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ACÓRDÃO - Dano Social

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Acórdão DT - Portador de Deficiência

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO ACÓRDÃO 02083-2007-000-04-00-4 MS Fl.1EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO COM VISÃO MONOCULAR . PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. BENEFÍCIO DE RESERVA DE VAGA. A ausência da visão em um dos olhos também é “deficiência”, situação que garante o benefício da reserva de vagas a pessoas com provável redução da capacidade laboral. O acesso ao trabalho da pessoa portadora de deficiência é direito fundamental que visa diminuir a desigualdade ou igualar os desiguais, assegurado na reserva de percentual de cargos e empregos públicos, como prescreve o inciso VIII do art. 37 da CF. Segurança concedida.VISTOS e relatados estes autos de MANDADO DE SEGURANÇA, em que é impetrante GUILHERME REUTER DOTTO e impetrado ATO DO JUIZ-PRESIDENTE DO TRT DA 4ª REGIÃO. O impetrante investe contra ato do Exmo. Juiz Presidente deste Tribunal (conforme emenda à inicial da fl. 89/91), consistente na desconsideração da sua classificação em 5º colocado no concurso para provimento do cargo de Analista Judiciário – Área Judiciária do TRT, na condição de portador de deficiência visual, em face da conclusão de que a visão monocular não o qualifica a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiências, do que resultou na sua colocação na lista geral de classificação, passando a ocupar a 957ª posição. Afirma a inicial que o direito líquido e certo do impetrante de ser nomeado teria sido infringido por interpretação equivocada da legislação vigente, no sentido de que a sua deficiência não estaria contemplada, de forma literal, no rol do Decreto nº 3.298/99. Invoca jurisprudência do STJ e se diz respaldado nas disposições dos artigos 37, VIII, da Constituição Federal e 37 e 43, § 1º, IV, ambos do Decreto 3.298/99. Requer o deferimento da segurança, para que se reconheça o seu direito de ser classificado nas vagas destinadas aos portadores de deficiência e tomar posse no cargo para o qual foi inicialmente nomeado. O Impetrante requer, também, “a concessão da medida liminar, inaudita altera pars, para anular o ato ilegal que considerou o impetrante na condição de não deficiente, determinando, que o tribunal convoque imediatamente o impetrante para tomar posse e entrar em exercício, como conseqüências naturais de nomeação ocorrida em 20/05/2007 (cf.doc.8)”. Acompanham a petição inicial os documentos de fls. 29 a 61, dentre os quais o instrumento de mandato de fl. 30. Distribuídos os autos, ficando postergado o exame da liminar requerida, determina-se, inicialmente, o esclarecimento, pelo impetrante, sobre o ato que aponta como coator, bem como sobre a autoridade que aponta como coatora, tendo em vista que o impetrante, na petição inicial, indicou como ato coator o parecer do médico deste TRT e como autoridade coatora o Presidente da comissão da Comissão de Concursos do TRT. O impetrante manifesta-se nas fls. 67/69 (fax) e 75/77 (original), indicando, novamente equivocado, o ato coator e a autoridade coatora. Em nova manifestação, fls. 82/84 (fax) e 89/91 (original), o impetrante, emendando a petição inicial, aponta como autoridade coatora o Exmo. Juiz Presidente deste Tribunal Regional da 4ª Região e como ato coator a Portaria que tornou sem efeito sua nomeação. Recebe-se a petição inicial, defere-se a emenda e determina-se a retificação da autuação. Retificada a autuação, determina-se a remessa dos autos à autoridade apontada como coatora. O Exmo. Juiz Presidente do TRT presta informações nas fls. 100/104. Determina-se a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, para parecer. O Ministério Público do Trabalho, através do parecer de fls. 117/123, opina pela concessão da segurança. É o relatório. ISTO POSTO: 1. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO QUE IMPEDE A POSSE DE PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR POR ENTENDER QUE NÃO SE ENQUADRA NO ARTIGO 4º DO DECRETO Nº 3.298/99 (“DEFICIENTE”). A situação fática em relação aos atos que precederam a impetração é a seguinte: o autor inscreveu-se no concurso para o cargo de Analista Judiciário, Área Judiciária, na forma do item V do edital, (Inscrições para candidatos portadores de deficiência, fl. 39), para a Região de Classificação VII (Santa Maria). Segundo o Boletim de Desempenho (fl. 50), o candidato foi considerado habilitado, classificando-se em 957 (geral), 60 (região) e em 5º lugar (classificação como deficiente físico). Em conseqüência, foi nomeado para o cargo, pela Portaria nº 2.837, de 17/5/2007, publicada em 21/5/2007. Nomeado, o autor submeteu-se à perícia médica realizada pelo Serviço Médico e Odontológico deste Tribunal, com o objetivo de verificar se a deficiência se enquadraria na previsão do artigo 4º do Decreto nº 3.298/99 e suas alterações, assim como se haveria compatibilidade ou não da deficiência com as atribuições do cargo a ser ocupado, de acordo com o artigo 44 do mesmo Decreto, tudo conforme explicitado no capítulo V, itens 10 e 11 do edital do concurso. O impetrante não foi considerado portador de deficiência física, com fundamento no Decreto nº 3.298/99.O impetrante afirma que o seu direito líquido e certo de ser nomeado teria sido lesado. Afirma que “O Mandado de Segurança é um remédio heróico capaz de proteger o direito líquido e certo do impetrante, uma vez que o mesmo deve ser declarado Deficiente Físico, visto que a Constituição Federal prevê o princípio da isonomia e da dignidade da pessoa, dando assim, fundamentação cristalina ao direito pleiteado”. Argumenta que: “Não existe fundamento legal para a reprovação do candidato ora Impetrante, sob a alegação de que não teria demonstrado ser portador de deficiência. O caso do impetrante não se encaixa na caracterização de deficiente visual (inciso III, do artigo 4º), pois o texto legal ao utilizar a expressão “melhor olho” faz referência a quem tem os dois olhos. Quem só enxerga através de um olho não possui um “melhor olho”. O caso do Impetrante trata-se na verdade de deficiência física (inciso I, do artigo 4º), pois é cego de um dos olhos”. A autoridade apontada como coatora presta informações às fls. 100/104, nos seguintes termos: “A hipótese cuida de candidato portador de visão monocular , que, em se submetendo à perícia médica cogitada no item 10 do Edital nº 01/2006 de Abertura de Inscrições, obteve a seguinte conclusão, manuscrito pelo Dr. Fernando M. de Meirelles, Médico do Serviço Médico e Odontológico (SMO) deste Tribunal, verbis: ‘CANDIDATO À VAGA ESPECIAL COMO DEFICIENTE VISUAL, APRESENTA VISÃO MONOCULAR (CEGUEIRA OLHO ESQUERDO E ACUIDADE VUSUAL 20/20 SEM CORREÇÃO EM OLHO DIREITO) – NÃO É CONSIDERADO DEFICIENTE FÍSICO NOS TERMOS DO DECRETO 3298/99”. (fl. 56, “LAUDO MÉDICO PARA FINS DE ASSUNÇÃO Nº 351/07)’.Com efeito, o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, com a redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004, em seu art. 4º, inc. III, considera como portadora de deficiência visual a pessoa que apresenta acuidade visual inferior a 30% no “melhor olho, com a melhor correção óptica” (destaquei).No caso, o melhor olho não apresenta qualquer perda de visão, razão pela qual o SMO deste Tribunal, à luz do quanto disposto no mencionado Decreto, não pôde enquadrar o candidato, ora impetrante, como pessoa portadora de deficiência. Em vista dessa circunstância, afigura-se irrecusável a aplicação da regra contida no subitem 10.3 do Edital do Certame, verbis:‘Se a deficiência do candidato não se enquadrar na previsão do art. 4º e seus incisos do Decreto Federal nº 3.298/99 e suas alterações, ele será classificado em igualdade de condições com os demais candidatos’.” (grifos no original).O Ministério Público do Trabalho, através do Procurador Regional-Chefe André Luís Spies, em seu parecer de fls. 117/123, opinou pela concessão da segurança. Transcreve-se, aqui, trechos desse referido Parecer, que merecem ser ressaltados: “A nosso juízo, a polêmica do fato de que o supra transcrito artigo 4º buscou regular a situação das pessoas deficientes com visão em ambos os olhos, por mínima que seja, pois sempre menciona o “melhor olho”, não prevendo portanto a hipótese de visão monocular , como no caso em tela, pois o impetrante não possui um melhor olho, mas sim um único olho com visão. Diante dessa aparente lacuna na norma, que não disciplina a hipótese de forma específica, entendemos que a questão deve ser analisada levando-se em consideração o intuito da norma protetora, à luz do art. 37, inciso VIII, do diploma constitucional, que tem por escopo a inserção dos deficientes no mercado de trabalho, contexto em que a norma infraconstitucional deve ser interpretada, não bastando a mera leitura isolada do dispositivo retrotranscrito (art. 4º, inciso III do Decreto nº 3.298/99). ... Nesta linha de pensamento, a interpretação deste dispositivo deve ser realizada em consonância com o art. 3º do mesmo Diploma, de molde a não afastar os portadores de visão monocular da disputa às vagas destinadas às pessoas portadoras de deficiências. ... Nesse passo, preservando o fim colimado com a destinação de reservas de vagas a portadores de deficiências, consideramos a visão monocular como motivo caracterizador do enquadramento do impetrante como deficiente. ... Com a devida vênia, a interpretação que nega ao candidato portador de visão monocular o enquadramento como portador de deficiência não se harmoniza com as normas da Constituição Federal no que tange à proteção dispensada ao PPD e tampouco com o conjunto da legislação ordinária que rege a matéria, havendo clara adoção de políticas publicas de ações afirmativas para inserção ao mercado de trabalho. ... Assim, considerando ser incontroverso o fato de que o Impetrante é portador de visão monocular , na medida em que reconhecido e atestado pelo serviço médico do Tribunal, entendemos que há direito líquido e certo ao enquadramento como pessoa com deficiência, mantendo-se a classificação originalmente atribuída ao candidato”. (grifos atuais). Concorda-se com esse parecer do Ministério Público do Trabalho. Observa-se que o artigo 4º, inciso III, do Decreto 3.298/99, ao regulamentar a deficiência visual, não faz referência à pessoa que é portadora de visão monocular (cegueira de apenas um olho). No entanto, analisando-se o referido artigo, combinado com o artigo 3º, do Decreto antes referido, entende-se que se deve sim enquadrar a pessoa portadora de visão monocular como pessoa portadora de deficiência. Lembra-se que o inciso I, do artigo 3º, do Decreto 3.298/99, assim dispõe: “Art. 3º. Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano; (...)”Reforçando ainda mais a conclusão de que as pessoas portadoras de visão monocular devem ser incluídas dentre aquelas portadoras de deficiência, podemos fazer referência à conclusão do médico Valmor Rios Leme, CRM-RS 24410, no Laudo Oftalmológico de fl. 57 (documento 11), elaborado após exame médico realizado no Impetrante. Neste Laudo, o médico antes referido assim conclui:“Conclusões: 1. Visão Monocular – CID H 54.4 2. Redução de campo visual periférico – CID H 53.4 3. Diminuição da estereopsia – CID H 51 4. Estrabismo convergente – CID H 50.0 5. Supressão da visão binocular – CID H 53.3 6. Devido à dificuldade que a supressão da visão binocular acarreta e conseqüentes ausência de estereopsia e diminuição de campo visual periférico, do ponto de vista Oftalmológico, o paciente deve ser enquadrado como deficiente físico”. A partir dessas referidas conclusões, tem razão o Impetrante quando afirma, na petição inicial, que “Indivíduos que não enxergam com um dos olhos sofrem incontestáveis limitações no sentido da visão. Em especial a perda da visão binocular estereóptica e redução do campo de visão periférico”. Convém lembrar, também, o artigo citado pelo Impetrante, na petição inicial, em que os médicos Tobias Alécio Mattei e Josias Alécio Mattei afirmam que os indivíduos que perderam a visão de um dos olhos têm extrema dificuldade em perceber as noções de profundidade e distância.Registra-se, ainda, que, na decisão referida pelo Ministério Público em seu parecer de fls. 117/123 (MS 453), o Ministro Cezar Peluso entendeu que o portador de visão monocular é deficiente físico. Conforme consulta ao Sistema Informatizado do Tribunal Superior Eleitoral, constatou-se que essa referida decisão transitou em julgado em 04.08.2006.Concluindo-se pela inclusão do Impetrante entre os portadores de deficiência, fica-se com o entendimento do voto prevalente em recente decisão dos Juízes deste Órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que, em Sessão realizada na recente data de 24 de setembro de 2007, em caso idêntico (visão monocular ), concedeu a segurança, com o reconhecimento da condição do autor de portador de deficiência, tendo sido assegurado ao Impetrante a posse no cargo para o qual foi nomeado. Convém transcrever, aqui, o voto prevalente, redigido pela Juíza Maria Helena Mallmann: “Pela leitura do citado artigo 4º, inciso III, do Decreto 3.298/99, a definição de deficiente visual é aquele que apresenta comprometimento dos dois olhos, não fazendo qualquer alusão à cegueira ou visão extremamente reduzida de apenas um dos olhos (visão monocular ), como capaz de enquadrar a pessoa como deficiente visual. Para efeito de deficiência visual a lei define três categorias: (1) cegueira, assim entendida a condição na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; (2) a baixa visão, definida como acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; (3) os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60°; e (4) os casos em que houver ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores. No caso dos autos, foi constatado pelos exames realizados pelo serviço médico deste Tribunal que o impetrante tem visão monocular , ou seja, não possui visão em um dos olhos, e que ele não possuía nenhum problema visual no outro olho. A diminuição da capacidade visual pela perda da visão em apenas um dos olhos não é considerada deficiência física pela citada legislação que regula a matéria. Todavia, o conceito de deficiência física decorrente da redução da capacidade visual não pode ser interpretado isoladamente, mas sim em consonância com o art. 3º do mesmo Decreto, que defini deficiência nos seguintes termos: “Art. 3º. Para os efeitos deste Decreto, considera-se: I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano; (...)” Em assim sendo, a ausência e/ou perda da visão em um dos olhos é também deficiência, situação que garante o benefício da reserva de vagas a pessoas com redução da capacidade laboral. O direito à igualdade está garantido na atual Constituição Federal que trata de forma específica a relação de trabalho, vedando qualquer tipo de discriminação entre as quais aquelas relativas ao trabalhador portador de deficiência (art. 7º, XXXI, CF). O acesso ao trabalho da pessoa portadora de deficiência é direito fundamental, que visa diminuir a desigualdade ou igualar os desiguais, assegurado na reserva de percentual de cargos e empregos públicos, como prescreve o inciso VIII do art. 37 da CF”. (grifos atuais).No mesmo sentido, podemos citar várias decisões do Superior Tribunal de Justiça, tais como as proferidas pela 5ª Turma: RMS 22489/DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, publicada no DJ em 18.12.2006: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO COM VISÃO MONOCULAR . PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. INCLUSÃO NO BENEFÍCIO DE RESERVA DE VAGA. 1. O candidato portador de visão monocular , enquadra-se no conceito de deficiência que o benefício de reserva de vagas tenta compensar. Exegese do art. 3º c.c. art. 4º do Decreto n.º 3.298/99, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Precedentes desta Quinta Turma. 2. Recurso conhecido e provido”.RMS 19257/DF, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, publicada no DJ em 30.10.2006:“ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR . DIREITO A CONCORRER ÀS VAGAS DESTINADAS AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. O art. 4º, III, do Decreto 3.298/99, que define as hipóteses de deficiência visual, deve ser interpretado em consonância com o art. 3º do mesmo diploma legal, de modo a não excluir os portadores de visão monocular da disputa às vagas destinadas aos portadores de deficiência física. Precedentes. 2. Recurso ordinário provido.” RMS 19291/PA, Relator Ministro Felix Fischer, publicada no DJ em 03.04.2006:“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DEFICIENTE VISUAL. VISÃO MONOCULAR . EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO DA RESERVA DE VAGA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. I - A deficiência visual, definida no art. 4º, III, do Decreto nº 3298/99, não implica exclusão do benefício da reserva de vaga para candidato com visão monocular . II - "A visão monocular cria barreiras físicas e psicológicas na disputa de oportunidades no mercado de trabalho, situação esta que o benefício da reserva de vagas tem o objetivo de compensar". III - Recurso ordinário provido.” Frisa-se que a única decisão mencionada nos autos, concluindo que o portador de visão monocular não está qualificado a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiências, indicada pela autoridade coatora em suas informações, denegou a segurança com votos vencidos de sete Ministros, sendo de dezembro de 2005. Ademais, tal decisão foi objeto de Recurso ao STF (RMS 26071), já com o voto proferido pelo Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, dando provimento ao recurso do Impetrante para conceder-lhe a segurança. Este julgamento encontra-se suspenso, tendo em vista o pedido de vistas da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha. Tratando da importância da ação afirmativa, relacionada ao Direito do Trabalho, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (in O TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E A LAPIDAÇÃO DOS DIREITOS HU MANOS – O DIREITO DO TRABALHO, UMA AÇÃO AFIRMATIVA, Editora LTr, São Paulo, 2006, págs. 290/291) assim se manifesta: “(...) O Direito do Trabalho estrutura-se, assim, como elemento fundante da primeira ação afirmativa da História, pois rompeu com a idéia de igualdade formal ou de uma lei imparcial. (...) Corrobora-o, também, o fato de que a criação dos direitos trabalhistas preparou, por exemplo, as normas do Código do consumidor, embasando, axiologicamente, o novo Direito Civil, ambos lastreados por princípios compensatórios do Direito do Trabalho”. (grifos atuais).Impossível, pois, limitar-se o alcance do artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal/88, antes mencionado. Assim, concede-se a segurança, reconhecendo a condição de portador de deficiência e assegurando ao impetrante a posse no cargo para o qual foi nomeado.2. DA MEDIDA LIMINAR REQUERIDA. Na petição inicial, o Impetrante, entendendo presentes os pressupostos da fumaça do bom direito e do perigo da demora, requereu a concessão de liminar visando “anular o ato ilegal que considerou o impetrante na condição de não deficiente, determinando, que o tribunal convoque imediatamente o impetrante para tomar posse e entrar em exercício, como conseqüências naturais da nomeação ocorrida em 20/05/2007 (cf. doc. 8)”. (grifo original). Considerada a concessão da segurança, entende-se presente o pressuposto da aparência do bom direito. Entende-se presente, também, o pressuposto do alegado perigo da demora, pois determinar que se aguarde o trânsito em julgado da decisão seria afastar o Impetrante da posse no cargo para o qual foi aprovado e classificado através do concurso público. Ademais, a demora no julgamento de eventual recurso poderá acarretar dificuldades ao Impetrante até mesmo para a sua subsistência. Assim sendo, considerada a procedência do Mandado de Segurança, restam caracterizados os pressupostos da aparência do bom direito e do perigo da demora. Entende-se, assim, que deve ser cumprida a presente decisão. Assim sendo, defere-se a medida liminar requerida e determina-se a posse do Impetrante no cargo para o qual foi nomeado, independentemente do trânsito em julgado.Ante o exposto,ACORDAM os Juízes do Órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: Por maioria de votos, vencidos os Exmos. Juízes Revisor, Flávio Portinho Sirangelo e Carlos Alberto Robinson, conceder a segurança, reconhecendo a condição de portador de deficiência e assegurando ao impetrante a posse no cargo para o qual foi nomeado, bem como deferir a medida liminar requerida e determinar a posse do impetrante no cargo para o qual foi nomeado, independentemente do trânsito em julgado. Custas não incidentes. Intimem-se. Porto Alegre, 29 de outubro de 2007. RICARDO CARVALHO FRAGA - JUIZ RELATOR MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Poder Judiciário Federal - Justiça do Trabalho - 4ª Vara de Joinville - Cipla

PODER JUDICIÁRIO FEDERALJUSTIÇA DO TRABALHO4ª VARA DE JOINVILLEAT 3431-2007-030-12-00-9S E N T E N Ç ACARLOS ROBERTO DE CASTRO ajuíza, em 31-07-2007, ação trabalhista em face de CIPLA INDÚSTRIA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO S/A. Atribui à causa o valor de R$ 16.000,00.Alega o autor que trabalhou para a ré no período de 01-11-2002 a 04-06-2007. Insurge-se contra a justa causa aplicada na despedida, por ato do Interventor Judicial, pontuando forte aparato policial utilizado e a proibição de ingresso na empresa. Pleiteia a reversão da justa causa, com o pagamento das verbas inadimplidas e indenização por danos morais.Antecipados os efeitos da tutela, com a determinação da anotação da CTPS e pagamento parcelado dos salários atrasados, em critério idêntico ao pessoal da ativa.A ré apresenta defesa escrita. Justifica a despedida na quebra de confiança. Informa a quitação dos salários e serem indevidas verbas rescisórias, conforme descrito no TRCT. Admite que não depositou integralmente o FGTS. Requer a improcedência dos pedidos.Juntados documentos. Produzida prova oral. Manifestações das partes. Novos documentos, com manifestação do autor. Sem outras provas, foi encerrada a instrução processual. Juntado, pela empresa, relatório de auditoria, do qual teve vista o autor. Razões finais por memoriais. Propostas conciliatórias infrutíferas.DECIDO:CARÊNCIA DE AÇÃOAs condições da ação estão presentes (CPC 267 VI): não há proibição legal à pretensão do autor de ver reconhecida a nulidade da justa causa; verificada em abstrato, há pertinência subjetiva da lide, dada a correspondência entre as partes e os sujeitos da relação jurídica narrada na petição inicial; o interesse processual está caracterizado em seu trinômico (necessidade, utilidade e adequação) na pretensão resistida.A questão da justa causa aplicada na despedida não compromete as condições da ação, porque é matéria de mérito que irá resultar na procedência ou improcedência do pedido. Rejeito.INÉPCIAÀ simplicidade e informalidade por que se norteia o processo trabalhista não se liga rigor formal na elaboração dos pedidos (CLT 840), bastando seja compreensível e não comprometa o direito de defesa da parte contrária.Os pedidos estão formulados de forma clara e precisa, possibilitando o exercício do direito de defesa exaustiva de mérito. Os fatos estão