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Título: Liminar Reintegração Trabalhadores demitidos em razão da pandemia COVID-19

Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região Ação Trabalhista - Rito Sumaríssimo 0000399-37.2020.5.12.0012 Processo Judicial Eletrônico Data da Autuação: 26/03/2020 Valor da causa: R$ 20.000,00 Partes: RECLAMANTE: SIND DOS TRAB NAS INDS DA CONST E DO MOBIL DE JOACABA ADVOGADO: DEMETRIUS DE OLIVEIRA ADVOGADO: LUCIANO LAERTE PAGNO PAGINA_CAPA_PROCESSO_PJE RECLAMADO: CONSTRUTORA ELEVACAO LTDA 100 ANOS da OIT: 1919-2019. A Organização Internacional do Trabalho comprometida com a melhoria da condição de vida das pessoas que vivem do trabalho e na convicção de que a justiça social é essencial para garantir uma paz universal e permanente. DECISÃO LIMINAR SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA CONSTRUÇÃO E DO MOBILIÁRIO DE JOAÇABA - SC (SITICOM – JOAÇABA/SC) ajuíza, em 26-03-2020, ação trabalhista em face de CONSTRUTORA ELEVAÇÃO LTDA. Atribui à causa o valor de R$ 20.000,00. Relata que “primeiro, o reclamado formalizou Aviso de Rescisão de Contrato de Trabalho, com base no artigo 502, inciso II, da CLT, em razão da pandemia de COVID-19; segundo, vem promovendo reiteradas demissões aos trabalhadores da empresa, efetuando o pagamento de metade das verbas rescisórias; terceiro, a empresa conta com aproximadamente 40 (quarenta) funcionários. Por seu turno, fundamenta as Rescisões do Contrato de Trabalho utilizando o Decreto Estadual n° 507/2020, que dispõe sobre medidas de prevenção e combate ao contágio pelo coronavírus (COVID-19); o Decreto Estadual de n° 515/2020 que declara situação de emergência em todo o território catarinense; e por fim o Decreto Municipal de Joaçaba, n° 5905 /2020, que dispõe de medidas para enfrentamento da emergência de saúde decorrente no novo Coronavirus COVID-19”. Insurge-se contra a rescisão contratual dos substituídos, argumentando que “tal medida é extrema e representa flagrante prejuízo aos funcionários, comprometendo inclusive a subsistência destes, em razão da impossibilidade de procurar novo emprego em período de estado de emergência, sem falar de enriquecimento ilícito decorrente do pagamento injusto de metade das verbas rescisórias, diante de cenário epidemiológico transitório e passageiro, inexistindo, no presente caso, a extinção da empresa reclamada”. Invoca a tutela de urgência prevista no art. 300 do CPC, com a concessão de liminar inaudita altera pars para que “a empresa reclamada promova a reintegração dos empregados demitidos no período de vigência dos Decretos elencados, bem como se abstenha e efetuar novas demissões até o julgamento final da presente ação, sob pena de aplicação de multa diária”. DECIDO: Trata-se de ação em que o Sindicato da categoria profissional busca tutela liminar de reintegração ao emprego e impeditiva de novas rescisões contratuais dos substituídos, cabendo o destaque de que as rescisões já formalizadas pela empresa estão sob a justificativa de força maior por conta das medidas de prevenção e combate ao COVID-19, e contemplam tão somente o pagamento 50% das verbas rescisórias. O pedido liminar merece acolhida. Inicialmente há se dizer que a pandemia que assola o mundo nos nossos dias apela para a solidariedade, para a responsabilidade social, e não para o abandono. São tempos difíceis, de dúvidas, de incertezas que envolvem todas as pessoas do mundo, pois não há blindagem contra o vírus que se espalha e mata, e vitimiza sempre os mais vulneráveis É inegável a precipitação do empregador que rompe os contratos de trabalho, até mesmo desprezando as demais alternativas viáveis sinalizadas pelo Executivo, em questionáveis Medidas Provisórias editadas para contornar o drama vivenciado por quem vive do trabalho diante das políticas de contenção ao novo Coronavírus, sendo que nenhuma das alternativas propostas pelo Governo Federal aponta para a rescisão contratual. Mesmo a possibilidade de suspensão contratual foi revista pelo Governo, sendo retirada da cena de alternativas, ante o reconhecimento de que o/a trabalhador/a depende de seu salário para sobreviver e a vida humana deve ter um valor maior. Além disso, a formalização das rescisões contratuais com o pagamento de apenas 50% do valor das verbas devidas, invocando a força maior, é capaz de caracterizar verdadeiro oportunismo diante da pandemia COVID-19 que assola a humanidade, haja vista o curto período inicial de isolamento – 9 dias desde o Decreto do Governador – com previsão de retomada das atividades fim da empresa – construção civil –, anunciadas pelo Governador do Estado para o dia 1 de abril de 2020, data sabidamente prematura frente às recomendações da OMS – Organização Mundial da Saúde. Não fora isso e a despedida em massa seria passível de questionamento, porquanto não precedida de negociação coletiva. Neste quesito, adoto o posicionamento do Enunciado 57, aprovado na 2a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pela ANAMATRA em Brasília no mês de outubro de 2017, a seguir transcrito: “DISPENSA COLETIVA. INCONSTITUCIONALIDADE. O art. 477-A da CLT padece de inconstitucionalidade, além de inconvencionalidade, pois viola os artigos 1o, III, IV, 6o, 7o, I, XXVI, 8o, III, VI, 170, caput, III e VIII, 193, da Constituição Federal, como também o artigo 4o da Convenção no 98, o artigo 5o da Convenção no 154 e o art. 13 da Convenção no 158, todas da OIT. Viola, ainda, a vedação de proteção insuficiente e de retrocesso social. As questões relativas à dispensa coletiva deverão observar: a) o direito de informação, transparência e participação da entidade sindical; b) o dever geral de boa fé objetiva; e c) o dever de busca de meios alternativos às demissões em massa”. Disponível em https://drive.google.com/file/d /1oZL9_JohYjNInVvehEzYDp-bl0fcF6i6/view Acesso em: 26 mar 2020 Assim também decidiu o Ex.mo Juiz do Trabalho LEONARDO SAGGESE FONSECA, da 3a Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, a o analisar a tutela de urgência na ACPCiv 0100251- 67.2020.5.01.0003: “Outrossim, as demissões coletivas devem preceder a observância da negociação sindical prévia, necessária em toda e qualquer discussão que envolva uma pluralidade de trabalhadores, mormente em se tratando de demissões em massa, em flagrante violação ao art. 1o, incisos III e IV, art. 5o, inciso XIV, art. 7o XXVI, art. 8o, III e VI, todos da Constituição Federal, assim como aos ditames da Convenção no 98 da OIT e Recomendações no 94 e 163”. E por quê? Ora, no sistema capitalista de produção, o acesso aos recursos mínimos de sobrevivência – alimentação, moradia habitável, saúde, educação – são alcançáveis, para a generalidade das pessoas, por meio do resultado do trabalho. Produz-se e se paga pela comida, pela água, pelo local em que se habita, pela energia que se utiliza, pelos remédios com que se medica, pelo aprendizado que se tem. A esse kit básico de sobrevivência, associam-se outros itens necessários a um grau mínimo de vida civilizada, igualmente dependentes do resultado do trabalho para serem alcançados. A essa dimensão econômica do trabalho agrega-se, ainda, o aspecto de transcendência humana que está implicado no trabalho, que não se reduz a mero meio de subsistência: é através do trabalho que o ser humano alcança sua autonomia como sujeito integrante das relações sociais, da vida em comunidade. A pessoa humana ganha identidade social, realiza e se realiza pelo trabalho, ainda que as possibilidades do ser não se limitem às dimensões do trabalho. Justamente por todos esses aspectos é que o trabalho tem sido reconhecido como um direito humano fundamental Bem, a primazia da pessoa humana e o reconhecimento de sua dignidade, expressos em instrumentos internacionais que partem da concepção do traço distintivo e igualitário que todo ser humano possui, tem centrado no valor social do trabalho as possibilidades de concretude dos direitos humanos concernentes à condição de uma vida digna de ser vivida. Daí a Declaração Universal dos Direitos Humanos anunciar, no artigo XXIII, item 1, que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”. Sabe-se que os direitos humanos foram inicialmente construídos na afirmação dos direitos civis e políticos frente às arbitrariedades estatais sobre o indivíduo. Do processo de juridicização da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, foram elaborados dois tratados internacionais interdependentes e interrelacionados, buscando dar força obrigatória e vinculação universal à Declaração: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. As interligações entre os direitos humanos fazem ver que a efetividade dos direitos civis e políticos depende da concretude dos direitos econômicos, sociais e culturais, e vice-versa. No Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o direito ao trabalho está expresso no artigo 6o do Protocolo adicional, num claro sentido de centralidade, aparecendo como meio necessário e honroso à obtenção da subsistência para “uma vida digna e decorosa”, assim constando: “Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que inclui a oportunidade de obter meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida e aceita” (item 1). A Constituição da República, por sua vez, ao definir os princípios regedores das relações internacionais, estabelece no artigo 4, inciso II, a “prevalência dos direitos humanos. No parágrafo 2 do artigo 5, consta que os direitos e garantias expressos na Constituição “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. E a emenda Constitucional n. 45, de 2004, positivou que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos tem equivalência de emendas constitucionais, quando aprovados com o mesmo quorum exigido para estas, conforme se lê no artigo 5, parágrafo 3, da Constituição. Seguindo esta linha assecuratória do direito ao trabalho, a Constituição da República arrola, no capítulo dos Direitos Sociais, o direito ao trabalho (artigo 6). Ao anunciar o princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a Constituição elencou, entre outros, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (artigo 5). Em seguida, ao dispor sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, lançou que “a propriedade atenderá a sua função social”. Além disso, a Constituição assumiu a proteção do emprego contra a despedida arbitrária e sem justa causa no artigo 7. E, mais adiante, ao tratar da Ordem Econômica, pontuou a finalidade de assegurar a todas as pessoas uma existência digna, lançando, ao longo dos incisos que se seguem, uma série de princípios direcionados a realização da justiça social, com claros limites ao exercício da atividade econômica (artigo 170). Nesse quadro, percebe-se que o direito ao trabalho é cercado por um feixe de normas direcionadas a lhe dar efetividade. A inserção da livre iniciativa no mesmo dispositivo constitucional que o trabalho, ambas as categorias colocadas em patamar de Princípio Fundamental (artigo 1, IV), e também como fundamentos maiores da Ordem Econômica (artigo 170), está a demonstrar que a iniciativa provada foi alçada para além do interesse meramente especulativo, centrado no lucro, estando seu aspecto econômico fundamentalmente ligado ao valor social que possui, ao lado do trabalho. Se por um lado a Ordem Econômica constitucional reconhece a propriedade privada, ela também põe em cena a função social da propriedade, o que, aliás, também está escrito nos incisos XXII e XXIII do artigo 5 da Constituição. A resposta às necessidades materiais apresenta-se como questão de primeira grandeza, dada a implicação e urgência que elas têm na sobrevivência do indivíduo, ou seja, na vida humana, pressuposto essencial a toda e qualquer outra possibilidade. Por isso, indispensável o diálogo e a negociação coletiva para solução dos problemas que atingem um universo maior de pessoas. Foi justamente esta compreensão que fez a construção do direito ao trabalho. Negar o trabalho e desprezar o diálogo social significa negar a própria possibilidade de sobrevivência de quem depende do esforço diário para prover seu sustento, o que se eleva em grau de perversidade quando a pessoa é despedida num momento em que está impedida de sair de casa para contenção de um vírus fatal que assola o mundo e sem negociar alternativas com o Sindicato para as pessoas que serão atingidas. O que poderia ser mais cruel que isso? CONCEDO a liminar requerida ante a urgência e o inegável bom direito que ampara a tese da entidade sindical autora e DETERMINO a REINTEGRAÇÃO imediata de todos/as os/as trabalhadores/as despedidos por conta da COVID-19, bem como determino que a ré se ABSTENHA de rescindir os contratos de trabalho de seus/suas empregados/as durante a pandeia da COVID-19, sob pena de multa de R$ 1.000.000,00, revertidas 50% aos/às trabalhadores/as vitimados/as e 50% a entidade sindical autora. A empresa tem 72 horas para reintegrar os/as trabalhadores/as despedidos. INTIME-SE pelos meios eletrônicos/telefônicos disponíveis, ante a suspensão dos atos processuais presenciais, certificando nos autos. Por tratar-se de medida de urgência, os prazos não estão sujeitos a suspensão. CIÊNCIA ao Sindicato autor . Encaminhem-se os autos ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. JOACABA/SC, 27 de março de 2020. ANGELA MARIA KONRATH Juiz(a) do Trabalho Titular

