto de Souza Júnior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto In "Reforma Trabalhista - Análise Comparativa e Crítica da Lei nº 13.467/2017"- Editora Rideel; São Paulo; 2017; pág.385/387. (grifos existentes no original): "Honorários e assistência judiciária gratuita.   " O §4° do art. 791-A da CLT trata dos honorários advocatícios devidos pelo beneficiário da justiça gratuita. A mesma fórmula inicial foi adotada pelo legislador reformista no novo §4º do art. 790-B, já examinado. A norma em tela cogita de duas hipóteses a envolver o beneficiário da justiça gratuita: ele não possui "créditos capazes de suportar as despesas": neste caso ficará suspensa por dois anos a exigibilidade dos honorários advocatícios a que foi condenado, sendo   totalmente desobrigado de tal pagamento se, em tal interregno, não houver mudança significativa em sua condição pessoal; ele possui, "ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa": o valor dos honorários advocatícios será pago pelo beneficiário mediante retenção direta nos créditos a que tenha direito Ao que se vê, a variável fundamental é a constatação de que a existência de "créditos capazes de suportar a despesa". Qual sentido desta expressão? Numa interpretação gramatical alheia a qualquer outra dimensão, é possível inferir que o legislador tenha imaginado uma operação aritmética simples: se o beneficiário da justiça gratuita tiver crédito em montante igual ou superior ao valor dos honorários destinados ao advogado da parte vencedora, será retirada do próprio beneficiário a importância necessária para a quitação da verba honorária. Contudo, tal leitura simplória tem sobrevida curta quando seja conectado com a garantia constitucional de gratuidade. O texto constitucional é bem objetivo e incisivo ao assegurar a todos os necessitados a pretensão de assistência jurídica integral e gratuita.   O binômio não esconde nenhum mistério hermenêutico: nada pagará quem buscar socorro no judiciário sem ter condições para arcar com as despesas próprias de quem litiga. Daí a lista extensa de despesas abarcadas pela justiça gratuita constante do art. 98, 1º, do CPC, bem maior do que aquela que figurava no atualmente revogado art. 3º da Lei nº1.060/1950: custas, selos postais, publicações na imprensa oficial, indenizações a testemunhas, exames de DNA, honorários advocatícios (de advogado, de perito, de intérprete e de tradutor), confecção de planilhas de cálculos, depósitos recursais e emolumentos. A lei não contém palavras inúteis. O legislador ordinário que criou o novo CPC levou a sério a ideia clara de integralidade da gratuidade judiciária. Porém, tal qual já indicava o art. 12 da Lei nº 1.060/1950, atualmente também revogado pelo novo CPC, este não isenta o beneficiário das despesas enumeradas, mas apenas determina que tais obrigações sucumbenciais fiquem sob condição suspensiva de exigibilidade pelo prazo de 5 anos (prazo reduzido, na CLT, para 2 anos). Se dentro do lapso temporal estabelecido pela lei, sobrevier alteração relevante nas condições financeiras do beneficiário, deverá ele quitar o débito com o judiciário; não havendo modificação na sua situação pessoal em tal quinquênio (ou biênio, no caso dos processos trabalhistas), ficará definitivamente exonerado de tais pagamentos. Não é possível transigir interpretativamente nessa matéria porque a assistência jurídica integral e gratuita é instrumento fundamental de viabilização do efetivo acesso à justiça. Não se pode permitir que, em pleno século XXI, seja juridicamente tolerável a reconstrução de muralhas financeiras para tornar difícil ou impossível bater às portas dos portas dos tribunais para o indivíduo ter o seu day of court, tornando novamente atuais os densos estudos de Cappelletti e Garth sobre as ondas de acesso à justiça que começaram justamente pela superação dos obstáculos econômicos. A jurisprudência do STF é muito clara na direção da amplitude e da incompensabilidade de créditos com encargos sucumbenciais de responsabilidade de beneficiário da justiça gratuita. À guisa da ilustração, veja-se o seguinte aresto: Direito constitucional e processual civil. FGTS. Atualização: correção monetária. Recurso extraordinário. Agravo. Alegações de perda de eficácia de medidas provisórias e de sucumbência mínima dos agravantes. Prequestionamento. (...) 2. No mais, como ressaltado pela decisão agravada: "em face da sucumbência recíproca, será proporcionalizada a responsabilidade por custas e honorários advocatícios, fazendo- se as devidas compensações, ressalvado o benefício da assistência judiciária gratuita". 3. Sendo assim, na liquidação se verificará o quantum da sucumbência de cada uma das partes e, nessa proporção, se repartirá a responsabilidade por custas e honorários, ficando, é claro, sempre ressalvada, quando for o caso, a situação dos beneficiários da assistência judiciária gratuita, que só responderão por tais verbas, quando tiverem condições para isso, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060, de 5-2- 1950. 4. Agravo improvido (STF, 1ª T., AgRg-Agln nº 304693, Sydney Sanches, j. 9-10- 2001, DJU 1º-2-2002)   Portanto, para salvar a norma de leituras constitucionalmente desastrosas, a expressão "créditos capazes de suportar a despesa" somente pode merecer um sentido: ressalva a lei que, sendo a condição financeira do beneficiário da justiça gratuita transformada pelo grande vulto da soma a ele destinada por força da decisão judicial na qual tenha sido responsabilizado pelos honorários de advogado- ou em outro processo qualquer- deverá ele arcar com esta verba sucumbencial , aliviando os cofres públicos federais. Ou seja, o beneficiário da justiça gratuita só suportará tais despesas caso aufira créditos cujo montante promova contundente e indiscutível alteração de sua própria condição socioeconômica.   Destacamos que na CLT o prazo de espera para quitação das verbas sucumbenciais é menor do que aquele de cinco anos instituído, sucessivamente, no art. 12 da Lei nº 1.060 /1950 (revogada) e no atual CPC: será de dois anos. Assim, sobrevindo mudança significativa na situação financeira de beneficiário da justiça gratuita condenado em honorários advocatícios, imediatamente com o resultado de alguma ação judicial ou por qualquer outro evento verificado nos dois anos subsequentes ao deferimento da gratuidade, deverá ele pagar a verba honorária." Frise-se que o Código de Processo Civil prevê a aplicação da norma mais branda ao desfavorecido economicamente, consoante previsão contida no artigo 98, §1º, inciso VI, o qual dispõe que as custas e honorários do advogado são abrangidos pela justiça gratuita, in verbis: Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. 1º A gratuidade da justiça compreende: VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; Registre-se, que a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal já foi arguida, em controle concentrado, pela Procuradoria-Geral da República na ADI nº 5766, que tem por objeto diversos dispositivos trazidos com a chamada "Reforma Trabalhista" (Lei. 13.467/2017), dentre os quais, o §4º do art. 791-A da CLT, em cuja ação externou que a redação do referido dispositivo colide com o art. 5º, LXXIV, da Constituição, "ao impor a beneficiários de justiça gratuita pagamento de despesas processuais de sucumbência, até com empenho de créditos auferidos no mesmo ou em outro processo trabalhista, sem que esteja afastada a condição de pobreza que justificou o benefício".   Peço venia para transcrever trecho dos fundamentos externados pela   Procuradoria-Geral da República na ADI nº 5766: "2.2 RESTRIÇÕES INCONSTITUCIONAIS DE ACESSO À JUSTIÇA DO TRABALHO 2.2.1 Inconstitucionalidade de Honorários Periciais e Advocatícios contra Beneficiário de Justiça Gratuita Dispõem os arts. 790-B, caput e § 4o e 791-A, § 4o , da CLT, na redação conferida pela nova legislação, ora impugnada (sem destaque no original): Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.   [...] 4º Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo. Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% ([...]) e o máximo de 15% ([...]) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. [...] 4 o Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. A assistência judiciária gratuita na Justiça do Trabalho é disciplinada pelo art. 14, caput, da Lei 5.584, de 26 de junho de 1970, em vigor, segundo o qual, no processo do trabalho, "a assistência judiciária a que se refere a Lei no 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador". O benefício da gratuidade judiciária encontra-se disciplinado pelo § 3º do art. 790 da CLT. Antes da reforma, ele vigorava na redação dada pela Lei 10.537, de 27 de agosto de 2002, que destinava o benefício da gratuidade àqueles que (a) percebessem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou que (b) declarassem, sob as penas da lei, não estar em condição de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. "Art 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei no 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador". Conforme FREDIE DIDIER JÚNIOR e RAFAEL OLIVEIRA, "justiça gratuita, ou benefício da gratuidade, ou ainda gratuidade judiciária, consiste na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas, judiciais ou não, diretamente vinculadas ao processo, bem assim na dispensa do pagamento dos honorários do advogado. Assistência judiciária é o patrocínio gratuito da causa por advogado público ou particular". DIDIER, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Benefício da Justiça Gratuita. Aspectos Processuais da Lei de Assistência Judiciária (Lei Federal no 1060/50). 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2005, p. 6-7. "§ 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal. A Lei 13.467/2017 alterou esse § 3o e substituiu o critério configurador de insuficiência de recursos. Facultou ao juízo conceder gratuidade judiciária "àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% ([...]) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social" (RGPS). O novo § 4o do dispositivo, também inserido pela reforma, assegura gratuidade à parte que comprovar insuficiência de recursos para pagar as custas do processo. A respeito da "faculdade" de que trata o § 3o, em linha textual idêntica à do enunciado revogado, GABRIEL SAAD, JOSÉ EDUARDO SAAD e ANA MARIA CASTELO BRANCO defendem tratar-se de dever estatal fundado no art. 5º , LXXIV, da CR, sempre que configurada carência de recursos para atender às despesas processuais:   O teor do inciso LXXIV do art. 5o da Lei Fundamental ("o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos") não se trata de uma faculdade do magistrado, mas um dever, se comprovada a condição de necessitado do autor ou do réu. É, portanto, dever do Estado prestar tal assistência a quem provar não possuir recursos para suportar as despesas processuais. A Lei 1.060/50 regula essa norma constitucional. [...] O legislador, no tocante ao benefício da justiça gratuita, insiste no erro de considerar faculdade do juiz deferi-lo ou não. Entendemos que, provado ser a parte um necessitado, deve o juiz outorgar-lhe o benefício da justiça gratuita. À semelhança do que estabeleceu a Constituição, no precitado inciso LXXIV do art. 5o , com referência ao dever do Estado de prestar assistência judiciária aos necessitados, caberia à lei ordinária dizer, às expressas, que o juiz é obrigado a conceder o benefício da gratuidade a quem não tiver recursos para atender às despesas processuais.19 Em idêntico sentido, tranquila jurisprudência trabalhista garante gratuidade de custas e despesas processuais à parte que comprovar insuficiência de recursos, nos termos do art. 790, § 3 o , da CLT, combinado com dispositivos da Lei 1.060/1950.20 Esses dispositivos da Lei 1.060/1950 foram em parte derrogados e substituídos pelos arts. 98 a 102 da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (novo Código de Processo Civil). O art. 98, caput, não deixa dúvida de que a gratuidade judiciária abrange custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Acerca do direito a justiça gratuita à parte que comprovar insuficiência de recursos e de sua abrangência na Justiça do Trabalho, a legislação reformista não alterou substancialmente o cenário normativo. Inseriu mera substituição do patamar salarial para aferir o direito à gratuidade, antes fixado em múltiplos de salários mínimos (dois salários) e agora em percentual (40%) do teto de benefícios do RGPS. Honorários periciais no processo do trabalho já eram devidos pela parte sucumbente na pretensão objeto de perícia, "salvo se beneficiária da justiça gratuita", conforme texto anterior do art. 790-B, caput, da CLT, inserido pela Lei 10.537/2002. A redação da legislação impugnada passou a exigir pagamento de honorários periciais de sucumbência também dos beneficiários de justiça gratuita (caput). Nesse aspecto reside inconstitucionalidade, que se espraia sobre o § 4 o do dispositivo, por atribuir ao beneficiário de justiça gratuita o pagamento de honorários periciais de sucumbência sempre que obtiver "créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo". A norma desconsidera a condição de insuficiência de recursos que justificou o benefício. O mesmo ocorre com o § 4 o do novo art. 791-A da CLT, inserido pela lei impugnada, relativamente aos honorários advocatícios de sucumbência. Por muito tempo a jurisprudência trabalhista entendeu-os indevidos, em face da capacidade postulatória das partes (CLT, art. 791), salvo na hipótese de assistência judiciária gratuita prestada por sindicato da categoria profissional. Nesse caso, a jurisprudência reconhecia devidos honorários em favor do sindicato, por força do art. 16 da Lei 5.584/1970,23 em percentual não superior a 15%, por aplicação do art. 11, § 1 o , da Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950.24 Firmou-se nesse sentido a súmula 219 do Tribunal Superior do Trabalho (Resolução 14/1985 do TST). 25 Influenciado pela Emenda Constitucional (EC) 45, de 30 de dezembro de 2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho para causas não estritamente trabalhistas, e pelo novo Código de Processo Civil (CPC), que passou a disciplinar a gratuidade judiciária (arts. 98 a 102), recentemente o TST alterou a súmula 219 e passou a admitir pagamento de honorários advocatícios de sucumbência também na hipótese em que o sindicato atue como substituto processual, em ação rescisória e em causas não derivadas de relação de emprego (Resolução 204/2016, do TST). O novo art. 791-A da CLT ampliou a incidência de honorários advocatícios de sucumbência para todas as causas trabalhistas (caput), até em sucumbência recíproca, em caso de procedência parcial (§ 3º). O § 4o do dispositivo impugnado, nos moldes do § 4 o do art. 790-B (quanto aos honorários periciais), considera devidos honorários advocatícios de sucumbência por beneficiário de justiça gratuita, sempre que "tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa". Também aqui a norma ignora a condição de insuficiência de recursos que deu causa ao benefício. Nessas disposições   reside a colisão com o art. 5o , LXXIV, da Constituição, ao impor a beneficiários de justiça gratuita pagamento de despesas processuais de sucumbência, até com empenho de créditos auferidos no mesmo ou em outro processo trabalhista, sem que esteja afastada a condição de pobreza que justificou o benefício. A noção de insuficiência de recursos, para os fins da norma de direito fundamental, encontra-se tradicionalmente conformada, no processo do trabalho, pelo art. 14, § 1 o , da Lei 5.584/1970, o qual trata da assistência judiciária gratuita. Segundo essa norma, assistência judiciária gratuita é devida ao trabalhador cuja "situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família", ainda que perceba salário superior ao patamar indicado, de dois salários mínimos (sem destaque no original): § 1 o A assistência é devida a todo aquêle que perceber salário igual ou inferior ao dôbro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. 28 Articulada com a nova redação do art. 790 da CLT, essa disposição garante direito a gratuidade judiciária na Justiça do Trabalho àquele que se enquadrar em patamar salarial de até 40% do teto de benefícios da Previdência Social (CLT, art. 790, § 3 o ) e àquele que, mesmo percebendo salário superior, demonstrar situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo próprio e da família (Lei 5.584/1970, art. 14, § 1 o ). Definido encontra-se, portanto, o direito a gratuidade judiciária na Justiça do Trabalho. As normas impugnadas confrontam e anulam essas condições conformadoras da insuficiência de recursos, pois permitem empenho de créditos trabalhistas para custear despesas processuais, sem condicioná-los a perda da condição de insuficiência econômica. Contrapondo as normas ordinárias delineadoras do direito fundamental (CR, art. 5o , LXXIV), os dispositivos impugnados esvaziam seu conteúdo e inviabilizam ao demandante pobre a assunção dos riscos da demanda. Padecem, por isso, de inconstitucionalidade material. Relativamente a honorários periciais, dispõe o novo art. 790-B, § 4 o , da CLT que a União somente responderá pela despesa caso o beneficiário de justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa, ainda que em outro processo. Concessão de justiça gratuita implica reconhecimento de que o beneficiário não dispõe de recursos para pagar custas e despesas processuais sem prejuízo de seu sustento e de sua família, na linha do art. 14, § 1 o , da Lei 5.584/1970. Essa premissa se ancora nas garantias constitucionais de acesso à jurisdição e do mínimo material necessário à proteção da dignidade humana (CR, arts. 1 o , III, e 5o , LXXIV). Por conseguinte, créditos trabalhistas auferidos por quem ostente tal condição não se sujeitam a pagamento de custas e despesas processuais, salvo se comprovada perda da condição. Relativamente aos honorários advocatícios de sucumbência, o novo art. 791-A da CLT, inserido pela legislação reformista, prevê suspensão de exigibilidade de seu pagamento, em favor do beneficiário de justiça gratuita, pelo prazo de dois anos, sob condição de cobrança se o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a gratuidade. Nessa suspensão de exigibilidade não reside inconstitucionalidade. Disposição idêntica encontra-se no art. 98, § 3 o , do CPC de 2015, que disciplina a justiça gratuita relativamente à cobrança de despesas processuais decorrentes da sucumbência (sem destaque no original): 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 ([...]) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. Na hipótese, a obrigação somente se torna exigível se no prazo da suspensão obrigacional o credor demonstrar perda da situação de insuficiência de recursos, o que se alinha ao art. 5o , LXXIV, da Constituição. Nesse sentido pronunciou- se o Supremo Tribunal Federal no julgamento do recurso extraordinário 249.003/RS. Reputou compatível com o art. 5o , LXXIV, da CR, o art. 12 da Lei 6.050/195029 e, por equivalência, o art. 98, § 3 o , do CPC, que o derroga e substitui com idêntica disposição. O problema aqui reside em que o art. 791-A, § 4 o , da CLT condiciona a própria suspensão de exigibilidade dos honorários advocatícios de sucumbência a inexistência de crédito trabalhista capaz de suportar a despesa. Contraditoriamente mais restritiva à concessão de gratuidade judiciária do que a norma processual civil, dispõe a norma reformista que a obrigação de custear honorários advocatícios de sucumbência ficará sob condição suspensiva de exigibilidade, "desde que [o beneficiário de justiça gratuita] não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa". A norma desconsidera a condição econômica que determinou concessão da justiça gratuita e subtrai do beneficiário, para pagar despesas processuais, recursos econômicos indispensáveis à sua subsistência e à de sua família, em violação à garantia fundamental de gratuidade judiciária (CR, art. 5o , LXXIV)". Ressalta-se que os Tribunais Regionais do Trabalho, em decisão Plenária, têm declarado a inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 791-A - incluído na CLT pela 13.467 /2017, consoante ementas das decisões a seguir transcritas: TRT da 4ª REGIÃO   "DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONFRONTO DO ART. 791-A DA CLT COM REDAÇÃO DA LEI 13.467/2017 COM PRECEITOS CONSTITUCIONAIS QUE GARANTEM A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA INTEGRAL E O ACESSO À JUSTIÇA. É inconstitucional parte da norma inserida no § 4º art. 791-A da CLT, por força da Lei 13.467 de 13.07.2017, na medida em que impõe ao trabalhador beneficiário do instituto da assistência judiciária gratuita limitação ao exercício do amplo direito de ação e aos efeitos da concessão da justiça gratuita de forma integral, como garantem os preceitos constitucionais expressos nos incisos XXXV e LXXIV do art 5º da CF/88, in verbis: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos." e " a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito." (TRT da 4ª Região, Tribunal Pleno, 0020024-05.2018.5.04.0124 Pet, em 13/12/2018, Relatora Desembargadora Beatriz Renck) [...] TRT 14ª REGIÃO   ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 4º DO ART. 791-A, DA CLT. REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI 13.467/2017. INCIDENTE ACOLHIDO EM PARTE. É inconstitucional a expressão contida no § 4º do art. 791-A, da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/2017: "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", por violar a previsão contida no art. 5º, incisos XXXV e LXXIV do 7º, inciso XVI, da Constituição Federal. (TRT da 14.