narrados em seqüência lógica, enunciando pedidos admitidos e não vedados pelo ordenamento jurídico, sem qualquer incompatibilidade.O fato do autor descrever os fatos que culminaram com sua despedida e por ter informado a falta de pagamento dos valores na oportunidade da rescisão contratual, fundamentam o pedido de dano moral e pagamento verbas trabalhistas da contratualidade. Viabilizada a ampla defesa e o contraditório (CRFB 5º LV). Rejeito.PROVAS ILÍCITASTenho por ilícitas as provas produzidas pela empresa, através de meios invasivos do sigilo das correspondências, com a varredura das comunicações eletrônicas de seus empregados, sem que esteja demonstrado, nestes autos, a existência de um regramento claro acerca dos limites de utilização dos e-mails corporativos e das formas de controle material, de conteúdo (CRFB 5º XII).Nos termos do art. 5º, LVI, da Constituição da República, não conheço das cópias das correspondências eletrônicas apresentadas pela defesa.PROVA EMPRESTADAA utilização da prova produzida em outros processos é admitida pelo Juízo porque a ré participou da instrução processual na colheita da prova, estando garantidos o contraditório e a ampla defesa (CRFB 5º LV).Essa a disciplina de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA: para se tornar possível a utilização da prova emprestada é fundamental que a parte contra quem se pretende produzir a prova tenha integrado o contraditório no momento da produção da mesma (Lições de Direito Processual Civil, Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2003, v. I, p. 408).As atas da audiências em que foram colhidos os depoimentos referidos nesta sentença, estão disponíveis na internet (www.trt12.gov.br).RETIRADA DOS PERTENCES PESSOAISIntimado para indicar quais pertences estavam retidos na empresa ré, o autor não se manifestou. A ré informou que convidou o autor a retirar seus pertences. Assim sendo, ante o silêncio do autor, considero devolvidos seus bens pessoais.JUSTA CAUSAA tese da defesa, sustentando a justa causa aplicada na despedida do autor, centra-se na quebra de confiança decorrente da intervenção judicial.A forma genérica como foi formalizada a despedida por justa causa, sem indicação do ato faltoso e nem da alínea infringida do art. 482 da CLT, constitui vício capaz de comprometer a validade do ato. O decreto de intervenção, por si só, não constitui a conhecida figura jurídica “fato do príncipe”, porque a determinação é de afastamento temporário dos responsáveis pela administração, o que importaria, no máximo, em situação passível a legitimar a suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, mas não a rescisão por justa causa. Transcrevo (f. 19-24 do decreto):b) Na terceira fase da intervenção, havendo pessoa que assuma o encargo de depositário e que se comprometa a cumprir a forma de administração e o esquema de pagamento aprovados, além do cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias correntes, a administração das empresas do Grupo poderá retornar aos seus atuais gestores. Nesta hipótese, encerrar-se-á a intervenção e, conseqüentemente, a remuneração do interventor.Veja-se que no despacho de complementação ao decreto, ficou determinado apenas sejam afastados da administração do Grupo Cipla todos os seus representantes legais e/ou pessoas que estejam na administração da empresa.Importante destacar que, segundo a tese da defesa, nem todos os empregados que participaram da administração foram despedidos (embora despedidos, na mesma data, mais de 30 empregados), o que duplamente vicia o ato, porque diferentemente tratados empregados envolvidos numa mesma situação. Transcrevo:Por fim, impende salientar que se nem todos os funcionários que participaram da administração foram demitidos, tal fato não implica em falta de critério para a demissão, eis que é um direito potestativo do empregador decidir quais funcionários serão demitidos, sendo certo que uma empresa não pode demitir de uma única vez todos os funcionários, pois acarretaria prejuízos ainda mais sérios para a produção. (f. 67)Se havia justa causa para a despedida, deveria a empresa, no mínimo, utilizar idêntico procedimento em relação a todos os empregados enquadrados na mesma situação fática motivadora da despedida. Entretanto, se valeu a ré de critérios subjetivos para justificar ato que necessita, para sua validade e eficácia, estar objetivamente caracterizado. Nula a justa causa aplicada.Além de nula, a despedida por justa causa se deu numa prática discriminatória, em represália à convicção ideológica.A situação dos trabalhadores do Grupo CIPLA, necessita ser examinada na circunstância em que se deu a encampação e, posteriormente, intervenção judicial. Consta na decisão proferida na Ação de Execução Fiscal 98.01.06050-6/SC, que decretou a intervenção judicial (f. 3 da decisão):Nas últimas décadas, provavelmente em virtude da mudança no controle acionário e administrativo, as empresas do Grupo passaram a apresentar um cenário de crescente endividamento, aumentando, também, o nível de descumprimento de suas obrigações, inclusive tributárias. No ápice dessa crise, chegou-se ao ponto em que nem sequer os salários dos funcionários eram honrados, o que levou, naturalmente, a diversas mobilizações e manifestações de insatisfação dos trabalhadores, por intermédio de suas agremiações sindicais.Como fruto dessas manifestações e reivindicações, em outubro de 2002, na presença do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho, do Sindicato da categoria e de outras autoridades e políticos locais, alguns sindicalistas assumiram, em nome dos trabalhadores, a administração das empresas do Grupo Cipla. Passaram, então, a geri-las diretamente, por meio de uma comissão criada para esse fim, como forma de garantir o recebimento de seus salários, forma de gestão que perdura até hoje.Vê-se, desse relato, que o Grupo CIPLA não foi tomado pelos trabalhadores, mas sim “entregue” a eles em resposta às reivindicações coletivas: não houve a invasão de uma fábrica rica e produtiva, mas sim a ocupação de uma indústria endividada e abandonada à própria sorte, na tentativa se preservar os postos de trabalho, com a manutenção do parque fabril em atividade, evitando, dessa forma, o sucateamento do maquinário e a perda dos únicos meios então disponíveis para quitação das dívidas trabalhistas e tributárias. E a encampação se deu como resposta às manifestações dos trabalhadores, expressas em atos públicos de reivindicação por uma solução capaz de dar conta dos problemas sociais criados por especialistas no calote generalizado, fraudes e sonegação fiscal em grande escala, conforme constatado na AT 3324-2002-030-12-00-6.E do que são acusados os trabalhadores despedidos por justa causa quando da intervenção judicial? Os trechos da contestação, a seguir transcritos, traduzem a tese da defesa na justificativa da despedida do autor: Assim, as pessoas demitidas, como é o caso do autor, por ocasião da intervenção judicial, o foram porque estavam administrando as empresas ou eram pessoas de inteira confiança daqueles que exerciam a gestão das empresas, bem como colaborando para a “administração”. (f. 72 ...)Por ser um dos antigos administradores, que se encontram sob investigação judicial, conseqüentemente a empresa perdeu a confiança nesses trabalhadores, o que configura motivo suficiente para a aplicação da justa causa. (f. 73 ...)Ressalta-se que o ato do reclamante e de seus companheiros acarretaram grandes prejuízos à reclamada, sendo por estes atos determinada a intervenção judicial. Observa-se ainda que o autor também participava do Movimento das Fábrica Ocupada, apoiando-o abertamente. (f. 75 ...)Na decisão datada de 21-05-2007 (em anexo), o Juiz da Vara de Execuções Fiscais informa que os “métodos adotados pela comissão de sindicalistas-trabalhadores para a defesa dos interesses das empresas do Grupo Cipla nem sempre são legais” e que “uma das formas utilizadas é organização de passeatas”. (f. 76 ...)Assim, por ter o autor participado da administração da empresa, cometeu atos que ensejaram a falta de confiança, configurando a justa causa, fazendo inclusive parte da Comissão de Administração (documentos anexos), auxiliando e exercendo diretamente a administração, pelo que se provará. (f. 76 ...)No documento intitulado “Um programa socialista para o Brasil”, assinado por Serge Goulart, retirado da internet através da página www.google.com.br, que nos últimos meses foi “nomeado” Diretor Presidente da empresa, referendado pelo reclamante, informa que o objetivo principal dessa corrente é político. (f. 78 ...)Preliminarmente, impende salientar que não existe por parte da ré qualquer oposição quanto a liberdade de expressão, associação, credo ou ideologia, que a menção à destinação política dos bens e recursos da reclamada é pura e simplesmente demonstrativa e para configurar o desvio da sua finalidade laborativa. (f. 78 ...)(...)os bens da ré foram utilizados como fomento de ideologias, tendo sido realizado, inclusive, Encontro Pan-americano em Defesa dos Empregos, na sede da empresa, com o objetivo de fortalecimento do “Movimento das Fábricas Ocupadas”, pelo que comprovam os documentos em anexo. (f. 79 ...)Ademais, o autor, como membro de gestão da reclamada, impunha ordens e comandos a funcionários, discutia diretivas e encaminhamentos, tudo para o bom e fiel desempenho da Organização (O Trabalho), utilizava de seu correio eletrônico, seu tempo, materiais e local de trabalho para o fomento dessa Organização. (f. 79 ...)Os documentos anexados com a defesa demonstram que a sede da reclamada era usada pelo reclamante para fins políticos-ideológicos, sendo que esta situação não poderia continuar com a decretação da intervenção judicial, pois era inconcebível que os salários dos funcionários permanecessem impagos, enquanto que a empresa e seus recursos eram utilizados para mobilizações, manifestações, formação de militantes, etc. Demonstra ainda que os bens da reclamada eram utilizados para fins políticos-ideológicos, e que a sede da empresa foi transformada em QG da corrente O Trabalho. (f. 80 ...)Nota-se, nos destaques transcritos, e na generalidade dos argumentos de defesa apresentados pela ré em situações análogas, que os trabalhadores despedidos por justa causa são acusados de: utilizarem o patrimônio da empresa para finalidades pessoais ou favorecimento de um grupo; participarem direta ou indiretamente da administração da empresa; apoiarem outras lutas; integrarem corrente político-ideológica; constituírem uma associação visando mobilização sindical; aliciarem outros trabalhadores para manifestações; realizarem encontro com outros movimentos de trabalhadores na sede da empresa; se articularem com o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; votarem para presidente do Conselho de Fábrica.Eis a prova produzida:No depoimento da preposta, consta:No dia 31 de maio houve a intervenção judicial e todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos tão somente por integrarem a mobilização política; a depoente distingue comissão de fábrica e mobilização pontuando que nem todos os integrantes da comissão de fábrica foram despedidos, mas que todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos; esses trabalhadores integravam a mobilização política da empresa; a depoente conhece a história da ocupação da fábrica desde o início; por várias vezes a fábrica esteve na eminência de ser fechada antes da intervenção; a depoente aponta as mobilizações dos trabalhadores como atos e fatores determinantes à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos mediante a conquista de apoio e solidariedade da população e das autoridades para a situação de quebra