Sentença - Inconstitucionalidade MP 905/2019

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 07ª REGIÃO 3ª Vara do Trabalho de Fortaleza ATOrd 0000236-53.2019.5.07.0005 RECLAMANTE: ANTONIO TARCISO COELHO PINTO RECLAMADO: EMP DE ASSIST TEC E EXT RURAL DO EST DO CE EMATERCE RELATÓRIO: ANTONIO TARCISO COELHO PINTO ajuizou Reclamação  Trabalhista em face de EMPRESA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL DO CEARÁ - EMATERCE alegando que trabalha para a reclamada desde 01/09/1970, exercendo atualmente a função de auxiliar administrativo de ATER, classe C, nível 12. Alega que além do salário base havia previsão de a cada triênio serem acrescentados à remuneração dos funcionários da ré adicionais por tempo de serviço, o que teria sido congelado no ano de 1999, ocasionando-lhe uma perda percentual de 21% sobre os respectivos ganhos. Assim, postula seja declarado que a reclamada descumpre as normas internas do regulamento de pessoal e que o o reclamante tem direito direito ao "descongelamento" do percentual na ordem de 1% a cada ano de emprego, com sua imediata implantação e pagamento de reflexos e honorários, dando à causa o valor de R$ 96.847,81 reais. Devidamente notificada a promovida compareceu a Juízo. Frustrada a conciliação, apresentou a contestação. As partes declararam não mais ter provas a produzir, pelo que foi encerrada a instrução processual. Razões finais remissivas das partes. Rejeitada a última proposta de conciliação. Autos conclusos para julgamento. DECIDO: FUNDAMENTAÇÃO PRELIMINARMENTE - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 905, QUE INSTITUI O CONTRATO DE TRABALHO VERDE E AMARELO, ALTERA A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. Tendo em vista a publicação da Medida Provisória n. 905 no Diário Oficial do dia 12 de novembro de 2019, com efeitos imediatos, instituindo o chamado contrato verde e amarelo (um conjunto de normas trabalhistas precárias para pessoas entre 18 e 29 anos - artigos 1º a 21 da MP), mas também acrescentando à legislação nacional uma série de outras providências que dizem respeito a temas como a) habilitação e reabilitação física e profissional, prevenção e redução de acidentes de trabalho; c) alterações em processos de revisão de benefícios junto ao INSS; d) mudanças várias na CLT, como d.1) arquivamento eletrônico de documentos; d.2) registros na CTPS; d.3) disciplina do trabalho aos domingos; trabalho aos sábados em bancos e regras sobre jornada para os trabalhadores bancários; d.4) regulação sobre pagamento de gorjetas; d.5) sobre processo administrativo para imposição de multas pela auditoria fiscal; d.6) sobre repouso semanal remunerado; d.7) sobre juros de mora e correção monetária; d.8) participação nos lucros e prêmios; d.9) incidência de contribuição previdenciária sobre o seguro-desemprego (e contagem desse tempo para fins de aposentadoria), além de, ao final, revogar dezenas de normas da CLT e da legislação previdenciária, determinando, ainda, que as suas normas sejam aplicadas imediatamente aos contratos em vigor (art.52), dentro de um cipoal de modificações a interferir na vida das pessoas e potencialmente em processos em curso, impõe-se examinar previamente os seus requisitos de validade. Trata-se de mais uma Medida Provisória com objetivando alterar significativamente pontos consolidados e pacificados na ordem jurídica e que não pode ser recebida pela sociedade - como não tem sido - como algo corriqueiro, inclusive do ponto de vista dos valores democráticos, inscritos no Preâmbulo da Magna Carta. Partindo dessa perspectiva, na apuração dos requisitos da urgência e relevância da MEDIDA PROVISÓRIA N. 905, de sorte a saber se a sua edição está em harmonia com a Lei Maior, é necessário assentar, de pronto, que o Poder Executivo não pode menosprezar o papel do Parlamento, governando por medidas dessa natureza, cumprindo-lhe, ao contrário, respeitar a harmonia e independência entre os Poderes, princípio consagrado desde a antiguidade clássica e que se encontra insculpido no art.2º da Constituição de 1988, nos termos seguintes: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. O Poder Legislativo, mais precisamente pela Câmara dos Deputados, que congrega os representantes do povo (art.45 da Lei Maior) e pelo Senado (composto por representantes dos Estados e do Distrito Federa - art.46), figuram como centros originários de acolhimento, difusão e deliberação democrática sobre os diversos temas de interesse da sociedade. Justamente por esse motivo, o processo de alteração das leis deve ser impulsionado, como regra, na forma do art.61 da Constituição, por iniciativa dos sujeitos ali referidos, mais precisamente por Deputados, Senadores, o Presidente da República, dos Tribunais, e também dos cidadãos, na forma do § 2º do referido artigo. Desse modo, por mais que os integrantes do Poder Executivo, na figura do Chefe de Governo, reputem luminosas as suas ideias, imperioso que sejam processadas e encaminhadas ao Congresso Nacional na forma de proposições legislativas, pelas vias ordinárias (art.61 da CF), permitindo amplo debate com a sociedade, ficando reservadas as Medidas Provisórias apenas para casos de reais urgências e desde que demonstrada relevância. O Ministro Celso de Melo, na ADI nº 221, relatada pelo Ministro Moreira Alves,já havia alertado em seu voto que "o que justifica a edição dessa espécie normativa, com força de lei, em nosso direito constitucional, É A EXISTÊNCIA DE UM ESTADO DE NECESSIDADE, QUE IMPÕE AO PODER PÚBLICO A ADOÇÃO IMEDIATA DE PROVIDÊNCIAS, DE CARÁTER LEGISLATIVO, INALCANÇÁVEIS SEGUNDO AS REGRAS ORDINÁRIAS DE LEGIFERAÇÃO, EM FACE DO PRÓPRIO PERICULUM IN MORA QUE FATALMENTE DECORRERIA DO ATRASO NA CONCRETIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO LEGISLATIVA. (...) É inquestionável que as medidas provisórias traduzem, no plano da organização do Estado e na esfera das relações institucionais entre os Poderes Executivo e Legislativo, um instrumento de uso excepcional. A EMANAÇÃO DESSES ATOS, PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, CONFIGURA MOMENTÂNEA DERROGAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. [ADI 221 MC, rel. min. Moreira Alves, voto do min. Celso de Mello, j. 29-3-1990, P, DJ de 22-10-1993.]”. O destaque do hoje decano da Corte Suprema trazia, naquele tempo, esse aceno ao uso apenas excepcional desse instrumento. Não por outros motivos, na ADI n. 2213-MC, o mesmo Ministro CELSO DE MELLO, agora como relator, fez questão de, incidentalmente, consignar a seguinte passagem, em coerência com o que já apontara na ADI 221: "EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO DO ABUSO PRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - (...) POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. (...)UTILIZAÇÃO ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - INADMISSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. - A CRESCENTE APROPRIAÇÃO INSTITUCIONAL DO PODER DE LEGISLAR, POR PARTE DOS SUCESSIVOS PRESIDENTES DA REPÚBLICA, TEM DESPERTADO GRAVES PREOCUPAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA, EM RAZÃO DO FATO DE A UTILIZAÇÃO EXCESSIVA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS CAUSAR PROFUNDAS DISTORÇÕES QUE SE PROJETAM NO PLANO DAS RELAÇÕES POLÍTICAS ENTRE OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO. - Nada pode justificar a utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo - quando ausentes razões constitucionais de urgência, necessidade e relevância material -, investir-se, ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional, vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das liberdades públicas e sérios reflexos sobre o sistema de "checks and balances", a relação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da República. - CABE, AO PODER JUDICIÁRIO, NO DESEMPENHO DAS FUNÇÕES QUE LHE SÃO INERENTES, IMPEDIR QUE O EXERCÍCIO COMPULSIVO DA COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DE EDITAR MEDIDA PROVISÓRIA CULMINE POR INTRODUZIR, NO PROCESSO INSTIUCIONAL BRASILEIRO, EM MATÉRIA LEGISLATIVA, VERDADEIRO CESARISMO GOVERNAMENTAL, PROVOCANDO, ASSIM, GRAVES DISTORÇÕES NO MODELO POLÍTICO E GERANDO SÉRIAS DISFUNÇÕES COMPROMETEDORAS DA INTEGRIDADE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DE PODERES. (...)" (ADI 2213 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2002, DJ 23-04-2004 PP-00006 EMENT VOL-02148-02 PP-00296) . Já desses dois pronunciamentos se extrai que as Medidas Provisórias não podem ser banalizadas, como se o Presidente da República resolvesse, de uma hora para outra, em gesto autoritário descabido, fazer-se substituir ao Congresso Nacional brasileiro, atropelando o processo legislativo em sua dinâmica política natural. Justamente por fatos que assim ocorrem, o Ministro Edson Fachin considerou recentemente, em Recurso Extraordinário, que " (..) é dado ao Judiciário invalidar a iniciativa presidencial para editar medida provisória por ausência de seus requisitos em casos excepcionais de cabal demonstração de INEXISTÊNCIA DE RELEVÂNCIA E DE URGÊNCIA DA MATÉRIA VEICULADA (ARE 1147266 AgR, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe-019 DIVULG 31-01-2019 PUBLIC 01-02-2019)”. No mesmo sentido - e novamente em sede de ADI -, a Ministra Cármen Lúcia anotou que "(..) a jurisprudência deste Supremo Tribunal admite, em caráter excepcional, a declaração de inconstitucionalidade de medida provisória QUANDO SE COMPROVE ABUSO DA COMPETÊNCIA NORMATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO, pela ausência dos requisitos constitucionais de relevância e urgência. Na espécie, NA EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA MEDIDA PROVISÓRIA NÃO SE DEMONSTROU, de forma suficiente, OS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DE URGÊNCIA DO CASO. (..) [ADI 4717 / DF, Relatora, Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 15-02-2019]”. No caso, levando em conta essas considerações e examinada a Exposição de Motivos da Medida Provisória 905, pode-se dizer que os requisitos constitucionais de urgência e relevância absolutamente não foram observados, comprometendo a sua integral eficácia. Para bem explicar, dando concretude aos aspectos até aqui pontuados, tem-se que a Exposição de Motivos n.352/2019 NÃO CONSEGUE INDICAR a existência daquele tal "estado de necessidade", que reclama "(...) a adoção imediata de providências, de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras ordinárias de legiferação (..)" de modo a evitar prejuízo para a sociedade, como exigido no ponto destacado na ADI 221, pelo Ministro Celso de Mello. A bem da verdade, o que se encontra no texto justificador, em linhas gerais, é mera recapitulação de discurso político rotineiro (com palavras diferentes ) , formulado por vários partidos, de matizes distintas, há anos e anos, embora com soluções diferentes para a problemática, com promessas de incluir determinados segmentos em nichos de empregabilidade, dentro de políticas tais ou quais. Por outro lado, os índices alarmantes de desemprego que ali são apontados (na faixa de 13 a 14 milhões e a perto de 30 milhões contando os desalentados) não são, infelizmente, novidade na cena brasileira e, ao contrário, são números que estão presentes e desde 2014, não caracterizando fato novo a motivar edição de Medida Provisória, sabendo-se , além do mais, que a realidade do desemprego, em qualquer país, não se equaciona por "decreto" ou MP, mas pela retomada da dinâmica da economia, cujos vetores não podem ser articulados ao custo da precarização do trabalho. Vale lembrar que com esse mesmo discurso e com essa vocação de fazer o mais do mesmo da doutrina neoliberal (a máxima flexibilização de leis econômicas e trabalhistas), de 2016 até os dias de hoje as ideias acolhidas pelo Congresso, a pretexto de abrir postos de trabalho, não foram além de suprimir direitos, como se fez na reforma trabalhista no governo Temer, resultando as falsas promessas em completo fracasso. Naquele projeto de lei (PL Nº 6.787, de 2016), Rogério Marinho (então deputado e hoje ocupante de cargo no governo) ao propor as danosas medidas então incrementadas, alardeava ter compromisso "(..)com os mais de 13 milhões de desempregados, 10 milhões de desalentados e subempregados totalizando 23 milhões de brasileiros e brasileiras que foram jogados nessa situação por culpa de equívocos cometidos em governos anteriores” O texto assinado pelo Ministro Paulo Guedes, que tem o ex-deputado e hoje Secretário Especial de Previdência e Trabalho no Ministério da Economia como idealizador, em essência reproduz os mesmos chavões adotados pelo relator do PL Nº 6.787 (a suposta defesa dos menos favorecidos ), como se vê: "14. A URGÊNCIA E A RELEVÂNCIA DA MEDIDA se apresentam, POIS A POPULAÇÃO MAIS VULNERÁVEL, com menor qualificação, escolaridade e remuneração É A MAIS AFETADA PELOS FRUTOS DA INFORMALIDADE, DA DESOCUPAÇÃO E DA DIFICULDADE DE SE INSERIR NO MERCADO DE TRABALHO. Não seria inesperado, dado outros processos de saída de crises da economia brasileira, que essa população, dada a recuperação em curso, possua mais dificuldades de se empregar formalmente do que os trabalhadores de maior qualificação. 15. O restabelecimento do horizonte de consolidação das contas públicas, a partir da reforma da previdência, possibilitará recuperação da confiança em um processo que pode ser lento e gradual. Ainda nessa linha, verifica-se que nos últimos anos os índices de desemprego, ainda que positivos, apresentaram pouca redução no país. (..)18. Com RESPEITO AO REAJUSTE DOS DÉBITOS TRABALHISTAS, tem-se que o INCREMENTO DO PASSIVO DAS EMPRESAS ESTATAIS É INSUSTENTÁVEL. A URGÊNCIA DA ALTERAÇÃO EM TELA, em torno de uma proposta QUE DE FATO LEVE EM CONSIDERAÇÃO O PODER DE COMPRA DO TRABALHADOR SEM DISTORCER O CUSTO DO DINHEIRO AO LONGO DO TEMPO, se mostrou (sic) ainda mais urgente a partir da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de redução da SELIC para 5% ao ano. Com RESPEITO AO REAJUSTE DOS DÉBITOS TRABALHISTAS, altera-se O ATUAL ENTENDIMENTO QUE VINCULA IPCA-E ACRESCIDO DE 12% A.A” Essa repetida fala (na mesma linha do que já havia sido dito pelo relator da reforma trabalhista) não passa de um vazio de ideias, a ponto de declarada e impressionantemente "taxar" o segurodesemprego para financiar o próprio programa verde e amarelo, sem base argumentativa consistente, não trazendo, de outro lado, tais razões, nem mesmo conexão palpável e lógica com o conjunto das medidas propostas, sequer quanto a essa nova modalidade de contratação, que é essencialmente um pacote de redução de encargos e de limitação de salários dos novos contratados, a beneficiar primordialmente os empregadores. Renovando apenas um diagnóstico que instrui soluções que não conseguiram se materializar na realidade brasileira , depois de dois anos de sanção Lei 13.467, com apoio nas teses de economistas neoliberais , fundadas na desconstrução progressiva de direitos sociais (que avançou com a MP da "liberdade" econômica e agora se aprofunda com a MP 905), restou provada apenas a incapacidade dessas iniciativas de gerar ou retomar empregos, na medida em que, aprofundando as formas de trabalho precário, maximizam o lucro empresarial , concentram renda e enfraquecem os pilares da economia em países tão desiguais como o Brasil. De outra sorte- e mais grave, como dito- , as notas explicativas da Exposição de Motivos desconectam-se das muitas e drásticas alterações normativas trazidas na Medida Provisória, a exemplo da mudança da jornada dos trabalhadores bancários que, a rigor, beneficia justamente o segmento econômico que tem obtido lucros bilionários no Brasil, há décadas, no caso o sistema financeiro. E isso para ficar apenas nesse exemplo de total e explícita desconexão entre motivo e norma e não falar, finalmente, na provocação de danos aos trabalhadores em geral, pela alteração altamente prejudicial do regime de juros e correção monetária dos créditos trabalhistas, inclusive gerando tratamento discriminatório com os credores de dívidas civis. Em resumo de tudo, NÃO HÁ FATO NOVO E URGENTE (como menciona o Min. Celso de Mello em voto na ADI 221) E MUITO MENOS RELEVANTE a exigir intervenção na realidade normativa por Medida Provisória, o que é patentemente aferível (conforme precedentes e fatos mencionados) , devendo todo esse conjunto de regras ser submetido ao Congresso Nacional na forma do art.61 da CF e debatido nos termos do Regimento Interno das Casas Legislativas. Desse modo, nessa parte, por desatendimento ao caput do art.62 da CF, declaro, incidentalmente, a INCONSTITUCIONALIDADE formal da MEDIDA PROVISÓRIA N. 905, por ausência dos requisitos de relevância e urgência, deixando de aplicar quaisquer de seus dispositivos no presente feito nos temas eventualmente pertinentes que a ampla regulação proposta. PRESCRIÇÃO: Alega a reclamada prescrição total pela passagem de mais de dois anos da alteração do pactuado, de modo a fulminar totalmente a pretensão. Improcede o pedido da reclamada, uma vez que a violação apontada repercute diretamente sobre a remuneração do reclamante, sendo a intangibilidade salarial protegida tanto na Constituição (art.7º , VI) quanto no art.462 da CLT. Em sendo assim, afasta-se a prescrição total , em harmonia com o entendimento esposado na súmula n.294 do colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST), verbis: "Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei”. Uma vez arguida também a prescrição parcial, impões reconhecê-la, nos termos do art.7º, XXIX da Constituição Federal e do art.11 da CLT, assim anotado: "Art. 11 - O direito de ação quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve: I - em cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato”. Dessa forma, créditos eventualmente existentes em data anterior a 13/03/2014, encontram-se prescritos, inclusive diferença de recolhimento do FGTS, o que fica reconhecido. MÉRITO: Alega em contestação a reclamada que a matéria objeto do litígio envolve decisão adotada há vinte anos, no âmbito de Acordo Coletivo de Trabalho , em que foi firmada a cláusula de anuênio, nos termos seguintes: "Fica assegurado (sic) a manutenção do percentual percebido pelo empregado até 30.04.99, à titulo de adicional por tempo de serviço.” Diz ainda a contestante que "naquele ano de 1999, devido as políticas vigentes, as partes congelaram o percentual de anuênios que eram pagos aos empregados da Ematerce, o que foi devidamente debatido e acordado no competente Acordo Coletivo de 1999, firmado entre as partes interessadas" , de modo que esse direito não foi abolido, permanecendo assegurado a todos, tanto que vem sendo pago. Alega que o congelamento foi pactuado coletivamente a "autorizado" (sic) judicialmente. Da leitura do referido ACT (fls.88), em sua cláusula segunda , verifica-se que que a norma assegura, apenas do ponto de vista formal, para fins de anuênio, a manutenção do percentual percebido até 30/04/1999, mas nada há no sentido de compromisso sindical com a legitimação de uma política de seu congelamento na referida cláusula normativa, muito menos se extrai, do referido instrumento - que nem sentença normativa é-, qualquer intervenção do Poder Judiciário que "autorize" essa praxe. O mesmo se verifica nos acordos seguintes (anos 2000) em que a cláusula se repete em semelhantes termos, não havendo, só por esse fato, como entender pela superação obrigacional. Na verdade, o reclamante sustenta a regulação jurídica do adicional por tempo de serviço no Regimento de Pessoal da EMATERCE (art.67) e, examinando o texto da referida norma, constata-se, de pronto, que não se trata de anuênios, mas de triênios, o que deve de logo ficar assinalado, para todos os fins, em sintonia com o que resta evidenciado no texto seguinte: REGIMENTO DA EMATERCE-"Art. 67 - O adicional por tempo de serviço, se constitui de um valor proporcional ao salário do servidor, relacionado com o tempo de prestação de serviço, ao servidor remanescenteda ANCAR - CE. § 1º - O valor do Adicional por tempo de serviço corresponderá a 3% do salário do servidor a cada período de 3 (três) anos”. Alega que, com a celebração de um Acordo Coletivo no ano de 1999, já mencionado, e do teor da já transcrita cláusula 2ª do referido pacto, a reclamada "congelou" o percentual do avanço por tempo de serviço, causando-lhe prejuízo. Sem entrar no mérito das escolhas político-sindicais que levaram a entidade a incluir no acordo coletivo cláusula nesse sentido, resta evidente que a norma autônoma foi editada com a finalidade de chancelar, de algum modo, a exclusão de uma conquista dos trabalhadores da reclamadaque, à época, já estava consolidada há mais de vinte anos. Há de se notar, entretanto, pelos documentos acostados pelo reclamante, que o regimento da EMATERCE mantém da norma em vigor ou, mesmo que a tivesse suprimido, estariam seus efeitos mantidos em zona de eficácia em relação ao promovente, nos termos da súmula 51 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. A indagação está, portanto, em saber se o Acordo Coletivo poderia ir ao ponto de "autorizar" o congelamento dos triênios, como de fato resultou praticado pela reclamada, tal como evidenciado pela juntada dos extratos de pagamento de fls.16/18, a demonstrar que o percentual auferido seja em 1999 ou em 2019, era de 27%, tal como consta da rubrica "gratificação" por tempo de serviço. No plano coletivo, a Constituição Federal , no art.7º, estabeleceu um rol de direitos mínimos , "(..) além de outros que visem à melhoria de sua condição social" dos trabalhadores urbanos e rurais, reconhecendo a legitimidade de acordos e convenções que, no entanto, devem respeitar as disposições legais mínimasde proteção ao trabalho e os ajustes convencionais anteriormente firmados (§2º do art.114), dando a exata ideia de progressividade de conquistas sociais, e não de regressão. Para além do mais, estabelece o art.468 da CLT: “Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”. Nesse sentido, reportando-se à doutrina da condição mais benéfica, MAURICIO GODINHO DELGADO ( Curso de Direito do Trabalho ) registra: "Este princípio importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF/ 88). Ademais, para o princípio, no contraponto entre dispositivos contratuais concorrentes, há de prevalecer aquele mais favorável ao empregado” E prossegue: "Não se trata, aqui, como visto, de contraponto entre normas (ou regras), mas cláusulas contratuais (sejam tácitas ou expressas, sejam oriundas do próprio pacto ou do regulamento de empresa). Não se trata também, é claro, de condição no sentido técnico-jurídico (isto é, "cláusula que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto" - art. 114, CCB/ 1916; art. 121, CCB/ 2002). O que o princípio abrange são as cláusulas contratuais, ou qualquer dispositivo que tenha, no Direito do Trabalho, essa natureza. Por isso é que, tecnicamente, seria mais bem enunciado pela expressão princípio da cláusula mais benéfica. Incorporado pela legislação (art. 468, CLT) e jurisprudência trabalhistas (Súmulas 51, I, e 288, TST), o princípio informa que cláusulas contratuais benéficas somente poderão ser suprimidas caso suplantadas por cláusula posterior ainda mais favorável, mantendo-se intocadas (direito adquirido) em face de qualquer subsequente alteração menos vantajosa do contrato ou regulamento de empresa (evidentemente que a alteração implementada por norma jurídica submeter-se-ia a critério analítico distinto). Na verdade, o princípio da cláusula mais benéfica traduz-se, de certo modo, em manifestação do princípio da inalterabilidade contratual lesiva, também característico do Direito do Trabalho”. Desse modo, resta evidente que não poderia a reclamada deixar de evoluir a contagem do tempo de serviço do reclamante para os fins do artigo 67 e § 1º de seu regimento de pessoal, sendo ilegítima, a teor dos artigos 9º e 468 da CLT, a referida conduta omissiva. É de se destacar que o reclamante não pode postular,no caso, direito a anuênios, misturando regimes que não se confundem. Via de consequência, considerando-se que a reclamada já incorporou em folha 27% da progressão trienal (até 1999), o que equivale a 9 triênios, faz jus o reclamante a mais 7 triênios (21%). Assim, em sede declaratória, defiro o primeiro pedido para reconhecer que o autor faz jus a ter "descongelado" o percentual da gratificação por tempo de serviço, mas na forma de triênios, como consta do regulamento empresarial. Nesse sentido, deve a reclamada implantar em folha, como obrigação de fazer, o percentual de 21% e , ademais, continuar contabilizando os triênios doravante. Deve a reclamada pagar as diferenças entre os percentual constante de folha desde 1999 (27%) e o avanço progressivo dos triênios no período imprescrito (considerando o acréscimo de mais 21%), incidente sobre o salário-base. Para cálculo das diferenças de retroativos, considere-se a data-base correspondente à admissão do autor (marco contratual), a fixação do limite prescricional e os meses a serem quitados, nos termos da fundamentação, tudo como apurado em fase própria. Os valores das diferenças retroativas, assim como da incorporação, repercutem sobre férias mais 1/3, 13º salário recolhimento do FGTS e sobre as demais parcelas de natureza salarial, devendo ser apuradas as parcelas vencidas. DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA Tema relevante a ser discutido na presente causa diz respeito à atualização monetária do crédito trabalhista, resultante da condenação. O trabalho produz como bem imaterial a dignidade do trabalhador e como proveito econômico os salários. Essas duas dimensões do trabalho humano receberam do constituinte inequívoca proteção, tanto ao se afirmar compromissos de Estado com o valor social do trabalho (inciso IV do art. 1º ) ; com a erradicação da pobreza e redução das desigualdades (inciso III, 3º ) , mas também pela prevalência dos direitos humanos (inciso II, 4º ) , no que se complementa pela proteção constitucional específica com o disposto no art.23 da DUDH , reconhecedora do direito a salário digno e satisfatório. A mesma Carta, sem excluir os trabalhadores, da proteção ao "direito à propriedade" (inciso XXII do art.5º ) , acentua a garantia de que ninguém deve ser privado de seus bens sem o devido processo legal (art.5º ,LIV), e, também, sem causa justa ou pelo emprego de meios que os desvalorizem ou os subtraiam progressivamente. Em sendo assim, para um modelo justo de atualização dos créditos trabalhistas é forçoso que essas garantias sejam necessariamente preservadas. No panorama legal, estabelece o art.883 da CLT: “Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora, sendo estes, em qualquer caso, devidos a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial”. Já a Lei 8.177, em seu art. 39, § 1º assim dispõe: "Art. 39. Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento. § 1º Aos débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação”. A TRD (art.39), nascida nos anos noventa, como desdobramento das muitas distorções do chamado Plano Color, não traduz, como outros índices, a exemplo da taxa de remuneração da poupança, a ideia de efetiva atualização do valor do crédito. Na verdade, o sobredito parâmetro da Lei 8177/91 atua em evidentemente descompasso com a necessidade de conferir o mínimo de realidade, eficácia e concretude ao provimento jurisdicional , em condições de propiciar justa reparação ao credor e materializar os princípios constitucionais acima destacados. Apenas para que se tenha ideia, uma hipotética dívida de 20.000,00 (reais), consolidada em 10/01/2012 e paga em 10/01/2017, seria atualizada em apenas R$ 21.039,04 (reais), aplicando-se 5,1% de correção acumulada, se utilizada a TRD. Este mesmo valor , em idêntico período (10/01/2012 a 10/01/2017) , mas corrigido pelo IPCA-E, resultaria em 27.180,00 (reais), com percentual de 35,9%, ou seja, uma diferença da ordem de R$ 6.140,96 (reais) , equivalente a mais de 25% do valor do principal. Ao se aplicar a TRD, como se pode notar, suprime-se bem que legitimamente deveria ser progressiva e mais amplamente acrescido ao patrimônio do trabalhador, como decorrência da condenação e não, como tem ocorrido, desconsiderado nas contas de liquidação, multiplicando prejuízos impostos ao credor, já frustrado por não ver voluntariamente adimplida a obrigação pelo devedor. A manutenção da TRD nos cálculos trabalhistas, portanto, como forma de atualizar o montante devido, seria duplamente danosa, beneficiando indevidamente o devedor e inclusive estimulando a inadimplência. Daí a necessidade de adotar critério que se faça efetivo, para somente a partir daí fazer incidir os juros moratórias previstos no § 1º do art.39 da Lei 8177/91. Esse propósito, repita-se, compatibiliza-se com os artigos art. 1º, inciso IV; 3º, inciso III ; 4º inciso II; art.5º , inciso XXII; art.5º ,LIV da CF e art. 23 da DUDH, sendo que a conclusão pela impropriedade de aplicar a TRD não é diferente das razões que inspiraram as proposições expostas nos votos constantes das ADIs 4357 e 4425, que trazem as seguintes passagens: "O que se conclui, portanto, é que o § 12 do art. 100 da Constituição acabou por artificializar o conceito de atualização monetária. Conceito que está ontologicamente associado à manutenção do valor real da moeda. Valor real que só se mantém pela aplicação de índice que reflita a desvalorização dessa moeda em determinado período. Ora, se a correção monetária dos valores inscritos em precatório deixa de corresponder à perda do poder aquisitivo da moeda, o direito reconhecido por sentença judicial transitada em julgado será satisfeito de forma excessiva ou, de revés, deficitária. Em ambas as hipóteses, com enriquecimento ilícito de uma das partes da relação jurídica. (...) Basta ver que, nos últimos quinze anos (1996 a 2010), enquanto a TR (taxa de remuneração da poupança) foi de 55,77%, a inflação foi de 97,85%, de acordo com o IPCA. Não há como, portanto, deixar de reconhecer a inconstitucionalidade da norma atacada, na medida em que a fixação da remuneração básica da caderneta de poupança como índice de correção monetária dos valores inscritos em precatório implica indevida e intolerável constrição à eficácia da atividade jurisdicional. Uma afronta à garantia da coisa julgada e, por reverberação, ao protoprincípio da separação dos Poderes”. Na ADI conexa (nº 4425) o eminente relator diz também: "Não bastasse essa constatação, é de se ver que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que a Taxa Referencial não reflete a perda do poder aquisitivo da moeda. Ao julgar a ADIn 493, rel. Min. Moreira Alves, o plenário desta Corte entendeu que o aludido índice não foi criado para captar a variação de preços na economia, daí ser insuscetível de operar como critério de atualização monetária". Nas referidas decisões do STF restou igualmente entendido que OS CRÉDITOS DEVEM SER CORRIGIDOS PELO ÍNDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR AMPLO ESPECIAL (IPCA-E) e nãopor algo semelhante à poupança, o mesmo valendo, ideologicamente, digamos assim, para afastar a TR, ou TRD ou índices equivalentes, sem representatividade corretiva que se conecte com os fatos e dados da economia real. Desse modo, considerando tudo o que foi exposto, inclusive e destacadamente as manifestações acima colhidas e transcritas, dos autos da ADIs nº 4357 e 4425 e, sobretudo, levando em conta a necessidade de preservar a plena eficácia da autoridade/proveito da coisa julgada, além de valorizar a propriedade do credor sobre os bens que lhe cabem por força da decisão judicial, que não podem ser ilegitimamente depreciados pela aplicação da Lei 8177, é que concluo, neste ponto, pela inconstitucionalidade da expressão "equivalentes à TRD",constate do art.39 da referida lei, determinando que se adote o IPCA-E como índice para atualização monetária dos débitos trabalhistas, o que já vem sendo adotado inclusive por outros segmentos judiciais, como a Justiça Federal e, se acolhido como o correto caminho a seguir, ensejaria além do mais, indevido tratamento diferenciado entre credores judiciais. Observe-se o referido critério a partir de 30.6.2009. RECOLHIMENTOS FISCAIS E PREVIDENCIÁRIOS Os recolhimentos para o Imposto de Renda e Seguridade Social decorrem de norma cogente, não se podendo eximir empregado e empregador. A empregadora deverá efetuar os recolhimentos das contribuições fiscais e previdenciárias, autorizada a dedução das parcelas devidas ao empregado. O Imposto de Renda deverá obedecer ao regime de competência, não devendo ser calculado sobre o valor total das parcelas tributáveis que integram a condenação, pois prejudicial ao obreiro, consoante previsto na Lei 7.713/88 (art. 12-A) e Instrução Normativa 1.127/2011 da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Indevida a incidência de recolhimentos fiscais sobre os valores devidos a título de juros de mora, em face de sua natureza indenizatória. As contribuições previdenciárias incidirão sobre as parcelas de natureza salarial, calculadas mês a mês, observando-se as alíquotas pertinentes e o limite do salário de contribuição do empregado, observada a Súmula 368 do TST e Orientação Jurisprudencial n. 363 da SDII, do TST. GRATUIDADE: Defere-se a gratuidade uma vez que a reclamante afirma não ter como arcar com as despesas do processo, o que dever ser presumido pelo Juízo se não houver prova em sentido contrário, sendo nesse sentido a interpretação que se extrai do art.99 do NCPC, ressalvados os casos de notória e induvidosa capacidade econômica, o que não é o caso . HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS A Lei 13.467 estabeleceu: "art.791-A: Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtidoou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”. No caso, tem-se que o reclamado sucumbiu totalmente, em todos os termos da demanda, razão pela qual fixo em 10% os honorários em prol do advogado do reclamante, incidentes sobre o valor da condenação. CONCLUSÃO: ANTE O EXPOSTO, antes declarando inconstitucionalidade da MEDIDA PROVISÓRIA N. 905, por ausência dos requisitos de relevância e urgência (art.62, CF), quanto ao mais julgo PROCEDENTES os pedidos formulados por ANTONIO TARCISO COELHO PINTOem face de EMPRESA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL DO CEARÁ - EMATERCE para : a) declarar e reconhecer que o autor faz jus a ter “descongelado" o percentual de triênios, que permanece inalterado em seus contracheques desde 1999; b) determinar que a reclamada implante em folha o percentual do percentual de 21% , na data da sentença , e progressivamente a cada novo triênio, incidente sobre o salário-base, c) que a reclamada pague as diferenças entre o percentual constante de folha desde 1999 (27%) e o avanço progressivo dos triênios no período imprescrito (considerando o acréscimo de mais 21%), incidente sobre o salário-base, observados os termos da fundamentação; d)pagar honorários em prol do advogado do reclamante, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Juros a atualização monetária, observado o IPCA-E. Custas pela reclamada, no valor R$200,00 reais, calculadas sobre R$10.0000,00 dez mil reais, valor arbitrado. Intimem-se. Fortaleza, 22 de Novembro de 2019 GERMANO SILVEIRA DE SIQUEIRA Juiz do Trabalho Titular