ª Região; Processo: 0000147-84.2018.5.14.0000; Data de Julgamento: 30/10/2018; Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO; Relator: CARLOS AUGUSTO GOMES LOBO) TRT DA 19ª REGIÃO   ARGINC. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. ART. 791-A, § 4º, CLT. INCONSTITUCIONALIDADE . Se o art. 791-A da CLT, incluído pela Lei nº 13.467 /17, impõe restrições às garantias fundamentais de assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV) e do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV), afrontando também o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), além de dar, equivocadamente, o mesmo tratamento a quem se encontra materialmente em situações desiguais, numa clara violação ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput), resta ao Poder Judiciário declarar a sua inconstitucionalidade. (TRT da 19ª Região - Processo: Processo Nº ArgInc-0000206-34.2018.5.19.0000 - Data de Julgamento: 07/11/2018; Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO; Relator: JOÃO LEITE DE ARRUDA ALENCAR) O D. Ministério Público do Trabalho, em parecer circunstanciado   apresentado sob o Id c89a69d, manifesta-se pelo provimento parcial do Incidente de Arguição de   Inconstitucionalidade, para declarar inconstitucional trecho do art. 791-A, §4º da CLT, qual seja: "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", por violar a Constituição Federal em seus arts. 1º, III e 5º, Caput e LXXIV", consoante se transcreve: - DA ANÁLISE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5766 E DOS PRECEDENTES PERSUASIVOS   Preliminarmente, cabe dizer que a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal já foi arguida, em controle concentrado, pela Procuradoria-Geral da República na ADI nº 5766 - estando esta ação pendente de julgamento - que tem por objeto diversos dispositivos trazidos com a chamada "Reforma Trabalhista", dentre os quais o §4º do art. 791-A da CLT. Este dispositivo, no entanto, tem seu debate quanto a inconstitucionalidade restrita à parte do disposto no referido parágrafo, conforme se pode ver de trechos da fundamentação da Procuradoria-Geral da República, assim devidamente juntados na exordial do presente incidente: [...] Desta forma, cabe dizer de início que os fundamentos da ADI nº 5766, no que diz respeito ao art. 791-A, §4º da CLT, estão restritos ao trecho "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa". Além disso, analisando os precedentes juntados quanto ao reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo em questão por outros Tribunais Regionais do Trabalho em decisão Plenária, tais quais os TRTs da 4ª, 14ª e 19ª região, observa-se que duas das três decisões juntadas declaram inconstitucionalidade somente do trecho supramencionado, e não do parágrafo em sua totalidade. - DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO 5º, LXXIV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Assim dispõe o art. 5º, LXXIV da CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; Analiso. É notório o dever do Estado de prestação de assistência integral e gratuita quanto aos que comprovarem insuficiência de recursos, estando tal disposição consagrada no diploma constitucional em seu art. 5º, LXXIV. Todavia, ao analisar o dispositivo ora atacado, primeiramente excluindo-se o trecho "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa" - pois este será objeto de análise especifica - é possível notar a incidência de dois requisitos que, cumulados, ensejarão na cessação da condição suspensiva de exigibilidade das obrigações decorrentes da sucumbência do beneficiário da justiça gratuita, sendo eles: que o beneficiário da justiça gratuita tenha sido vencido; que seja demonstrada a cessação da situação de insuficiência de recursos do beneficiário a qual justificou a concessão da gratuidade, devendo isto ser feito no prazo de dois anos a contar do trânsito em Assim percebe-se da análise dos requisitos e de seu efeito - qual seja a execução das obrigações decorrentes da sucumbência -, que não há afronta à norma constitucional mencionada. Isto porque, da mesma forma que é requisito para a prestação de assistência jurídica integral e gratuita por parte do Estado, que seja comprovada a insuficiência de recursos por quem pede - conforme a norma constitucional - é também requisito essencial para que haja a possibilidade de execução das obrigações decorrentes da sucumbência do beneficiário de justiça gratuita, que a condição de insuficiência de recursos, a qual levou este a ser beneficiário da justiça gratuita, cesse - conforme o dispositivo legal. Em outras palavras, sendo previsto no próprio art. 791-A, §4º da CLT, que somente cessará a condição suspensiva de exigibilidade das obrigações decorrentes da sucumbência do beneficiário da justiça gratuita quando este, no prazo de dois anos do trânsito em julgado, obtiver condição financeira suficiente para suportar as custas de sua sucumbência, o que faz o dispositivo de lei não é onerar a pessoa com insuficiência de recursos - visto que esta não mais terá tal insuficiência -, mas, em verdade, condenar ao pagamento de custas quem tem de fato condições de pagar sem prejuízo do próprio sustento, ainda que não tivesse no tempo do processo. Nesta conformidade, não há de se falar em inconstitucionalidade total do dispositivo. Todavia, no que pese não se deva considerar que há violação total do artigo quanto à norma constitucional citada, observa-se flagrante inconstitucionalidade quanto ao acesso à justiça no seguinte trecho: "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa" Isto pois o fragmento mencionado, prevendo a possibilidade de pagamento imediato de custas de um processo quando o beneficiário da justiça gratuita tiver obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar tais custas, não estabelece qualquer limite no tocante ao quantum que poderá ser utilizado para fins de tais pagamentos. Ora, não estabelece que é requisito para que haja o adimplemento de tais pagamentos, que o beneficiário vencido tenha antes saído de sua situação de pobreza, o qual deu causa à gratuidade em primeiro lugar. Em outras palavras, tal trecho estabelece a possibilidade do pagamento de custas em razão de assistência judicial estatal, mesmo que ainda haja situação de insuficiência de recursos por parte do beneficiário de justiça gratuita. Assim, violando frontalmente o disposto no art.5º, LXXIV da Constituição Federal. Deve-se, portanto, ser declarado parte do dispositivo como violador do art.5º, LXXIV da Constituição Federal. - DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Assim dispõe o art. 1º, III, da CF: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; - a dignidade da pessoa humana; - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019) - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Analiso. É de conhecimento comum entre os profissionais do Direito a essencialidade do princípio da Dignidade da Pessoa Humana para a formação do Estado Democrático de Direito brasileiro e para os Direitos Humanos em geral. No que pese tal princípio tenha grande amplitude e seja de difícil conceituação, existem certas características que estão sujeitas a pouco debate quanto ao que efetiva a dignidade humana, tal qual no tocante à doutrina do mínimo existencial, conceito que diz respeito às condições mínimas de vivência em dignidade, não devendo jamais ser confundido como sendo o mínimo para a mera subsistência - conceito o qual atende pelo nome de mínimo vital.   Ora, esta especializada trata tipicamente de processos cujos objetos são verbas de natureza alimentar, sendo estas verbas essenciais para a manutenção da vida digna do trabalhador, ora concretizando o mínimo existencial e consequentemente a dignidade de quem tem o direito. Há de se falar, no entanto, que ainda que a justiça do trabalho trate tipicamente de verbas de natureza alimentar advindas de um vínculo empregatício, são igualmente verbas alimentares, e portanto essenciais para a manutenção da vida digna, os honorários advocatícios, de forma que, ainda que estas sejam verbas advindas do processo, estas ostentam grande carga de Direito Material em relação aos patronos processuais, de maneira que a sua mitigação irregular tem a capacidade de gerar efeitos tão danosos aos advogados quanto para qualquer outro trabalhador. Sobre esta igualdade, cita-se ainda o art. 85, §14º do CPC: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. [...] 