da empresa; além desse objetivo, acredita a depoente que a mobilização também visasse o movimento político dos integrantes, não sabendo definir qual e nem com que propósito, porque isso não ficava evidente na atuação dos envolvidos. Nada mais.Há, no depoimento citado, três pontos a serem marcados: a) a perseguição ideológica, na indicação clara da causa da despedida dos trabalhadores – todos os trabalhadores que faziam parte da mobilização foram despedidos tão somente por integrarem a mobilização política; b) o reconhecimento da importância da mobilização dos trabalhadores como fator determinante à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos – aponta as mobilizações dos trabalhadores como atos e fatores determinantes à manutenção dos postos de trabalho, com a preservação dos empregos mediante a conquista de apoio e solidariedade da população e das autoridades para a situação de quebra da empresa; c) o imaginário circundante quanto à atuação política dos trabalhadores, cheio de subjetividade, resultante de idéias preconcebidas de “proveito próprio e partidário” em relação ao engajamento em uma causa coletiva, sem que, contudo, fosse possível apontar, objetivamente, qual e com que propósito – acredita a depoente que a mobilização também visasse o movimento político dos integrantes, não sabendo definir qual e nem com que propósito, porque isso não ficava evidente na atuação dos envolvidos.No depoimento de MARIA, colhido na AT 3426-07, está retratada a concepção, da testemunha, contrária à atuação solidária dos trabalhadores, como se vê em sua reprovação ao apoio dado ao Sindicato dos Têxteis. Mais que isso, a testemunha traz a informação de que foi elaborada uma “lista”, com definição político-partidária, para a despedida por justa causa - todos os empregados que participavam do movimento e da corrente do PT do trabalho, radical marxista, foram relacionados e despedidos.MARIA (AT 3426-07) - Inquirida e compromissada, disse que: a autora foi despedida porque participava do movimento; todos os empregados que participavam do movimento e da corrente do PT do trabalho, radical marxista, foram relacionados e despedidos, por entenderem que a atuação deles não se voltava unicamente para a CIPLA mas também para outras finalidades como apoio ao Sindicato dos Têxteis de Blumenau, dedicação à campanha política para deputado, do Mariano, acreditando a depoente que o difícil estado da empresa não poderia ter sido utilizado o pessoal da produção para outra coisa que não fosse produzir produtos da CIPLA; acrescenta a testemunha que mesmo quando a autora estava de atestado médico, ela atuava em panfletagem em prol de Mariano; não viu a autora panfleteando mas apenas ela saiu com uma sacolinha de panfletos junto com o pessoal que ia panfletar; Lailana trabalhava dentro da fábrica; nada fez a autora em relação à Associação Ferreirinha. Nada mais.A prova emprestada também explicita que os trabalhadores foram despedidos por fazerem parte da mobilização, não havendo nada mais específico que justificasse a despedida deles. Reproduzo o depoimento das testemunhas EDSON e OSMAR, colhidos nas ATs 3413-07 e 3434-07:EDSON (AT 3413-07) – Inquirido e compromissado, disse que: trabalha na CIPLA há 27 anos; a demissão por justa causa dos trabalhadores, quando da intervenção, se deu em razão da mobilização política deles; o sentimento que expressa era de muitos trabalhadores da CIPLA; no início acreditava no trabalho feito pela mobilização, em favor da CIPLA, mas com o tempo passaram a ver na atuação uma promoção política, com o discurso que era bonito de manter os postos de trabalho, mas com prejuízo financeiro no final para a empresa porque haviam gastos com a mobilização; na análise de custo benefício o depoente diria que nas mobilizações “o molho era mais caro que o frango”; acredita que o gasto era muito alto e que havia, além do prejuízo de caixa também prejuízo à imagem da empresa; que pode citar como exemplo a questão da energia elétrica: depois da intervenção houve a ameaça de corte e a empresa procurou juntar recursos para pagar a luz; mas se fosse na época de encampação esse dinheiro seria gasto, por exemplo, para pagamento de salários e matéria-prima e teriam que resolver a questão da luz “segurando o poste para a CELESC não cortar”; o depoente informa que a questão da luz referida, agora na intervenção, foi resolvida através de mandado de segurança e não com pagamento, sendo essa a forma legal de resolver o problema; o prejuízo que o depoente atribui que o movimento causou foi a imagem da empresa, com reflexo em cada funcionário; que José Onírio, Rebeca, Jorge Luiz, Clodoaldo, Edmilson, Carlos Roberto, Antônio Hélio, Sílvia Agostini, Osvaldo de França, Paulo Schultt e Antônio João, faziam parte da mobilização e por esse fato foram despedidos, não havendo nada mais específico quanto a eles. Nada mais.OSMAR (AT 3434-07) – Inquirido e compromissado, disse que: o autor foi despedido por integrar a comissão de fábrica, não havendo um outro motivo específico para a despedida dele; o autor cumpria o horário na fábrica normalmente, e eventualmente era chamado por Sérgio Goulart ou Francisco Lessa para alguma mobilização em outras fábricas, sendo que esses fatos estão documentados na empresa; no início o movimento de encampação atuou muito bem e foi o que manteve a empresa funcionando, mas por fim começou a ser desacreditado, não sendo mais bem visto por empresas clientes, como a Mercedes Benz que passou a se preocupar com o ferramental que tinha na empresa; acredita que inicialmente a mobilização contribuiu para a manutenção dos postos de trabalho e da fábrica operando, mas depois alguns clientes romperam os contratos por causa da mobilização e isso acabou prejudicando, ao ver do depoente; o depoente acredita que, em razão do corpo técnico da empresa ter sido preservado, a resistência dos clientes se devia à mobilização em si, que não era bem vista; que o pessoal da mobilização atuava muito bem em questões como atos públicos, realizados por exemplo quando uma máquina ia a leilão, para evitar a venda; as tarefas externas eventualmente realizadas por Maureci se davam em razão da mobilização; a Mercedes continua comercializando com a Cipla, o que houve foi que a Mercedes não colocou nenhum ferramental novo, nem projeto com a Cipla, preservando apenas o que já vinha sendo feito; haviam assembléias gerais, realizadas, em média, a cada 30 ou 60 dias, quando então toda a empresa era parada e acabava prejudicando a produção; às vezes as assembléias eram feitas por turno; nas assembléias eram discutidas questões como faturamento da empresa, salários dos empregados, mobilizações em favor da Cipla e de apoio a outras empresas, e estratégias de mobilização; o depoente tem conhecimento do faturamento da empresa; o faturamento era documentado, no período de encampação foi aumentado em virtude de uma nova linha criada, sendo que a linha antiga manteve o faturamento; nas assembléias era divulgado o faturamento da empresa. Nada mais.Novamente se vê, no depoimento de EDSON, a forte carga subjetiva que circunda a concepção quanto à atuação política dos trabalhadores, resultante da contrariedade da testemunha quanto às escolhas de ação. Nesse passo, é pontual destacar a questão da energia elétrica: durante a encampação, e também depois da intervenção, a conta de luz não foi paga, ainda que diferentes as estratégias utilizadas na gestão da empresa para escapar do corte. Instado a indicar o prejuízo sofrido pela empresa, a testemunha respondeu que o prejuízo que o depoente atribui que o movimento causou foi a imagem da empresa, com reflexo em cada funcionário.No depoimento de OSMAR, há contradição nas informações prestadas, resultante não de má-fé, mas sim da expressão de idéias preconcebidas, contrárias à forma de ação coletiva. Interessante atentar que a testemunha primeiro disse que alguns clientes romperam contrato com a empresa (sem indicar quais, e não havendo prova nos autos nesse sentido), e depois afirmou que o faturamento era documentado, no período de encampação foi aumentado em virtude de uma nova linha criada, sendo que a linha antiga manteve o faturamento. Mais essencial, no depoimento de OSMAR, é a demonstração da prática de assembléias com todos os trabalhadores, para decisão coletiva quanto às estratégias de atuação, salários e faturamento da empresa - nas assembléias eram discutidas questões como faturamento da empresa, salários dos empregados, mobilizações em favor da Cipla e de apoio a outras empresas, e estratégias de mobilização (...) nas assembléias era divulgado o faturamento da empresa.Examinada a prova oral, cabe agora retornar aos argumentos da ré, para verificação pontual das alegações mais significativas da defesa, lembrando que os trabalhadores despedidos por justa causa são acusados de: utilizarem o patrimônio da empresa para finalidades pessoais ou favorecimento de um grupo; participarem direta ou indiretamente da administração da empresa; apoiarem outras lutas; integrarem corrente político-ideológica; constituírem uma associação visando mobilização sindical; aliciarem outros trabalhadores para manifestações; realizarem encontro com outros movimentos de trabalhadores na sede da empresa; se articularem com o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; votarem para presidente do Conselho de Fábrica.Em relação à utilização do patrimônio da empresa, não há prova, nem nestes autos e nem nos processos de situação análoga, examinados por esta magistrada, de que os trabalhadores despedidos tenham se favorecido, pessoalmente, dos bens da empresa, nem de que tenha havido favorecimento de um grupo – e isso mesmo tendo em conta o relatório de auditoria feita após a intervenção, ainda não apreciado judicialmente. Todo o esforço empreendido, segundo demonstrado na generalidade dos processos, tinha por destinação a atuação política com o objetivo de manter a fábrica funcionando e assim preservar os empregos.Importante frisar que sequer há provas de que a empresa tenha tido prejuízo decorrente da gestão dos trabalhadores – aliás, foi durante a encampação que a empresa obteve certificação ISO 9001. E com a manutenção dos postos de trabalho – é comentado, nesta jurisdição, que depois da intervenção judicial, mais de 300 trabalhadores foram despedidos, já nos primeiros meses.No que tange à participação dos trabalhadores na administração da fábrica, essa era uma contingência da ocupação: a empresa estava sob a gestão dos trabalhadores e, segundo demonstrado pelas atas juntadas aos processos, as decisões se davam em assembléia, com participação de toda a coletividade de trabalhadores da fábrica. Cabia a eles administrarem a empresa.Referente ao apoio às outras lutas, à criação de uma associação para mobilização sindical, ao aliciamento de trabalhadores para manifestações, aos encontros com outros movimentos de trabalhadores, na sede da empresa, à articulação com o MST, e à realização de passeatas, nada mais são do que estratégias de ação próprias ao contexto de ocupação de uma fábrica.Impressiona perceber a resistência e a tentativa de incriminar as ações solidárias classistas, dos trabalhadores, na busca de fortalecimento pela união de esforços em causas comuns, práticas essenciais e presentes em qualquer movimento de resistência ou transformação, numa sociedade democrática.Atos de solidariedade a trabalhadores ameaçados de perder o emprego ou com direitos trabalhistas violados, passeatas para expor à população uma dada realidade, união de entidades sindicais e criação de associações civis, são práticas que se dão no pleno exercício de direitos constitucionais próprios da cidadania (CRFB, 5º, IV – livre manifestação