Sentença - reconhecimento vínculo de emprego de motorista de UBER.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 03a REGIÃO 9a VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE ATSum 0010834-65.2019.5.03.0009 AUTOR: MARCELO ALVES RIBEIRO RÉU: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. SENTENÇA I - RELATÓRIO Dispensado o relatório, nos termos do art. 852-I da CLT. II - FUNDAMENTAÇÃO DIREITO INTERTEMPORAL. APLICAÇÃO DA LEI 13.467/2017 - Direito material do trabalho Tratando-se de contrato que já estava em curso quando teve início a vigência da Lei 13.467/2017, entendo que os empregados têm direito adquirido às condições contratuais que foram pactuadas no momento da admissão, em observância ao disposto no artigo 5o, XXXVI, da CRFB, sendo, pois, garantida a irredutibilidade salarial (artigo 7o, VI, CRFB), permitindo-se exclusivamente a incidência de ajustes ou de normas supervenientes mais favoráveis, conforme se depreende da leitura do caput do artigo 7o da norma constitucional. Por esses fundamentos, fica excluída, no caso concreto, a aplicação ao contrato de trabalho da parte autora dos dispositivos da Lei 13.467/2017 que criam novas figuras, eliminam direitos ou criam restrições desfavoráveis a(o) trabalhador(a). COMPETÊNCIA A competência é definida a partir da análise da causa de pedir e dos pedidos. No caso dos autos, o reclamante afirmou ter mantido com a reclamada relação de naturezaempregatícia, motivo pelo qual requereu a declaração judicial dos seus respectivos efeitos. Considerando que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas e decorrentes da relação de trabalho, conforme artigo 114, I e X, da CRFB, rejeito a preliminar em questão, declarando a competência desta Especializada para apreciação dos pedidos formulados na inicial. LIQUIDAÇÃO DOS PEDIDOS A CLT não exige a exata liquidação dos pedidos, mas apenas a atribuição de valor às pretensões. No caso dos autos, os valores elencados pelo demandante têm respaldo na estimativa econômica dos pedidos, não havendo que se falar em conversão do rito em ordinário, como pretendeu a reclamada. Rejeito. LEGITIMIDADE ATIVA Afirmou a reclamada que o demandante requereu pagamento de indenização por dano moral sob alegação de dumping social. Argumentou que o autor não teria legitimidade ativa para formular tal pretensão, de índole coletiva. Sem razão. Na inicial, o reclamante formula pretensão indenizatória calcada em prejuízo moral de ordem estritamente particular. Rejeito. VÍNCULO DE EMPREGO Sustentou o reclamante ter aderido aos termos e condições da reclamada e iniciado a atividade de motorista no dia 11/03/2017. Disse que seu acesso ao aplicativo da ré foi bloqueado em 15/05/2018. Afirmou preencher os requisitos legais para o reconhecimento da relação empregatícia com a reclamada, o que requereu. Em sua defesa, a reclamada argumentou que é uma empresa de tecnologia da informação, e não de transportes, e que presta serviços aos seus usuários, aproximando o motorista parceiro da pessoa interessada na prestação dos serviços. Disse, ainda, que o reclamante exercia suas atividades com plena autonomia. Pugnou pela improcedência dos pedidos formulados pelo autor. A relação de emprego, juridicamente caracterizada, funda-se a partir da existência de trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade e onerosidade, de forma não eventual e subordinada (art. 2o c/c art. 3o, ambos da CLT). Nesse sentido, ainda que as partes tenham estabelecido entre si contrato de natureza civil, o artigo 9o da CLT, a fim de compensar a presumida hipossuficiência econômica do trabalhador, estabeleceu que são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na norma trabalhista Além disso, o item 4, "b", da Recomendação no 198 da Organização Internacional do Trabalho impõe que seus membros adotem políticas nacionais que incluam medidas voltadas a: (...) combater as relações de trabalho disfarçadas no contexto de, por exemplo, outras relações que possam incluir o uso de outras formas de acordos contratuais que escondam o verdadeiro status legal, notando que uma relação de trabalho disfarçado ocorre quando o empregador trata um indivíduo diferentemente de como trataria um empregado de maneira a esconder o verdadeiro status legal dele ou dela como um empregado, e estas situações podem surgir onde acordos contratuais possuem o efeito de privar trabalhadores de sua devida proteção. Passo à análise de cada um dos requisitos separadamente a) pessoa física e pessoalidade Não há dúvidas de que o reclamante é pessoa física, de modo que a discussão, nesse ponto, é absolutamente desnecessária. Aliás, em seu depoimento, a testemunha Chrystinni Andrade Souza afirmou que "no aplicativo podem se cadastrar somente pessoas físicas". De outro lado, cumpre destacar que a pessoalidade consiste na prestação dos serviços de forma intransferível, o que significa que o trabalhador não pode, por vontade própria, fazer-se substituir por terceiros no exercício da atividade para a qual foi contratado. Desse modo, tem-se que a relação de emprego ocorre intuitu personae, baseando-se, pois, na confiança que o contratado tem sobre o contratante. Pela análise do documento "Termos e Condições Gerais dos serviços de Intermediação Digital" (ID 49f9b57 - Pág. 4), constato que ao reclamante não era permitido ceder sua conta no aplicativo para utilização por terceiro não cadastrado: 2.1. ID de Motorista.A Uber emitirá ao(à) Cliente um ID de Motorista para cada Motorista que prestar Serviços de Transporte para permitir que o(a) Cliente e cada Motorista (quando aplicável) acessem e usem o Aplicativo de Motorista em um Dispositivo de acordo com o Adendo de Motorista (quando aplicável) e com o presente Contrato. O(A) Cliente concorda em manter e assegurar que seus(suas) Motoristas (quando aplicável) manterão o ID de Motorista em sigilo e não o compartilharão com terceiros(as) além do(a) Motorista associado(a) a esse ID de Motorista para os fins de prestação de Serviços de Transporte. O(A) Cliente notificará imediatamente a Uber caso ocorra qualquer violação ou uso inadequado, efetivo ou potencial, do ID de Motorista ou do Aplicativo de Motorista. Cumpre destacar que a inobservância dessa regra, ou seja, o compartilhamento do cadastro, poderia dar ensejo à desativação do motorista (ID. 60f66df - Pág.46). Sobre a matéria fática em análise e corroborando a pessoalidade explicitada no documento de ID 49f9b57 - Pág. 4, declarou a testemunha Chrystinni Andrade Souza Pedro que "o motorista não tem autonomia de fazer cadastro de outros motoristas; cada motorista que roda tem que ter um login e uma senha pessoais". No mesmo sentido, declarou a testemunha Pacce Prochno "6) que a uber apenas solicita documentos pessoais, carteira de motorista com observação de que exerce atividade remunerada 7) que com o cadastramento do motorista, o mesmo recebe as informações sobre funcionamento da plataforma por e-mail, pelo site e pelo próprio aplicativo; 8) que o motorista precisa concordar com essas regras; 9) que o "de acordo" com as normas é realizado pelo motorista parceiro no próprio site da uber ou no aplicativo". Vê-se, assim, que a reclamada estabelecia uma relação personalíssima com o reclamante, sem possibilidade do compartilhamento do mesmo registro /cadastro entre mais de um motorista, inclusive sob pena de punição. O fato de ser possível que diferentes motoristas usassem o mesmo veículo em nada altera a conclusão deste Juízo, na medida em que o automóvel era apenas o instrumento da prestação dos serviços, ou seja, ainda que outros trabalhadores fizessem o uso do mesmo carro em alternância de turnos, tal circunstância não os dispensava da obrigação de cada um deles manter cadastro exclusivo Interessante destacar, por fim, que a reclamada, por meio dos seus algoritmo, direciona o usuário a um motorista previamente cadastrado e aprovado. Em outras palavras, o usuário não tinha como escolher o motorista, verificar suas credenciais, avaliações e contratar diretamente o serviço, o que afasta o argumento de que a reclamada apenas fornecia uma plataforma eletrônica para facilitar a interação entre os motoristas e seus clientes Considero, assim, que o demandante, pessoa física, exercia sua atividade com pessoalidade. b) onerosidade Não há que se cogitar em relação de emprego se a força de trabalho cedida pelo contratado não for remunerada. Desse modo, a avença deve ser essencialmente sinalagmática, gerando obrigações recíprocas: enquanto o trabalhador se compromete a prestar o serviço, o tomador assume o dever de quitar o valor ajustado. No particular, constato que a reclamada estabelecia toda a política de pagamentos, de maneira absolutamente unilateral (ID 49f9b57 - Pág. 11): 4.1. Cálculo do Preço e Pagamento. O(A) Cliente tem o direito de cobrar um preço por cada etapa encerrada dos Serviços de Transporte prestados aos(às) Usuários(as) que forem identificados através dos Serviços da Uber ("Preço Total do Serviço de Transporte"), equivalente ao somatório das seguintes parcelas: a) Parcela Variável do Serviço de Transporte: preço básico acrescido da distância (conforme determinado pela Uber com o uso de serviços baseados em localização ativados por meio do Dispositivo) e/ou quantidade de tempo, conforme detalhado em www.uber.com/cities para o Território aplicável ("Cálculo do Preço"). b) Parcela Fixa do Serviço de Transporte, equivalente ao Custo Fixo referido na Cláusula 4.2. Note-se que o motorista poderia negociar com o usuário um preço inferior, todavia: a) não poderia negociar preços superiores aos estabelecidos pela empresa; b) a negociação de preço inferior não implicava na redução do percentual destinado à reclamada (ID 49f9b57 - Pág. 11): 4.1.3. As partes reconhecem e concordam que entre o(a) Cliente e a Uber o Preço é um valor recomendado, e o objetivo principal do Preço preestabelecido é servir como um valor padrão caso o(a) Cliente não negocie um valor diferente. O(A) Cliente terá sempre o direito de: (i) cobrar um Preço inferior ao Preço pré-estabelecido; ou (ii) negociar, a pedido do(a) Cliente, um Preço que seja mais baixo do que o Preço pré- estabelecido (cada um dos casos (i) e (ii) supra descritos, um "Preço Negociado"). A Uber considerará todas estas solicitações do(a) Cliente de boa-fé. Chama a atenção a liberdade que a reclamada tinha para, também unilateralmente, promover alterações/ajustes no cálculo do preço da corrida, bem como na chamada "taxa de serviço", que correspondia ao percentual destinado à empresa (ID 49f9b57 - Pág. 12 e 13): 4.5. Alterações no Cálculo do Preço. A Uber reserva o direito de alterar o cálculo do e os componentes do preço a qualquer momento, a critério da Uber com base e fatores do mercado local e a Uber enviará um aviso ao(à) Cliente caso tal alteração possa resultar em uma mudança no Preço recomendado. O uso continuado dos Serviços da Uber depois de qualquer mudança no Cálculo do Preço constituirá a concordância do(a) Cliente em relação a mencionada alteração. 4.6. Ajuste de Preço. A Uber reserva o direito de: (i) ajustar o Preço para uma situação específica dos Serviços de Transporte (por exemplo, Motorista pegou uma rota ineficiente, o(a) Motorista não conseguiu concluir corretamente uma etapa específica dos Serviços de Transporte no Aplicativo de Motorista, erro técnico nos Serviços da Uber, etc.); ou (ii) cancelar o Preço para uma etapa específica dos Serviços de Transporte (por exemplo, um(a) Usuário(a) foi cobrado(a) por Serviços de Transportes que não foram prestados em caso de uma queixa do(a) Usuário(a), fraude, etc.). A decisão Uber de reduzir ou cancelar o Preço qualquer que seja deve ser exercida de forma razoável. (...) 4.7.2. A Uber reserva o direito de ajustar a Taxa de Serviço (tanto o percentual aplicável como a forma pela qual a Taxa de Serviço é calculada) a qualquer momento, a critério exclusivo da Uber com base nas condições e fatores do mercado local; a Uber fornecerá um aviso ao(à) Cliente na ocorrência de tal mudança. O uso continuado dos Serviços da Uber após qualquer mudança no cálculo da Taxa de Serviços (ambas as parcelas) constituirá a concordância por parte do (a) Cliente em relação a tal mudança. Para que não reste dúvida, tal como previsto na Cláusula 4.1, sem prejuízo do fato de que a Uber receberá o Preço, a Uber fará jus apenas à Taxa de Serviço (na forma ajustada, se aplicável). Ainda a respeito do tema, ratificando a natureza onerosa do contrato, declarou a testemunha Pedro Pacce Prochno "24) que a divisão da corrida é variável, sendo do uber black 20% para a uber e o restante para o parceiro e no uberX 25% para a uber; (...) 38) que o uber tem acesso às viagens realizadas, com sua duração, para que seja realizado o pagamento ao parceiro; 39) que se o pagamento é realizado em dinheiro o próprio cliente faz o pagamento e, se for cartão, a uber repassa; 40) que o repasse ocorre através de depósito em conta indicada pelo motorista, com frequência semanal sempre que houver saldo a receber". Tenho por preenchido requisito da onerosidade c) não eventualidade O serviço prestado de forma esporádica revela, ao menos em regra, a fragilidade do vínculo contratual e indica que os serviços, na medida em que ocorrem de acordo com a demanda da tomadora e/ou com a vontade do prestador, são prestados com autonomia, sem comprometimento do trabalhador com a dinâmica empresarial. Assim, para que se cogite da existência de vínculo de emprego, o labor deve se repetir no tempo, em intervalos curtos e com interrupções previsíveis, demarcadas e minimamente variáveis. A vasta documentação trazida aos autos (ID. 54942e3) comprova que o reclamante laborou com regularidade para a reclamada, de forma contínua, habitual, por período compatível com o que foi narrado na inicial. Considero preenchido o requisito da não eventualidade. d) subordinação Estabelece o artigo 3o da CLT que o vínculo de emprego depende da verificação de dependência do trabalhador com relação ao empregador. A partir deste dispositivo, a doutrina desenvolveu o conceito de subordinação jurídica, que, tradicionalmente, está relacionado com a sujeição do obreiro às ordens diretas do empregador, o qual, valendo-se dos poderes diretivo, disciplinar e organizacional, estabelece as regras da prestação dos serviços, emite orientações e impõe parâmetros de atuação, dividindo o trabalho e fiscalizando a sua qualidade, bem como a submissão do obreiro às normas de conduta da empresa. Ocorre que o desenvolvimento dos modelos produtivos e de prestação de serviços, notadamente após a expansão dos avanços tecnológicos, diluiu, em muitos casos, as manifestações hierárquicas correspondentes à noção clássica de direção e de fiscalização do trabalho. Desse modo, nem sempre o sujeito empregado estará submetido, diretamente, às ordens e às orientações do empregador ou do seu preposto. Tal cenário, muito mais alinhado ao incipiente processo de industrialização no Brasil, na primeira metade do Século XX, tem convivido com paradigmas mais flexíveis, mas não menos legítimos, em que a tenuidade do poder diretivo não significa o seu desaparecimento. Em recente artigo intitulado "Direito do trabalho 4.0: «controle» e «alienidade» como operadores conceituais para a identificação da relação de emprego no contexto dos aplicativos de trabalho", publicado na Revista no 22/2019 do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, o Professor e Desembargador do Trabalho aposentado Dr. José Eduardo de Resende Chaves Júnior detalha como a transição de uma sociedade disciplinar - em que a ideia tradicional de subordinação jurídica alinha-se às expectativas do capital, na medida em que viabiliza a organização do trabalho no âmbito restrito e confinado da linha de produção -, para uma sociedade calcada no controle (desterritorializado, desconectado de limitações temporais e espaciais) exerce indiscutível impacto na forma como se delineiam as relações de emprego na contemporaneidade: O Direito do Trabalho tradicional foi construído tendo em consideração uma sociedade disciplinar (Foucault), da fábrica, do capitalismo industrial, em que havia a necessidade da disciplina individual do corpo do trabalhador. (...) Mas não já podemos mais pensar a regulação do trabalho humano a partir dessa perspectiva do início do século passado. Já estamos em transição para a sociedade do controle (Deleuze), do empreendimento em rede, na qual dispensa-se a especificação individual do trabalho. (...) Na sociedade do controle, as chamadas tecnologias disruptivas, que emergem com força no século XXI, potencializam a capacidade relativa de se flexibilizar a acumulação do capital, seja na perspectiva da regulação territorial, seja no plano da produção ou até na esfera do ordenamento jurídico trabalhista. (...) Ao controle já não interessa o confinamento dentro da fábrica, dentro de uma jornada fixa, dentro de uma disciplina linear, de um vínculo jurídico estável ou até mesmo de uma assiduidade, mas, sim, de um vínculo etéreo, pós-contratualista, pós-materialista, sonho de liberdade, mas que engendra agenciamentos compromissários, dívidas continuamente diferidas, endividamento recorrente, por meio de afetação apenas virtual. (...) No controle, a produção é compatível com vínculos precários, intermitentes, plugados, on line, virtuais. São conexões heterogêneas, sem identidade, similaridade ou homogeneidade, esvaziando o conceito de categoria profissional (CLT, art. 511, § 4o) a benefício da multidão espinoseana. Singularidades produtivas, que se opõem às individualidades e coletividades. Mais relevante que o contexto social, é o hipertexto cultural. (...) O Direito do Trabalho, impactado pelas novas tecnologias, não pode mais se conter apenas na disciplina, individualizada, foucaultiana; ele deve se estender também ao controle deleuzeano, estatístico e coletivo. O mais estratégico, do ponto de vista econômico, para o capitalismo tecnológico não emana mais da disciplina dos corpos, senão, sobretudo, do controle da mente, da alma, dos afetos e da criatividade do trabalhador. A regulação da subordinação jurídica pelo controle não passou despercebida pelo legislador ordinário, que, a partir da edição da Lei no 12.551 de 2011, ao incluir o parágrafo único ao artigo 6o da CLT, estabeleceu que "os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio". No caso dos autos, a análise da existência da subordinação jurídica passa precisamente pela verificação do controle da atividade exercida pelo motorista - circunstância que, ao lhe retirar a prometida autonomia, coloca-o em situação de dependência em face da tomadora. Nesse contexto, o modelo de controle exercido por meio da precificação das corridas, especialmente em decorrência da imposição de valores muito baixos, acaba por obrigar o trabalhador a se ativar por várias horas, sob pena de não obter uma rentabilidade mínima. Tal contexto, ao mesmo tempo em que precariza a prestação dos serviços, permite que a empresa tenha competitividade no mercado e disponibilidade de mão de obra para atender a crescente demanda. Sobre o tema, um estudo do Ministério Público do Trabalho publicado no ano de 2018, intitulado "Empresas de transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos", explica o seguinte: De fato, ao transformar o trabalhador em empreendedor em regime de aliança neofeudal, desfaz-se a proteção trabalhista em relação ao limite de horas de trabalho. Assim, com uma tarifa - e, obviamente, uma remuneração - baixa, mais horas de trabalho são, de fato, necessárias para a sobrevivência do motorista parceiro. Como é essencial à empresa para sua 'confiabilidade' que haja a maior disponibilidade de carros a todo momento para seus clientes. Se com poucas horas à disposição o "parceiro" já conseguisse reunir remuneração suficiente para seu sustento, ele poderia trabalhar menos. Com baixa remuneração por hora trabalhada consegue-se, sem qualquer ordem direta, manter o motorista à disposição por muitas horas ao dia. Isso é demonstrado pelos depoimentos: os motoristas relatam que para atingir seus objetivos financeiros ultrapassam - e às vezes em muitas horas - a jornada regular de um trabalhador empregado. O fato de 2016 a 2017 a tarifa ter baixado no Brasil por três vezes demonstra o aumento cada vez maior de poder e controle pela empresa. Assim, a precificação, como forma de organização do trabalho por comandos, dirige o trabalho sem que os trabalhadores, na maior parte das vezes, percebam. Há, ainda, o chamado controle por meio da entrega de premiações, que busca incentivar os motoristas a potencializar seus ganhos trabalhando em determinados locais, horários e dias. Nos termos do estudo mencionado no parágrafo anterior: De fato, em momentos em que normalmente os trabalhadores iriam preferir ficar em casa, como dias festivos, a empresa concede incentivos financeiros - chamadas premiações - aos 'parceiros', para que se mantenham ativos. (...) Da mesma forma, conforme a necessidade, a empresa concede incentivos para que trabalhadores peguem clientes de determinados lugares, deslocando os motoristas para aqueles locais. Além disso, há o já referido preço dinâmico, pela visualização no mapa na cor vermelha dos locais em que há menor número de motoristas e maior demanda de passageiros. Essa é a faceta do controle pelas cenouras (carrots). A adoção dessa prática está evidenciada por meio dos documentos de ID a46f27d - Pág. 29-33 e ID 52ef2b6 - Pág. 12-14. Além disso, a respeito da temática, declarou a testemunha Chrystinni Andrade Souza que "existem promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local". No mesmo sentido, afirmou o depoente Pedro Pacce Prochno "que a reclamada envia mensagens aos motoristas (dicas de outros motoristas para inspirar outros motoristas parceiros); 30) que nas mensagens podem também haver indicação de promoção ou grandes eventos na cidade para que os motoristas possam optar por cobri-los ou não". Chama a atenção, ainda, o controle viabilizado através da avaliação dos usuários do serviço. Com efeito, o trabalhador tem sua performance permanentemente observada pela ré, notadamente por intermédio dos clientes, os quais, mediante canal direto com a empresa, indicam as suas impressões a respeito do serviço prestado (ID. a46f27d - Pág. 2, 9, 10, 11, 52ef2b6 - Pág. 37, ID. 60f66df - Pág. 34). No estudo do Ministério Público do Trabalho, já referenciado, explica-se que: (...) os controladores agora são os milhões de clientes das empresas, que, pelas avaliações e comentários, realizam a verificação do cumprimento da programação por parte dos motoristas79 Conforme os depoimentos, a nota, pelo poder de retirar o trabalhado da plataforma, exerce irresistível poder sobre a forma de prestação dos serviços. O padrão de se vestir ou se portar não são obrigatórios, mas são inescapáveis para a obtenção da nota de corte. Assim, da mesma forma que não é obrigatório - mas é inescapável - o trabalho por período integral (ou até em jornadas estafantes), não há como fugir do padrão do serviço imposto pela própria empresa. A nota - ou avaliação - assume nítido cariz de controle quando se verifica que ela tem como destinatária a empresa, e não os clientes. Não há possibilidade de se escolher um motorista - ou entregador, ou qualquer outro profissional - por sua pontuação. O algoritmo da empresa seleciona e encaminha, sem possibilidade de escolha, o motorista que mais perto estiver do cliente. (…) A nota somente existe para controle de qualidade do serviço prestado, ou seja, em português claro: controle das empresas sobre o trabalho realizado. E não teria como ser de outra forma, pois a empresa deseja a confiabilidade de seu negócio. Por isso dá tanta atenção a seus clientes, como notaram os motoristas. Sobre o mesmo assunto, explica o Professor e Desembargador do Trabalho aposentado Dr. José Eduardo de Resende Chaves Júnior, no já mencionado artigo "Direito do trabalho 4.0: «controle» e «alienidade» como operadores conceituais para a identificação da relação de emprego no contexto dos aplicativos de trabalho" que: Os sistemas oriundos da denominada reputation economy, de avaliações efetuadas pelos usuários dos serviços, que, do ponto de vista do Direito do Trabalho, não passam de mera estratégia de delegação do poder econômico empregatício de direção, comando e controle, tornam-se muito mais eficientes para organização produtiva em rede, do que os mecanismos tradicionais de disciplina subordinativa Ao ser questionado sobre a sistemática de avaliações, a testemunha Chrystinni Andrade Souza esclareceu que "quando o passageiro dá nota e faz comentário sobre o motorista, este último tem acesso a nota e ao comentário, mas não ao passageiro que os deu; a nota serve para avaliar a qualidade do serviço prestado ao passageiro; se o motorista tiver uma nota baixa, ele recebe um e-mail automático informando que a nota dele está abaixo da média da região; se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria". Já a testemunha Pedro Pacce Prochno disse que "quem avalia a viagem são os próprios usuários e os motoristas avaliam os usuários; 23) que se a avaliação for ruim, os dois lados podem ser descadastrados; (...); 37) que não ocorre exclusão através de uma única avaliação negativa". O controle da reclamada é permanente, ostensivo e coercitivo, envolvendo o comportamento do motorista como um todo, aí incluída a velocidade no trânsito, a aceleração e até mesmo as frenagens do veículo (ID. a46f27d - Pág. 5). Assim, conforme documento de 60f66df - Pág. 46-47, a empresa tem uma severa "política de desativação", punindo o motorista que, entre outras condutas: a) fica online no aplicativo, mas não se coloca disponível para iniciar a viagem e se locomover para buscar o usuário; b) tem taxa de aceitação de corridas menor do que a taxa de referência da cidade em que a atua; c) realiza compartilhamento de cadastro; d) promove divulgação para usuários da Uber de outros aplicativos de intermediação de serviço de transporte; e) realiza captação de usuários da Uber durante viagem, oferecendo serviços de transporte fora do aplicativo. Todas essas regras inibem significativamente a autonomia do prestador dos serviços, o qual sabe exatamente o que fazer e como fazer, mesmo que ninguém lhe impinja, diariamente, uma específica e determinada rotina voltada para a consecução das suas atividades; ou seja, desde o momento em que lhe é apresentado o fluxo organizacional da tomadora, o