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. [...] Analisando o art. 791-A, §4º da CLT, observa-se que este dispositivo, em sua generalidade, tem o condão de, em verdade, concretizar o direito alimentar do advogado, qual seja, os honorários advocatícios sucumbenciais. Para isso, o artigo estabelece a possibilidade de que, caso o beneficiário da justiça gratuita - que, vale lembrar, ao final do processo foi reconhecido como não tendo direito ao seu pleito - venha passar a ter condições de adimplir custas devidas em até dois anos do trânsito em julgado, o patrono processual do qual as verbas são devidas, poderá efetivar o seu direito de honorários - adquiridos em razão de seu trabalho e desgasto argumentativo, o qual é comum a todos os processos - ao executar quem o deve. Ora, após essa análise, percebe-se que não há qualquer violação à característica de efetivação da dignidade humana, qual seja o mínimo existencial, tendo em vista ainda que, como já explicado em tópico anterior, é um dos requisitos para a utilização do dispositivo que o beneficiário, antes, tenha saído de sua situação de pobreza e possa adimplir o pagamento sem prejuízo de seu sustento. Sendo assim, observa-se que seria mais plausível dizer que haveria violação no que diz respeito ao mínimo existencial na hipótese de se declarar o dispositivo como inconstitucional em sua totalidade, isto pois, como já observado, este é essencialmente um dispositivo legal que tem a intenção de efetivar um devido crédito alimentar, qual seja os honorários do advogado, e consequentemente a manutenção de sua vida digna por assegurar o mínimo existencial do patrono. Desta forma, em sua generalidade, o referido dispositivo não deve ser declarado inconstitucional. Isto, no entanto, não é verdade no que diz respeito ao trecho: "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa". Neste fragmento do artigo há de se falar em flagrante inconstitucionalidade. Isto porque, como já anteriormente esclarecido, não é estabelecido como critério para a execução das verbas ganhas em juízo, que o beneficiário da justiça gratuita tenha saído de sua situação de pobreza nos termos da lei. Sendo assim, o trecho considera que é válido o pagamento de custas ainda que, para isto, haja a manutenção da miserabilidade do beneficiado da justiça gratuita. Ora, evidentemente violando a dignidade humana por rejeitar o mínimo existencial devido ao trabalhador.   Portanto, devendo haver a declaração de inconstitucionalidade da mencionada parte do dispositivo pela violação do princípio da dignidade da pessoa humana, presente no art. 1º, III, da Constituição Federal. - DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 5º, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Assim dispõe o art. 5º, caput, da CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Vejamos. Em clara redação, o art. 5º da Constituição Federal inaugura seu extensivo rol de garantias ao estabelecer preliminarmente a igualdade de todos perante a lei. Neste sentido, não há de se falar em inconstitucionalidade quanto ao art. 791-A, §4º da CLT em sua totalidade ao alegar que não há disposição similar no processo civil, visto que sua intenção quanto a resguardar o direito do advogado aos seus honorários também encontra previsão no Código de Processo Civil, em seu art. 98, §3º, in verbis: Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. [...] 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. [...] (grifo nosso) Assim, percebe-se duas diferenças: (1) o prazo para a execução das obrigações decorrentes da sucumbência é de 5 anos no processo civil e (2) não há trecho com sentido equivalente ao disposto no dispositivo celetista, qual seja: "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa" A primeira diferença observada, cabe dizer, deve ser considerada como devida, uma vez que reforça uma igualdade material, tendo em vista os pleitos tipicamente alimentares da justiça do trabalho e a condição de hipossuficiência de quem é, no geral, beneficiário da justiça gratuita. A segunda diferença, no entanto, é onde reside violação à norma constitucional. Isto por dois fundamentos: (1) incoerência quanto ao que seria materialmente adequado ao comparar os pleitos típicos do processo civil e os do processo do trabalho e (2) pela implicitude de que um direito é superior ao outro. É possível observar que há incoerência na adição de tal trecho ao dispositivo celetista quando não há disposição que estabeleça ônus similar no processo civil. Isto porque, como já afirmado anteriormente, os pleitos da justiça do trabalho têm tipicamente natureza alimentar, o que por sua vez, tem característica de serem essenciais para a manutenção de uma vida digna, assim como nesta especializada parte-se do pressuposto de hipossuficiência de uma das partes - qual seja o trabalhador, que também é a parte que tipicamente é beneficiária da justiça gratuita - o que não é verdade se tratando dos casos típicos e dos pressupostos do processo civil - o qual se considera a paridade e igualdade das partes como principal pressuposto.   Ora, estabelecer, para a justiça do trabalho, uma situação em que se revela possível que haja a execução imediata de obrigações sucumbenciais quando obtidas em outro processo, mesmo que o estado de pobreza do beneficiado não cesse, quando não há qualquer disposição impondo tal ônus ao beneficiado da justiça gratuita no âmbito do processo civil, é, em verdade, uma igualdade às avessas, uma vez que dá ao hipossuficiente, ainda mais hipossuficiência no âmbito do processo, ao tornar mais restritiva a gratuidade nesta especializada quanto comparado ao processo civil. Desta forma, tal desigualdade da lei é absolutamente injustificada e arbitrária, sendo consequentemente inconstitucional. Além disso, observa-se o tratamento desigual e injustificado da lei no que diz respeito aos créditos em questão. Isto pois, como já anteriormente observado, têm natureza trabalhista tanto as verbas adquiridas em juízo pelo trabalhador beneficiado da justiça gratuita, quanto os honorários advocatícios devidos ao patrono processual por sucumbência da parte contrária. Sobre esta igualdade, cita-se novamente o art. 85, §14º do CPC: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. [...] 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. [...] No entanto, ao adicionar o trecho citado ao art. 791-A, §4º da CLT, e permitir a hipótese de execução contra o beneficiário da justiça gratuita mesmo quando adquiridos em juízo, ainda que em outro processo, e não tendo cessado sua condição de pobreza, é implicitamente posto em lei que honorários são mais devidos ao advogado do que créditos trabalhistas à parte beneficiária de gratuidade, vez que estabelece que aqueles créditos têm preferência aos obtidos no processo ainda que a parte beneficiária da gratuidade esteja em estado de miserabilidade, impondo, desta forma, uma hierarquia injustificável de pagamento de créditos. Desta forma, observada a violação ao art. 5º, caput da Constituição Federal, o trecho do dispositivo deve ser declarado inconstitucional. - DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO 5º, XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Assim dispõe o art. 5º, XXXV da CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; Sem razão. Nos termos do dispositivo constitucional mencionado, consagra a Constituição Federal a garantia de Amplo Acesso à Justiça, chamado também de Inafastabilidade da Jurisdição, ou de Princípio do Direito da Ação. Em perspectiva tradicional, há a efetivação desta garantia constitucional de forma abstrata, pela possibilidade de ajuizar ação judicial, e desta ser apreciada, não podendo o juiz se escusar de julgá-la. Consideram muitos autores modernos, no entanto, que esta garantia não se limita no peticionamento da exordial com o pedido de julgamento de mérito. O direito de ação, na   verdade, possui vários corolários, tal como o direito de participar adequadamente do processo, mediante a apresentação de alegações e de produção de provas em prazo razoável, e de influir sobre o convencimento do juiz, de forma que a ação somente é exercida através de procedimento adequado. Ao analisar o art. 791-A, §4º da CLT, contudo, percebe-se - ao estabelecer que o dispositivo somente será aplicado ao beneficiado vencido após o trânsito em julgado - que este pressupõe a prévia apreciação do poder judiciário quanto a causa, mediante devido processo legal e consequente devido exercício do direito de ação, de forma que não há de se falar em inconstitucionalidade da lei quanto a este fundamento. Sob o fundamento da inafastabilidade da jurisdição não há de se falar em inconstitucionalidade nem mesmo quanto ao trecho: "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", pois mesmo este pressupõe um processo em que houve apreciação e reconhecimento de valores devidos ao beneficiário da justiça gratuita. Assim, não há de se falar de violação ao art. 5º, XXXV da Constituição federal pelo dispositivo legal. IV - CONCLUSÃO Nesta conformidade, opina o Ministério Público do Trabalho pelo conhecimento e provimento parcial do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, para declarar inconstitucional trecho do art. 791-A, §4º da CLT, qual seja: "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", por violar a Constituição Federal em seus arts. 1º, III e 5º, Caput e LXXIV. É o Parecer. Belém, 18 de dezembro de 2019. RITA MOITTA PINTO DA COSTA Procuradora Regional do Trabalho Destarte, enquanto o Supremo Tribunal Federal não julga em definitivo a ADIN que tem por objeto, dentre outros, a declaração de inconstitucionalidade do §4º, art. 791-A da CLT, inafastável a necessidade de submissão da questão ao Plenário desta Corte, nos termos previstos nos artigos 23, 103 e 180 do Regimento Interno, uma vez que aquela Suprema Corte Constitucional, em sede de Reclamações Constitucionais, tem cassado os efeitos das decisões proferidas por órgãos fracionários que afastam a incidência da norma celetista, por violação a Súmula Vinculante nº 10 (cláusula de reserva de plenário), como ocorreu nos autos da Reclamação 34.997/PARÁ. Com estes fundamentos, voto pela inconstitucionalidade do parágrafo quarto do art. 791-A da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/17, por violação aos princípios e garantias fundamentais consagrados no artigo 1º, III (princípio da dignidade da pessoa humana), artigo 5º, caput (princípio da igualdade), artigo 5º, XXXV (princípio de amplo acesso à jurisdição) e artigo 5º, LXXIV (garantia fundamental da assistência jurídica integral e gratuita) da Constituição Federal em vigor. Tudo conforme os fundamentos. CONCLUSÃO ISTO POSTO, ACORDAM OS MAGISTRADOS DO PLENO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIÃO, À UNANIMIDADE, ADMITIR O INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE; NO MÉRITO, SEM DIVERGÊNCIA, ACOLHÊ-LO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO QUARTO DO ART. 791-A DA CLT, INCLUÍDO PELA LEI Nº 13.467/17, POR VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS CONSAGRADOS NO ARTIGO 1º, III (PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA), ARTIGO 5º, CAPUT (PRINCÍPIO DA IGUALDADE), ARTIGO 5º, XXXV (PRINCÍPIO DE AMPLO ACESSO À JURISDIÇÃO) E ARTIGO 5º, LXXIV (GARANTIA FUNDAMENTAL DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA) DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM VIGOR. TUDO CONFORME OS FUNDAMENTOS.   SALA DE SESSÕES DO PLENO DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA OITAVA REGIÃO. BELÉM/PA, 10 DE FEVEREIRO DE 2020. GABRIEL NAPOLEÃO VELLOSO FILHO Desembargador do Trabalho Relator  