do pensamento; 5º, XVII e XVIII – plena liberdade de associação; 5º, IX, liberdade de expressão; 8º, livre associação profissional).O trabalhador não perde sua condição de cidadão quando entra numa fábrica. Ele à mantém, e ainda agrega a ela uma gama de direitos sociais próprios à qualidade de empregado (CRFB 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11).Quanto à votação para presidente do Conselho de Fábrica, o processo de eleição marca a política democrática da encampação, com a participação dos trabalhadores na escolha de quem entendiam por melhor representante e líder: a eleição foi resultado da vontade da maioria dos trabalhadores, não da escolha de um só, mas sim soma da expressão da vontade de toda uma coletividade de empregados.Sobre o fato de integrarem corrente político-ideológica, essa é uma garantia constitucional inviolável, salutar numa sociedade que se quer democrática, resultado da liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), liberdade de consciência política (5º, VI e VIII), inviolabilidade da vida privada (5º, X), e exercício dos direitos políticos (14 e s.).Clara a discriminação ideológica presente no ato de despedida.Antes mesmo da encampação, a ação coletiva e a atuação política foram práticas entre os trabalhadores do Grupo CIPLA. Foi através dos atos públicos que a comunidade teve ciência e se comoveu com a problemática vivida pelos empregados. E esses atos se construíram na mobilização organizada pelo coletivo de trabalhadores envolvidos. Essa prática de atuação política coletiva permeou, ao que mostram as provas, todo o período de encampação. Atas demonstram a rotina de assembléias gerais, deliberativas sobre as mais variadas questões, inclusive a necessidade de ação solidária com outros trabalhadores em situação idêntica.A formação política, por necessária, entrou em cena, porque não há organização sem formação, menos ainda diante de uma experiência nova de gestão, pelos trabalhadores, de uma empresa “quebrada”. Veja-se, a esse exemplo de formação necessária, os diversos cursos de formação e especialização promovidos por cooperativas de trabalho que surgem a partir da falência de uma indústria: nenhum empregado, a princípio, tem o ânimo associativo, mas essa situação é posta com a quebra da fábrica, se apresentando a adesão à cooperativa como alternativa ao desemprego coletivo e imediato – a ajuda mútua, a prestação de serviços a terceiros em proveito comum e a partilha das "sobras" (sem finalidade lucrativa), com participação eqüitativa e controle democrático, requisitos essenciais à validade das cooperativas de trabalho, são questões a serem aprendidas pelos então empregados que se vêem na nova condição de associados. É ser citada, nesse sentido, a matéria da jornalista CÉCILE RAIMBEAU, sobre sociedade cooperativismo, publicada na edição de dezembro de 2007, da revista Le Monde Diplomatique Brasil, com o título A Europa das empresas “recuperadas” (disponível no site www.diplo.org.br), com a seguinte chamada: “Substituir o patrão, no início, é mais trabalho. Mas pelo menos é trabalho!”: com esse pensamento, muitos operários europeus estão assumindo a direção de companhias quebradas, corrigindo os erros de gestão, saneando os rombos financeiros, retomando e modernizando a produção e conquistando mercados.E vale ainda uma referência a mais sobre a matéria, no ponto em que discorre sobre o surgimento da experiência, em 1978, na Europa, qualificada então como ilegal, e o modo como se deu na Argentina, na crise econômica de 2001, e na Espanha, da década de 80:Essa reanimação de uma empresa falida por parte dos empregados não é um caso isolado na Espanha. Ao contrário, ela se operou no quadro de um movimento social tão amplo que teria permitido, no início dos anos 80, recuperar ao menos 38.500 postos de trabalho no país (cerca de 6 mil só no País Basco e 7 mil na Catalunha). “O movimento nasceu em 1978, em empresas muito politizadas de quinhentos operários”, explica Isabel Vidal, professora de teoria econômica da Universidade de Barcelona. “Pouco a pouco, ele se espalhou pelo país, tornando-se ilegal”.Essa efervescência lembra a criatividade dos trabalhadores argentinos depois da crise econômica de 2001. Diante dos liquidadores, nos leilões públicos, os operários espanhóis cantam: “Viva o direito à propriedade dos trabalhadores!”, como em Buenos Aires vinte anos mais tarde. Eles se apoiam na Constituição espanhola de 1978, que reconhece o direito ao trabalho (igualmente inscrito na Constituição francesa) e estimula os poderes públicos a promover a participação dos trabalhadores na empresa, a facilitar-lhes o acesso à propriedade dos meios de produção.O cooperativismo tem se apresentado, em diversas partes do mundo, como alternativa à manutenção do trabalho com a quebra da empresa.Mas o cooperativismo não é a única, e nem necessariamente a melhor forma que os trabalhadores vêem para solucionar as crises sociais de um sistema pautado na exploração do trabalho das pessoas pelos donos dos meios de produção. Duas das críticas mais contundentes ao cooperativismo residem na brecha que abre à facilitação de fraude trabalhista (falsas cooperativas) e no argumento da concorrência desleal (baixo custo, pela desoneração de encargos sociais, e linhas especiais de crédito e financiamento), importando, também nesse ponto e em análise macro, em precarização do trabalho humano.Durante a encampação do Grupo CIPLA pelos trabalhadores, a política de atuação coletiva se opunha ao cooperativismo e estava voltada à estatização da empresa, por verem nessa forma a solução que melhor contemplaria a garantia de emprego, com a continuidade de funcionamento da empresa.Fábrica quebrada, é fábrica ocupada; fábrica ocupada, é fábrica estatizada, dizia o título de um livro-reportagem sobre a luta dos trabalhadores da Cipla e Interfibra para salvar 1000 empregos, escrito por JANAÍNA QUITÉRIO DO NASCIMENTO, cuja cópia foi entregue a esta magistrada quando da chegada nesta jurisdição, no início do ano de 2007, por duas das procuradoras do Grupo CIPLA (diga-se: duas das que assinam a tese da defesa).No livro referido, é posta a participação direta dos trabalhadores, a ação solidária com outros movimentos sociais e trabalhistas, a mobilização coletiva e a articulação política, como meios para a transformação do que é traçado no livro como realidade excludente do sistema capitalista de produção. A estatização da fábrica era buscada na responsabilidade social do Governo na manutenção dos empregos, e também justificada, na reportagem, na linha de produção das empresas do Grupo, com itens como materiais para construção, passíveis serem destinados à implementação, pelo Estado, do direito social de moradia (construção de casas populares para diminuir o imenso déficit habitacional), e produtos produzidos para a estatal Petrobrás, que teriam concorrência apenas na importação.É uma perspectiva socialista, frente a um sistema que tende a se impor como única idéia de mundo.Esse é o melhor dos mundos possíveis. A conclusão de GOTTFRIED LIEBNIZ, de ser esse o mais perfeito dos mundos possíveis, inspirou VOLTAIRE a escrever Cândido, um conto que desperta os sentidos para a força da natureza e leva o espírito crítico à reflexão sobre as perspectivas diversas de mundos que a razão humana, nos seus limites e instigada pela eterna insatisfação das respostas encontradas, é capaz de descobrir, quando confrontada com a injustiça presente no fanatismo religioso, no abuso de poder e na intolerância ideológica. De inegável inspiração nessa assertiva, e em contraposição ao pensamento único neoliberal, os movimentos sociais organizaram, em 2001, na cidade de Porto Alegre, o primeiro Fórum Social Mundial, com a bandeira Um outro mundo é possível, em dias simultâneos ao Fórum Econômico Mundial, que se realizava em Davos, na Suíça.Milhares de pessoas, vindas de várias partes do mundo, se reuniram para questionar o modelo econômico dominante, num Fórum que marcou pela presença do humano plural, da diversidade de idéias e da necessidade se buscar alternativas viáveis à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.Se a par de uma realidade excludente, marcada por desigualdades econômicas e preconceitos escandalosos, um grupo de trabalhadores assume a gestão de uma empresa “quebrada” e procura conduzi-la de modo a mantê-la funcionando para preservar os postos de trabalho, num quadro de desemprego estrutural, a situação desses trabalhadores necessita ser lida no contexto em que se deu a encampação e a gestão da fábrica ocupada – e, especialmente, tendo em mente a equação necessária aos princípios da ordem econômica: os valores sociais do trabalho, a livre iniciativa e a função social da propriedade, na finalidade do Estado em promover o pleno emprego (CRFB 170 VIII), para assegurar a todos a existência digna.Daí se veria que os trabalhadores do Grupo Cipla, despedidos por justa causa, entre eles o seu Domingos (que trabalhou 30 anos para a empresa e depois recebeu em casa uma “cartinha” lhe dizendo para não voltar mais lá), queriam mesmo é continuar trabalhando em seus ofícios, unindo esforços para esse desiderato. Também se veria que, com um pouco de poesia, se compreende melhor essa tal de “mais valia”:A estância se acordouem dia de campereadachiando pelas cambonaspra se iniciar a mateada.De repente, um peão barbudo- atando a segunda espora - abriu a boca sisuda,pondo os olhos campo a fora.E falou pros companheirosde mesmo rumo e ofícionuma tal de "mais valia"falando em tom de comícioContando um pouco de história- revoluções, coisa e tal -foi falando de "trabalho","propriedade" e "capital".Terêncio ficou sabendo,com os "óio arregalado"o que nunca, então, pensara:"todo o peão é explorado"...E aquele peão barbudo,com a melena comprida,foi falando enquanto viatoda a peonada reunida..."A peonada leva a tropapra morrer no matadouro,esfola a bunda nos "basto"o sol véio queima o couro- mas o patrão barrigudoé que embolsa todo o ouro!Se madruga todo diapra "laçá" e "curá" bicheira,se afunda os "garrão" no barroco´essas "vaca" da mangueira- e o que nos sobra de tudo?só hemorróida e "frieira!""E ainda fazem rodeioem nome da Tradição!Os "boi" de língua de forapr´alegria do patrão!O que era duro ofíciose transforma em diversão"E tem mais: a propriedadedeve ser de quem trabalha!"Quem sustenta a casa-grandesão nossos "rancho" de palhae se a peonada joga truco,o patrão é quem baralha!"Nisto, chega o capataz,sempre de cara amarrada...O Carlos fica solito,falando pra madrugada:"... E tem gente trabalhandosem ter carteira assinada!"Cada um pegou seu laçopra mais um dia de lida.O sol campeiro encilhoua pampa verde estendida...E aquele peão, no outro dia,pediu as contas - se foi...tangendo um sonho distante,ouvindo um berro de boi.Alguns dizem que o patrãoé que botou porta a fora,porque não tinha no lomboas marcas da velha espora.E seguiu a velha estânciano mesmo tranco, afinal:Terêncio tirando leite,Nestor montando bagual...O patrão com a guaiacaforrada dos "capital"...