obreiro ingressa na engrenagem da empresa na condição de elemento humano indispensável e, embora não esteja sujeito a direcionamentos específicos e a ordens habituais e diretas, tem ele plena consciência do seu papel e dos limites da sua atuação, bem como dos objetivos a serem alcançados, o que somente se torna possível a partir da implementação da sofisticada rede de controle montada pela empresa. Nos autos, verificam-se ainda exemplos interessantes do exercício do poder de controle pela empresa, com repercussões inclusive de ordem disciplinar. Assim, no documento do ID 52ef2b6 - Pág. 8, é possível constatar a suspensão de um motorista porque ligou a cobrar para passageiros. Já no ID a46f27d - Pág. 16, a reclamada dá ciência os trabalhadores quanto a possibilidade de encerramento do contrato caso os motoristas entreguem cartões pessoais para passageiros durante viagens realizadas pelo aplicativo, com objetivo de ganhar clientes fora da parceria com a Uber e tirar clientes da plataforma. Por fim, no ID. 60f66df - Pág. 31, a reclamada ameaça um motorista de deixá-lo temporariamente offline, o que, juridicamente, corresponderia a uma suspensão, caso mantivesse seus números de cancelamento de viagens em patamares elevados. Por oportuno, registro o depoimento da testemunha Pedro Pacce Prochno, segundo o qual "se o motorista recusar corridas em dinheiro, de maneira recorrente, pode ser descadastrado; 36) que acredita que em tal caso não poderá se cadastrar novamente”. Ante todo o exposto, entendo presente o requisito da subordinação. e) conclusão Assim, a partir da prova documental e oral colhida nos autos, concluo que o demandante de fato trabalhou para a reclamada, nas datas indicadas na inicial (11/03/2017 a 15/05/2018), de forma pessoal, não eventual, com onerosidade e subordinação. Por oportuno, ressalto que a exclusividade não é requisito da relação de emprego, sendo irrelevante investigar se o autor prestava serviços para terceiros. Reconheço o vínculo de emprego entre o reclamante e a reclamada. Considerando que a continuidade da prestação de serviços é presunção que beneficia o trabalho, reputo, ausente prova em sentido contrário, que o autor foi dispensado sem justa causa. Levando em conta que o contrato de trabalho perdurou por mais de 1 ano, fazia o reclamante jus ao aviso prévio de 33 dias (artigo 1o Lei no 12.506 de 11 de outubro de 2011 e Nota Técnica no 184/2012/CGRT/SRT/MTE). Tal circunstância projeta o encerramento do pacto laboral para o dia 17/06/2018 (art. 487, §1o, da CLT, parte final). Assim, determino que sejam realizadas as seguintes anotações na CTPS do autor: data de admissão: 11/03/2017, data de saída: 17/06/2018 (a ser registrada na página do contrato de trabalho); último dia trabalhado: 15/05/2018 (a ser registrado na página relativa às anotações gerais). Ademais, registre-se na CTPS do obreiro a função (motorista) e a respectiva remuneração (R$ 450,00 por semana - valor não contestado pela ré). O autor será oportunamente intimado a apresentar a CTPS em Juízo. Após intimação específica, deverá a reclamada proceder à retificação na Carteira de Trabalho do autor, conforme detalhado acima, no prazo de 5 dias (art. 29 da CLT), sob pena de multa diária de R$ 100,00, inicialmente limitada a R$ 3.000,00 (art. 536, § 1o, do CPC), reversível ao reclamante, sem prejuízo de renovação da penalidade ou da estipulação de outras medidas coercitivas na fase de execução. Em caso de permanência no descumprimento, as anotações serão feitas pela Secretaria da Vara, sem qualquer menção a esta reclamação. Na mesma oportunidade, deverá ser expedida e entregue ao reclamante certidão de inteiro teor do ato. Tendo em vista o reconhecimento do vínculo e a modalidade de encerramento do contrato, condeno a ré no pagamento das seguintes parcelas, observada a limitação dos pedidos: a) aviso prévio indenizado (33 dias); b) 13o salário proporcional de 2017 (10/12); c) 13o salário proporcional de 2018 (5/12); d) férias integrais acrescidas de 1/3, referente ao período aquisitivo e) férias proporcionais acrescidas de 1/3, referente ao período aquisitivo 2018/2019 (2/12). f) FGTS referente a todo o contrato de trabalho, aí considerada a projeção do aviso prévio (Súmula no 305 do TST), devendo o 13o salário igualmente servir de base de cálculo para a apuração da parcela (artigos 15 e 26, parágrafo único, da Lei no 8.036 /1990); g) indenização compensatória de 40% sobre o FGTS, desconsiderada a projeção do aviso prévio (OJ o 42 da SbDI-I do TST); h) multa do artigo 477, §8o, da CLT, tendo em vista o inadimplemento das parcelas resilitórias sem culpa do empregado (Súmula no 462 do TST); DANO MORAL O dano moral decorre do ultraje à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (artigo 5°, incisos V e X, da CRFB). Por resultar da lesão a direito da personalidade (artigos 11 e seguintes do Código Civil), relaciona-se com a dor, a humilhação e o dissabor experimentado (ou que se presume tenha sido suportado) pela vítima. A compensação pecuniária, em tais hipóteses, submete-se aos requisitos da responsabilidade aquiliana (artigos 186 e 927, do CC), quais sejam: a) ato ilícito voluntário, omissivo ou comissivo do agente; b) dano experimentado; c) nexo causal entre a conduta e o dano; d) culpa do agente. No caso dos autos, afirmou o reclamante ter sido submetido a uma modalidade de exploração de trabalho desumana, com descumprimento reincidente de direitos trabalhistas. Disse que, premido pela necessidade de realizar uma atividade lícita, acreditando na tese divulgada pela reclamada de que seria dono de seu próprio negócio, com faturamento de até R$ 7.000,00 mensais, logo descobriu que os fatos não se apresentavam dessa forma. Asseverou que para desenvolver sua atividade deveria adquirir um smartfone mais uma linha 4G, além de assumir por sua conta o valor do combustível, da manutenção, da limpeza, o seguro, pneus, lubrificação, depreciação, isso sem contar com a integral assunção de riscos em caso de sinistro, além da paralisação das atividades sem remuneração enquanto o veículo estivesse na oficina. Ao se defender, argumentou a reclamada que não há ilicitude na conduta da empresa, sendo plenamente regular a atividade tecnológica desenvolvida pela UBER; não há provas de prejuízos de ordem imaterial, sendo totalmente incabível a reparação civil postulada, na medida em que não violados os direitos à vida, à igualdade, à saúde, à moral, à concorrência ou quaisquer outros valores do art. 5° da Constituição Federal; não há qualquer prova de dolo ou culpa da entidade demandada, aqui compreendida como a intenção de atingir a coletividade; não existe previsão legal, na ordem jurídica aplicável, a embasar a condenação. A valorização do trabalho humano (art. 170, caput, da CRFB) passa, precipuamente, pelo respeito à dignidade (art. 1o, III, da CRFB). Para que se alcance tal desiderato no âmbito das relações de trabalho - partindo-se de uma concepção horizontalizada dos direitos fundamentais - é necessário, além de outras atuações positivas, que o empregador cumpra os deveres legais mínimos estabelecidos na CLT, entre os quais está seguramente a anotação do vínculo de emprego na CTPS. Ao fraudar a relação de emprego, travestindo-a em um contrato de natureza civil, a reclamada potencializou seus ganhos às custas da precarização do serviço prestado pelo autor (majoração da jornada, necessidade de arcar com custos do veículo, impossibilidade de acesso a benefícios sociais), deflagrando, assim, o descumprimento de normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionais que protegem o trabalho na modalidade empregatícia (artigos 1o, IV, 7o, 170 e 193, da CRFB; artigos 2o, 3o, 9o, 442 e 444 da CLT, artigo 7o do Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e Convenções 111 e 122 da OIT). Aqui, é importante que se recorde a Declaração referente aos fins e objetivos da OIT (Declaração da Filadélfia), segundo a qual "o trabalho não é uma mercadoria". A reclamada praticou ato ilícito e o dano moral, no particular, é presumido (in re ipsa), tendo em vista a gravidade da conduta. Assim, considerando a natureza do bem jurídico tutelado (dignidade humana e direito ao trabalho decente); a intensidade do sofrimento ou da humilhação (não demonstrada), a possibilidade de superação física ou psicológica (existente; os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão (não demonstrados); a extensão e a duração dos efeitos da ofensa (a conduta lesiva se perpetuou durante todo o contrato de trabalho); as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral (durante o contrato de trabalho); o grau de dolo ou culpa (culpa grave); a ocorrência de retratação espontânea (inexistente); o esforço efetivo para minimizar a ofensa (inexistente); o perdão, tácito ou expresso (inexistente); a situação social e econômica das partes envolvida, o grau de publicidade da ofensa (a publicidade da ofensa é irrelevante, já que não causou transtorno ao demandante), condeno a reclamada a pagar ao autor indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). JUSTIÇA GRATUITA O trabalhador apresentou declaração de hipossuficiência financeira e requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Consoante dispõe o artigo o artigo 99, parágrafo 3o, do CPC, e o artigo 1o da Lei 7.115/83 - aplicáveis a todos os litigantes que buscam tutela jurisdicional do Estado (artigo 769 da CLT e 15 do CPC/2015 e Súmula 463 do C. TST), inclusive aos litigantes da Justiça do Trabalho, em sua maioria trabalhadores, sob pena de inconstitucional restrição ao acesso à justiça (art. 5o, LXXIV, da CF), caso prevaleça entendimento diverso -, a declaração do obreiro é dotada de presunção de veracidade, que não foi rechaçada por evidência em sentido contrário. Defiro, pois, os benefícios da Justiça Gratuita, independentemente do valor do salário atual do reclamante, HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Tendo em vista o zelo profissional apresentado pelo patrono do(a) reclamante na condução do processo, o lugar da prestação dos serviços, a natureza e a importância da causa, bem como o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (artigo 791-A, incisos I a IV da CLT), fixo os honorários de sucumbência, a serem pagos pela ré em benefício do advogado do autor no total equivalente a 10% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença (artigo 791-A, caput, da CLT). A procedência do pedido, ainda que em valor inferior ao pretendido, não é suficiente para que se conclua pela sucumbência parcial, na medida em que a parcela pleiteada foi efetivamente reconhecida como devida, embora em patamar pecuniário inferior. Desse modo, somente há procedência parcial para fins de sucumbência recíproca quando pelo menos 1 dos pedidos elencados na inicial é totalmente improcedente. Se as pretensões foram acolhidas, embora resultando em valores inferiores aos pretendidos, não há que se falar em sucumbência. Entendimento diverso resultaria em restrição indevida ao acesso à justiça, em violação ao artigo 7o, XXXV, da CRFB. A visão aqui explicitada está em consonância com o teor da Súmula no 326 do STJ: "Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca". É esse também o posicionamento aprovado no Enunciado no 99 da 2a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho organizado pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA): "O JUÍZO ARBITRARÁ HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA (ART. 791-A, PAR.3o, DA CLT) APENAS EM CASO DE INDEFERIMENTO TOTAL DO PEDIDO ESPECÍFICO. O ACOLHIMENTO DO PEDIDO, COM QUANTIFICAÇÃO INFERIOR AO POSTULADO, NÃO CARACTERIZA SUCUMBÊNCIA PARCIAL, POIS A VERBA POSTULADA RESTOU ACOLHIDA. QUANDO O LEGISLADOR MENCIONOU "SUCUMBÊNCIA PARCIAL", REFERIU-SE AO ACOLHIMENTO DE PARTE DOS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL". Consequentemente, já que todos os pedidos foram procedentes (ainda que de forma parcial), descabe falar em honorários em benefício da parte reclamada; Além disso, ficam excluídos da sucumbência a) as multas decorrentes de obrigação de fazer, porque meramente acessórias das obrigações principais; b) a multa prevista no art. 467, da CLT, porque, além de decorrer de imperativo legal, depende do comportamento do réu na primeira audiência; c) os pedidos julgados extintos, sem resolução de mérito, bem assim o pedido de renúncia, pois o art. 791-A, da CLT, pressupõe o julgamento do mérito, pelo juiz (e não por ato unilateral da parte), ao se referir a "sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa;" d) contraposto, porque não tem a mesma natureza da reconvenção, mas apenas de inversão do pedido, com base na mesma causa de pedir. COMPENSAÇÃO/DEDUÇÃO A compensação pressupõe a recíproca existência de créditos e débitos de natureza trabalhista (art. 368 e seguintes do Código Civil e Súmula no 18 do TST), o que não é o caso dos autos. De outro lado, registro não haver nenhuma parcela passível de dedução, dentre aquelas reconhecidas como devidas nesta sentença. OFÍCIO Dê-se ciência à Caixa Econômica Federal nos termos do art. 25, parágrafo único, da Lei 8.036/90. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS A Medida Provisória no 905/2019, nos artigos 28 e 47, modificou substancialmente a sistemática de apuração de juros e de correção monetária de débitos trabalhistas, alterando o artigo 39, da lei 8.177/1991, e os artigos 879, §7o, e 883, da CLT. Da leitura conjunta dos três dispositivos legais, após a edição da Medida Provisória, extraio as seguintes conclusões a) os débitos trabalhistas devem ser corrigidos pelo índice aplicado à caderneta de poupança (artigo 39, caput, da Lei no 8.177/1991) até que sobrevenha condenação judicial, quando, então, passará a incidir o IPCA-E (ou outro índice que venha a substituí-lo, calculado pelo IBGE, o qual será aplicável até o cumprimento da sentença (artigo 879, §7o, da CLT); b) os juros de mora, sempre incidentes a partir do ajuizamento da ação, devem ser equivalentes ao índice aplicado à caderneta de poupança, pro rata die (artigos 883 da CLT e 39, §1o, da Lei no 8.177/1991). Entendo, todavia, que as modificações operadas pela Medida Provisória são inconstitucionais. Nesse sentido, destaco que atualização monetária dos créditos é direito do credor e deve refletir a exata recomposição do poder aquisitivo decorrente da inflação do período, de modo que a atualização pelo índice da poupança viola o direito fundamental de propriedade (art. 5o, XXII, da CRFB), a coisa julgada (art. 5o, XXXVI, da CRFB) e o postulado da proporcionalidade, além da eficácia e efetividade do título judicial e a vedação ao enriquecimento ilícito do devedor. Já no que concerne aos juros de mora, a modificação é inconstitucional, em primeiro lugar, em decorrência do disposto no artigo 62, §1o, I, "b", da Constituição da República, o qual expressamente veda a edição de MP sobre matéria relacionada a processo civil. Considerando que os juros de mora incidem apenas no curso do processo, ou seja, não existem no âmbito da relação de direito material, está claro que se trata de instituto jurídico a respeito do qual não poderia haver regulação por intermédio de Medida Provisória. Ademais, a fixação de juros de mora com base no índice da caderneta de poupança, além de impor tratamento díspar entre os créditos trabalhistas e os créditos civis e tributários, violando o princípio da isonomia, beneficiou injustificadamente o devedor, em absoluto descompasso com a razoável duração do processo (artigo 5o, caput e inciso LXXVIII, da CRFB). Nesse sentido, as lições dos Professores e Juízes do Trabalho Fabrício Lima Silva e Iuri Pereira Pinheiro em artigo intitulado "Controvérsias sobre a regulamentação da atualização dos débitos trabalhistas promovida pela Medida Provisória no 905/2019", disponível em https://dicastrabalhistas> .com.br/2019/11/14/controversias-sobre-a-regulamentacao-da-atualizacao-dos-debitos- trabalhistas-promovida-pela-medida-provisoria-n-905-2019/: "(...) o Código Civil Brasileiro estabelece, em seu art. 406, que, quando não convencionados, os juros de mora serão aplicados conforme a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. E, nos termos do art. 161, § 1o, do Código Tributário Nacional, tais juros seriam de 1% (um por cento) ao mês. Assim, a medida provisória 905/2019, ao estabelecer que os juros de mora serão calculados com base no índice da caderneta de poupança, acabou confundindo institutos monetários diversos, e violou os princípios da isonomia e da razoabilidade, na medida em que estabeleceu tratamento desigual entre os créditos trabalhistas e os créditos civis/tributários. Ao promover a aplicação de um indexador inferior ao aplicado nos outros sistemas, a mencionada medida provisória subverte a lógica da hipossuficiência trabalhista, favorecendo o devedor e estimulando o prolongamento dos processos, em afronta ao disposto inciso LXXVIII do art. 5o da Constituição da República, que garante "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". O tratamento conferido aos créditos dos trabalhadores deve ser, no mínimo, equivalente ao dispensado ao demais cidadãos e ao Poder Público, nunca em situação de inferioridade, uma vez que estes possuem caráter alimentar, de natureza privilegiada, sobrepondo-se, inclusive, aos créditos tributários, conforme o art. artigo 186 do próprio Código Tributário Nacional, sob pena de violação ao art. 5o, caput, da Constituição da República. (...) Por fim, descabe falar em observância do requisito da urgência, estabelecido no artigo 62 da CRFB, na medida em que não há plausibilidade econômica, política ou social imediata que justifique a utilização de um expediente normativo tão excepcional para regular a matéria. Cumpre destacar que os juros de mora visam estimular a quitação dos créditos trabalhistas reconhecidos em sentença transitada em julgado, reduzindo, assim, a inadimplência e a frustração das execuções. Nesse sentido, a sua redução abrupta e injustificável, ao caminhar na contramão do seu objetivo central, acaba por obstar a quitação tempestiva das parcelas devidas aos trabalhadores, de natureza essencialmente alimentar. Em outras palavras: se há urgência para beneficiar as empresas, mediante redução do seu passivo trabalhista, certamente há idêntica ou maior urgência para o trabalhador que aguarda a quitação dos valores que lhe foram sonegados durante contrato A alteração imposta pela MP, desse modo, sem prévia análise dos efetivos impactos dessa diminuição no inadimplemento em Juízo das verbas de natureza trabalhista e na saúde financeira das empresas devedores viola também o artigo 1o, IV, da CRFB, na medida em que privilegia, de maneira injustificada e desmedida, a livre inciativa e o capital em detrimento dos valores sociais do trabalho. Declaro, pois, inconstitucionais os artigos 28 e 47 da Medida Provisória no 905/2019, nos pontos em que tratam dos juros e da correção monetária, alterando o artigo 39,da lei 8.177/1991, e os  artigos 879, §7o, e 883, da CLT. Posta assim a questão, determino que seja observado, quanto à correção monetária, o critério estabelecido pelo Pleno do TST, no julgamento do Processo ArgInc- 479-60.2011.5.04.0231, em que foi determinada a adoção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), por se tratar de índice que permite a justa e a adequada atualização de débitos trabalhistas. Considerando a modulação estabelecida pela Súmula no 73 deste TRT 3, deverá incidir o índice a TR até 24/03/2015, observada, porém, a preservação das situações jurídicas consolidadas resultantes dos pagamentos efetuados nos processos judiciais, em andamento ou extintos, em virtude dos quais foi adimplida e extinta a obrigação, ainda que parcialmente, e o IPCA-E, a partir de 25/03/2015. Ademais, a correção monetária incidirá a partir da época própria do vencimento de cada parcela, observando-se, em regra, a diretriz da Súmula 381 do TST. Juros simples, de 1% mês, conforme redação original do artigo 39, §1o, da Lei no 8.177/1991, incidentes desde ajuizamento da ação (art. 883 da CLT) e calculados sobre o importe já corrigido monetariamente (Súmula no 200 do TST). Observe-se, no que couber, a incidência da Súmula no 439 do TST, bem como da OJ no 302 da SbDI-I, também do TST, e da Súmula no 15 do TRT 3. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E FISCAIS Quanto às contribuições previdenciárias, observe-se o disposto no art. 276, §4o, do Decreto no 3.048/99 (Súmula no 368, III, do TST). O cálculo abrangerá toda a contribuição previdenciária devida (cotas do empregado e do empregador). Para fins do disposto no art. 832, §3o, da CLT, declaro que todas as parcelas reconhecidas como devidas nesta sentença têm natureza salarial, exceto: - férias indenizadas; - FGTS acrescido da indenização compensatória de 40%; - multa do artigo 477, §8o, da CLT; - indenização por dano moral. Conforme preconizado pela Súmula no 45 deste Regional, "o fato gerador da contribuição previdenciária relativamente ao período trabalhado até 04/03/2009 é o pagamento do crédito trabalhista (regime de caixa), pois quanto ao período posterior a essa data o fato gerador é a prestação dos serviços (regime de competência), em razão da alteração promovida pela Medida Provisória n. 449/2008, convertida na Lei n. 11.941/2009, incidindo juros conforme cada período". A reclamada deverá comprovar nos autos os recolhimentos previdenciários, por meio de Guia da Previdência Social - GPS (artigo 43 da Lei 8.212/1991), autorizada a dedução das parcelas devidas pelo empregado (OJ no 363 da SbDI-I do TST), sob pena de execução direta. Ademais, deverá a reclamada comprovar a identificação e a vinculação do recolhimento previdenciário ao reclamante, por intermédio de retificação da Guia de Pagamento do FGTS e Informações à Previdência Social, a fim de que os recolhimentos figurem com códigos e competências respectivas, sob pena de imposição de multa. Nos termos do que dispõe a Súmula no 368, II, do TST, autorizo a retenção do imposto eventualmente devido sobre os créditos da parte autora (artigo 46 da Lei 8.541/92), à exceção das verbas de natureza indenizatória, a ser calculado mês a mês, nos termos do art. 12-A, §1o, da Lei no 7.713, de 22/12/1988, com a redação dada pela Lei no 13.149 /2015 (Súmula no 368, II, do TST). Determino que sejam observados os procedimentos previstos na IN/RFB 1500/2014, artigos 36 a 45, com as alterações promovidas pela IN/RFB 1558/2015, para a apuração de eventual imposto de renda devido. O imposto de renda não incide sobre os juros de mora (art. 404 do CC /2002 e OJ no 400 da SbDI-I do TST) e o seu recolhimento deverá ser igualmente comprovado nos autos (OJ no 363 da SbDI-I do TST), sob pena de execução III - DISPOSITIVO Ante o exposto: - rejeito as preliminares de incompetência, liquidação dos pedidos e ilegitimidade ativa; No mérito, propriamente dito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos por MARCELO ALVES RIBEIRO em desfavor de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., para, reconhecendo o vínculo de emprego entre as partes, condenar a ré a pagar ao autor as seguintes parcelas, em valores a serem apurados emliquidação por cálculos: 2017/2018; a) aviso prévio indenizado (33 dias); b) 13o salário proporcional de 2017 (10/12); c) 13o salário proporcional de 2018 (5/12); d) férias integrais acrescidas de 1/3, referente ao período aquisitivo - rejeito as preliminares de incompetência, liquidação dos pedidos e No mérito, propriamente dito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos por MARCELO ALVES RIBEIRO em desfavor de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., para, reconhecendo o vínculo de emprego entre as partes, condenar a ré a pagar ao autor as seguintes parcelas, em valores a serem apurados em e) férias proporcionais acrescidas de 1/3, referente ao período aquisitivo 2018/2019 (2/12); f) FGTS referente a todo o contrato de trabalho, aí considerada a projeção do aviso prévio (Súmula no 305 do TST), devendo o 13o salário igualmente servir de base de cálculo para a apuração da parcela (artigos 15 e 26, parágrafo único, da Lei no 8.036 /1990); g) indenização compensatória de 40% sobre o FGTS, desconsiderada a projeção do aviso prévio (OJ o 42 da SbDI-I do TST); i) indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Determino que sejam realizadas as seguintes anotações na CTPS do autor: data de admissão: 11/03/2017, data de saída: 17/06/2018 (a ser registrada na página do contrato de trabalho); último dia trabalhado: 15/05/2018 (a ser registrado na página relativa às anotações gerais). Ademais, registre-se na CTPS do obreiro a função (motorista) e a respectiva remuneração (R$ 450,00 por semana). O autor será oportunamente intimado a apresentar a CTPS em Juízo. Após intimação específica, deverá a reclamada proceder à retificação na Carteira de Trabalho do autor, conforme detalhado acima, no prazo de 5 dias (art. 29 da CLT), sob pena de multa diária de R$ 100,00, inicialmente limitada a R$ 3.000,00 (art. 536, § 1o, do CPC), reversível ao reclamante, sem prejuízo de renovação da penalidade ou da estipulação de outras medidas coercitivas na fase de execução. h) multa do artigo 477, §8o, da CLT, tendo em vista o inadimplemento das parcelas resilitórias sem culpa do empregado (Súmula no 462 do TST); Em caso de permanência no descumprimento, as anotações serão feitas pela Secretaria da Vara, sem qualquer menção a esta reclamação. Na mesma oportunidade, deverá ser expedida e entregue ao reclamante certidão de inteiro teor do ato. Improcedentes os demais pedidos. A reclamada deverá recolher os encargos fiscais e previdenciários incidentes, igualmente sob pena de execução. Ademais, deverá a ré comprovar a identificação e a vinculação do recolhimento previdenciário ao reclamante. fundamentação Juros, correção monetária e demais critérios de cálculos, nos termos da Expeça-se o ofício indicados na fundamentação. Defiro os benefícios da Justiça Gratuita a(o) autor(a). Fixo os honorários de sucumbência, a serem pagos pela ré em benefício do advogado do autor, no total equivalente a 10% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença. Custas de R$ 340,00 incidentes sobre o valor provisoriamente arbitrado à condenação (R$ 17.000,00), pela reclamada, complementáveis ao final. Cumpra-se. Intimem-se as partes e a União BELO HORIZONTE, 23 de Novembro de 2019. HENRIQUE MACEDO DE OLIVEIRA  Juiz(a) do Trabalho Substituto(a)