DECISÃO - Direito de greve, propriedade privada e força policial - SC

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO 3ª VARA DO TRABALHO DE FLORIANÓPOLIS Interdito 0000615-53.2020.5.12.0026 AUTOR: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS RÉU: SINDICATO DOS TRABALHADORES NA EMPRESA DE CORREIOS TELEGRAFOS E SIMILARES DE SC   Vistos etc. Inconformada com a decisão de ID c8a4bc9, que indeferiu o pedido de medida liminar inaudita altera parte, a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS – ECT requer sua reconsideração. Em suma renova os argumentos já apresentados na petição inicial e, como tal, já rejeitados na decisão atacada. A título de novidade, a requerente anexa um novo vídeo e cita notícias veiculadas na imprensa acerca da greve dos empregados dos Correios. Desde logo, observo que nenhuma das notícias citadas na petição da requerente refere-se ao Estado de Santa Catarina e o vídeo documenta fatos havidos em Salvador/BA. Aliás, esse o vídeo contém apenas a manifestação de um trabalhador que exorta seus colegas a participarem do movimento paredista. Trata-se de exercício regular do direito ao “o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”, previsto no art.  6º, inc. I, da Lei 7.783/1990. Em verdade, o que a requerente busca é a indevida atuação do Poder Judiciário para cercear o exercício do direito de greve por seus empregados. Todavia, conforme já exposto na decisão atacada, o artigo 9º da Constituição Federal assegura o direito de greve e estabelece que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Eventuais excessos que possam acarretar danos à propriedade ou a pessoas estarão sujeitos a responsabilização nos âmbitos trabalhista, civil e penal, como determina o artigo 15 da Lei 7.783/89. Neste contexto, a utilização de força policial para resguardar a propriedade privada, conforme requerido na petição inicial, sem que haja efetiva ameaça de danos, é procedimento que visa constranger o movimento grevista e atenta contra o livre exercício de um direito garantido por nossa Carta Magna.   Sobre o papel da força policial em tais circunstâncias, cabe citar decisão memorável da magistrada Eliane Aparecida da Silva Pedroso no Processo nº 01611-2006-434-02-00-8, que assim se manifestou: Como para o exercício de quaisquer direitos, a greve exige atenção aos limites do espaço da cidadania, como também atenção às regras específicas (lei de greve) e genéricas (o ordenamento, inclusive no que toca à propriedade e ao dever de indenizar danos causados).   Hoje, impensável que se solucione qualquer greve com o chamamento da polícia. Não se argumente com a alegação de que a presença da polícia faz-se com o objetivo de garantir o livre exercício de propriedade dos bancos, porque a tão-só aparição da força policial gera, ao menos, dois efeitos graves: inibe a aproximação dos grevistas e incentiva a associação do movimento com ato de ilegalidade, o que, absolutamente, é reprovável no ambiente democrático.   (…)   A participação da polícia – da força pública – nos eventos de greve limita-se à regular atividade desta força estatal, isto é, sua presença corresponderá a violação de direitos ou à prevenção de tal violação, quando evidente ameaça permear a ação de quem quer que seja. Repito, de antemão, não pode a polícia por-se à frente de agências bancárias, apenas sob o pretexto de assegurar o funcionamento do estabelecimento, fato que a greve busca impedir.   Seria, por fuzil, enfrentar a letra da Constituição.   Simulando a defesa da posse, a requerente pretende impedir a livre manifestação sindical por meio de interferência inconstitucional do Estado, via Poder Judiciário. Tal conduta, além de atentar contra o direito de greve, ofende a liberdade de opinião (art. 5º, IV, Constituição Federal), a possibilidade de reunião pacífica em locais abertos ao público (art. 5º, XVI, da Constituição Federal), e concede à propriedade prerrogativa que lhe é obstada pela função social que deve necessariamente informar o seu exercício. Não bastasse, a requerente ainda apela para argumentação desleal ao afirmar que com “o constante indeferimento da cautelar solicitada, o judiciário também virou piada na boca dos líderes grevistas, que agora, encorajados com o indeferimento pretérito desafiam a Empresa  (...)”. Ora, ao contrário do que quer fazer crer a EBCT, a certidão citada na pág. 8 da petição de ID 24912b7 registra que a líder sindical “cordialmente forneceu-me as informações necessárias”  e disse que sairão do local com “ordem judicial específica”, ou seja, manifesta de maneira indubitável o respeito pelas determinações judiciais. Com essa conduta, a requerente busca alterar a verdade dos fatos e criar uma infundada antipatia do juízo em relação ao movimento grevista, o que caracteriza abuso do exercício do direito de ação, conduta tipificada no incisos II e III do art. 80 do CPC.   Por tais motivos, mantenho a decisão que indeferiu as medidas liminares pleiteadas pela requerente, a declaro litigante de má-fé e, por conseguinte, a condeno ao pagamento de multa equivalente a 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 81 do CPC. Intimem-se as partes. Nada mais. FLORIANOPOLIS/SC, 09 de setembro de 2020. ALESSANDRO DA SILVA Juiz(a) do Trabalho Substituto(a)

DECISÃO - Indenizatória de Racismo em desfavor do Santander - RS

Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre Rua Manoelito de Ornelas, 50 - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90110230 - Fone: (51) 3210- 6500 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5040771-09.2019.8.21.0001/RS AUTOR: MARCOS RONI NOGUEIRA DE OLIVEIRA RÉU: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. SENTENÇA   MARCOS RONI NOGUEIRA DE OLIVEIRA ajuizou a presente Ação Indenizatória em desfavor de BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., alegando, em suma, que no dia 11/01/2019 por volta das 12h30 ao tentar passar na porta giratória do requerido a fim de resolver questões sobre sua conta (desbloqueio de cartão) e sacar dinheiro com urgência, foi barrado de forma vexatória pelos seguranças, sendo exigido que tirasse seu sapato, pois o consideravam suspeito de estar portando arma ou outro equipamento de metal condizente com arma branca. Mencionou que tentou adentrar ao estabelecimento bancário como as demais pessoas estavam ingressando, ou seja, deixando celular e chaves no compartimento apropriado, e depois passando normalmente pela porta giratória, todavia, foi barrado e humilhado pelos seguranças na frente dos outros clientes e funcionários, bem como de sua própria esposa, tendo que deixar seus sapatos no lado de fora e ingressado de meias, em profunda humilhação. Alega que a postura do requerido foi preconceituosa e racista pelo  fato  do  requerente  ser  negro  e  um  humilde trabalhador. Discorreu acerca dos danos morais experimentados. Requereu a procedência com a condenação do demandado ao pagamento de indenização pelos danos morais suportados no valor de R$ 20.000,00. Acostou documentos. O autor acostou vídeo no Evento 10.   Citado, o demandado apresentou contestação (Evento 11), insurgindo-se contra as alegações do autor. Disse que a segurança apenas efetuou o atendimento de praxe, em verificar o indício de material que estaria dando ensejo ao travamento da porta, e prontamente acionou prepostos do banco a fim de solucionar o suposto problema enfrentado pelo autor, para que sua entrada fosse então liberada. Mencionou que um dos funcionários do banco se dirigiu a parte exterior da agência para verificar o serviço procurado pela parte, tempo em que ficou conversando com o autor, sem qualquer indício de exaltação de voz, ou ato de indisciplina, e preconceito conforme o alegado. Aduziu que o vídeo juntado pelo demandante demonstra que às 12h58 horário do ocorrido, por livre e espontânea vontade o autor optou em tirar seus calçados e adentrar na agência, momento em que esperou apenas por 01min, tendo então sua entrada liberada pela preposta do banco, com suas botas. Não houve qualquer ato irregular, pois os prepostos do banco verificaram o serviço procurado pelo requerente, e ainda, mesmo com o travamento da porta, liberaram sua entrada sem qualquer empecilho, tentando resolver a questão da  melhor forma. Insurgiu-se contra a inversão do ônus da prova. Rechaçou os alegados danos morais. Pediu a improcedência. Acostou documentos. Em audiência preliminar (Evento 16), inexitosa a conciliação. Houve réplica (Evento 19). Instadas as partes acerca das provas que pretendessem produzir (Evento 21), requereu o autor a prova oral com a oitiva da sua esposa como informante (Evento 25), indeferido (Evento 28), o demandado nada requereu (Evento 26). Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. DECIDO. Considerando o disposto no art. 355, I do Código de Processo Civil, entendo que o feito, por se tratar exclusivamente de matéria de direito, encontra-se apto para julgamento. Pretende o autor, em suma, a condenação demandado ao pagamento de indenização pelos danos morais suportados, em razão dos fatos descritos na inicial que noticiam a prática de preconceito racial. O demandado refuta a pretensão afirmando que não houve qualquer irregularidade no agir dos seus prepostos,  pois  o  autor por livre e espontânea vontade optou em tirar seus calçados e adentrar na agência. Restou incontroverso nos autos que o autor foi barrado na porta giratória ao tentar entrar na agência bancária, tendo que ingressar e ser atendido na plataforma do banco apenas de meias, conforme demonstra o vídeo juntado no Evento 10. Com efeito, a simples abordagem em porta giratória, por si só, não é situação suficiente para caracterizar dano moral, porquanto é um dos elementos integrantes do aparato de segurança dos bancos, que têm obrigação de prestar vigilância e garantir a segurança interna de seus empregados e usuários, conforme determina o artigo 2º da Lei nº 7.102/1983: 'Art. 2º – O sistema de segurança referido no artigo anterior inclui pessoas adequadamente preparadas, assim chamadas vigilantes; alarme capaz de permitir, com segurança, comunicação entre o estabelecimento financeiro e outro da mesma instituição, empresa de vigilância ou órgão policial mais próximo; e, pelo menos, mais um dos seguintes dispositivos: - equipamentos elétricos, eletrônicos e de filmagens que possibilitem a identificação dos assaltantes; - artefatos que retardem a ação dos criminosos, permitindo sua perseguição, identificação ou captura; e - cabina blindada com permanência ininterrupta de vigilante durante o expediente para o público e enquanto houver movimentação de numerário no interior do estabelecimento'. Inobstante, a atuação dos profissionais responsáveis pela segurança deve ser pautada dentro do que se tem por razoável, no exercício regular do direito, sendo a atuação excessiva passível de acarretar em responsabilidade civil por parte do prestador de serviço. Da análise das provas constantes nos autos constata-se que o autor, após deixar seus objetos no guarda-volumes, teve impedido seu ingresso na agência bancária. A gravação juntada no Evento 10 - VIDEO1 demonstra que o demandante tentou ingressar no banco e houve o travamento da porta, sendo que somente após conversar com um funcionário do banco e tirar seus calçados, o autor teve sua entrada liberada, permanecendo descalço por mais 2 minutos dentro da agência, até que a preposta do banco autorizou o retorno para buscar os sapatos. No caso dos autos restou comprovada a desídia e demora dos funcionários do banco para resolverem a situação vexatória que se sucedia, demonstrando que houve nítido excesso e precipitação ao colocarem o autor para entrar e ser atendido na plataforma do banco apenas de meias, isto tudo perante os demais clientes e funcionários da instituição bancária. Tal fato traduz evidente falha na prestação do serviço pelo réu, considerando que os seus funcionários mostraram-se despreparados para lidar com situação que se apresentou, causando importante e severo constrangimento ao autor. Mas o vídeo (Evento 10 VIDEO1), não se limita a revelar apenas uma falha nos serviços. As imagens expõem o racismo estrutural que macula a sociedade brasileira. Uma realidade histórica que é inevitável desconsiderar na análise de um processo, como o presente, até porque a questão racial está pautada no pedido. Os fatos aqui analisados ocorreram no seio de uma sociedade que está estruturalmente organizada com base em uma lógica naturalizada de segregação. O jurista e filósofo Sílvio Almeida1 denuncia o racismo estrutural como um fenômeno que se revela na ideologia, na política, na economia e no direito. A negação do racismo é um exercício ideológico que concebe a supremacia branca como um processo natural. É um status hegemônico explicado nos debates sociológicos sobre a braquitude.  Lia Vainer Schucman, citada por Sílvio Almeida2, conceitua branquitude como: "... uma posição em que sujeitos que ocupam esta posição foram sistematicamente privilegiados no que diz respeito ao acesso a recursos materiais e simbólicos, gerados inicialmente pelo colonialismo e pelo imperialismo, e que se mantêm e são preservados na contemporaneidade"     A ideologia que mantem e naturaliza o racismo, se faz presente tanto na produção científica como na cultural. Encontra uma certa racionalidade nas ciências, considerando que emana conteúdos com autoridade acadêmica de difícil contestação. A "superioridade racial" preconizada pelo nazismo, teve contribuição científica. No Brasil, o sociólogo Oliveira Viana foi uma referência acadêmica que produziu conteúdos raciais de sustentação do racismo estrutural. Em sua obra "Raça e Assimilação" explicita a sua contribuição científica ao racismo brasileiro, quando discorreu, por exemplo, sobre a "aptidão civilizatória de negros e mestiços".  O  território  cientifico  reserva  um espaço de sustentação racional ao racismo e imprime uma complexidade à questão ao expor que o problema não está calcado na ignorância. Não é decorrente da ausência de sistema um educacional, mas pode ter influência da própria educação ministrada. O racismo como processo político integra a estrutura do racismo brasileiro. O Estado divide os ambientes de poder atendendo uma classificação racial concebida a partir da hegemonia branca na ocupação dos espaços decisórios. Essa estrutura histórica, reproduz o modelo colonial. Aliás, não existiria o racismo estrutural sem a participação do Estado e suas instituições, assim como não existe a possibilidade de enfrentamento do fenômeno sem o Estado. Daí a fundamental implementação de cotas raciais como política afirmativa com o objetivo de estabelecer uma democracia racial nos espaços de poder do Estado. As leis de cotas raciais nas universidades federais e no serviço público, além das resistências sociais, percebidas nos debates ocorrido no parlamento, também enfrentaram questionamentos nos tribunais brasileiros.  Tribunais  que  são  compostos  por  uma  maioria branca, seguindo a lógica que expõe o racismo estrutural no Brasil, também como fenômeno presente na esfera do direito. Nas questões de ordem econômica o racismo se expressa pela desigualdade social. Nas relações trabalhistas a cor da pele assume um critério muito visível na destinação das atividades laborais. A presença da raça negra prepondera no trabalho precarizado. Nos ambientes empresariais é rara a atuação de mulheres ou homens negros nos espaços decisórios, mas ocupam a maioria dos cargos nos serviços de limpeza e manutenção. A abordagem aqui feita em relação ao racismo estrutural, embora aparente, não é uma digressão, mas sim determinante das razões de decidir pelo acolhimento da tese posta na inicial de que o autor foi vítima de racismo. Não somente do racismo individual, deliberado e explícito, mas também de um racismo negado, não reconhecido, embora de singular visibilidade. O autor foi vítima de um racismo sem repressão especifica no âmbito do direito, já que não há tipificação que ampare sanções legais destinadas as condutas decorrentes da naturalização do preconceito racial. É muito evidente a dificuldade de se estabelecer um discurso moral como sustentáculo de medidas repressivas às condutas racistas cotidianizadas, porém eticamente são insustentáveis. Isso porque são diversas as moralidade, mas a ética é única, como induz o filósofo Humberto Maturana3 ao dizer que ".. ética há uma só, em que consiste que alguém faça caso daquilo que faz sobre o que passa com  o outro. ". Assim, Maturana sustenta que a ética passa pela noção do outro, no sentido de termos conhecimento do que passa com o outro e a consciência sobre as consequências dos nossos atos sobre o outro, e agirmos ou deixarmos de agir de acordo com esta consciência. O componente ético está integrado nas ações e omissões da requerida em relação a uma questão que se apresenta cotidianamente nas suas agências, portanto de pleno conhecimento e, por gerar sofrimento às vítimas, assume também um caráter de violação ética. Esta insustentabilidade ética, não decorre do fato isoladamente considerado ao qual foi submetido o autor, mas de uma conduta consequente de um processo histórico que potencializa a dor no individuo negro ao se deparar com uma situação que reproduz a presença do escravo no interior da casa grande: sempre de pés descalços . Restou, desta forma, configurando ato ilícito, sendo certo que tal proceder extrapolou os limites do exercício regular de direito, causando ao autor humilhação e ofensa à sua dignidade, ultrapassado aquilo que se tem por mero dissabor do cotidiano, gerando o direito a indenização pelos danos morais sofridos. O artigo 186 do Código Civil, preceitua que: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Igualmente, o artigo 927 do diploma legal precitado, estabelece que: aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, hipóteses estas incidentes sobre os fatos descritos na exordial. Com relação ao valor a ser arbitrado a título de indenização por dano moral há que se levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como, as condições do ofendido, o teor da ofensa e a capacidade econômica do ofensor. Acresça-se a isso a reprovabilidade da conduta ilícita praticada. Nesse sentido Cavalieri Filho4 discorre sobre este tema com rara acuidade jurídica, afirmando que: 'Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente  para  reparar  o  dano,  o  mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano. Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes'. Dessa forma, levando em consideração as questões fáticas, a extensão do prejuízo, bem como a quantificação da conduta ilícita e capacidade econômica do ofensor, deve ser fixado no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), quantia que foi limitada ao postulado  na inicial. O valor arbitrado deve ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir desta data, com fulcro na Súmula nº 362 do STJ5, e acrescido de juros moratórios contados a partir da citação. Isso posto, nos termos do art. 487, I do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MARCOS RONI NOGUEIRA DE OLIVEIRA nos autos da Ação  Indenizatória ajuizada em desfavor de BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., para fins de condenar o demandado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), corrigidos monetariamente pelo IGP-M a contar do arbitramento e acrescido de juros de mora de 1% a contar da citação. Condeno o demandado ao pagamento das custas e honorários advocatícios os quais fixo em 15% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 2º do CPC. Havendo recurso(s) – excepcionados embargos de declaração – intime(m)-se, independentemente de conclusão (ato ordinatório – arts. 152, VI, CPC, e 567, XX da Consolidação Normativa Judicial), a(s) contraparte(s) para contrarrazões, remetendo- se em seguida os autos ao Tribunal de Justiça (art. 1010 § 3º CPC). Com o trânsito, arquivem-se com baixa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.   Almeida, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?, BH, Almeida, Silvio Luiz de. Obra citada, pg. Maturana R., "Fundamentos de la Ética - In Revista Universum, Universiad de Talca, nº 16, 2001, pg 467 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª , rev. e amp. SP: Atlas,2007, p.90. A correção monetária do valor da inde