(FARIAS, Juarez Machado de, Se Marx fosse peão. CD Sesmaria da Poesia Gaúcha) www.paginadogaucho.com.br/poes/smfp.htmTenho por caracterizado o dano moral na forma discriminatória como se realizou a despedida (CRFB 5º XLI e X, CC 186 e 927). Sopesando a gravidade do ato a ser reparado, as necessidades da vítima e os recursos da empresa, que atravessa sérias dificuldades, fixo, como indenização, o valor equivalente a um mês de salário por ano de serviço ou fração.Declaro nula a justa causa aplicada na despedida e reconheço a rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa, por iniciativa da empresa.Defiro indenização por danos morais, no valor de R$ 20.640,00, correspondente a 5 remunerações do autor, equivalente a uma remuneração por ano de serviço ou fração.VERBAS INADIMPLIDASOs salários em atraso estão especificados no TRCT (f. 108). As parcelas pagas por conta da tutela serão deduzidas nos cálculos de liquidação.A rescisão do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador e sem justa causa, faz devida a indenização do aviso prévio. O aviso prévio integra o tempo de serviço para todos os efeitos legais (CLT 487 § 6º).No TRCT, não estão lançadas as férias proporcionais, nem a gratificação natalina de 2007, estando, ainda, inadimplido o valor de R$ 2.744,85, referente à gratificação natalina de 2006. Importante assinalar que as férias proporcionais são devidas, independentemente da causa da ruptura contratual, a teor da Convenção 132 da OIT – Organização Internacional do Trabalho. Defiro ao autor:a) Saldo de salários: R$ 3.138,57, de abril de 2007; R$ 3.401,53, de maio de 2007;b) indenização do aviso prévio de 30 dias, com sua integração ao tempo de serviço para todos os efeitos legais;c) gratificação natalina: R$ 2.744,85, de 2006; e 06/12 de 2007;d) férias proporcionais: 8/12, acrescidas de um terço.Autorizo a dedução dos valores pagos sob o mesmo título, em decorrência da determinação de pagamento parcelado das verbas rescisórias, conforme AT 3324-02.MULTA DO ART. 477 DA CLTAs verbas rescisórias se situam entre os direitos sociais garantidores de um núcleo mínimo existencial da condição de sobrevivência do trabalhador assalariado que é despedido sem sequer ser pré-avisado. O pagamento constitui a principal obrigação do empregador. É com base na data de pagamento que o trabalhador organiza suas despesas, e a impontualidade é capaz de comprometer até mesmo o sustento dele pelos dias de atraso, além de lhe causar constrangimentos com os credores. Intolerável essa prática.Tenho por violada a obrigação de pagamento pontual das verbas rescisórias, incidindo a multa do  8º do art. 477 da CLT.As dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa não afastam a incidência da multa, porque o risco da atividade econômica é do empregador que obtém a alteridade na prestação dos serviços.Devida a multa do  8º do art. 477 da CLT.MULTA DO ART. 467 DA CLTAs particularidades do caso concreto sugere se releve a aplicação da multa do art. 467 da CLT.Isso porque a CIPLA foi encampada pelos trabalhadores num esforço coletivo para manutenção dos postos de trabalho, atualmente sob intervenção judicial, fato esse público e notório nesta jurisdição.Essa realidade demonstra que os valores não foram disponibilizados por uma impossibilidade concreta e justificável. Indefiro a multa do art. 467 da CLT.FGTSNão efetuados, integralmente, os recolhimentos, devido o FGTS não recolhido no período trabalhado, com a indenização compensatória de 40%.O FGTS será apurado inclusive sobre o aviso prévio indenizado, a gratificação natalina e as verbas reflexas. Não incide FGTS sobre as férias indenizadas (Lei 8.036/90 15  6º c/c Lei 8.212/91 28  9º d).Defiro FGTS não depositado na contratualidade, inclusive sobre aviso-prévio, gratificação natalina e verbas reflexas, tudo com a indenização compensatória de 40%.JUSTIÇA GRATUITADeclarada hipossuficiência econômica e não produzida prova desqualificante das afirmações do autor de que não possui condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu sustento, concedo os benefícios da justiça gratuita (CRFB 5º LXXIV, CLT 790 § 3ọ e Lei 1060/50). Adoto o posicionamento de que são cabíveis honorários independentemente da assistência jurídica sindical. A assistência judiciária gratuita é garantia constitucional (5º LXXIV) existente para tornar efetivo o direito fundamental de acesso à justiça. É dever do Estado, e não do Sindicato, manter a Defensoria Pública. E o Estado de Santa Catarina é o único, na República, que ainda não tem instituída a Defensoria Pública. A liberdade sindical (CRFB 8º) impede a interferência do Estado na organização dos Sindicatos, não podendo, por isso, ser transferido ao Sindicato o encargo de manter serviço de assistência jurídica – daí não ser possível compreender como monopólio do Sindicato a assistência judiciária aos trabalhadores, necessitando ser relido o art. 14 da Lei n. 5.584/70, de modo a adequá-lo ao espírito da Constituição da República, compreendendo-se a assistência judiciária sindical como um plus da entidade de classe, não como uma função substitutiva da Defensoria Pública.Por isso, não pela sucumbência, que é inaplicável nas ações trabalhistas entre empregados e empregadores, tenho por devidos honorários assistenciais ao trabalhador que declare pobreza, nos termos do art. 5º, LXXIV, da Constituição da República, e da Lei n. 1.060/50.Defiro honorários assistenciais de 15% sobre o valor bruto da condenação.AJ PESSOA JURÍDICAA exploração de atividade econômica, com objetivo de lucro, é incompatível com a situação de pobreza que exige do Estado a concessão da justiça gratuita como forma de acesso à justiça.Entidades filantrópicas, associações civis, cooperativas de trabalho, são exemplos de atividades que, ainda que não objetivem lucro, estão sujeitas ao pagamento das custas e ao depósito recursal para exercer o direito de recorrer.Diferentemente da exigência imposta às partes na Justiça Estadual e na Justiça Federal, nesta Justiça do Trabalho o acesso à justiça independe do pagamento prévio de custas, e sequer exige sejam antecipadas as despesas processuais: as partes podem ajuizar ação, apresentar defesa, produzir provas e ver cumpridas todas as diligências necessárias ao andamento do feito, sem desembolsar um níquel.Importante pontuar que a garantia constitucional de acesso à justiça se concretiza quando viabilizado, às partes, o pronunciamento judicial sobre a lide, o que se concretiza já em primeiro grau de jurisdição. O duplo grau de jurisdição não constitui uma garantia constitucional de acesso à justiça: é um direito que, para ser exercido, exige a conformação a requisitos legais.CRITÉRIOS DE APURAÇAO E ATUALIZAÇÃOOs créditos serão corrigidos na forma da Lei 8177/91 (39 § 1ọ), incidindo índice de correção monetária do mês subseqüente ao da prestação dos serviços a partir do dia 1ọ (S 381 TST). Esse critério de atualização incidirá sobre os créditos até a data da efetiva disponibilidade do valor devido ao autor, por alvará.Os créditos relativos ao FGTS serão corrigidos pelos mesmos índices aplicáveis aos débitos trabalhistas (OJ 302 SDI-1 TST).A indenização por danos morais será corrigida (juros e atualização monetária) a partir da data da rescisão contratual.Os honorários assistenciais serão apurados sobre o valor bruto da condenação (Súmula 37 TRT 4ª Região).Na elaboração da conta, observe a determinação de pagamento parcelado das verbas rescisórias, apurando-se, em razão disso, distintamente, os valores devidos a título do FGTS, com a multa de 40%, a indenização por danos morais, e os honorários assistenciais sobre essas verbas, para habilitação na AT 3324-2002.As demais parcelas inadimplidas serão quitadas pelo parcelamento, inclusive no que tange à multa do art. 477 da CLT, gerada no atraso do pagamento das verbas rescisórias, e aos honorários assistenciais sobre esses títulos, também de natureza salarial, devidos em razão da necessidade do autor ingressar em Juízo para receber direitos mínimos. INSS E IRObserve-se a Súmula 368, III, do TST quanto às contribuições sociais, que não incidem sobre as parcelas descritas no § 9ọ do art. 28 da Lei 8212/91.Autorizo a dedução da cota-parte do autor somente em relação às parcelas que tem a receber por conta desta sentença. O cálculo abrangerá toda a contribuição previdenciária devida. A cota patronal específica abrange a contribuição do empregador propriamente dito, a parcela correspondente a terceiros e a parcela referente ao seguro de acidente de trabalho.Às contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças judiciais aplica-se atualização pela taxa SELIC e as multas pelo atraso no recolhimento, nos termos do art. 879, § 4º, da CLT , e da Lei nº 9.250/95, art. 39, § 4º.No que tange ao critério de retenção das contribuições fiscais sobre os créditos trabalhistas pagos em decorrência desta condenação judicial, determino se observe o regime de competência, apurando-se o imposto como se o autor tivesse recebido mês a mês. Isso porque não seria razoável impor ao empregado o ônus da inadimplência de seu empregador, que por não quitar as verbas na época própria gerou a acumulação do recebimento de uma só vez. Nesse sentido, cito ementa e trecho de acórdão proferido pela Justiça Federal, em ação ajuizada contra a União Federal visando à restituição de imposto de renda retido indevidamente, incidente sobre as parcelas recebidas a título de adicional de periculosidade, pagas acumuladamente em virtude de sentença proferida por Juiz do Trabalho (AC 2002.72.00.012728-3/SC, Rel. Des. Federal ANTÔNIO ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA, Porto Alegre, 14-12-2004):TRIBUTÁRIO – VERBA TRABALHISTA – IMPOSTO DE RENDA – INCIDÊNCIA SOBRE O SOMATÓRIO DE PROVENTOS PAGOS EM ATRASO – INADMISSIBILIDADE. No cálculo do imposto incidente sobre rendimentos pagos acumuladamente, devem ser levadas em consideração as tabelas e alíquotas das épocas próprias a que se referem tais rendimentos, nos termos previstos no art. 521 do RIR (Decreto 85.450/80). A aparente antinomia desse dispositivo com o art. 12 da Lei 7.713/88 se resolve pela seguinte exegese: este último disciplina o momento da incidência; o outro, o modo de calcular o imposto. (RESP 424225/SC, 1ạ Turma, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJ 19-12-2003, p. 323) (...)O acórdão citado evidencia a necessidade de se adotar postura de política judiciária tendente a evitar a proliferação de ações sobre temas convergentes, que podem ser resolvidos numa única demanda. Assim é que a aplicação do regime de caixa na retenção do imposto de renda sobre os créditos trabalhistas decorrentes de condenação judicial tem provocado o ajuizamento de outra ação perante a Justiça Federal, desta vez contra a União, visando a restituição dos valores retidos de imposto de renda sobre parcelas pagas acumuladamente. Por conta disso, deixo de aplicar o critério sugerido no inciso II da Súmula 368 do TST, até mesmo como meio a garantia da celeridade processual (CRFB 5ọ LXXVIII). Os descontos fiscais incidem sobre o valor monetariamente atualizado, acrescido dos juros de mora (Súmula 27 TRT 4ª Região).A existência de base legal que ampare as deduções afasta a indenização, porque não há ilicitude no ato (CC 186).PELOS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, que integram esse dispositivo: rejeito as preliminares; e julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados para, mantendo os efeitos da antecipação da tutela, declarar a rescisão do contrato de trabalho sem justa causa e por iniciativa da empresa, e condenar a CIPLA INDÚSTRIA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO S/A. a pagar ao autor CARLOS ROBERTO DE CASTRO as seguintes verbas:a) saldo de salários: R$ 3.138,57, de abril de 2007; R$ 3.401,53, de maio de 2007;b) indenização do aviso prévio de 30 dias, com sua integração ao tempo de serviço para todos os efeitos legais;c) gratificação natalina: R$ 2.744,85, de 2006; e 06/12 de 2007;d) férias proporcionais: 8/12, acrescidas de um terço;e) multa do § 8º do art. 477 da CLT;f) FGTS não depositado na contratualidade, inclusive sobre aviso-prévio, gratificação natalina e verbas reflexas, com a indenização compensatória de 40%;g) indenização por danos morais, no valor de R$ 20.640,00.Concedo ao autor os benefícios da justiça gratuita. Arcará a ré com honorários assistenciais de 15% sobre o valor bruto da condenação.Apurem-se os valores em liquidação de sentença, observados os parâmetros estabelecidos na fundamentação.Observe a ré as determinações de pagamento parcelado, na forma definida nos critérios de apuração desta sentença, seguindo a diretriz da ata de audiência de 28-11-2007, na AT 3224-2002, autorizadas as deduções de todos valores pagos sob o mesmo título.Incidem, sobre os créditos do autor de natureza salarial, os descontos legais, relativos às contribuições sociais e fiscais, observadas a época própria, alíquotas e isenções. Custas de R$ 800,00, pela ré, calculadas sobre o valor arbitrado à condenação de R$ 40.000,00, complementáveis ao final.Transitada em julgado, CUMPRA-SE.CIÊNCIA ao MPT.INTIMEM-SE.ÂNGELA MARIA KONRATHJuíza do Trabalho