Indeferimento de interdito proibitório contra grevistas

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO3ª VARA DO TRABALHO DE FLORIANÓPOLISProcesso: 0000492-65.2014.5.12.0026AUTOR: TRANSOL TRANSPORTE COLETIVO LTDARÉU: SINTRATURB-SINDICATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTE DEPASSAGEIROS URBANOSD E C I S Ã O L I M I N A RA TRANSOL TRANSPORTE COLETIVO LTDA pede reconsideração do pedido de liminar de interdito proibitório ajuizado em face do SINTRATURB – SINDICATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTE URBANO DE PASSAGEIROS DA REGIÃO METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS. Argumenta que já ocorreram diversas paralisações dos ônibus da Empresa ora requerente decorrente das reivindicações de motoristas e cobradores de ônibus por melhores condições de trabalho, a exemplo das paralisações ocorridas nas datas de 09/05/2014 e 10/05/2014, que promoveram grandes prejuízos a sociedade. Aduz que novas paralisações ocorrerão no dia 11 de junho de 2014, quarta-feira, conforme ofício enviado pelo SINTRATURB a cada uma das empresas de Transporte Público Urbano, comunicação esta em que restou literalmente oficiado que será deflagrado novo movimento paredista. Transcreve jurisprudência em apoio a sua tese. Aponta que o periculum in mora encontra-se demonstrado pela ameaça de paralisação que poderá ameaçar o direito de posse e propriedade da empresa requerente, conforme se verifica nas reportagens e o ofício em anexo, destacando que o serviço público de transporte coletivo é atividade essencial e não pode ser cessado integralmente, pelo período que for, mormente em descumprimento à previsão legal para paralisação, conforme previsto no Art. 11 da Lei de Greve. Assinala que o Sindicato ameaça novamente a paralisação do transporte público urbano com ameaça ao direito de posse e propriedade da empresa requerente.DECIDO:A Constituição da República assegura, no caput do art. 9º., o exercício do direito de greve, atribuindo aos trabalhadores a decisão sobre a oportunidade de exercer esse direito, bem como definir acerca dos interesses que por meio da greve devam ser defendidos. Além disso, nos parágrafos 1º. e 2º. do artigo 9º., a Carta Magna remete à legislação ordinária adefinição dos serviços ou atividades essenciais e a forma como serão atendidas as necessidades inadiáveis da comunidade, bem como as penalidades à que se sujeitam os responsáveis por abusos. Eis o texto constitucional:Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.§ 1º. A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.§ 2º. Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.A simples leitura do artigo transcrito já proclama a plenitude do direito de greve como instrumentode pressão dos trabalhadores em face dos empregadores. Mas o texto constitucional também anuncia o viés de responsabilidade que atrela o exercício desse direito, assim como o exercício de todos os demais direitos. Sabe-se que a greve transitou da fase de criminalização para a de direito fundamental, num percurso evolutivo diretamente relacionado ao avanço das conquistas libertárias e democráticas frente a regimes autoritários e ditatoriais.Se na Constituição de 1937 a greve era declarada um recurso anti-social, nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses da produção nacional, na Carta de 1988 ela aparece como um direito fundamental dos trabalhadores. Proibida, tolerada ou permitida, e independentemente do reconhecimento jurídico a ela atribuído, certo é que a greve tem sido um fato social marcante nas relações de trabalho. Não raro o direito de greve, na dinâmica de seu exercício, alcança esferas jurídicas de pessoas não diretamente envolvidas na relação de trabalho em questão, mormente numa sociedade de massa, quando entram em cena interesses conflitantes e as interligações entre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.É que o movimento paredista tem justamente por objetivo a cessação da prestação de serviços, o que irá implicar na queda produtiva de bens e serviços. Não produzidos os bens ou não prestados os serviços, inevitavelmente será de uma forma ou por outra atingida a esfera jurídica de quem deseje ou necessite daquele produto, ou seja destinatário daquele serviço.É inexorável.Não obstante, a opção constitucional é pelo exercício do direito de greve pelos trabalhadores, mesmo em atividades essenciais, num reconhecimento explícito da importância que esse instrumento tem no equilíbrio de força entre capital e trabalho, entre trabalhador e empregador.Por ser essa a opção constitucional, todas as medidas tendentes a restringir o exercício desse direito constituem uma afronta à Lei Maior e um retorno ao autoritarismo.Cabe sim, e sem dúvida, a disciplina da responsabilidade pelos atos abusivos, porque a ninguém é dado o uso arbitrário das próprias razões. No caso em exame, a ação proposta traz a problemática das paralisações no transporte coletivo,serviço essencial à comunidade e que atinge, em maior dimensão, a população mais carente, aquela que percorre as maiores distâncias no percurso diário entre residência e trabalho e não dispõe de outro meio factível de deslocamento. Mas ainda que o transporte coletivo seja uma atividade essencial, cabe ao comum acordo entreempregadores e trabalhadores a garantia de uma frota mínima para atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim entendidas “aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (Lei n. 7.783/89, art. 11, parágrafo único). Ou, em caso de não observância desse dispositivo, cabível será a ação do Poder Público para assegurar a prestação dos serviços indispensáveis (Lei n. 7.783-89, art. 12).Não é o caso, como se observa, de solução por interdito proibitório.O mesmo se diga quanto às paralisações já ocorridas: os motivos que a ensejaram estão na autodeliberação do movimento paredista. Exemplo disso está na trajetória de reivindicações postas em greves anteriores, conforme mencionei na apreciação da liminar requerida na AT 7578-2009, a saber a defesa do emprego dos cobradores frente a automação sugerida pelas catracas eletrônicas, a redução dos horários de ônibus e sua implicação, a mobilização para barganhar a participação dos lucros, ou, ainda, a solidariedade ao movimento contrário à privatização da Zona Azul – tema inserido na questão da mobilidade urbana – são causas reivindicatórias que se inserem no mundo do trabalho do transporte coletivo, cabendo aos trabalhadores definirem o que devam defender em seu movimento.Ao Tribunal compete, em ação própria, a análise de abusos que tenham sido eventualmentecometidos em paralisações anteriores, não podendo a questão ser examinada através de interdito proibitório, nem servindo essa situação pontual como parâmetro imaginário de ação futura. Todo movimento paredista implica confronto, numa ou outra medida. É um embate entre capital e trabalho, trabalhador e empregador. Uma situação extrema que põe em choque uma diversidade de interesses. Irá gerar problemas, porque é através dos problemas gerados que será buscada solução. A cada novo movimento paredista cabe o exame do seu exercício, bem como das esferas jurídicas atingidas e das medidas necessárias a conter abusos e garantir a ordem pública.Por ser um direito fundamental de exercício coletivo, que se inova e evolui a cada paralisação, num constante exercício de aprendizado, a greve deve ser examinada caso a caso. Os parâmetros para o exercício do direito de greve estão postos na legislação. Antes de deflagrado o movimento paredista e iniciadas as ações de mobilização grevista não é possível, sem constrangimento ao exercício do direito de greve e negação dessa garantia constitucional, se impor medidas judiciais limitadoras. Pretender extirpar o caráter conflituoso da greve, numa disciplina judicial que limite o movimentoparedista a uma greve de fachada, é eliminar o direito de greve. Sem impacto social, a greve não tem efeito. Para evitar o conflito, as partes podem entrar em comum acordo em seus interesses. O que não se pode é adotar medidas judiciais cerceadoras ao exercício das garantias constitucionais. Um mandado judicial de interdito proibitório frente a uma situação ainda inexistente e incerta, nada mais seria do que uma medida repressiva ao exercício do direito de greve.Fundamentos pelos quais, REJEITO LIMINARMENTE os pedidos formulados pela autoraTRANSOL TRANSPORTE COLETIVO LTDA frente ao SINTRATURB – SINDICATO DOSTRABALHADORES EM TRANSPORTE URBANO DE PASSAGEIROS DA REGIÃOMETROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS.Intimem-se as partes e dê-se ciência ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.Custas pela requerente, no montante de 2% sobre o valor atribuído à causa.Publique-se.Comunique-se a ASCOM.Em 9 de junho de 2014.ÂNGELA MARIA KONRATHJuíza do Trabalho