Decisão Inconstitucionalidade MP 905\2020

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 03ª REGIÃO Vara do Trabalho de Ouro Preto ATOrd 0011671-37.2019.5.03.0069 AUTOR: SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMERCIO DE ITABIRITO RÉU: MAGAZINE LUIZA S/A Aos 27 dias de março do ano de dois mil e vinte, às 11h58min, estando aberta a audiência da Vara do Trabalho de Ouro Preto, foram, por ordem da Juíza do Trabalho, GRAÇA MARIA BORGES DE FREITAS, apregoados os litigantes:SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMERCIO DE ITABIRITO,autor, e MAGAZINE LUIZA S/A,ré. Partes ausentes. Em seguida, foi proferida a seguinte decisão: I - RELATÓRIO: SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMERCIO DE ITABIRITO ajuizou Ação de Obrigação de Fazer em face de MAGAZINE LUIZA S/A, todos qualificados. Alegando, em síntese, sua legitimidade ativa para propor a ação, com pedido de tutela antecedente relativa à proibição de utilizar o labor de seus empregos nos feriados de 02/11/2019,e 15/11/2019 e demais que se seguirem, quando não houver autorização em convenção coletiva de trabalho, sob pena de multa de R$3.000,00 [três mil reais], por empregado e feriado em que descumprida a decisão judicial a ser revertida em favor do Autor, o que deverá ser feito em relação a todos os estabelecimentos existentes na base territorial representada pelo autor. No mérito, pede a imposição da obrigação de não fazer aos mesmos estabelecimentos, em tutela definitiva, bem como o pagamento de custas processuais e honorários sucumbenciais, além dos benefícios da justiça gratuita ao sindicato autor. Deu à causa o valor de R$40.000,00. Juntou atos constitutivos, procuração e documentos (fls. 09/55). Antecipação de tutela indeferida às fls. 59/60. Documentos de representação da ré (fls. 68/75). A reclamada juntou defesa às fls. 76/84, na qual alega que a pretensão da parte autora não pode prevalecer, tendo em vista a edição da Medida Provisória 905 de 2019, que autoriza o labor em feriados sem qualquer requisito, o que também foi contemplado na Portaria 604/2019, na Lei 13.874/19 (Artigo 3º, II) e na própria CLT, através de acordo individual de trabalho. Afirma que raramente funciona em dias feriados e que não abriu suas lojas nos feriados de novembro de 2019. Impugna os pedidos de justiça gratuita e de honorários sucumbenciais e demais pedidos iniciais. Pugna pela improcedência dos pedidos. Juntou procuração, atos constitutivos e documentos (fls. 85/168). Em audiência inicial (fls.169/170), presentes as partes, restou infrutífera a conciliação. Foi recebida a defesa e concedida vista à parte contrária. Manifestação da ré indicando não haver necessidade de produção de prova oral (fls. 171). Manifestação do autor (fls. 173/187). Na audiência em prosseguimento (fls.188) abriu-se vista à ré da manifestação do autor, que se manifestou às fls. 194/195. Na audiência em prosseguimento (fls.196), ausentes as partes. Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual. Conciliação final prejudicada. Relatado o processo, passo a decidir.  II - FUNDAMENTAÇÃO APLICAÇÃO DA LEI 13.467/17 Considerando a entrada em vigor, em 11.11.2017, da lei 13467/17, que introduziu modificações na CLT relativas a normas de direito material e processual, fica registrado que as normas ali indicadas não se aplicam aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, tampouco às ações ajuizadas antes da referida lei, especialmente quanto aos artigos que têm natureza sancionatória ou restritiva de direitos, como as normas relativas à sucumbência e incidência de honorários advocatícios, normas estas, ademais, incompatíveis com a proteção constitucional e convencional relativas ao acesso à justiça (art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal do Brasil e art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), também protegida e regulamentada, quanto à gratuidade do acesso, em legislação específica (Leis 1.060/50,7.115/83 e 7.844/89), mais benéfica, sendo vedada a discriminação e a quebra de isonomia de tratamento em relação ao jurisdicionado trabalhador quanto às regras de acesso à justiça. Cabe salientar, ademais, que os princípios processuais que regem o processo do trabalho e justificaram, historicamente, a sua especificidade, bem como as regras constitucionais de proteção ao trabalhador afastam a possibilidade de uso de reforma legal inconstitucional para contrariar os próprios fundamentos do direito e do processo do trabalho, cuja proteção decorre da diferença estrutural da posição ocupada pelas partes na relação contratual, como ocorre, também, em outras relações jurídicas, a exemplo das relações de consumo. Em um Estado Constitucional, regido pela supremacia da Constituição no ordenamento jurídico, as normas de proteção aos direitos fundamentais têm o objetivo de retirar da esfera de deliberação política ou da pressão conjuntural de mercado a possibilidade de suprimir alguns direitos especialmente protegidos, de modo que as alterações legislativas somente têm validade quando acordes à Constituição e devem ser interpretadas à luz dos seus princípios, fundamentos e objetivos e do bloco de constitucionalidade protegido no art. 5º, parágrafos 1º ao 3º, arts. 6º e 7º, incluídas as normas que vedam o retrocesso social em matéria de direitos sociais, como o art. 7º, caput, da Constituição Brasileira e o art. 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), cujo caráter supralegal, já foi reconhecido pelo STF. Tendo sido a presente ação ajuizada após a vigência da Lei 13467/17, a interpretação da sua aplicação levará em conta o direito intertemporal e a análise da constitucionalidade da norma. Posto isso, passamos a decidir. DO INDEFERIMENTO DA SUSPENSÃO DO PROCESSO - DA INCONSTITUCIONALIDADE E INCONVENCIONALIDADE DA MP 905/2019 Deixo de determinar a suspensão do feito em razão da emissão da MP 905/2019, tendo em vista ser necessário fazer o controle de constitucionalidade e de convencionalidade de tal medida. Inicialmente, a norma não preenche os requisitos constitucionais para emissão das Medidas Provisórias, pois não há relevância e urgência sobre o tema, que é matéria de reserva legal e viola dispositivos constitucionais e tratados internacionais fundamentais que estabelecem o direito à isonomia previsto no caput do art. 5º da Constituição e no inciso XXXII do art. 7º da Constituição, que proíbe a "distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos". O protocolo adicional da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Protocolo de San Salvador) reforça, no seu artigo 7, alínea "a", a obrigação dos Estados-Parte relativa ao compromisso de velar por "[r]emuneração que assegure, no mínimo, a todos os trabalhadores condições de subsistência digna e decorosa para eles e para suas famílias e salário equitativo e igual por trabalho igual, sem nenhuma distinção". Além disso, a medida viola inciso explícito do art. 7º da Constituição que proíbe a discriminação nas formas de contratação, inclusive, em razão da idade: XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; A Organização Internacional do Trabalho (OIT), preparando-se para os impactos da globalização neoliberal no mundo do trabalho, reforçou a proteção contra a discriminação no emprego ao eleger, em 1998, entre os oito convênios fundamentais que vinculam a todos os membros da Organização na proteção ao trabalho digno, os de números 100 e 111, que tratam da discriminação no trabalho e da igualdade salarial. A isonomia de tratamento entre trabalhadores de qualquer natureza está protegida em tais convênios, especialmente, no convênio 111 que, em seu art. 1º, dispõe sobre a vedação à discriminação entre trabalhadores: a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados. O relatório do Comité de Expertos da OIT sobre os ditos convênios fundamentais, publicado em 2012 (https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocument/wcms_174832.pdf - acesso nesta data), que é um documento destinado a auxiliar a aplicação dos convênios fundamentais, destaca, em seus parágrafos 744 e 745, a necessidade de observar as formas de discriminação direta e indireta e, também, em seu parágrafo 813, a necessidade de observar a crescente discriminação por idade que pode estar caracterizada tanto em relação às condições de acesso ao emprego, como em relação àquelas relativas à sua manutenção. Essa preocupação da OIT já foi objeto de recomendação desde o início do processo de globalização, quando, em 1980, editou a recomendação de número 162 (https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:R162- acesso nesta data) que recomenda aos países signatários dos convênios 100 e 111 a adoção de medidas para evitar a discriminação de trabalhadores em razão da idade. Pode configurar discriminação indireta a oferta de emprego apenas em regime que reduza direitos, sem efetiva possibilidade de o candidato ao emprego optar por sistema mais protetivo. Além disso, há discriminação dos mais jovens, que passariam a ter emprego em condições mais precárias, violando a regra constitucional de proteção ao emprego que proíbe o retrocesso social (art. 7º da Constituição, caput, in fine). A proteção à isonomia salarial está prevista também na legislação infraconstitucional do Brasil em diversos dispositivos, entre eles, os artigos 460 e 461 da CLT, ambos protegendo o princípio de que deve ser pago salário igual para trabalho igual. Assim, por instituir medidas que visam deliberadamente precarizar as condições de trabalho e por não obedecer aos requisitos para sua edição, a medida provisória invocada não será objeto de apreciação, por ser inconstitucional e inconvencional, passando o feito a ser julgado com base nas leis vigentes. Não é demais salientar que a medida não observou as recomendações do Comentário Geral 19 do Comitê de Expertos do Conselho de Direitos Econômicos e Sociais da ONU quanto ao princípio do não retrocesso em termos de direitos fundamentais (parágrafo 42): a existência de uma justificativa razoável para as medidas restritivas; o