Poder Judiciário Federal - Justiça do Trabalho - 4ª Vara de Joinville - Fumódromo

PODER JUDICIÁRIO FEDERALJUSTIÇA DO TRABALHO4ª VARA DE JOINVILLEAT 1424-2007-030-12-00-2No dia 13 de dezembro de 2007, às 16h, na sala de audiências da 4ª VARA DO TRABALHO DE JOINVILLE, por ordem da Ex.ma Juíza do Trabalho ÂNGELA MARIA KONRATH, foram apregoadas as partes: SINDICATO DOS TRABALHADORES METALÚRGICOS, NA FUNDIÇÃO, NA SIDERURGIA E NA INDÚSTRIA DO MATERIAL ELÉTRICO DE JOINVILLE, autor, e WETZEL ALUMÍNIO S/A e WETZEL FERRO S/A (02), ré. Ausentes as partes. S E N T E N Ç ASINDICATO DOS TRABALHADORES METALÚRGICOS, NA FUNDIÇÃO, NA SIDERURGIA E NA INDÚSTRIA DO MATERIAL ELÉTRICO DE JOINVILLE ajuíza, em 09-04-2007, ação trabalhista em face de WETZEL ALUMÍNIO S/A e WETZEL FERRO S/A (02). Atribui à causa o valor de R$ 700,00.Se insurge o Sindicato contra a proibição de fumo no parque fabril da empresa e eliminação dos fumódromos até então existentes. Relata que em novembro de 2006 a WETZEL, contrariando os usos e costumes até então vigentes, proibiu o fumo nas dependências da empresa, marginalizando os fumantes, frustrando o direto deles à liberdade de escolha e impedindo a livre manifestação da vontade e tomada de decisão dos empregados fumantes, sob o artifício de implantar política de prevenção ao tabagismo. Anota que o consumo e comercialização de fumo são liberados no Brasil e no mundo. Salienta que os programas de controle ao tabagismo não têm como objetivo perseguir ou pressionar os fumantes, mas antes reconhecem a necessidade de apoio e compreensão para solucionar a dependência das pessoas à nicotina. Invoca os arts. 3º, IV, e 5º, II, da CRFB, a Lei n. 9.294/96 e o Decreto n. 2.018/96. Defende a necessidade de delimitação de um local para os fumantes, de modo a não importunar os não-fumantes, com identificação das áreas de fumódromo, sinalizadas com adesivos e informações contínuas sobre os malefícios do cigarro. Requer a delimitação de área especial para os empregados fumantes, e a permissão de fumo, neste local, nos intervalos de descanso. Também requer os benefícios da justiça gratuita.A ré apresenta contestação escrita. Impugna o valor atribuído à causa. Argúi impossibilidade do exercício do direito de defesa e carência de ação, por ilegitimidade ativa do Sindicato e falta de interesse processual. No mérito, argumenta que implantou o programa de controle ao tabagismo, conforme projeto elaborado em parceria com a Secretaria da Saúde, que objetiva transformar a planta fabril livre de tabaco. Registra que o representação formulada pelo Sindicato, perante o Ministério Público do Trabalho, com o mesmo objetivo desta ação, foi arquivada administrativamente. Esclarece que não proibiu seus empregados de fumarem, mas apenas não mais permitiu o uso de tabaco em suas dependências, seguindo o programa oficial do Ministério da Saúde, que prevê a extinção dos fumódromos na empresa. Destaca que custeou e ofereceu, aos empregados que desejaram parar de fumar, tratamento psicológico e médico, inclusive arcando com 50% do custo dos medicamentos. Sustenta que sua preocupação é com a saúde dos empregados. Acrescenta que o direito de propriedade lhe assegura definir o uso ou não de fumo em suas dependências. Questiona o benefício da justiça gratuita requerido pelo Sindicato. Requer a improcedência dos pedidos.Retificado o valor da causa para R$ 16.000,00 (f. 81).Parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (f. 388). Manifestações das partes. Produzida prova oral.Realizada inspeção judicial e processo de esclarecimento e consulta aos trabalhadores das três unidades fabris da empresa, nos três turnos de trabalho.Sem outras provas, foi encerrada a instrução processual. Razões finais escritas. Propostas conciliatórias infrutíferas.DECIDO:INÉPCIA DA INICIALA pretensão do Sindicato, de delimitação de área para os fumantes e permissão de fumo, nesse local, nos intervalos para descanso, é clara e precisa, possibilitando o exercício do direito de defesa exaustiva de mérito. Os fatos estão narrados em seqüência lógica, enunciando pedidos admitidos e não vedados pelo ordenamento jurídico, sem qualquer incompatibilidade. Viabilizada a ampla defesa e o contraditório (CRFB 5º LV). Rejeito.CARÊNCIA DE AÇÃOAs condições da ação são analisadas com base nos fatos alegados na petição inicial (CPC 267 VI), donde se verifica que há pertinência subjetiva da lide em relação às partes, necessidade e utilidade da pretensão (interesse), e inexistência de vedação no ordenamento jurídico dos direitos postulados (possibilidade jurídica do pedido).A legitimidade ativa do Sindicato decorre da qualidade de substituto processual (CRFB 8º), ampla e irrestrita, e da natureza coletiva dos direitos relativos às liberdades individuais dos trabalhadores no ambiente de trabalho. Rejeito.FUMÓDROMOA WETZEL implantou o Programa de Controle do Tabagismo, elaborado e coordenado pelo Ministério da Saúde, que prevê, em fase pontual, a eliminação do fumo em todo o parque fabril. A questão posta em debate é essa: os fumantes têm o direito a um espaço específico, dentro do parque fabril, para fumarem? Ou deve prevalecer a orientação da Organização Mundial de Saúde de proibição, por completo, do fumo nas dependências das empresas privadas e órgãos governamentais?Responder essa questão implica pensar acerca dos limites da ação inibitória da saúde pública sobre os fumantes, o controle das vontades e comportamentos pelos sistemas de poder público e privado, e, especialmente, o que se almeja, coletivamente, eleger como parâmetros adequados à necessidade mundial de contenção do consumo de cigarros.Fumar dá prazer. Vicia tanto quanto a cocaína. E mata aos pouquinhos. O fumo é apontado como a maior causa de mortes evitáveis na história da humanidade. O cigarro matou mais do que todas as guerras, somadas, no século XX, fazendo 100 milhões de vítimas. No Brasil, matou mais que a AIDS, que os acidentes de trânsito e que o consumo de álcool e drogas. Matou o dobro dos casos de homicídio.O fumódromo, nas empresas que implantaram o Programa de Controle do Tabagismo, com prestação de assistência médica e psicológica, e fornecimento de medicamentos, tal qual se dá na WETZEL, é visto, pela saúde pública, como prejudicial ao êxito do Programa, por facilitar o acesso ao cigarro a quem está tentando abandonar o vício.Para os fumantes, o fumódromo é um local necessário à minimização dos efeitos das longas horas de abstinência, que ficam sem fumar durante o trabalho, já que o fumo é um vício, e a falta do cigarro provoca irritação e agitação da pessoa que depende das substâncias químicas do tabaco.Os males trazidos pelo cigarro impuseram a discussão, no mundo inteiro, dos meios necessários a frear o consumo do fumo. Por conta disso, no dia 29 de agosto de 2007, Dia Nacional de Combate ao Fumo, foi dado início, na WETZEL, por determinação desta magistrada, em nota pontuando os dados até aqui transcritos, a um processo de esclarecimento e consulta aos trabalhadores, com a discussão acerca dos limites de ação dos programas de controle do tabagismo quanto aos fumantes, no meio ambiente do trabalho.LIMITES LEGAIS DE ATUAÇÃO INIBITÓRIA SOBRE OS FUMANTESFumar é permitido em nosso país. O Brasil é o maior exportador e o segundo maior produtor de tabaco do mundo, e conta com 500 mil trabalhadores dedicados ao cultivo de fumo. Há cidades inteiras que têm suas economias dependentes do cultivo do tabaco, como, por exemplo, Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul.Durante anos o cigarro foi associado à imagem de pessoas saudáveis, bem sucedidas, independentes e sensuais. Fumar era charmoso e libertador; era símbolo de força, vitalidade e poder. Nada se dizia sobre as substâncias viciantes, nem quanto aos danos à saúde do fumante.O simbolismo do cigarro foi notavelmente descrito por MARIO CESAR CARVALHO, na edição O Cigarro, da série Folha Explica (Publifolha: São Paulo, 2001). Nesse pequeno grande livro o autor nos conta as fraudes e mentiras das indústrias do cigarro, os mecanismos de sedução das propagandas, a revelação científica dos males do fumo à saúde humana, as cruzadas contra o fumo e o futuro do cigarro. Também relata o estudo, encomendado pela Philip Morris, para demonstrar à República Checa a economia que representaria ao Estado, com saúde pública e pensões, a morte precoce de fumantes.Atualmente se vive o reverso da medalha: a dependência química e os malefícios fatais causados pelo cigarro são conhecidos e demonstrados em campanhas contundentes de combate ao fumo; as indústrias de cigarro começam a responder, judicialmente, pelos danos causados à saúde dos fumantes e prejuízos decorrentes dos gastos com saúde pública; buscam-se alternativas de reestruturação da economia do cultivo de tabaco; a legislação passa a restringir o uso de produtos fumígenos, proibindo o fumo em recinto fechado coletivo, visando a proteção aos não-fumantes, quanto a exposição à fumaça do cigarro, bem como a redução do consumo com a restrição de venda aos menores e proibição de propagandas.Na perspectiva de proteção aos não fumantes, a Lei n. 9.294/96 estabelece a proibição do uso de cigarros e outros produtos fumígenos em recinto coletivo, mas excetua, expressamente, as áreas destinadas a esse fim, isoladas e arejadas, indicando, dessa forma, a liberdade de fumar quando não atingida a esfera individual de outra pessoa. O Decreto n. 2.018/96, ao regulamentar a Lei n. 9.294/96, exclui do conceito de recinto coletivo os locais abertos ou ao ar livre, ainda que cercados ou de qualquer forma limitados em seus contornos, conforme definições dos arts. 2º, 3º e 4º.Os textos legais referidos indicam que a restrição ao uso de produtos fumígenos é restrita aos locais fechados de uso coletivo. A legislação citada é clara ao pontuar a possibilidade de fumo ao ar livre e, em ambientes fechados de uso coletivo, nos locais especificamente destinados a esse fim, os chamados fumódromos, e, ainda, nos gabinetes individuais de trabalho.Poder-se-ia dizer, então, que o fumo ao ar livre é permitido, bem como nos fumódromos e em salas individuais de trabalho, não havendo razão para se restringir o direito dos fumantes darem vazão às suas vontades nesses locais.Mas o consumo do tabaco apresenta dificuldades singulares que necessitam ser enfrentadas.A NECESSIDADE MUNDIAL DE CONTENÇÃO DO CONSUMO DE TABACO E SEUS CONFLITOSA tomada de consciência dos prejuízos causados pelo tabaco à saúde humana trouxe reflexos mais amplos, sugerindo uma análise interpretativa que contemple não apenas a proteção aos não-fumantes, mas também medidas de restrição do uso de cigarros por quem deseje ou necessite fumar, de modo a atender a saúde de todas as pessoas, fumantes e não-fumantes. Em 2006, pelo Decreto n. 5.658, o Brasil ratificou a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, que foi adotada pelos países membros da Organização Mundial de