ACÓRDÃO - Dano Social

Horas Extras - Carrefour

Dano Moral

Acórdão DT - Portador de Deficiência

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO ACÓRDÃO 02083-2007-000-04-00-4 MS Fl.1EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO COM VISÃO MONOCULAR . PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. BENEFÍCIO DE RESERVA DE VAGA. A ausência da visão em um dos olhos também é “deficiência”, situação que garante o benefício da reserva de vagas a pessoas com provável redução da capacidade laboral. O acesso ao trabalho da pessoa portadora de deficiência é direito fundamental que visa diminuir a desigualdade ou igualar os desiguais, assegurado na reserva de percentual de cargos e empregos públicos, como prescreve o inciso VIII do art. 37 da CF. Segurança concedida.VISTOS e relatados estes autos de MANDADO DE SEGURANÇA, em que é impetrante GUILHERME REUTER DOTTO e impetrado ATO DO JUIZ-PRESIDENTE DO TRT DA 4ª REGIÃO. O impetrante investe contra ato do Exmo. Juiz Presidente deste Tribunal (conforme emenda à inicial da fl. 89/91), consistente na desconsideração da sua classificação em 5º colocado no concurso para provimento do cargo de Analista Judiciário – Área Judiciária do TRT, na condição de portador de deficiência visual, em face da conclusão de que a visão monocular não o qualifica a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiências, do que resultou na sua colocação na lista geral de classificação, passando a ocupar a 957ª posição. Afirma a inicial que o direito líquido e certo do impetrante de ser nomeado teria sido infringido por interpretação equivocada da legislação vigente, no sentido de que a sua deficiência não estaria contemplada, de forma literal, no rol do Decreto nº 3.298/99. Invoca jurisprudência do STJ e se diz respaldado nas disposições dos artigos 37, VIII, da Constituição Federal e 37 e 43, § 1º, IV, ambos do Decreto 3.298/99. Requer o deferimento da segurança, para que se reconheça o seu direito de ser classificado nas vagas destinadas aos portadores de deficiência e tomar posse no cargo para o qual foi inicialmente nomeado. O Impetrante requer, também, “a concessão da medida liminar, inaudita altera pars, para anular o ato ilegal que considerou o impetrante na condição de não deficiente, determinando, que o tribunal convoque imediatamente o impetrante para tomar posse e entrar em exercício, como conseqüências naturais de nomeação ocorrida em 20/05/2007 (cf.doc.8)”. Acompanham a petição inicial os documentos de fls. 29 a 61, dentre os quais o instrumento de mandato de fl. 30. Distribuídos os autos, ficando postergado o exame da liminar requerida, determina-se, inicialmente, o esclarecimento, pelo impetrante, sobre o ato que aponta como coator, bem como sobre a autoridade que aponta como coatora, tendo em vista que o impetrante, na petição inicial, indicou como ato coator o parecer do médico deste TRT e como autoridade coatora o Presidente da comissão da Comissão de Concursos do TRT. O impetrante manifesta-se nas fls. 67/69 (fax) e 75/77 (original), indicando, novamente equivocado, o ato coator e a autoridade coatora. Em nova manifestação, fls. 82/84 (fax) e 89/91 (original), o impetrante, emendando a petição inicial, aponta como autoridade coatora o Exmo. Juiz Presidente deste Tribunal Regional da 4ª Região e como ato coator a Portaria que tornou sem efeito sua nomeação. Recebe-se a petição inicial, defere-se a emenda e determina-se a retificação da autuação. Retificada a autuação, determina-se a remessa dos autos à autoridade apontada como coatora. O Exmo. Juiz Presidente do TRT presta informações nas fls. 100/104. Determina-se a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, para parecer. O Ministério Público do Trabalho, através do parecer de fls. 117/123, opina pela concessão da segurança. É o relatório. ISTO POSTO: 1. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO QUE IMPEDE A POSSE DE PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR POR ENTENDER QUE NÃO SE ENQUADRA NO ARTIGO 4º DO DECRETO Nº 3.298/99 (“DEFICIENTE”). A situação fática em relação aos atos que precederam a impetração é a seguinte: o autor inscreveu-se no concurso para o cargo de Analista Judiciário, Área Judiciária, na forma do item V do edital, (Inscrições para candidatos portadores de deficiência, fl. 39), para a Região de Classificação VII (Santa Maria). Segundo o Boletim de Desempenho (fl. 50), o candidato foi considerado habilitado, classificando-se em 957 (geral), 60 (região) e em 5º lugar (classificação como deficiente físico). Em conseqüência, foi nomeado para o cargo, pela Portaria nº 2.837, de 17/5/2007, publicada em 21/5/2007. Nomeado, o autor submeteu-se à perícia médica realizada pelo Serviço Médico e Odontológico deste Tribunal, com o objetivo de verificar se a deficiência se enquadraria na previsão do artigo 4º do Decreto nº 3.298/99 e suas alterações, assim como se haveria compatibilidade ou não da deficiência com as atribuições do cargo a ser ocupado, de acordo com o artigo 44 do mesmo Decreto, tudo conforme explicitado no capítulo V, itens 10 e 11 do edital do concurso. O impetrante não foi considerado portador de deficiência física, com fundamento no Decreto nº 3.298/99.O impetrante afirma que o seu direito líquido e certo de ser nomeado teria sido lesado. Afirma que “O Mandado de Segurança é um remédio heróico capaz de proteger o direito líquido e certo do impetrante, uma vez que o mesmo deve ser declarado Deficiente Físico, visto que a Constituição Federal prevê o princípio da isonomia e da dignidade da pessoa, dando assim, fundamentação cristalina ao direito pleiteado”. Argumenta que: “Não existe fundamento legal para a reprovação do candidato ora Impetrante, sob a alegação de que não teria demonstrado ser portador de deficiência. O caso do impetrante não se encaixa na caracterização de deficiente visual (inciso III, do artigo 4º), pois o texto legal ao utilizar a expressão “melhor olho” faz referência a quem tem os dois olhos. Quem só enxerga através de um olho não possui um “melhor olho”. O caso do Impetrante trata-se na verdade de deficiência física (inciso I, do artigo 4º), pois é cego de um dos olhos”. A autoridade apontada como coatora presta informações às fls. 100/104, nos seguintes termos: “A hipótese cuida de candidato portador de visão monocular , que, em se submetendo à perícia médica cogitada no item 10 do Edital nº 01/2006 de Abertura de Inscrições, obteve a seguinte conclusão, manuscrito pelo Dr. Fernando M. de Meirelles, Médico do Serviço Médico e Odontológico (SMO) deste Tribunal, verbis: ‘CANDIDATO À VAGA ESPECIAL COMO DEFICIENTE VISUAL, APRESENTA VISÃO MONOCULAR (CEGUEIRA OLHO ESQUERDO E ACUIDADE VUSUAL 20/20 SEM CORREÇÃO EM OLHO DIREITO) – NÃO É CONSIDERADO DEFICIENTE FÍSICO NOS TERMOS DO DECRETO 3298/99”. (fl. 56, “LAUDO MÉDICO PARA FINS DE ASSUNÇÃO Nº 351/07)’.Com efeito, o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, com a redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004, em seu art. 4º, inc. III, considera como portadora de deficiência visual a pessoa que apresenta acuidade visual inferior a 30% no “melhor olho, com a melhor correção óptica” (destaquei).No caso, o melhor olho não apresenta qualquer perda de visão, razão pela qual o SMO deste Tribunal, à luz do quanto disposto no mencionado Decreto, não pôde enquadrar o candidato, ora impetrante, como pessoa portadora de deficiência. Em vista dessa circunstância, afigura-se irrecusável a aplicação da regra contida no subitem 10.3 do Edital do Certame, verbis:‘Se a deficiência do candidato não se enquadrar na previsão do art. 4º e seus incisos do Decreto Federal nº 3.298/99 e suas alterações, ele será classificado em igualdade de condições com os demais candidatos’.” (grifos no original).O Ministério Público do Trabalho, através do Procurador Regional-Chefe André Luís Spies, em seu parecer de fls. 117/123, opinou pela concessão da segurança. Transcreve-se, aqui, trechos desse referido Parecer, que merecem ser ressaltados: “A nosso juízo, a polêmica do fato de que o supra transcrito artigo 4º buscou regular a situação das pessoas deficientes com visão em ambos os olhos, por mínima que seja, pois sempre menciona o “melhor olho”, não prevendo portanto a hipótese de visão monocular , como no caso em tela, pois o impetrante não possui um melhor olho, mas sim um único olho com visão. Diante dessa aparente lacuna na norma, que não disciplina a hipótese de forma específica, entendemos que a questão deve ser analisada levando-se em consideração o intuito da norma protetora, à luz do art. 37, inciso VIII, do diploma constitucional, que tem por escopo a inserção dos deficientes no mercado de trabalho, contexto em que a norma infraconstitucional deve ser interpretada, não bastando a mera leitura isolada do dispositivo retrotranscrito (art. 4º, inciso III do Decreto nº 3.298/99). ... Nesta linha de pensamento, a interpretação deste dispositivo deve ser realizada em consonância com o art. 3º do mesmo Diploma, de molde a não afastar os portadores de visão monocular da disputa às vagas destinadas às pessoas portadoras de deficiências. ... Nesse passo, preservando o fim colimado com a destinação de reservas de vagas a portadores de deficiências, consideramos a visão monocular como motivo caracterizador do enquadramento do impetrante como deficiente. ... Com a devida vênia, a interpretação que nega ao candidato portador de visão monocular o enquadramento como portador de deficiência não se harmoniza com as normas da Constituição Federal no que tange à proteção dispensada ao PPD e tampouco com o conjunto da legislação ordinária que rege a matéria, havendo clara adoção de políticas publicas de ações afirmativas para inserção ao mercado de trabalho. ... Assim, considerando ser incontroverso o fato de que o Impetrante é portador de visão monocular , na medida em que reconhecido e atestado pelo serviço médico do Tribunal, entendemos que há direito líquido e certo ao enquadramento como pessoa com deficiência, mantendo-se a classificação originalmente atribuída ao candidato”. (grifos atuais). Concorda-se com esse parecer do Ministério Público do Trabalho. Observa-se que o artigo 4º, inciso III, do Decreto 3.298/99, ao regulamentar a deficiência visual, não faz referência à pessoa que é portadora de visão monocular (cegueira de apenas um olho). No entanto, analisando-se o referido artigo, combinado com o artigo 3º, do Decreto antes referido, entende-se que se deve sim enquadrar a pessoa portadora de visão monocular como pessoa portadora de deficiência. Lembra-se que o inciso I, do artigo 3º, do Decreto 3.298/99, assim dispõe: “Art. 3º. Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano; (...)”Reforçando ainda mais a conclusão de que as pessoas portadoras de visão monocular devem ser incluídas dentre aquelas portadoras de deficiência, podemos fazer referência à conclusão do médico Valmor Rios Leme, CRM-RS 24410, no Laudo Oftalmológico de fl. 57 (documento 11), elaborado após exame médico realizado no Impetrante. Neste Laudo, o médico antes referido assim conclui:“Conclusões: 1. Visão Monocular – CID H 54.4 2. Redução de campo visual periférico – CID H 53.4 3. Diminuição da estereopsia – CID H 51 4. Estrabismo convergente – CID H 50.0 5. Supressão da visão binocular – CID H 53.3 6. Devido à dificuldade que a supressão da visão binocular acarreta e conseqüentes ausência de estereopsia e diminuição de campo visual periférico, do ponto de vista Oftalmológico, o paciente deve ser enquadrado como deficiente físico”. A partir dessas referidas conclusões, tem razão o Impetrante quando afirma, na petição inicial, que “Indivíduos que não enxergam com um dos olhos sofrem incontestáveis limitações no sentido da visão. Em especial a perda da visão binocular estereóptica e redução do campo de visão periférico”. Convém lembrar, também, o artigo citado pelo Impetrante, na petição inicial, em que os médicos Tobias Alécio Mattei e Josias Alécio Mattei afirmam que os indivíduos que perderam a visão de um dos olhos têm extrema dificuldade em perceber as noções de profundidade e distância.Registra-se, ainda, que, na decisão referida pelo Ministério Público em seu parecer de fls. 117/123 (MS 453), o Ministro Cezar Peluso entendeu que o portador de visão monocular é deficiente físico. Conforme consulta ao Sistema Informatizado do Tribunal Superior Eleitoral, constatou-se que essa referida decisão transitou em julgado em 04.08.2006.Concluindo-se pela inclusão do Impetrante entre os portadores de deficiência, fica-se com o entendimento do voto prevalente em recente decisão dos Juízes deste Órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que, em Sessão realizada na recente data de 24 de setembro de 2007, em caso idêntico (visão monocular ), concedeu a segurança, com o reconhecimento da condição do autor de portador de deficiência, tendo sido assegurado ao Impetrante a posse no cargo para o qual foi nomeado. Convém transcrever, aqui, o voto prevalente, redigido pela Juíza Maria Helena Mallmann: “Pela leitura do citado artigo 4º, inciso III, do Decreto 3.298/99, a definição de deficiente visual é aquele que apresenta comprometimento dos dois olhos, não fazendo qualquer alusão à cegueira ou visão extremamente reduzida de apenas um dos olhos (visão monocular ), como capaz de enquadrar a pessoa como deficiente visual. Para efeito de deficiência visual a lei define três categorias: (1) cegueira, assim entendida a condição na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; (2) a baixa visão, definida como acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; (3) os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60°; e (4) os casos em que houver ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores. No caso dos autos, foi constatado pelos exames realizados pelo serviço médico deste Tribunal que o impetrante tem visão monocular , ou seja, não possui visão em um dos olhos, e que ele não possuía nenhum problema visual no outro olho. A diminuição da capacidade visual pela perda da visão em apenas um dos olhos não é considerada deficiência física pela citada legislação que regula a matéria. Todavia, o conceito de deficiência física decorrente da redução da capacidade visual não pode ser interpretado isoladamente, mas sim em consonância com o art. 3º do mesmo Decreto, que defini deficiência nos seguintes termos: “Art. 3º. Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano; (...)” Em assim sendo, a ausência e/ou perda da visão em um dos olhos é também deficiência, situação que garante o benefício da reserva de vagas a pessoas com redução da capacidade laboral. O direito à igualdade está garantido na atual Constituição Federal que trata de forma específica a relação de trabalho, vedando qualquer tipo de discriminação entre as quais aquelas relativas ao trabalhador portador de deficiência (art. 7º, XXXI, CF). O acesso ao trabalho da pessoa portadora de deficiência é direito fundamental, que visa diminuir a desigualdade ou igualar os desiguais, assegurado na reserva de percentual de cargos e empregos públicos, como prescreve o inciso VIII do art. 37 da CF”. (grifos atuais).No mesmo sentido, podemos citar várias decisões do Superior Tribunal de Justiça, tais como as proferidas pela 5ª Turma: RMS 22489/DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, publicada no DJ em 18.12.2006: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO COM VISÃO MONOCULAR . PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. INCLUSÃO NO BENEFÍCIO DE RESERVA DE VAGA. 1. O candidato portador de visão monocular , enquadra-se no conceito de deficiência que o benefício de reserva de vagas tenta compensar. Exegese do art. 3º c.c. art. 4º do Decreto n.º 3.298/99, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Precedentes desta Quinta Turma. 2. Recurso conhecido e provido”.RMS 19257/DF, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, publicada no DJ em 30.10.2006:“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR . DIREITO A CONCORRER ÀS VAGAS DESTINADAS AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. O art. 4º, III, do Decreto 3.298/99, que define as hipóteses de deficiência visual, deve ser interpretado em consonância com o art. 3º do mesmo diploma legal, de modo a não excluir os portadores de visão monocular da disputa às vagas destinadas aos portadores de deficiência física. Precedentes. 2. Recurso ordinário provido.” RMS 19291/PA, Relator Ministro Felix Fischer, publicada no DJ em 03.04.2006:“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DEFICIENTE VISUAL. VISÃO MONOCULAR . EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO DA RESERVA DE VAGA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. I - A deficiência visual, definida no art. 4º, III, do Decreto nº 3298/99, não implica exclusão do benefício da reserva de vaga para candidato com visão monocular . II - "A visão monocular cria barreiras físicas e psicológicas na disputa de oportunidades no mercado de trabalho, situação esta que o benefício da reserva de vagas tem o objetivo de compensar". III - Recurso ordinário provido.” Frisa-se que a única decisão mencionada nos autos, concluindo que o portador de visão monocular não está qualificado a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiências, indicada pela autoridade coatora em suas informações, denegou a segurança com votos vencidos de sete Ministros, sendo de dezembro de 2005. Ademais, tal decisão foi objeto de Recurso ao STF (RMS 26071), já com o voto proferido pelo Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, dando provimento ao recurso do Impetrante para conceder-lhe a segurança. Este julgamento encontra-se suspenso, tendo em vista o pedido de vistas da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha. Tratando da importância da ação afirmativa, relacionada ao Direito do Trabalho, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (in O TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A LAPIDAÇÃO DOS DIREITOS HU MANOS – O DIREITO DO TRABALHO, UMA AÇÃO AFIRMATIVA, Editora LTr, São Paulo, 2006, págs. 290/291) assim se manifesta: “(...) O Direito do Trabalho estrutura-se, assim, como elemento fundante da primeira ação afirmativa da História, pois rompeu com a idéia de igualdade formal ou de uma lei imparcial. (...) Corrobora-o, também, o fato de que a criação dos direitos trabalhistas preparou, por exemplo, as normas do Código do consumidor, embasando, axiologicamente, o novo Direito Civil, ambos lastreados por princípios compensatórios do Direito do Trabalho”. (grifos atuais).Impossível, pois, limitar-se o alcance do artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal/88, antes mencionado. Assim, concede-se a segurança, reconhecendo a condição de portador de deficiência e assegurando ao impetrante a posse no cargo para o qual foi nomeado.2. DA MEDIDA LIMINAR REQUERIDA. Na petição inicial, o Impetrante, entendendo presentes os pressupostos da fumaça do bom direito e do perigo da demora, requereu a concessão de liminar visando “anular o ato ilegal que considerou o impetrante na condição de não deficiente, determinando, que o tribunal convoque imediatamente o impetrante para tomar posse e entrar em exercício, como conseqüências naturais da nomeação ocorrida em 20/05/2007 (cf. doc. 8)”. (grifo original). Considerada a concessão da segurança, entende-se presente o pressuposto da aparência do bom direito. Entende-se presente, também, o pressuposto do alegado perigo da demora, pois determinar que se aguarde o trânsito em julgado da decisão seria afastar o Impetrante da posse no cargo para o qual foi aprovado e classificado através do concurso público. Ademais, a demora no julgamento de eventual recurso poderá acarretar dificuldades ao Impetrante até mesmo para a sua subsistência. Assim sendo, considerada a procedência do Mandado de Segurança, restam caracterizados os pressupostos da aparência do bom direito e do perigo da demora. Entende-se, assim, que deve ser cumprida a presente decisão. Assim sendo, defere-se a medida liminar requerida e determina-se a posse do Impetrante no cargo para o qual foi nomeado, independentemente do trânsito em julgado.Ante o exposto,ACORDAM os Juízes do Órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: Por maioria de votos, vencidos os Exmos. Juízes Revisor, Flávio Portinho Sirangelo e Carlos Alberto Robinson, conceder a segurança, reconhecendo a condição de portador de deficiência e assegurando ao impetrante a posse no cargo para o qual foi nomeado, bem como deferir a medida liminar requerida e determinar a posse do impetrante no cargo para o qual foi nomeado, independentemente do trânsito em julgado. Custas não incidentes. Intimem-se. Porto Alegre, 29 de outubro de 2007. RICARDO CARVALHO FRAGA - JUIZ RELATOR MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Poder Judiciário Federal - Justiça do Trabalho - 4ª Vara de Joinville - Cipla