exame amplo das alternativas à restrição de direitos; a participação genuína dos grupos afetados no exame das propostas e na proposição de alternativas às medidas; a ausência de discriminação direta ou indireta nas medidas impostas; o impacto sustentável na realização do direito à segurança social; a ausência de um impacto irrazoável no grupos privados do acesso al mínimo essencial de segurança social e a revisão independente das medidas no nível nacional. Assim, diante da natureza regressiva da medida e da inobservância dos requisitos constitucionais e convencionais para sua implementação, afasto a aplicação de tal medida para os substituídos do réu, especialmente no que tange ao labor em feriados. DA VALIDADE DAS CLÁUSULAS NEGOCIADAS - DA PROIBIÇÃO DO LABOR EM FERIADOS, SEM NEGOCIAÇÃO As normas implementadas pela reforma trabalhista de 2017 (Lei 13467/2017), como todas as normas jurídicas do país, estão sujeitas a controle difuso e concentrado de constitucionalidade e convencionalidade. A validade das negociações coletivas está prevista na Constituição (artigo 5º, XXVI, da Constituição Federal) e obriga o empregador representado pelo Sindicato que firmou a norma coletiva a acatá-la, o que ocorre em relação à cláusula 26ª da CCT juntada com a inicial (fls. 162). Cabe salientar que a negociação efetuada quanto aos feriados não contraria a Constituição porque amplia a proteção do trabalhador quanto ao trabalho em tais dias. Salienta-se que o labor em domingos e feriados para tal categoria (comércio), apesar da inclusão na lista de essencialidade, na verdade não representa um serviço imprescindível, senão um serviço que apenas gera comodidade à população se for ininterrupto. A matéria, ademais, é da esfera de competência legislativa municipal, conforme já decidido pelo STF (Súmula Vinculante 38) e pela Lei 11603/2007, não podendo outra esfera legislativa decidir sobre a questão. No caso em exame, não houve prova do labor nos feriados de 2019 indicados na petição inicial, de modo que tenho por cumprida a ordem concedida em relação a eles, que resta confirmada. Em relação aos feriados futuros, deverá ser observada a legislação municipal e a negociação coletiva que vier a ser estabelecida com o autor, observando-se que, com o fim do princípio da ultratividade normativa, a negociação relativa ao ano de 2019 já perdeu a sua validade, inclusive quanto à regulação da matéria em discussão. Fica, portanto, vedado o funcionamento do estabelecimento comercial da ré nos feriados futuros, quando não houver autorização em convenção coletiva de trabalho, observados os termos da negociação, que deverão ser comprovados nos autos. O descumprimento desta decisão acarretará multa de R$ 3.000,00 por empregado, sem prejuízo de outras penalidades fixadas na norma coletiva e decorrentes da desobediência de ordem judicial. Fica registrado, por cautela, que, em tempos de pandemia, os estabelecimentos comerciais também estarão sujeitos às normas das autoridades sanitárias relativas às atividades que poderão ou não funcionar, o que relativiza o poder da negociação coletiva para autorizar a abertura do estabelecimento. DA JUSTIÇA GRATUITA / DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Defere-se ao Sindicato autor os benefícios da Justiça Gratuita tendo em vista a declaração de pobreza formulada na inicial, sem prova em contrário, vedada a discriminação do litigante trabalhista em relação aos demais (ver artigo 99, parágrafo 3º, do CPC/2015), mormente em se tratando de parte estruturalmente hipossuficiente e que teve suas fontes de custeio fortemente limitadas pela reforma trabalhista, que teve o claro propósito de restringir o acesso à justiça laboral pelo hipossuficiente e de enfraquecer a atuação sindical, o que não encontra amparo constitucional ou convencional, inclusive, diante dos convênios fundamentais da OIT que protegem a atuação sindical. Aplicam-se, de forma combinada, os arts. 790, § 3o, da CLT, a Lei 1.060/1950 e o art. 14, § 1o, da Lei 5.584/1970, no particular, ao Sindicato na representação dos trabalhadores. Concedo ao Sindicato autor, diante da sucumbência da reclamada, honorários advocatícios assistenciais, pois preenchidos os requisitos legais (Súmula 219, incisos I e III e Súmula 329, ambas do TST), os quais serão calculados à razão de 15% do valor da condenação, atualizáveis até o efetivo pagamento. Devidos, ainda, honorários de sucumbência, que são cumulativos com os anteriores, no valor de 5% sobre o valor da condenação. Cabe salientar que os dispositivos relativos ao acesso à justiça na Lei 13467/17 tiveram sua constitucionalidade arguida pela Procuradoria Geral da República em ação perante o STF por afronta à isonomia e ao direito de acesso à justiça com os argumentos acima indicados. Tais dispositivos são, ainda, contrários aos princípios do art. 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e à Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos presente, por exemplo, no caso Cantos vs Argentina, parágrafo 55 (http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_97_esp.pdf - acesso nesta data), que exprime "Este Tribunal estima que para satisfacer el derecho de acceso a la justicia no basta que en el respectivo proceso se produzca una decisión judicial definitiva. También se requiere que quienes participan en el proceso puedan hacerlo sin el temor de verse obligados a pagar sumas desproporcionadas o excesivas a causa de haber recurrido a los tribunales.[...]".(Este Tribunal considera que para satisfazer o direito de acesso à justiça não basta que no respectivo processo se produza uma decisão judicial definitiva. Também se requer que quem participe no processo possa fazê-lo sem o temor de se ver obrigado a pagar somas desproporcionadas ou excessivas pelo fato de haver recorrido aos tribunais.[...]), à qual o Brasil está vinculada, podendo ser aplicada de ofício e sua aplicação vem sendo incentivada pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, mediante convênio de cooperação. Assim, a gratuidade da Justiça do Trabalho, como princípio, está de acordo com a constituição brasileira e as normas internacionais que protegem o acesso à justiça, sendo, portanto, inconstitucional a reforma implementada pela Lei 13467/17, à qual, nesta decisão, deu-se interpretação conforme para compatibilizar o princípio da gratuidade, como regra geral e reforçada para os demandantes pobres, incluídos os Sindicatos de Trabalhadores, cujas fontes de custeio foram excluídas da Lei, sem norma de transição e com restrição de cobrança em folha de pagamento, visando, no caso, dar aplicação ao princípio da isonomia no tratamento entre os litigantes nos processos judiciais e assegurar o acesso dos trabalhadores à justiça.  DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA Devidos nos termos da legislação em vigor e Súmula 200/TST, ressaltando-se que de referência à correção monetária, deverão ser observados os mesmos índices de atualização monetária dos créditos trabalhistas em geral, aplicáveis mês a mês, observando o disposto na súmula 381 do Tribunal Superior do Trabalho. Deverá incidir o índice IPCA-E, para fins de correção monetária, a partir de 25.03.2015, inclusive após a vigência da Lei 13.467/17 (Súmula 73 do TRT3, inciso II). Quanto ao marco final da correção monetária, deverá ser observado o disposto na Súmula 15 deste Tribunal. Os juros incidirão sobre o montante atualizado a partir da data do ajuizamento da ação à razão de 1% ao mês, de forma simples, pro rata die, observando o disposto na OJ 400 da SDI-1 do TST. DA COMUNICAÇÃO À SRTE Em face das irregularidades comprovadas nos autos, remeta-se cópia desta decisão à SRTE, após o seu trânsito em julgado, para as medidas administrativas cabíveis. Dê-se ciência ao MPT da decisão, diante do interesse coletivo. III - CONCLUSÃO: À vista do exposto, declaro inconstitucional a MP 905/2019 e julgo PROCEDENTES os pedidos formulados por SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMERCIO DE ITABIRITO, para ratificar a tutela antecipada concedida em face de MAGAZINE LUIZA S/Ae determinar que: Em relação aos feriados futuros, deverá ser observada a legislação municipal e a negociação coletiva que vier a ser estabelecida com o autor, conforme se comprove nos autos, observando-se que, com o fim do princípio da ultratividade normativa, a negociação relativa ao ano de 2019 já perdeu a sua validade, inclusive quanto à regulação da matéria em discussão. Fica, portanto, vedado o funcionamento do estabelecimento comercial da ré nos feriados futuros, quando não houver autorização em convenção coletiva de trabalho, observados os termos da negociação coletiva de 2020 e seguintes. O descumprimento desta decisão acarretará multa de R$ 3.000,00 por empregado, sem prejuízo de outras penalidades fixadas na norma coletiva e decorrentes da desobediência de ordem judicial. Fica registrado que, em tempos de pandemia, os estabelecimentos comerciais também estarão sujeitos às normas das autoridades sanitárias relativas às atividades que poderão ou não funcionar, o que relativiza o poder da negociação coletiva para autorizar a abertura do estabelecimento. Declaro que não houve prova do labor nos feriados de 02.11.2019 e 15.11.2019, de modo que tenho por cumprida a ordem concedida em relação a eles, que resta confirmada. Na Liquidação observar-se-á a incidência de juros e correção monetária na forma determinada. Não há incidência de contribuição previdenciária e fiscal, por se tratar de parcela indenizatória, tudo isso conforme parâmetros estabelecidos na fundamentação supra, que integra o decisum. Honorários de sucumbência, à razão de 05%, além de honorários assistenciais à razão de 15%, em favor da parte autora, conforme fundamentação. Custas, pela ré, de R$200,00, calculadas sobre R$10.000,00, valor arbitrado. Prazo de lei. Intimem-se as partes. Dê-se Ciência ao MPT da presente decisão. Encerrou-se a audiência. E, para constar, foi lavrada a presente Ata que vai devidamente assinada pela Juíza do Trabalho e subscrita pela Diretora de Secretaria. Graça Maria Borges de Freitas Juíza Federal do Trabalho Lúcia Pardo Dearo Diretora de Secretaria OURO PRETO, 27 de Março de 2020. GRACA MARIA BORGES DE FREITAS Juiz(a) Titular de Vara do Trabalho

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