PODER JUDICIÁRIO FEDERALJUSTIÇA DO TRABALHO4ª VARA DE JOINVILLEAT 3431-2007-030-12-00-9S E N T E N Ç ACARLOS ROBERTO DE CASTRO ajuíza, em 31-07-2007, ação trabalhista em face de CIPLA INDÚSTRIA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO S/A. Atribui à causa o valor de R$ 16.000,00.Alega o autor que trabalhou para a ré no período de 01-11-2002 a 04-06-2007. Insurge-se contra a justa causa aplicada na despedida, por ato do Interventor Judicial, pontuando forte aparato policial utilizado e a proibição de ingresso na empresa. Pleiteia a reversão da justa causa, com o pagamento das verbas inadimplidas e indenização por danos morais.Antecipados os efeitos da tutela, com a determinação da anotação da CTPS e pagamento parcelado dos salários atrasados, em critério idêntico ao pessoal da ativa.A ré apresenta defesa escrita. Justifica a despedida na quebra de confiança. Informa a quitação dos salários e serem indevidas verbas rescisórias, conforme descrito no TRCT. Admite que não depositou integralmente o FGTS. Requer a improcedência dos pedidos.Juntados documentos. Produzida prova oral. Manifestações das partes. Novos documentos, com manifestação do autor. Sem outras provas, foi encerrada a instrução processual. Juntado, pela empresa, relatório de auditoria, do qual teve vista o autor. Razões finais por memoriais. Propostas conciliatórias infrutíferas.DECIDO:CARÊNCIA DE AÇÃOAs condições da ação estão presentes (CPC 267 VI): não há proibição legal à pretensão do autor de ver reconhecida a nulidade da justa causa; verificada em abstrato, há pertinência subjetiva da lide, dada a correspondência entre as partes e os sujeitos da relação jurídica narrada na petição inicial; o interesse processual está caracterizado em seu trinômico (necessidade, utilidade e adequação) na pretensão resistida.A questão da justa causa aplicada na despedida não compromete as condições da ação, porque é matéria de mérito que irá resultar na procedência ou improcedência do pedido. Rejeito.INÉPCIAÀ simplicidade e informalidade por que se norteia o processo trabalhista não se liga rigor formal na elaboração dos pedidos (CLT 840), bastando seja compreensível e não comprometa o direito de defesa da parte contrária.Os pedidos estão formulados de forma clara e precisa, possibilitando o exercício do direito de defesa exaustiva de mérito. Os fatos estão narrados em seqüência lógica, enunciando pedidos admitidos e não vedados pelo ordenamento jurídico, sem qualquer incompatibilidade.O fato do autor descrever os fatos que culminaram com sua despedida e por ter informado a falta de pagamento dos valores na oportunidade da rescisão contratual, fundamentam o pedido de dano moral e pagamento verbas trabalhistas da contratualidade. Viabilizada a ampla defesa e o contraditório (CRFB 5º LV). Rejeito.PROVAS ILÍCITASTenho por ilícitas as provas produzidas pela empresa, através de meios invasivos do sigilo das correspondências, com a varredura das comunicações eletrônicas de seus empregados, sem que esteja demonstrado, nestes autos, a existência de um regramento claro acerca dos limites de utilização dos e-mails corporativos e das formas de controle material, de conteúdo (CRFB 5º XII).Nos termos do art. 5º, LVI, da Constituição da República, não conheço das cópias das correspondências eletrônicas apresentadas pela defesa.PROVA EMPRESTADAA utilização da prova produzida em outros processos é admitida pelo Juízo porque a ré participou da instrução processual na colheita da prova, estando garantidos o contraditório e a ampla defesa (CRFB 5º LV).Essa a disciplina de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA: para se tornar possível a utilização da prova emprestada é fundamental que a parte contra quem se pretende produzir a prova tenha integrado o contraditório no momento da produção da mesma (Lições de Direito Processual Civil, Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003, v. I, p. 408).As atas da audiências em que foram colhidos os depoimentos referidos nesta sentença, estão disponíveis na internet (www.trt12.gov.br).RETIRADA DOS PERTENCES PESSOAISIntimado para indicar quais pertences estavam retidos na empresa ré, o autor não se manifestou. A ré informou que convidou o autor a retirar seus pertences. Assim sendo, ante o silêncio do autor, considero devolvidos seus bens pessoais.JUSTA CAUSAA tese da defesa, sustentando a justa causa aplicada na despedida do autor, centra-se na quebra de confiança decorrente da intervenção judicial.A forma genérica como foi formalizada a despedida por justa causa, sem indicação do ato faltoso e nem da alínea infringida do art. 482 da CLT, constitui vício capaz de comprometer a validade do ato. O decreto de intervenção, por si só, não constitui a conhecida figura jurídica “fato do príncipe”, porque a determinação é de afastamento temporário dos responsáveis pela administração, o que importaria, no máximo, em situação passível a legitimar a suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, mas não a rescisão por justa causa. Transcrevo (f. 19-24 do decreto):b) Na terceira fase da intervenção, havendo pessoa que assuma o encargo de depositário e que se comprometa a cumprir a forma de administração e o esquema de pagamento aprovados, além do cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias correntes, a administração das empresas do Grupo poderá retornar aos seus atuais gestores. Nesta hipótese, encerrar-se-á a intervenção e, conseqüentemente, a remuneração do interventor.Veja-se que no despacho de complementação ao decreto, ficou determinado apenas sejam afastados da administração do Grupo Cipla todos os seus representantes legais e/ou pessoas que estejam na administração da empresa.Importante destacar que, segundo a tese da defesa, nem todos os empregados que participaram da administração foram despedidos (embora despedidos, na mesma data, mais de 30 empregados), o que duplamente vicia o ato, porque diferentemente tratados empregados envolvidos numa mesma situação. Transcrevo:Por fim, impende salientar que se nem todos os funcionários que participaram da administração foram demitidos, tal fato não implica em falta de critério para a demissão, eis que é um direito potestativo do empregador decidir quais funcionários serão demitidos, sendo certo que uma empresa não pode demitir de uma única vez todos os funcionários, pois acarretaria prejuízos ainda mais sérios para a produção. (f. 67)Se havia justa causa para a despedida, deveria a empresa, no mínimo, utilizar idêntico procedimento em relação a todos os empregados enquadrados na mesma situação fática motivadora da despedida. Entretanto, se valeu a ré de critérios subjetivos para justificar ato que necessita, para sua validade e eficácia, estar objetivamente caracterizado. Nula a justa causa aplicada.Além de nula, a despedida por justa causa se deu numa prática discriminatória, em represália à convicção ideológica.A situação dos trabalhadores do Grupo CIPLA, necessita ser examinada na circunstância em que se deu a encampação e, posteriormente, intervenção judicial. Consta na decisão proferida na Ação de Execução Fiscal 98.01.06050-6/SC, que decretou a intervenção judicial (f. 3 da decisão):Nas últimas décadas, provavelmente em virtude da mudança no controle acionário e administrativo, as empresas do Grupo passaram a apresentar um cenário de crescente endividamento, aumentando, também, o nível de descumprimento de suas obrigações, inclusive tributárias. No ápice dessa crise, chegou-se ao ponto em que nem sequer os salários dos funcionários eram honrados, o que levou, naturalmente, a diversas mobilizações e manifestações de insatisfação dos trabalhadores, por intermédio de suas agremiações sindicais.Como fruto dessas manifestações e reivindicações, em outubro de 2002, na presença do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho, do Sindicato da categoria e de outras autoridades e políticos locais, alguns sindicalistas assumiram, em nome dos trabalhadores, a administração das empresas do Grupo Cipla. Passaram, então, a geri-las diretamente, por meio de uma comissão criada para esse fim, como forma de garantir o recebimento de seus salários, forma de gestão que perdura até hoje.Vê-se, desse relato, que o Grupo CIPLA não foi tomado pelos trabalhadores, mas sim “entregue” a eles em resposta às reivindicações coletivas: não houve a invasão de uma fábrica rica e produtiva, mas sim a ocupação de uma indústria endividada e abandonada à própria sorte, na tentativa se preservar os postos de trabalho, com a manutenção do parque fabril em atividade, evitando, dessa forma, o sucateamento do maquinário e a perda dos únicos meios então disponíveis para quitação das dívidas trabalhistas e tributárias. E a encampação se deu como resposta às manifestações dos trabalhadores, expressas em atos públicos de reivindicação por uma solução capaz de dar conta dos problemas sociais criados por especialistas no calote generalizado, fraudes e sonegação fiscal em grande escala, conforme constatado na AT 3324-2002-030-12-00-6.E do que são acusados os trabalhadores despedidos por justa causa quando da intervenção judicial? Os trechos da contestação, a seguir transcritos, traduzem a tese da defesa na justificativa da despedida do autor: Assim, as pessoas demitidas, como é o caso do autor, por ocasião da intervenção judicial, o foram porque estavam administrando as empresas ou eram pessoas de inteira confiança daqueles que exerciam a gestão das empresas, bem como colaborando para a “administração”. (f. 72 ...)Por ser um dos antigos administradores, que se encontram sob investigação judicial, conseqüentemente a empresa perdeu a confiança nesses trabalhadores, o que configura motivo suficiente para a aplicação da justa causa. (f. 73 ...)Ressalta-se que o ato do reclamante e de seus companheiros acarretaram grandes prejuízos à reclamada, sendo por estes atos determinada a intervenção judicial. Observa-se ainda que o autor também participava do Movimento das Fábrica Ocupada, apoiando-o abertamente. (f. 75 ...)Na decisão datada de 21-05-2007 (em anexo), o Juiz da Vara de Execuções Fiscais informa que os “métodos adotados pela comissão de sindicalistas-trabalhadores para a defesa dos interesses das empresas do Grupo Cipla nem sempre são legais” e que “uma das formas utilizadas é organização de passeatas”. (f. 76 ...)Assim, por ter o autor participado da administração da empresa, cometeu atos que ensejaram a falta de confiança, configurando a justa causa, fazendo inclusive parte da Comissão de Administração (documentos anexos), auxiliando e exercendo diretamente a administração, pelo que se provará. (f. 76 ...)No documento intitulado “Um programa socialista para o Brasil”, assinado por Serge Goulart, retirado da internet através da página www.google.com.br, que nos últimos meses foi “nomeado” Diretor Presidente da empresa, referendado pelo reclamante, informa que o objetivo principal dessa corrente é político. (f. 78 ...)Preliminarmente, impende salientar que não existe por parte da ré qualquer oposição quanto a liberdade de expressão, associação, credo ou ideologia, que a menção à destinação política dos bens e recursos da reclamada é pura e simplesmente demonstrativa e para configurar o desvio da sua finalidade laborativa. (f. 78 ...)(...)os bens da ré foram utilizados como fomento de ideologias, tendo sido realizado, inclusive, Encontro Pan-americano em Defesa dos Empregos, na sede da empresa, com o objetivo de fortalecimento do “Movimento das Fábricas Ocupadas”, pelo que comprovam os documentos em anexo. (f. 79 ...)Ademais, o autor, como membro de gestão da reclamada, impunha ordens e comandos a funcionários, discutia diretivas e encaminhamentos, tudo para o bom e fiel desempenho da Organização (O Trabalho), utilizava de seu correio eletrônico, seu tempo, materiais e local de trabalho para o fomento dessa Organização. (f. 79 ...)Os documentos anexados com a defesa demonstram que a sede da reclamada era usada pelo reclamante para fins políticos-ideológicos, sendo que esta situação não poderia continuar com a decretação da intervenção judicial, pois era inconcebível que os salários dos funcionários permanecessem impagos, enquanto que a empresa e seus recursos eram utilizados para mobilizações, manifestações, formação de militantes, etc. Demonstra ainda que os bens da reclamada eram utilizados para fins políticos-ideológicos, e que a sede da empresa foi transformada em QG da corrente O Trabalho. (f. 80 ...)Nota-se, nos destaques transcritos, e na generalidade dos argumentos de defesa apresentados pela ré em situações análogas, que os trabalhadores despedidos por justa causa são acusados de: utilizarem o patrimônio da empresa para finalidades pessoais ou favorecimento de um grupo; participarem direta ou indiretamente da administração da empresa; apoiarem outras lutas; integrarem corrente político-ideológica; constituírem uma associação visando mobilização sindical; aliciarem outros trabalhadores para manifestações; realizarem encontro com outros movimentos de trabalhadores na sede da empresa; se articularem com o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; votarem para presidente do Conselho de Fábrica.Eis a prova produzida:No depoimento da preposta, consta:No dia 31 de maio houve a intervenção judicial e todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos tão somente por integrarem a mobilização política; a depoente distingue comissão de fábrica e mobilização pontuando que nem todos os integrantes da comissão de fábrica foram despedidos, mas que todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos; esses trabalhadores integravam a mobilização política da empresa; a depoente conhece a história da ocupação da fábrica desde o início; por várias vezes a fábrica esteve na eminência de ser fechada antes da intervenção; a depoente aponta as mobilizações dos trabalhadores como atos e fatores determinantes à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos mediante a conquista de apoio e solidariedade da população e das autoridades para a situação de quebra da empresa; além desse objetivo, acredita a depoente que a mobilização também visasse o movimento político dos integrantes, não sabendo definir qual e nem com que propósito, porque isso não ficava evidente na atuação dos envolvidos. Nada mais.Há, no depoimento citado, três pontos a serem marcados: a) a perseguição ideológica, na indicação clara da causa da despedida dos trabalhadores – todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos tão somente por integrarem a mobilização política; b) o reconhecimento da importância da mobilização dos trabalhadores como fator determinante à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos – aponta as mobilizações dos trabalhadores como atos e fatores determinantes à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos mediante a conquista de apoio e solidariedade da população e das autoridades para a situação de quebra da empresa; c) o imaginário circundante quanto à atuação política dos trabalhadores, cheio de subjetividade, resultante de idéias preconcebidas de “proveito próprio e partidário” em relação ao engajamento em uma causa coletiva, sem que, contudo, fosse possível apontar, objetivamente, qual e com que propósito – acredita a depoente que a mobilização também visasse o movimento político dos integrantes, não sabendo definir qual e nem com que propósito, porque isso não ficava evidente na atuação dos envolvidos.No depoimento de MARIA, colhido na AT 3426-07, está retratada a concepção, da testemunha, contrária à atuação solidária dos trabalhadores, como se vê em sua reprovação ao apoio dado ao Sindicato dos Têxteis. Mais que isso, a testemunha traz a informação de que foi elaborada uma “lista”, com definição político-partidária, para a despedida por justa causa - todos os empregados que participavam do movimento e da corrente do PT do trabalho, radical marxista, foram relacionados e despedidos.MARIA (AT 3426-07) - Inquirida e compromissada, disse que: a autora foi despedida porque participava do movimento; todos os empregados que participavam do movimento e da corrente do PT do trabalho, radical marxista, foram relacionados e despedidos, por entenderem que a atuação deles não se voltava unicamente para a CIPLA mas também para outras finalidades como apoio ao Sindicato dos Têxteis de Blumenau, dedicação à campanha política para deputado, do Mariano, acreditando a depoente que o difícil estado da empresa não poderia ter sido utilizado o pessoal da produção para outra coisa que não fosse produzir produtos da CIPLA; acrescenta a testemunha que mesmo quando a autora estava de atestado médico, ela atuava em panfletagem em prol de Mariano; não viu a autora panfleteando mas apenas ela saiu com uma sacolinha de panfletos junto com o pessoal que ia panfletar; Lailana trabalhava dentro da fábrica; nada fez a autora em relação à Associação Ferreirinha. Nada mais.A prova emprestada também explicita que os trabalhadores foram despedidos por fazerem parte da mobilização, não havendo nada mais específico que justificasse a despedida deles. Reproduzo o depoimento das testemunhas EDSON e OSMAR, colhidos nas ATs 3413-07 e 3434-07:EDSON (AT 3413-07) – Inquirido e compromissado, disse que: trabalha na CIPLA há 27 anos; a demissão por justa causa dos trabalhadores, quando da intervenção, se deu em razão da mobilização política deles; o sentimento que expressa era de muitos trabalhadores da CIPLA; no início acreditava no trabalho feito pela mobilização, em favor da CIPLA, mas com o tempo passaram a ver na atuação uma promoção política, com o discurso que era bonito de manter os postos de trabalho, mas com prejuízo financeiro no final para a empresa porque haviam gastos com a mobilização; na análise de custo benefício o depoente diria que nas mobilizações “o molho era mais caro que o frango”; acredita que o gasto era muito alto e que havia, além do prejuízo de caixa também prejuízo à imagem da empresa; que pode citar como exemplo a questão da energia elétrica: depois da intervenção houve a ameaça de corte e a empresa procurou juntar recursos para pagar a luz; mas se fosse na época de encampação esse dinheiro seria gasto, por exemplo, para pagamento de salários e matéria-prima e teriam que resolver a questão da luz “segurando o poste para a CELESC não cortar”; o depoente informa que a questão da luz referida, agora na intervenção, foi resolvida através de mandado de segurança e não com pagamento, sendo essa a forma legal de resolver o problema; o prejuízo que o depoente atribui que o movimento causou foi a imagem da empresa, com reflexo em cada funcionário; que José Onírio, Rebeca, Jorge Luiz, Clodoaldo, Edmilson, Carlos Roberto, Antônio Hélio, Sílvia Agostini, Osvaldo de França, Paulo Schultt e Antônio João, faziam parte da mobilização e por esse fato foram despedidos, não havendo nada mais específico quanto a eles. Nada mais.OSMAR (AT 3434-07) – Inquirido e compromissado, disse que: o autor foi despedido por integrar a comissão de fábrica, não havendo um outro motivo específico para a despedida dele; o autor cumpria o horário na fábrica normalmente, e eventualmente era chamado por Sérgio Goulart ou Francisco Lessa para alguma mobilização em outras fábricas, sendo que esses fatos estão documentados na empresa; no início o movimento de encampação atuou muito bem e foi o que manteve a empresa funcionando, mas por fim começou a ser desacreditado, não sendo mais bem visto por empresas clientes, como a Mercedes Benz que passou a se preocupar com o ferramental que tinha na empresa; acredita que inicialmente a mobilização contribuiu para a manutenção dos postos de trabalho e da fábrica operando, mas depois alguns clientes romperam os contratos por causa da mobilização e isso acabou prejudicando, ao ver do depoente; o depoente acredita que, em razão do corpo técnico da empresa ter sido preservado, a resistência dos clientes se devia à mobilização em si, que não era bem vista; que o pessoal da mobilização atuava muito bem em questões como atos públicos, realizados por exemplo quando uma máquina ia a leilão, para evitar a venda; as tarefas externas eventualmente realizadas por Maureci se davam em razão da mobilização; a Mercedes continua comercializando com a Cipla, o que houve foi que a Mercedes não colocou nenhum ferramental novo, nem projeto com a Cipla, preservando apenas o que já vinha sendo feito; haviam assembléias gerais, realizadas, em média, a cada 30 ou 60 dias, quando então toda a empresa era parada e acabava prejudicando a produção; às vezes as assembléias eram feitas por turno; nas assembléias eram discutidas questões como faturamento da empresa, salários dos empregados, mobilizações em favor da Cipla e de apoio a outras empresas, e estratégias de mobilização; o depoente tem conhecimento do faturamento da empresa; o faturamento era documentado, no período de encampação foi aumentado em virtude de uma nova linha criada, sendo que a linha antiga manteve o faturamento; nas assembléias era divulgado o faturamento da empresa. Nada mais.Novamente se vê, no depoimento de EDSON, a forte carga subjetiva que circunda a concepção quanto à atuação política dos trabalhadores, resultante da contrariedade da testemunha quanto às escolhas de ação. Nesse passo, é pontual destacar a questão da energia elétrica: durante a encampação, e também depois da intervenção, a conta de luz não foi paga, ainda que diferentes as estratégias utilizadas na gestão da empresa para escapar do corte. Instado a indicar o prejuízo sofrido pela empresa, a testemunha respondeu que o prejuízo que o depoente atribui que o movimento causou foi a imagem da empresa, com reflexo em cada funcionário.No depoimento de OSMAR, há contradição nas informações prestadas, resultante não de má-fé, mas sim da expressão de idéias preconcebidas, contrárias à forma de ação coletiva. Interessante atentar que a testemunha primeiro disse que alguns clientes romperam contrato com a empresa (sem indicar quais, e não havendo prova nos autos nesse sentido), e depois afirmou que o faturamento era documentado, no período de encampação foi aumentado em virtude de uma nova linha criada, sendo que a linha antiga manteve o faturamento. Mais essencial, no depoimento de OSMAR, é a demonstração da prática de assembléias com todos os trabalhadores, para decisão coletiva quanto às estratégias de atuação, salários e faturamento da empresa - nas assembléias eram discutidas questões como faturamento da empresa, salários dos empregados, mobilizações em favor da Cipla e de apoio a outras empresas, e estratégias de mobilização (...) nas assembléias era divulgado o faturamento da empresa.Examinada a prova oral, cabe agora retornar aos argumentos da ré, para verificação pontual das alegações mais significativas da defesa, lembrando que os trabalhadores despedidos por justa causa são acusados de: utilizarem o patrimônio da empresa para finalidades pessoais ou favorecimento de um grupo; participarem direta ou indiretamente da administração da empresa; apoiarem outras lutas; integrarem corrente político-ideológica; constituírem uma associação visando mobilização sindical; aliciarem outros trabalhadores para manifestações; realizarem encontro com outros movimentos de trabalhadores na sede da empresa; se articularem com o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; votarem para presidente do Conselho de Fábrica.Em relação à utilização do patrimônio da empresa, não há prova, nem nestes autos e nem nos processos de situação análoga, examinados por esta magistrada, de que os trabalhadores despedidos tenham se favorecido, pessoalmente, dos bens da empresa, nem de que tenha havido favorecimento de um grupo – e isso mesmo tendo em conta o relatório de auditoria feita após a intervenção, ainda não apreciado judicialmente. Todo o esforço empreendido, segundo demonstrado na generalidade dos processos, tinha por destinação a atuação política com o objetivo de manter a fábrica funcionando e assim preservar os empregos.Importante frisar que sequer há provas de que a empresa tenha tido prejuízo decorrente da gestão dos trabalhadores – aliás, foi durante a encampação que a empresa obteve certificação ISO 9001. E com a manutenção dos postos de trabalho – é comentado, nesta jurisdição, que depois da intervenção judicial, mais de 300 trabalhadores foram despedidos, já nos primeiros meses.No que tange à participação dos trabalhadores na administração da fábrica, essa era uma contingência da ocupação: a empresa estava sob a gestão dos trabalhadores e, segundo demonstrado pelas atas juntadas aos processos, as decisões se davam em assembléia, com participação de toda a coletividade de trabalhadores da fábrica. Cabia a eles administrarem a empresa.Referente ao apoio às outras lutas, à criação de uma associação para mobilização sindical, ao aliciamento de trabalhadores para manifestações, aos encontros com outros movimentos de trabalhadores, na sede da empresa, à articulação com o MST, e à realização de passeatas, nada mais são do que estratégias de ação próprias ao contexto de ocupação de uma fábrica.Impressiona perceber a resistência e a tentativa de incriminar as ações solidárias classistas, dos trabalhadores, na busca de fortalecimento pela união de esforços em causas comuns, práticas essenciais e presentes em qualquer movimento de resistência ou transformação, numa sociedade democrática.Atos de solidariedade a trabalhadores ameaçados de perder o emprego ou com direitos trabalhistas violados, passeatas para expor à população uma dada realidade, união de entidades sindicais e criação de associações civis, são práticas que se dão no pleno exercício de direitos constitucionais próprios da cidadania (CRFB, 5º, IV – livre manifestação do pensamento; 5º, XVII e XVIII – plena liberdade de associação; 5º, IX, liberdade de expressão; 8º, livre associação profissional).O trabalhador não perde sua condição de cidadão quando entra numa fábrica. Ele à mantém, e ainda agrega a ela uma gama de direitos sociais próprios à qualidade de empregado (CRFB 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11).Quanto à votação para presidente do Conselho de Fábrica, o processo de eleição marca a política democrática da encampação, com a participação dos trabalhadores na escolha de quem entendiam por melhor representante e líder: a eleição foi resultado da vontade da maioria dos trabalhadores, não da escolha de um só, mas sim soma da expressão da vontade de toda uma coletividade de empregados.Sobre o fato de integrarem corrente político-ideológica, essa é uma garantia constitucional inviolável, salutar numa sociedade que se quer democrática, resultado da liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), liberdade de consciência política (5º, VI e VIII), inviolabilidade da vida privada (5º, X), e exercício dos direitos políticos (14 e s.).Clara a discriminação ideológica presente no ato de despedida.Antes mesmo da encampação, a ação coletiva e a atuação política foram práticas entre os trabalhadores do Grupo CIPLA. Foi através dos atos públicos que a comunidade teve ciência e se comoveu com a problemática vivida pelos empregados. E esses atos se construíram na mobilização organizada pelo coletivo de trabalhadores envolvidos. Essa prática de atuação política coletiva permeou, ao que mostram as provas, todo o período de encampação. Atas demonstram a rotina de assembléias gerais, deliberativas sobre as mais variadas questões, inclusive a necessidade de ação solidária com outros trabalhadores em situação idêntica.A formação política, por necessária, entrou em cena, porque não há organização sem formação, menos ainda diante de uma experiência nova de gestão, pelos trabalhadores, de uma empresa “quebrada”. Veja-se, a esse exemplo de formação necessária, os diversos cursos de formação e especialização promovidos por cooperativas de trabalho que surgem a partir da falência de uma indústria: nenhum empregado, a princípio, tem o ânimo associativo, mas essa situação é posta com a quebra da fábrica, se apresentando a adesão à cooperativa como alternativa ao desemprego coletivo e imediato – a ajuda mútua, a prestação de serviços a terceiros em proveito comum e a partilha das "sobras" (sem finalidade lucrativa), com participação eqüitativa e controle democrático, requisitos essenciais à validade das cooperativas de trabalho, são questões a serem aprendidas pelos então empregados que se vêem na nova condição de associados. É ser citada, nesse sentido, a matéria da jornalista CÉCILE RAIMBEAU, sobre sociedade cooperativismo, publicada na edição de dezembro de 2007, da revista Le Monde Diplomatique Brasil, com o título A Europa das empresas “recuperadas” (disponível no site www.diplo.org.br), com a seguinte chamada: “Substituir o patrão, no início, é mais trabalho. Mas pelo menos é trabalho!”: com esse pensamento, muitos operários europeus estão assumindo a direção de companhias quebradas, corrigindo os erros de gestão, saneando os rombos financeiros, retomando e modernizando a produção e conquistando mercados.E vale ainda uma referência a mais sobre a matéria, no ponto em que discorre sobre o surgimento da experiência, em 1978, na Europa, qualificada então como ilegal, e o modo como se deu na Argentina, na crise econômica de 2001, e na Espanha, da década de 80:Essa reanimação de uma empresa falida por parte dos empregados não é um caso isolado na Espanha. Ao contrário, ela se operou no quadro de um movimento social tão amplo que teria permitido, no início dos anos 80, recuperar ao menos 38.500 postos de trabalho no país (cerca de 6 mil só no País Basco e 7 mil na Catalunha). “O movimento nasceu em 1978, em empresas muito politizadas de quinhentos operários”, explica Isabel Vidal, professora de teoria econômica da Universidade de Barcelona. “Pouco a pouco, ele se espalhou pelo país, tornando-se ilegal”.Essa efervescência lembra a criatividade dos trabalhadores argentinos depois da crise econômica de 2001. Diante dos liquidadores, nos leilões públicos, os operários espanhóis cantam: “Viva o direito à propriedade dos trabalhadores!”, como em Buenos Aires vinte anos mais tarde. Eles se apoiam na Constituição espanhola de 1978, que reconhece o direito ao trabalho (igualmente inscrito na Constituição francesa) e estimula os poderes públicos a promover a participação dos trabalhadores na empresa, a facilitar-lhes o acesso à propriedade dos meios de produção.O cooperativismo tem se apresentado, em diversas partes do mundo, como alternativa à manutenção do trabalho com a quebra da empresa.Mas o cooperativismo não é a única, e nem necessariamente a melhor forma que os trabalhadores vêem para solucionar as crises sociais de um sistema pautado na exploração do trabalho das pessoas pelos donos dos meios de produção. Duas das críticas mais contundentes ao cooperativismo residem na brecha que abre à facilitação de fraude trabalhista (falsas cooperativas) e no argumento da concorrência desleal (baixo custo, pela desoneração de encargos sociais, e linhas especiais de crédito e financiamento), importando, também nesse ponto e em análise macro, em precarização do trabalho humano.Durante a encampação do Grupo CIPLA pelos trabalhadores, a política de atuação coletiva se opunha ao cooperativismo e estava voltada à estatização da empresa, por verem nessa forma a solução que melhor contemplaria a garantia de emprego, com a continuidade de funcionamento da empresa.Fábrica quebrada, é fábrica ocupada; fábrica ocupada, é fábrica estatizada, dizia o título de um livro-reportagem sobre a luta dos trabalhadores da Cipla e Interfibra para salvar 1000 empregos, escrito por JANAÍNA QUITÉRIO DO NASCIMENTO, cuja cópia foi entregue a esta magistrada quando da chegada nesta jurisdição, no início do ano de 2007, por duas das procuradoras do Grupo CIPLA (diga-se: duas das que assinam a tese da defesa).No livro referido, é posta a participação direta dos trabalhadores, a ação solidária com outros movimentos sociais e trabalhistas, a mobilização coletiva e a articulação política, como meios para a transformação do que é traçado no livro como realidade excludente do sistema capitalista de produção. A estatização da fábrica era buscada na responsabilidade social do Governo na manutenção dos empregos, e também justificada, na reportagem, na linha de produção das empresas do Grupo, com itens como materiais para construção, passíveis serem destinados à implementação, pelo Estado, do direito social de moradia (construção de casas populares para diminuir o imenso déficit habitacional), e produtos produzidos para a estatal Petrobrás, que teriam concorrência apenas na importação.É uma perspectiva socialista, frente a um sistema que tende a se impor como única idéia de mundo.Esse é o melhor dos mundos possíveis. A conclusão de GOTTFRIED LIEBNIZ, de ser esse o mais perfeito dos mundos possíveis, inspirou VOLTAIRE a escrever Cândido, um conto que desperta os sentidos para a força da natureza e leva o espírito crítico à reflexão sobre as perspectivas diversas de mundos que a razão humana, nos seus limites e instigada pela eterna insatisfação das respostas encontradas, é capaz de descobrir, quando confrontada com a injustiça presente no fanatismo religioso, no abuso de poder e na intolerância ideológica. De inegável inspiração nessa assertiva, e em contraposição ao pensamento único neoliberal, os movimentos sociais organizaram, em 2001, na cidade de Porto Alegre, o primeiro Fórum Social Mundial, com a bandeira Um outro mundo é possível, em dias simultâneos ao Fórum Econômico Mundial, que se realizava em Davos, na Suíça.Milhares de pessoas, vindas de várias partes do mundo, se reuniram para questionar o modelo econômico dominante, num Fórum que marcou pela presença do humano plural, da diversidade de idéias e da necessidade se buscar alternativas viáveis à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.Se a par de uma realidade excludente, marcada por desigualdades econômicas e preconceitos escandalosos, um grupo de trabalhadores assume a gestão de uma empresa “quebrada” e procura conduzi-la de modo a mantê-la funcionando para preservar os postos de trabalho, num quadro de desemprego estrutural, a situação desses trabalhadores necessita ser lida no contexto em que se deu a encampação e a gestão da fábrica ocupada – e, especialmente, tendo em mente a equação necessária aos princípios da ordem econômica: os valores sociais do trabalho, a livre iniciativa e a função social da propriedade, na finalidade do Estado em promover o pleno emprego (CRFB 170 VIII), para assegurar a todos a existência digna.Daí se veria que os trabalhadores do Grupo Cipla, despedidos por justa causa, entre eles o seu Domingos (que trabalhou 30 anos para a empresa e depois recebeu em casa uma “cartinha” lhe dizendo para não voltar mais lá), queriam mesmo é continuar trabalhando em seus ofícios, unindo esforços para esse desiderato. Também se veria que, com um pouco de poesia, se compreende melhor essa tal de “mais valia”:A estância se acordouem dia de campereadachiando pelas cambonaspra se iniciar a mateada.De repente, um peão barbudo- atando a segunda espora - abriu a boca sisuda,pondo os olhos campo a fora.E falou pros companheirosde mesmo rumo e ofícionuma tal de "mais valia"falando em tom de comícioContando um pouco de história- revoluções, coisa e tal -foi falando de "trabalho","propriedade" e "capital".Terêncio ficou sabendo,com os "óio arregalado"o que nunca, então, pensara:"todo o peão é explorado"...E aquele peão barbudo,com a melena comprida,foi falando enquanto viatoda a peonada reunida..."A peonada leva a tropapra morrer no matadouro,esfola a bunda nos "basto"o sol véio queima o couro- mas o patrão barrigudoé que embolsa todo o ouro!Se madruga todo diapra "laçá" e "curá" bicheira,se afunda os "garrão" no barroco´essas "vaca" da mangueira- e o que nos sobra de tudo?só hemorróida e "frieira!""E ainda fazem rodeioem nome da Tradição!Os "boi" de língua de forapr´alegria do patrão!O que era duro ofíciose transforma em diversão"E tem mais: a propriedadedeve ser de quem trabalha!"Quem sustenta a casa-grandesão nossos "rancho" de palhae se a peonada joga truco,o patrão é quem baralha!"Nisto, chega o capataz,sempre de cara amarrada...O Carlos fica solito,falando pra madrugada:"... E tem gente trabalhandosem ter carteira assinada!"Cada um pegou seu laçopra mais um dia de lida.O sol campeiro encilhoua pampa verde estendida...E aquele peão, no outro dia,pediu as contas - se foi...tangendo um sonho distante,ouvindo um berro de boi.Alguns dizem que o patrãoé que botou porta a fora,porque não tinha no lomboas marcas da velha espora.E seguiu a velha estânciano mesmo tranco, afinal:Terêncio tirando leite,Nestor montando bagual...O patrão com a guaiacaforrada dos "capital"...(FARIAS, Juarez Machado de, Se Marx fosse peão. CD Sesmaria da Poesia Gaúcha) www.paginadogaucho.com.br/poes/smfp.htmTenho por caracterizado o dano moral na forma discriminatória como se realizou a despedida (CRFB 5º XLI e X, CC 186 e 927). Sopesando a gravidade do ato a ser reparado, as necessidades da vítima e os recursos da empresa, que atravessa sérias dificuldades, fixo, como indenização, o valor equivalente a um mês de salário por ano de serviço ou fração.Declaro nula a justa causa aplicada na despedida e reconheço a rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa, por iniciativa da empresa.Defiro indenização por danos morais, no valor de R$ 20.640,00, correspondente a 5 remunerações do autor, equivalente a uma remuneração por ano de serviço ou fração.VERBAS INADIMPLIDASOs salários em atraso estão especificados no TRCT (f. 108). As parcelas pagas por conta da tutela serão deduzidas nos cálculos de liquidação.A rescisão do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador e sem justa causa, faz devida a indenização do aviso prévio. O aviso prévio integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais (CLT 487 § 6º).No TRCT, não estão lançadas as férias proporcionais, nem a gratificação natalina de 2007, estando, ainda, inadimplido o valor de R$ 2.744,85, referente à gratificação natalina de 2006. Importante assinalar que as férias proporcionais são devidas, independentemente da causa da ruptura contratual, a teor da Convenção 132 da OIT – Organização Internacional do Trabalho. Defiro ao autor:a) Saldo de salários: R$ 3.138,57, de abril de 2007; R$ 3.401,53, de maio de 2007;b) indenização do aviso prévio de 30 dias, com sua integração ao tempo de serviço para todos os efeitos legais;c) gratificação natalina: R$ 2.744,85, de 2006; e 06/12 de 2007;d) férias proporcionais: 8/12, acrescidas de um terço.Autorizo a dedução dos valores pagos sob o mesmo título, em decorrência da determinação de pagamento parcelado das verbas rescisórias, conforme AT 3324-02.MULTA DO ART. 477 DA CLTAs verbas rescisórias se situam entre os direitos sociais garantidores de um núcleo mínimo existencial da condição de sobrevivência do trabalhador assalariado que é despedido sem sequer ser pré-avisado. O pagamento constitui a principal obrigação do empregador. É com base na data de pagamento que o trabalhador organiza suas despesas, e a impontualidade é capaz de comprometer até mesmo o sustento dele pelos dias de atraso, além de lhe causar constrangimentos com os credores. Intolerável essa prática.Tenho por violada a obrigação de pagamento pontual das verbas rescisórias, incidindo a multa do  8º do art. 477 da CLT.As dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa não afastam a incidência da multa, porque o risco da atividade econômica é do empregador que obtém a alteridade na prestação dos serviços.Devida a multa do  8º do art. 477 da CLT.MULTA DO ART. 467 DA CLTAs particularidades do caso concreto sugere se releve a aplicação da multa do art. 467 da CLT.Isso porque a CIPLA foi encampada pelos trabalhadores num esforço coletivo para manutenção dos postos de trabalho, atualmente sob intervenção judicial, fato esse público e notório nesta jurisdição.Essa realidade demonstra que os valores não foram disponibilizados por uma impossibilidade concreta e justificável. Indefiro a multa do art. 467 da CLT.FGTSNão efetuados, integralmente, os recolhimentos, devido o FGTS não recolhido no período trabalhado, com a indenização compensatória de 40%.O FGTS será apurado inclusive sobre o aviso prévio indenizado, a gratificação natalina e as verbas reflexas. Não incide FGTS sobre as férias indenizadas (Lei 8.036/90 15  6º c/c Lei 8.212/91 28  9º d).Defiro FGTS não depositado na contratualidade, inclusive sobre aviso-prévio, gratificação natalina e verbas reflexas, tudo com a indenização compensatória de 40%.JUSTIÇA GRATUITADeclarada hipossuficiência econômica e não produzida prova desqualificante das afirmações do autor de que não possui condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu sustento, concedo os benefícios da justiça gratuita (CRFB 5º LXXIV, CLT 790 § 3ọ e Lei 1060/50). Adoto o posicionamento de que são cabíveis honorários independentemente da assistência jurídica sindical. A assistência judiciária gratuita é garantia constitucional (5º LXXIV) existente para tornar efetivo o direito fundamental de acesso à justiça. É dever do Estado, e não do Sindicato, manter a Defensoria Pública. E o Estado de Santa Catarina é o único, na República, que ainda não tem instituída a Defensoria Pública. A liberdade sindical (CRFB 8º) impede a interferência do Estado na organização dos Sindicatos, não podendo, por isso, ser transferido ao Sindicato o encargo de manter serviço de assistência jurídica – daí não ser possível compreender como monopólio do Sindicato a assistência judiciária aos trabalhadores, necessitando ser relido o art. 14 da Lei n. 5.584/70, de modo a adequá-lo ao espírito da Constituição da República, compreendendo-se a assistência judiciária sindical como um plus da entidade de classe, não como uma função substitutiva da Defensoria Pública.Por isso, não pela sucumbência, que é inaplicável nas ações trabalhistas entre empregados e empregadores, tenho por devidos honorários assistenciais ao trabalhador que declare pobreza, nos termos do art. 5º, LXXIV, da Constituição da República, e da Lei n. 1.060/50.Defiro honorários assistenciais de 15% sobre o valor bruto da condenação.AJ PESSOA JURÍDICAA exploração de atividade econômica, com objetivo de lucro, é incompatível com a situação de pobreza que exige do Estado a concessão da justiça gratuita como forma de acesso à justiça.Entidades filantrópicas, associações civis, cooperativas de trabalho, são exemplos de atividades que, ainda que não objetivem lucro, estão sujeitas ao pagamento das custas e ao depósito recursal para exercer o direito de recorrer.Diferentemente da exigência imposta às partes na Justiça Estadual e na Justiça Federal, nesta Justiça do Trabalho o acesso à justiça independe do pagamento prévio de custas, e sequer exige sejam antecipadas as despesas processuais: as partes podem ajuizar ação, apresentar defesa, produzir provas e ver cumpridas todas as diligências necessárias ao andamento do feito, sem desembolsar um níquel.Importante pontuar que a garantia constitucional de acesso à justiça se concretiza quando viabilizado, às partes, o pronunciamento judicial sobre a lide, o que se concretiza já em primeiro grau de jurisdição. O duplo grau de jurisdição não constitui uma garantia constitucional de acesso à justiça: é um direito que, para ser exercido, exige a conformação a requisitos legais.CRITÉRIOS DE APURAÇAO E ATUALIZAÇÃOOs créditos serão corrigidos na forma da Lei 8177/91 (39 § 1ọ), incidindo índice de correção monetária do mês subseqüente ao da prestação dos serviços a partir do dia 1ọ (S 381 TST). Esse critério de atualização incidirá sobre os créditos até a data da efetiva disponibilidade do valor devido ao autor, por alvará.Os créditos relativos ao FGTS serão corrigidos pelos mesmos índices aplicáveis aos débitos trabalhistas (OJ 302 SDI-1 TST).A indenização por danos morais será corrigida (juros e atualização monetária) a partir da data da rescisão contratual.Os honorários assistenciais serão apurados sobre o valor bruto da condenação (Súmula 37 TRT 4ª Região).Na elaboração da conta, observe a determinação de pagamento parcelado das verbas rescisórias, apurando-se, em razão disso, distintamente, os valores devidos a título do FGTS, com a multa de 40%, a indenização por danos morais, e os honorários assistenciais sobre essas verbas, para habilitação na AT 3324-2002.As demais parcelas inadimplidas serão quitadas pelo parcelamento, inclusive no que tange à multa do art. 477 da CLT, gerada no atraso do pagamento das verbas rescisórias, e aos honorários assistenciais sobre esses títulos, também de natureza salarial, devidos em razão da necessidade do autor ingressar em Juízo para receber direitos mínimos. INSS E IRObserve-se a Súmula 368, III, do TST quanto às contribuições sociais, que não incidem sobre as parcelas descritas no § 9ọ do art. 28 da Lei 8212/91.Autorizo a dedução da cota-parte do autor somente em relação às parcelas que tem a receber por conta desta sentença. O cálculo abrangerá toda a contribuição previdenciária devida. A cota patronal específica abrange a contribuição do empregador propriamente dito, a parcela correspondente a terceiros e a parcela referente ao seguro de acidente de trabalho.Às contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças judiciais aplica-se atualização pela taxa SELIC e as multas pelo atraso no recolhimento, nos termos do art. 879, § 4º, da CLT , e da Lei nº 9.250/95, art. 39, § 4º.No que tange ao critério de retenção das contribuições fiscais sobre os créditos trabalhistas pagos em decorrência desta condenação judicial, determino se observe o regime de competência, apurando-se o imposto como se o autor tivesse recebido mês a mês. Isso porque não seria razoável impor ao empregado o ônus da inadimplência de seu empregador, que por não quitar as verbas na época própria gerou a acumulação do recebimento de uma só vez. Nesse sentido, cito ementa e trecho de acórdão proferido pela Justiça Federal, em ação ajuizada contra a União Federal visando à restituição de imposto de renda retido indevidamente, incidente sobre as parcelas recebidas a título de adicional de periculosidade, pagas acumuladamente em virtude de sentença proferida por Juiz do Trabalho (AC 2002.72.00.012728-3/SC, Rel. Des. Federal ANTÔNIO ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA, Porto Alegre, 14-12-2004):TRIBUTÁRIO – VERBA TRABALHISTA – IMPOSTO DE RENDA – INCIDÊNCIA SOBRE O SOMATÓRIO DE PROVENTOS PAGOS EM ATRASO – INADMISSIBILIDADE. No cálculo do imposto incidente sobre rendimentos pagos acumuladamente, devem ser levadas em consideração as tabelas e alíquotas das épocas próprias a que se referem tais rendimentos, nos termos previstos no art. 521 do RIR (Decreto 85.450/80). A aparente antinomia desse dispositivo com o art. 12 da Lei 7.713/88 se resolve pela seguinte exegese: este último disciplina o momento da incidência; o outro, o modo de calcular o imposto. (RESP 424225/SC, 1ạ Turma, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJ 19-12-2003, p. 323) (...)O acórdão citado evidencia a necessidade de se adotar postura de política judiciária tendente a evitar a proliferação de ações sobre temas convergentes, que podem ser resolvidos numa única demanda. Assim é que a aplicação do regime de caixa na retenção do imposto de renda sobre os créditos trabalhistas decorrentes de condenação judicial tem provocado o ajuizamento de outra ação perante a Justiça Federal, desta vez contra a União, visando a restituição dos valores retidos de imposto de renda sobre parcelas pagas acumuladamente. Por conta disso, deixo de aplicar o critério sugerido no inciso II da Súmula 368 do TST, até mesmo como meio a garantia da celeridade processual (CRFB 5ọ LXXVIII). Os descontos fiscais incidem sobre o valor monetariamente atualizado, acrescido dos juros de mora (Súmula 27 TRT 4ª Região).A existência de base legal que ampare as deduções afasta a indenização, porque não há ilicitude no ato (CC 186).PELOS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, que integram esse dispositivo: rejeito as preliminares; e julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados para, mantendo os efeitos da antecipação da tutela, declarar a rescisão do contrato de trabalho sem justa causa e por iniciativa da empresa, e condenar a CIPLA INDÚSTRIA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO S/A. a pagar ao autor CARLOS ROBERTO DE CASTRO as seguintes verbas:a) saldo de salários: R$ 3.138,57, de abril de 2007; R$ 3.401,53, de maio de 2007;b) indenização do aviso prévio de 30 dias, com sua integração ao tempo de serviço para todos os efeitos legais;c) gratificação natalina: R$ 2.744,85, de 2006; e 06/12 de 2007;d) férias proporcionais: 8/12, acrescidas de um terço;e) multa do § 8º do art. 477 da CLT;f) FGTS não depositado na contratualidade, inclusive sobre aviso-prévio, gratificação natalina e verbas reflexas, com a indenização compensatória de 40%;g) indenização por danos morais, no valor de R$ 20.640,00.Concedo ao autor os benefícios da justiça gratuita. Arcará a ré com honorários assistenciais de 15% sobre o valor bruto da condenação.Apurem-se os valores em liquidação de sentença, observados os parâmetros estabelecidos na fundamentação.Observe a ré as determinações de pagamento parcelado, na forma definida nos critérios de apuração desta sentença, seguindo a diretriz da ata de audiência de 28-11-2007, na AT 3224-2002, autorizadas as deduções de todos valores pagos sob o mesmo título.Incidem, sobre os créditos do autor de natureza salarial, os descontos legais, relativos às contribuições sociais e fiscais, observadas a época própria, alíquotas e isenções. Custas de R$ 800,00, pela ré, calculadas sobre o valor arbitrado à condenação de R$ 40.000,00, complementáveis ao final.Transitada em julgado, CUMPRA-SE.CIÊNCIA ao MPT.INTIMEM-SE.ÂNGELA MARIA KONRATHJuíza do Trabalho

Poder Judiciário Federal - Justiça do Trabalho - 4ª Vara de Joinville - Fumódromo

PODER JUDICIÁRIO FEDERALJUSTIÇA DO TRABALHO4ª VARA DE JOINVILLEAT 1424-2007-030-12-00-2No dia 13 de dezembro de 2007, às 16h, na sala de audiências da 4ª VARA DO TRABALHO DE JOINVILLE, por ordem da Ex.ma Juíza do Trabalho ÂNGELA MARIA KONRATH, foram apregoadas as partes: SINDICATO DOS TRABALHADORES METALÚRGICOS, NA FUNDIÇÃO, NA SIDERURGIA E NA INDÚSTRIA DO MATERIAL ELÉTRICO DE JOINVILLE, autor, e WETZEL ALUMÍNIO S/A e WETZEL FERRO S/A (02), ré. Ausentes as partes. S E N T E N Ç ASINDICATO DOS TRABALHADORES METALÚRGICOS, NA FUNDIÇÃO, NA SIDERURGIA E NA INDÚSTRIA DO MATERIAL ELÉTRICO DE JOINVILLE ajuíza, em 09-04-2007, ação trabalhista em face de WETZEL ALUMÍNIO S/A e WETZEL FERRO S/A (02). Atribui à causa o valor de R$ 700,00.Se insurge o Sindicato contra a proibição de fumo no parque fabril da empresa e eliminação dos fumódromos até então existentes. Relata que em novembro de 2006 a WETZEL, contrariando os usos e costumes até então vigentes, proibiu o fumo nas dependências da empresa, marginalizando os fumantes, frustrando o direto deles à liberdade de escolha e impedindo a livre manifestação da vontade e tomada de decisão dos empregados fumantes, sob o artifício de implantar política de prevenção ao tabagismo. Anota que o consumo e comercialização de fumo são liberados no Brasil e no mundo. Salienta que os programas de controle ao tabagismo não têm como objetivo perseguir ou pressionar os fumantes, mas antes reconhecem a necessidade de apoio e compreensão para solucionar a dependência das pessoas à nicotina. Invoca os arts. 3º, IV, e 5º, II, da CRFB, a Lei n. 9.294/96 e o Decreto n. 2.018/96. Defende a necessidade de delimitação de um local para os fumantes, de modo a não importunar os não-fumantes, com identificação das áreas de fumódromo, sinalizadas com adesivos e informações contínuas sobre os malefícios do cigarro. Requer a delimitação de área especial para os empregados fumantes, e a permissão de fumo, neste local, nos intervalos de descanso. Também requer os benefícios da justiça gratuita.A ré apresenta contestação escrita. Impugna o valor atribuído à causa. Argúi impossibilidade do exercício do direito de defesa e carência de ação, por ilegitimidade ativa do Sindicato e falta de interesse processual. No mérito, argumenta que implantou o programa de controle ao tabagismo, conforme projeto elaborado em parceria com a Secretaria da Saúde, que objetiva transformar a planta fabril livre de tabaco. Registra que o representação formulada pelo Sindicato, perante o Ministério Público do Trabalho, com o mesmo objetivo desta ação, foi arquivada administrativamente. Esclarece que não proibiu seus empregados de fumarem, mas apenas não mais permitiu o uso de tabaco em suas dependências, seguindo o programa oficial do Ministério da Saúde, que prevê a extinção dos fumódromos na empresa. Destaca que custeou e ofereceu, aos empregados que desejaram parar de fumar, tratamento psicológico e médico, inclusive arcando com 50% do custo dos medicamentos. Sustenta que sua preocupação é com a saúde dos empregados. Acrescenta que o direito de propriedade lhe assegura definir o uso ou não de fumo em suas dependências. Questiona o benefício da justiça gratuita requerido pelo Sindicato. Requer a improcedência dos pedidos.Retificado o valor da causa para R$ 16.000,00 (f. 81).Parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (f. 388). Manifestações das partes. Produzida prova oral.Realizada inspeção judicial e processo de esclarecimento e consulta aos trabalhadores das três unidades fabris da empresa, nos três turnos de trabalho.Sem outras provas, foi encerrada a instrução processual. Razões finais escritas. Propostas conciliatórias infrutíferas.DECIDO:INÉPCIA DA INICIALA pretensão do Sindicato, de delimitação de área para os fumantes e permissão de fumo, nesse local, nos intervalos para descanso, é clara e precisa, possibilitando o exercício do direito de defesa exaustiva de mérito. Os fatos estão narrados em seqüência lógica, enunciando pedidos admitidos e não vedados pelo ordenamento jurídico, sem qualquer incompatibilidade. Viabilizada a ampla defesa e o contraditório (CRFB 5º LV). Rejeito.CARÊNCIA DE AÇÃOAs condições da ação são analisadas com base nos fatos alegados na petição inicial (CPC 267 VI), donde se verifica que há pertinência subjetiva da lide em relação às partes, necessidade e utilidade da pretensão (interesse), e inexistência de vedação no ordenamento jurídico dos direitos postulados (possibilidade jurídica do pedido).A legitimidade ativa do Sindicato decorre da qualidade de substituto processual (CRFB 8º), ampla e irrestrita, e da natureza coletiva dos direitos relativos às liberdades individuais dos trabalhadores no ambiente de trabalho. Rejeito.FUMÓDROMOA WETZEL implantou o Programa de Controle do Tabagismo, elaborado e coordenado pelo Ministério da Saúde, que prevê, em fase pontual, a eliminação do fumo em todo o parque fabril. A questão posta em debate é essa: os fumantes têm o direito a um espaço específico, dentro do parque fabril, para fumarem? Ou deve prevalecer a orientação da Organização Mundial de Saúde de proibição, por completo, do fumo nas dependências das empresas privadas e órgãos governamentais?Responder essa questão implica pensar acerca dos limites da ação inibitória da saúde pública sobre os fumantes, o controle das vontades e comportamentos pelos sistemas de poder público e privado, e, especialmente, o que se almeja, coletivamente, eleger como parâmetros adequados à necessidade mundial de contenção do consumo de cigarros.Fumar dá prazer. Vicia tanto quanto a cocaína. E mata aos pouquinhos. O fumo é apontado como a maior causa de mortes evitáveis na história da humanidade. O cigarro matou mais do que todas as guerras, somadas, no século XX, fazendo 100 milhões de vítimas. No Brasil, matou mais que a AIDS, que os acidentes de trânsito e que o consumo de álcool e drogas. Matou o dobro dos casos de homicídio.O fumódromo, nas empresas que implantaram o Programa de Controle do Tabagismo, com prestação de assistência médica e psicológica, e fornecimento de medicamentos, tal qual se dá na WETZEL, é visto, pela saúde pública, como prejudicial ao êxito do Programa, por facilitar o acesso ao cigarro a quem está tentando abandonar o vício.Para os fumantes, o fumódromo é um local necessário à minimização dos efeitos das longas horas de abstinência, que ficam sem fumar durante o trabalho, já que o fumo é um vício, e a falta do cigarro provoca irritação e agitação da pessoa que depende das substâncias químicas do tabaco.Os males trazidos pelo cigarro impuseram a discussão, no mundo inteiro, dos meios necessários a frear o consumo do fumo. Por conta disso, no dia 29 de agosto de 2007, Dia Nacional de Combate ao Fumo, foi dado início, na WETZEL, por determinação desta magistrada, em nota pontuando os dados até aqui transcritos, a um processo de esclarecimento e consulta aos trabalhadores, com a discussão acerca dos limites de ação dos programas de controle do tabagismo quanto aos fumantes, no meio ambiente do trabalho.LIMITES LEGAIS DE ATUAÇÃO INIBITÓRIA SOBRE OS FUMANTESFumar é permitido em nosso país. O Brasil é o maior exportador e o segundo maior produtor de tabaco do mundo, e conta com 500 mil trabalhadores dedicados ao cultivo de fumo. Há cidades inteiras que têm suas economias dependentes do cultivo do tabaco, como, por exemplo, Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul.Durante anos o cigarro foi associado à imagem de pessoas saudáveis, bem sucedidas, independentes e sensuais. Fumar era charmoso e libertador; era símbolo de força, vitalidade e poder. Nada se dizia sobre as substâncias viciantes, nem quanto aos danos à saúde do fumante.O simbolismo do cigarro foi notavelmente descrito por MARIO CESAR CARVALHO, na edição O Cigarro, da série Folha Explica (Publifolha: São Paulo, 2001). Nesse pequeno grande livro o autor nos conta as fraudes e mentiras das indústrias do cigarro, os mecanismos de sedução das propagandas, a revelação científica dos males do fumo à saúde humana, as cruzadas contra o fumo e o futuro do cigarro. Também relata o estudo, encomendado pela Philip Morris, para demonstrar à República Checa a economia que representaria ao Estado, com saúde pública e pensões, a morte precoce de fumantes.Atualmente se vive o reverso da medalha: a dependência química e os malefícios fatais causados pelo cigarro são conhecidos e demonstrados em campanhas contundentes de combate ao fumo; as indústrias de cigarro começam a responder, judicialmente, pelos danos causados à saúde dos fumantes e prejuízos decorrentes dos gastos com saúde pública; buscam-se alternativas de reestruturação da economia do cultivo de tabaco; a legislação passa a restringir o uso de produtos fumígenos, proibindo o fumo em recinto fechado coletivo, visando a proteção aos não-fumantes, quanto a exposição à fumaça do cigarro, bem como a redução do consumo com a restrição de venda aos menores e proibição de propagandas.Na perspectiva de proteção aos não fumantes, a Lei n. 9.294/96 estabelece a proibição do uso de cigarros e outros produtos fumígenos em recinto coletivo, mas excetua, expressamente, as áreas destinadas a esse fim, isoladas e arejadas, indicando, dessa forma, a liberdade de fumar quando não atingida a esfera individual de outra pessoa. O Decreto n. 2.018/96, ao regulamentar a Lei n. 9.294/96, exclui do conceito de recinto coletivo os locais abertos ou ao ar livre, ainda que cercados ou de qualquer forma limitados em seus contornos, conforme definições dos arts. 2º, 3º e 4º.Os textos legais referidos indicam que a restrição ao uso de produtos fumígenos é restrita aos locais fechados de uso coletivo. A legislação citada é clara ao pontuar a possibilidade de fumo ao ar livre e, em ambientes fechados de uso coletivo, nos locais especificamente destinados a esse fim, os chamados fumódromos, e, ainda, nos gabinetes individuais de trabalho.Poder-se-ia dizer, então, que o fumo ao ar livre é permitido, bem como nos fumódromos e em salas individuais de trabalho, não havendo razão para se restringir o direito dos fumantes darem vazão às suas vontades nesses locais.Mas o consumo do tabaco apresenta dificuldades singulares que necessitam ser enfrentadas.A NECESSIDADE MUNDIAL DE CONTENÇÃO DO CONSUMO DE TABACO E SEUS CONFLITOSA tomada de consciência dos prejuízos causados pelo tabaco à saúde humana trouxe reflexos mais amplos, sugerindo uma análise interpretativa que contemple não apenas a proteção aos não-fumantes, mas também medidas de restrição do uso de cigarros por quem deseje ou necessite fumar, de modo a atender a saúde de todas as pessoas, fumantes e não-fumantes. Em 2006, pelo Decreto n. 5.658, o Brasil ratificou a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, que foi adotada pelos países membros da Organização Mundial de Saúde em 21-05-2003 e assinada pelo Brasil em 16-06-2006. A Convenção-Quadro qualifica o tabagismo como epidemia global, e apresenta o consumo e a exposição à fumaça do tabaco como questão de saúde pública, com conseqüências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas que impõem a implementação de formas de controle, a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco (art. 3º).Ao tratar o fumo como epidemia, a Organização Mundial de Saúde enquadra o controle do uso do tabaco no rol de importância equiparável à vacina para imunização contra vírus.Nos princípios norteadores da Convenção-Quadro está exposta a necessidade se adotarem medidas efetivas a fim de proteger toda a pessoa da exposição à fumaça do tabaco, prevenir a iniciação, promover e apoiar a cessação e alcançar a redução do consumo (art. 4º). O Ministério da Saúde, seguindo essa diretriz, instituiu o Programa de Controle do Tabagismo, para implantação nas empresas, que tem em sua fase final o objetivo de tornar toda a planta do parque fabril livre do fumo, ou seja, fazer com que não seja mais permitido o consumo do tabaco nas empresas, nem mesmo ao ar livre.Há, portanto, um cerco ao consumo do tabaco. A orientação da saúde pública é visivelmente no sentido de erradicar o fumo. Nesse cenário despontam, como afirmações das políticas de prevenção ao tabagismo, as garantias constitucionais de direito à vida saudável e as restrições legislativas quanto à possibilidade da pessoa dispor de seu próprio corpo (CC art. 13).Entretanto, a tudo isso se pontua uma leitura integrativa que preserve a liberdade de escolha do indivíduo, e ainda contemple os desdobramentos dessa escolha, resultantes das substâncias viciantes do tabaco, numa sociedade em que fumar é permitido e até foi incentivado por décadas.As substâncias do tabaco causam dependência química. Por essa razão, desde 1993 o tabagismo é considerado como doença pela Organização Mundial de Saúde, incluído no grupo dos transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas (CID 10).O relato de JEAN-PAUL SARTRE sobre sua experiência de abandono do fumo, escrito em suas reflexões sobre a psicanálise existencial, demonstra múltiplos aspectos psíquicos da dependência química que o consumo de tabaco envolve: o ato de fumar é apresentado como o fator significante dos variados fatos da vida. Daí o filósofo afirmar: o tabaco é um símbolo do ser apropriado.Há alguns anos, decidi parar de fumar. O início foi duro, e, na verdade, eu não me preocupava tanto por perder o gosto do tabaco quanto por perder o sentido do ato de fumar. Produziu-se toda uma cristalização: eu fumava nas casas de espetáculo, ao trabalhar pela manhã, à noite depois do jantar, e parecia-me que, deixando de fumar, eu iria privar o espetáculo de seu interesse, o jantar de seu sabor, o trabalho matinal de seu frescor e vivacidade. Qualquer que fosse o acontecimento inesperado que irrompesse aos meus olhos, parecia-me que, fundamentalmente, ele ficaria empobrecido a partir do momento em que não mais pudesse acolhê-lo fumando. Ser-suscetível-de-ser-encontrado-por-mim-fumando; esta, a qualidade concreta que se havia difundido universalmente sobre as coisas. Parecia-me que tal qualidade seria por mim exterminada e que, no meio deste empobrecimento universal, valia um pouco menos a pena viver. Pois bem: fumar é uma reação apropriada destruidora. O tabaco é um símbolo do ser ”apropriado”, já que é destruído ao ritmo de minha respiração em um modo de “destruição contínua”, passa a meu interior e sua mudança em mim se manifesta simbolicamente pela conversão em fumaça do sólido consumido. A conexão entre a paisagem vista fumando e esse pequeno sacrifício crematório era de tal ordem que, como vimos, este constituía como que o símbolo daquela. Significa, pois, que a reação de apropriação destruidora do tabaco valia simbolicamente por uma destruição apropriada do mundo inteiro. Através do tabaco que eu fumava, era o mundo que ardia, fumegava, se reabsorvia em vapor para incorporar-se em mim. Para manter minha decisão, tive de realizar uma espécie de descristalização, ou seja, sem exatamente me dar conta disso, reduzi o tabaco a não ser senão si mesmo: uma erva que se queima; suprimi seus vínculos simbólicos com o mundo; persuadi-me de que nada perderia da peça de teatro, da paisagem, do livro que lia, se os considerasse sem meu cachimbo; ou seja, voltei-me para outros modos de posse desse objetos, que não fosse o desta cerimônia sacrificatória. Uma vez persuadido disso, meu mal-estar reduziu-se a muito pouca coisa: lamentava o fato de não mais sentir o odor do fumo, o calor do cachimbo entre os dedos, etc. Mas, de súbito, meu mal-estar ficou aplacado e bem suportável. (SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Vozes. 15ed. Petrópolis/RJ, 2007. p. 728-9)A abstinência do tabaco gera crise e sofrimento ao indivíduo, aliviada na primeira tragada. Parar de fumar é um ato de vontade que requer um enorme esforço, tanto que poucas pessoas têm êxito nessa empreitada.Daí a solução a ser buscada ter, necessariamente, considerar a patologia que vitima o trabalhador fumante, de modo que as medidas de controle ao tabagismo não excedam os limites de abstinência suportável durante a jornada de trabalho a que está submetido.O PROGRAMA DE CONTROLE DO TABAGISMO NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHOO Programa de Controle do Tabagismo, instituído pelo Ministério da Saúde, direcionado ao meio ambiente do trabalho para implantação em parceria com as empresas, tem por fases, basicamente: o mapeamento dos fumantes; reuniões de apresentação do programa aos fumantes; identificação dos empregados que desejem aderir ao programa; destinação de um local específico, e por tempo limitado, nas dependências da empresa, para o consumo do tabaco; patrocínio, pelas empresas, de assistência médica e psicológica, com fornecimento de medicamentos, aos empregados que aderirem ao Programa; acompanhamento do tratamento; eliminação, em um ano, dos fumódromos, de todo parque fabril, com fornecimento de selo “empresa livre de tabaco”.Se se assumisse uma postura irônica acerca do controle do tabagismo nas empresas, poder-se-ia dizer que muitos outros fatores, atrelados ao modo de execução do trabalho e ao sistema produtivo, passíveis de superação, fazem adoecer e até matam, sem despertarem tanto empenho de ser banidos dos parques fabris: as mutilações, nas máquinas; as LER/DORT, no trabalho repetitivo; a pneumoconiose, dos trabalhadores no subsolo; as poeiras, os ruídos, os produtos químicos, o frio e o calor, no trabalho insalubre; o esforço físico, no carregamento de peso; o estresse, na sobrejornada, nas metas estabelecidas e na latente e constante ameaça do desemprego; a destruição da auto-estima, no assédio moral; a violação da intimidade, no assédio sexual.E por que justamente com o fumo, que mata, mas ao menos também dá prazer, e não apenas mata, foram atentar?Porque essa é uma questão que agrega a todos.Tratar das outras hipóteses implica discussão dos métodos de produção, envolve investimentos em itens de segurança, exige redução de jornada, impõe qualificação de pessoal e proteção da intimidade do trabalhador, requer supressão da alteridade e redistribuição da riqueza, põe em xeque a titularidade do poder de coordenação do trabalho. Temas nada fáceis de serem debatidos no abismo de interesses que há nas relações de capital e trabalho.No dizer de GIOVANNI BERLINGUER, a imposição de comportamentos saudáveis é considerada uma alternativa, menos custosa e menos comprometedora para as empresas, à adoção de medidas preventivas de caráter técnico, organizacional e ambiental (Bioética Cotidiana, UnB, 2004, p. 141).Não se pode reduzir a problemática que a questão envolve, e nem a importância da política de saúde pública de engajamento das empresas no controle do tabagismo, com argumentos cínicos, como o de que as empresas adotam o Programa inspiradas no selo “empresa livre de tabaco”, referencial para transações comerciais de exportação, sem que hajam dados concretos demonstrando esse objetivo.CONTROLE DAS VONTADES E COMPORTAMENTOS O controle das vontades e comportamentos, pelos sistemas de poder público e privado, envolve angustiantes questões éticas resultantes do conflito entre o exercício do poder, os condicionamentos sociais e a autodeterminação do indivíduo.Nas relações de emprego, o estado de sujeição a que o trabalhador tem sido condicionado, historicamente, aprofunda essa problemática e mostra a necessidade de discussão acerca dos limites do poder diretivo.Numa sociedade que se quer democrática, entes estatais e empresas não podem atuar como instituições totalitárias: o poder público tem que ouvir os cidadãos, para atender as necessidades coletivas com atenção aos direitos individuais; a propriedade privada só se legitima na medida em que se projeta para uma função social. Na expressão cunhada por UMBERTO ECCO, aqui referida com base em meus quadros de memória, a ética nasce quando o outro aparece. A perspectiva do outro como sujeito, em suas múltiplas dimensões, mas ainda assim uno, inteiro e indiviso, com necessidades vitais que compartilha com os animais (sede, sono, fome e apetite sexual), mas também características próprias de sua condição humana, com qualidades que o distingue pela capacidade criativa, intelectual, transformadora e de adaptação, necessidade de transcendência, de relação social e com o meio em que vive, traz à lume a dignidade que detém a pessoa humana.O trabalhador não perde, quando ingressa no parque fabril, sua condição de pessoa livre e ser pensante, de cidadão. Não pode, por isso, ser considerado como mero alvo de programas de saúde instituídos em seu meio ambiente de trabalho. E diga-se: a implantação de um programa de saúde no meio ambiente do trabalho, que circunde questões comportamentais atreladas à dependência química, tem, necessariamente, que antes verificar as condições concretas de cada local de trabalho e ser precedido de consulta aos trabalhadores.Transformar o trabalhador em paciente importa destituí-lo de sua condição de sujeito. Equacionar a promoção à saúde física e mental com a autodeterminação do indivíduo, em questão que envolve comportamento, remete o tema às medidas educativas que contêm com a participação ativa dos sujeitos implicados e seus órgãos de representação sindical.Aliás, é nesse sentido que a Convenção-Quadro aponta quando refere que toda a pessoa deve ser informada sobre as conseqüências sanitárias, a natureza aditiva e a ameaça mortal imposta pelo consumo e a exposição à fumaça do tabaco (art. 1º).SITUAÇÃO DE FATOImportante destacar que o que está posto neste processo não é a autodeterminação do indivíduo em fumar ou não fumar. Isso está resolvido por não ser proibido fumar em nosso país (CRFB 5º II).Discute-se, aqui, os limites do cerco inibitório promovido pela saúde pública à escolha por fumar, manifesto na restrição de fumo em lugares que não afetariam outras pessoas não-fumantes, com o inegável objetivo de restringir o uso do tabaco pela abstinência a que fica sujeito o fumante.A ciência médica aponta o tempo de oito horas, por ser esse o período de sono em que normalmente não se fuma, como limite de tolerância antes ser iniciada a crise de abstinência: a pessoa que fuma acorda e acende um cigarro (depoimento Dr.a MARIA JÚLIA – f. 406, v).Porém, é se ponderar a distinção entre as sensações: o fumante, quando está em atividade, durante todo um dia de trabalho, sofre angústia pela abstinência do cigarro pelo simples fato de estar desperto, diferentemente da condição experimentada em seu período de sono.Por isso, novamente registro, tem-se ter atenção para que as medidas de controle ao tabagismo não excedam os limites de abstinência suportável durante a jornada de trabalho a que o trabalhador está submetido, já que o tabagismo é uma doença.Para avaliar a situação concreta a que estão condicionados os trabalhadores fumantes da WETZEL, a partir da implantação do Programa de Controle do Tabagismo, foi realizada inspeção judicial, nas três unidades fabris da empresa, com a verificação do processo produtivo e contagem do tempo de deslocamento dos empregados, da saída do posto de trabalho até o portão da fábrica, onde então seria possível fumar (fora do parque fabril).Constatou-se que o tempo médio de deslocamento representa, no máximo, tendo em conta o local de trabalho mais distante do portão da fábrica, metade do período do intervalo de descanso, que é de 10min, isto é: o fumante gasta no máximo 5min, somando ida e volta, para se deslocar até o portão da fábrica. Resta-lhe 5min para fumar e para todo o resto que desejar fazer em seu intervalo para descanso.Esses dados permitiram ver que, na situação concreta, se o fumante desejar fumar poderá fazê-lo, ainda que com prejuízo de metade do tempo de seu intervalo em deslocamento do seu posto de trabalho até fora do parque fabril, comprometendo o desfrute de outras coisas no período de descanso. Ou seja: as condições de fato não impõem a abstinência ao fumante, durante toda a jornada de trabalho, mas apresentam a ele – como condição desfavorável ao fumo – o tempo gasto com deslocamento, além, é claro, da segregação, já que poderá fumar apenas fora do parque fabril.ESCLARECIMENTO E CONSULTAO caráter educativo que orienta a Convenção-Quadro e a esfera de direitos individuais e coletivos que são atingidos pela implantação do Programa de Controle do Tabagismo no parque fabril reclama se projete o debate a todos os trabalhadores.Para isso, no caso concreto foi realizado um amplo processo de esclarecimento e consulta aos trabalhadores, contemplando as três unidades fabris, nos três turnos de trabalho.O processo de esclarecimento teve início com a distribuição de três notas explicativas, no Dia Nacional de Combate ao Fumo, para cada trabalhador, nas quais o Juízo explicou a questão debatida e as partes fizeram as defesas de suas teses. Na seqüência, foi realizada a exposição oral da questão, aos trabalhadores, com a fala desta magistrada, do Sindicato e da WETZEL, contando, ainda, com a presença do Dr. FELIPE ARTHUR WINTER, Ex.mo Juiz do Trabalho, e com a participação da médica pneumologista, Dr.a MARIA JÚLIA ALVES COIMBRA KREIN, em todas as etapas.Concluídas as inspeções judiciais e o processo de esclarecimento, foi feita a consulta aos trabalhadores, que responderam às seguintes perguntas, nas opções “sim”, “não”, “branco”, “nulo”: deve haver fumódromo na empresa?; você fuma?; você participou do programa de controle ao tabagismo? Apurados os votos. Na votação ao quesito “deve haver fumódromo na empresa”, quase dois terços (2/3) dos trabalhadores responderam “não” ao fumódromo. Foram 1.128 votantes: 669 disseram “não”; 430 responderam “sim”; e foram 29 os votos brancos e nulos (menos de 2,6%). Destes, 196 se declararam fumantes. A abstenção foi mínima, ainda que facultativo o voto, pois muitas ausências foram justificadas por férias ou licença médica.PARTICIPAÇÃO CIDADÃ DOS TRABALHADORESA difícil discussão acerca de interesses comuns e escolhas individuais, em tema inerente à saúde pública e de interesse humano geral, faz necessário o resgate da participação cidadã dos trabalhadores, em torno de uma decisão que irá atingi-los diretamente, em seu cotidiano e ambiente de trabalho.Por conta disso, no caso em análise, a solução do conflito entre a eliminação do fumo no parque fabril e a reivindicação sindical em prol dos direitos individuais dos fumantes, fez imprescindível deslocar o eixo de decisão para a coletividade diretamente atingida, não sem antes se realizar uma minuciosa verificação das condições reais impostas aos fumantes, seguida de um amplo processo de esclarecimento e debates sobre todas essas questões até aqui expostas, relativas ao fumo, a fim se qualificar a capacidade deliberativa.E por que esse deslocamento do eixo de decisão? A dimensão coletiva dos conflitos em questões ainda não sedimentadas, apresenta o desafio se buscar soluções de caráter metajurídico para o alcance de uma decisão com largueza suficiente a contemplar o máximo possível de efetividade das garantias constitucionais, o que se perderia em riqueza de compreensão nos estreitos limites de uma decisão individual, resultante dos aspectos vistos a um só olhar, distanciado da dinâmica de vida e trabalho das pessoas diretamente envolvidas.Note-se que até pouco tempo atrás eram os não-fumantes que buscavam fosse delimitado um lugar específico para o fumo, a fim de se protegerem. E agora se discute, neste processo, a reivindicação dos fumantes de terem um fumódromo dentro do parque fabril, na defesa do direito de escolha de fumar sem ser segregado.Na lição de LUÍS ROBERTO BARROSO, não há efetividade possível da Constituição sem uma cidadania participativa. Em sua obra, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, o autor escreve:Veja-se que a ordem jurídica, como já afirmamos em outro estudo, na generalidade das situações, é instrumento de estabilização, e não de transformação. Sem deixar de reconhecer-lhes um ocasional caráter educativo, as leis, usualmente, refletem – e não promovem – conquistas sociais longamente amadurecidas no dia-a-dia das reivindicações populares.Assim é que, sem abandonar o modelo representativo, outras formas de intervenção vêm sendo estudadas e positivadas, com o fito de viabilizar manifestações de pessoas e entidades que não tomam parte no governo, mas que se pronunciam, por via institucionalmente disciplinada, nos processos decisórios, tanto os de cunho restrito e específico, quanto os que assumem caráter mais amplo e geral. Há, por assim dizer, um retorno à utilização de certos institutos ligados à prática da democracia direta, configurando um sistema híbrido, que muitos autores denominam de participação semidireta. (Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 127, 130)A necessidade de construção de espaços democráticos de deliberação coletiva, como afirmação da democracia participativa e desprendimento da forma impregnada de concentração de poder, impôs, no caso concreto, integrar os trabalhadores nos debates e na deliberação da questão relativa a ter ou não fumódromo no parque fabril, porque o trabalhador tem que estar como sujeito da relação, e não como objeto alvo de algum programa, por melhor que seja.E a decisão dos trabalhadores legitimou o Programa do Ministério da Saúde, de Controle do Tabagismo, implantado pela WETZEL, ao dizer “não” ao fumódromo.Essa posição não implica violação aos direitos individuais da pessoa decidir sobre fumar e expressar essa sua escolha, dadas as condições concretas que apresentam uma alternativa ao fumante: usar metade do tempo de seu intervalo no deslocamento até o portão da fábrica, para fumar.Um sacrifício razoável para quem está dinamitando a própria vida.A decisão representa a opção dos trabalhadores pela política de saúde pública, que propõe limitações ao exercício dessa vontade, de modo a inibir o consumo de cigarros, porque letal à saúde humana.O trabalhador tem um saber naquilo que faz e não está alheio às condições de trabalho a que está submetido. Ele conhece a realidade sua e de seus colegas. Sabe que se adoecer, vai cair no desalento do sistema público de saúde. Também sabe que perderá o emprego se não produzir além do que custa para o empregador. E mais do que isso, sabe que depende de seu trabalho para prover seu sustento.JUSTIÇA GRATUITAA atuação do Sindicato na defesa dos interesses coletivos da categoria, é compreendida pelos benefícios da assistência judiciária gratuita.OFÍCIOSOficie-se à CONTAPP – COORDENAÇÃO NACIONAL DE CONTROLE DE TABAGISMO E PREVENÇÃO PRIMÁRIA DE CÂNCER do Ministério da Saúde, e à OIT – Organização Internacional do Trabalho, com cópia desta decisão.CONSIDERAÇÕES FINAISRegistro os agradecimentos desta magistrada ao Dr. FELIPE ARTHUR WINTER, Ex.mo Juiz do Trabalho que acompanhou a inspeção judicial e os procedimentos de esclarecimento e consulta aos trabalhadores; à Dr.a MARIA JÚLIA ALVES COIMBRA KREIN, médica pneumologista engajada no Programa de Controle do Tabagismo, que participou ativamente de todas as etapas de esclarecimento aos trabalhadores; aos professores, Dr. HERVAL PINA RIBEIRO, Dr. NELSON PASSAGEM VIEIRA e Dr. CLEBER DE PAULA, do Curso de Extensão – Adoecimentos e Doenças Contemporâneas do Trabalho, da Escola de Saúde Pública, CEREST, pelas excelentes bibliografias repassadas sobre o tema. FUNDAMENTOS PELOS QUAIS rejeito as preliminares e julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES METALÚRGICOS, NA FUNDIÇÃO, NA SIDERURGIA E NA INDÚSTRIA DO MATERIAL ELÉTRICO DE JOINVILLE em face de WETZEL ALUMÍNIO S/A e WETZEL FERRO S/A (02).Concedo ao Sindicato autor os benefícios da justiça gratuita.Custas de R$ 320,00, pelo Sindicato autor, calculadas sobre o valor atribuído à causa, de R$ 16.000,00, isentas.Transitada em julgado, ARQUIVEM-SE.EXPEÇAM-SE os ofícios.INTIMEM-SE as partes e o MPT.Providencie, o/a OFICIAL DE JUSTIÇA, na fixação de cópia desta decisão nos murais dos refeitórios das três unidades fabris, entregando, ainda, em cada unidade e em cada turno de trabalho, cópias em mãos de nove trabalhadores da linha de produção, e para três da área administrativa, aleatoriamente escolhidos, identificando-os e indicando o turno e área de trabalho, para que repassem aos colegas, fazendo circular a sentença entre os empregados da empresa.ÂNGELA MARIA KONRATHJuíza do Trabalho

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