Saúde em 21-05-2003 e assinada pelo Brasil em 16-06-2006. A Convenção-Quadro qualifica o tabagismo como epidemia global, e apresenta o consumo e a exposição à fumaça do tabaco como questão de saúde pública, com conseqüências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas que impõem a implementação de formas de controle, a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco (art. 3º).Ao tratar o fumo como epidemia, a Organização Mundial de Saúde enquadra o controle do uso do tabaco no rol de importância equiparável à vacina para imunização contra vírus.Nos princípios norteadores da Convenção-Quadro está exposta a necessidade se adotarem medidas efetivas a fim de proteger toda a pessoa da exposição à fumaça do tabaco, prevenir a iniciação, promover e apoiar a cessação e alcançar a redução do consumo (art. 4º). O Ministério da Saúde, seguindo essa diretriz, instituiu o Programa de Controle do Tabagismo, para implantação nas empresas, que tem em sua fase final o objetivo de tornar toda a planta do parque fabril livre do fumo, ou seja, fazer com que não seja mais permitido o consumo do tabaco nas empresas, nem mesmo ao ar livre.Há, portanto, um cerco ao consumo do tabaco. A orientação da saúde pública é visivelmente no sentido de erradicar o fumo. Nesse cenário despontam, como afirmações das políticas de prevenção ao tabagismo, as garantias constitucionais de direito à vida saudável e as restrições legislativas quanto à possibilidade da pessoa dispor de seu próprio corpo (CC art. 13).Entretanto, a tudo isso se pontua uma leitura integrativa que preserve a liberdade de escolha do indivíduo, e ainda contemple os desdobramentos dessa escolha, resultantes das substâncias viciantes do tabaco, numa sociedade em que fumar é permitido e até foi incentivado por décadas.As substâncias do tabaco causam dependência química. Por essa razão, desde 1993 o tabagismo é considerado como doença pela Organização Mundial de Saúde, incluído no grupo dos transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas (CID 10).O relato de JEAN-PAUL SARTRE sobre sua experiência de abandono do fumo, escrito em suas reflexões sobre a psicanálise existencial, demonstra múltiplos aspectos psíquicos da dependência química que o consumo de tabaco envolve: o ato de fumar é apresentado como o fator significante dos variados fatos da vida. Daí o filósofo afirmar: o tabaco é um símbolo do ser apropriado.Há alguns anos, decidi parar de fumar. O início foi duro, e, na verdade, eu não me preocupava tanto por perder o gosto do tabaco quanto por perder o sentido do ato de fumar. Produziu-se toda uma cristalização: eu fumava nas casas de espetáculo, ao trabalhar pela manhã, à noite depois do jantar, e parecia-me que, deixando de fumar, eu iria privar o espetáculo de seu interesse, o jantar de seu sabor, o trabalho matinal de seu frescor e vivacidade. Qualquer que fosse o acontecimento inesperado que irrompesse aos meus olhos, parecia-me que, fundamentalmente, ele ficaria empobrecido a partir do momento em que não mais pudesse acolhê-lo fumando. Ser-suscetível-de-ser-encontrado-por-mim-fumando; esta, a qualidade concreta que se havia difundido universalmente sobre as coisas. Parecia-me que tal qualidade seria por mim exterminada e que, no meio deste empobrecimento universal, valia um pouco menos a pena viver. Pois bem: fumar é uma reação apropriada destruidora. O tabaco é um símbolo do ser ”apropriado”, já que é destruído ao ritmo de minha respiração em um modo de “destruição contínua”, passa a meu interior e sua mudança em mim se manifesta simbolicamente pela conversão em fumaça do sólido consumido. A conexão entre a paisagem vista fumando e esse pequeno sacrifício crematório era de tal ordem que, como vimos, este constituía como que o símbolo daquela. Significa, pois, que a reação de apropriação destruidora do tabaco valia simbolicamente por uma destruição apropriada do mundo inteiro. Através do tabaco que eu fumava, era o mundo que ardia, fumegava, se reabsorvia em vapor para incorporar-se em mim. Para manter minha decisão, tive de realizar uma espécie de descristalização, ou seja, sem exatamente me dar conta disso, reduzi o tabaco a não ser senão si mesmo: uma erva que se queima; suprimi seus vínculos simbólicos com o mundo; persuadi-me de que nada perderia da peça de teatro, da paisagem, do livro que lia, se os considerasse sem meu cachimbo; ou seja, voltei-me para outros modos de posse desse objetos, que não fosse o desta cerimônia sacrificatória. Uma vez persuadido disso, meu mal-estar reduziu-se a muito pouca coisa: lamentava o fato de não mais sentir o odor do fumo, o calor do cachimbo entre os dedos, etc. Mas, de súbito, meu mal-estar ficou aplacado e bem suportável. (SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Vozes. 15ed. Petrópolis/RJ, 2007. p. 728-9)A abstinência do tabaco gera crise e sofrimento ao indivíduo, aliviada na primeira tragada. Parar de fumar é um ato de vontade que requer um enorme esforço, tanto que poucas pessoas têm êxito nessa empreitada.Daí a solução a ser buscada ter, necessariamente, considerar a patologia que vitima o trabalhador fumante, de modo que as medidas de controle ao tabagismo não excedam os limites de abstinência suportável durante a jornada de trabalho a que está submetido.O PROGRAMA DE CONTROLE DO TABAGISMO NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHOO Programa de Controle do Tabagismo, instituído pelo Ministério da Saúde, direcionado ao meio ambiente do trabalho para implantação em parceria com as empresas, tem por fases, basicamente: o mapeamento dos fumantes; reuniões de apresentação do programa aos fumantes; identificação dos empregados que desejem aderir ao programa; destinação de um local específico, e por tempo limitado, nas dependências da empresa, para o consumo do tabaco; patrocínio, pelas empresas, de assistência médica e psicológica, com fornecimento de medicamentos, aos empregados que aderirem ao Programa; acompanhamento do tratamento; eliminação, em um ano, dos fumódromos, de todo parque fabril, com fornecimento de selo “empresa livre de tabaco”.Se se assumisse uma postura irônica acerca do controle do tabagismo nas empresas, poder-se-ia dizer que muitos outros fatores, atrelados ao modo de execução do trabalho e ao sistema produtivo, passíveis de superação, fazem adoecer e até matam, sem despertarem tanto empenho de ser banidos dos parques fabris: as mutilações, nas máquinas; as LER/DORT, no trabalho repetitivo; a pneumoconiose, dos trabalhadores no subsolo; as poeiras, os ruídos, os produtos químicos, o frio e o calor, no trabalho insalubre; o esforço físico, no carregamento de peso; o estresse, na sobrejornada, nas metas estabelecidas e na latente e constante ameaça do desemprego; a destruição da auto-estima, no assédio moral; a violação da intimidade, no assédio sexual.E por que justamente com o fumo, que mata, mas ao menos também dá prazer, e não apenas mata, foram atentar?Porque essa é uma questão que agrega a todos.Tratar das outras hipóteses implica discussão dos métodos de produção, envolve investimentos em itens de segurança, exige redução de jornada, impõe qualificação de pessoal e proteção da intimidade do trabalhador, requer supressão da alteridade e redistribuição da riqueza, põe em xeque a titularidade do poder de coordenação do trabalho. Temas nada fáceis de serem debatidos no abismo de interesses que há nas relações de capital e trabalho.No dizer de GIOVANNI BERLINGUER, a imposição de comportamentos saudáveis é considerada uma alternativa, menos custosa e menos comprometedora para as empresas, à adoção de medidas preventivas de caráter técnico, organizacional e ambiental (Bioética Cotidiana, UnB, 2004, p. 141).Não se pode reduzir a problemática que a questão envolve, e nem a importância da política de saúde pública de engajamento das empresas no controle do tabagismo, com argumentos cínicos, como o de que as empresas adotam o Programa inspiradas no selo “empresa livre de tabaco”, referencial para transações comerciais de exportação, sem que hajam dados concretos demonstrando esse objetivo.CONTROLE DAS VONTADES E COMPORTAMENTOS O controle das vontades e comportamentos, pelos sistemas de poder público e privado, envolve angustiantes questões éticas resultantes do conflito entre o exercício do poder, os condicionamentos sociais e a autodeterminação do indivíduo.Nas relações de emprego, o estado de sujeição a que o trabalhador tem sido condicionado, historicamente, aprofunda essa problemática e mostra a necessidade de discussão acerca dos limites do poder diretivo.Numa sociedade que se quer democrática, entes estatais e empresas não podem atuar como instituições totalitárias: o poder público tem que ouvir os cidadãos, para atender as necessidades coletivas com atenção aos direitos individuais; a propriedade privada só se legitima na medida em que se projeta para uma função social. Na expressão cunhada por UMBERTO ECCO, aqui referida com base em meus quadros de memória, a ética nasce quando o outro aparece. A perspectiva do outro como sujeito, em suas múltiplas dimensões, mas ainda assim uno, inteiro e indiviso, com necessidades vitais que compartilha com os animais (sede, sono, fome e apetite sexual), mas também características próprias de sua condição humana, com qualidades que o distingue pela capacidade criativa, intelectual, transformadora e de adaptação, necessidade de transcendência, de relação social e com o meio em que vive, traz à lume a dignidade que detém a pessoa humana.O trabalhador não perde, quando ingressa no parque fabril, sua condição de pessoa livre e ser pensante, de cidadão. Não pode, por isso, ser considerado como mero alvo de programas de saúde instituídos em seu meio ambiente de trabalho. E diga-se: a implantação de um programa de saúde no meio ambiente do trabalho, que circunde questões comportamentais atreladas à dependência química, tem, necessariamente, que antes verificar as condições concretas de cada local de trabalho e ser precedido de consulta aos trabalhadores.Transformar o trabalhador em paciente importa destituí-lo de sua condição de sujeito. Equacionar a promoção à saúde física e mental com a autodeterminação do indivíduo, em questão que envolve comportamento, remete o tema às medidas educativas que contêm com a participação ativa dos sujeitos implicados e seus órgãos de representação sindical.Aliás, é nesse sentido que a Convenção-Quadro aponta quando refere que toda a pessoa deve ser informada sobre as conseqüências sanitárias, a natureza aditiva e a ameaça mortal imposta pelo consumo e a exposição à fumaça do tabaco (art. 1º).SITUAÇÃO DE FATOImportante destacar que o que está posto neste processo não é a autodeterminação do indivíduo em fumar ou não fumar. Isso está resolvido por não ser proibido fumar em nosso país (CRFB 5º II).Discute-se, aqui, os limites do cerco inibitório promovido pela saúde pública à escolha por fumar, manifesto na restrição de fumo em lugares que não afetariam outras pessoas não-fumantes, com o inegável objetivo de restringir o uso do tabaco pela abstinência a que fica sujeito o fumante.A ciência médica aponta o tempo de oito horas, por ser esse o período de sono em que normalmente não se fuma, como limite de tolerância antes ser iniciada a crise de abstinência: a pessoa que fuma acorda e acende um cigarro (depoimento Dr.a MARIA JÚLIA – f. 406, v).Porém, é se ponderar a distinção entre as sensações: o fumante, quando está em atividade, durante todo um dia de trabalho, sofre angústia pela abstinência do cigarro pelo simples fato de estar desperto, diferentemente da condição experimentada em seu período de sono.Por isso, novamente registro, tem-se ter atenção para que as medidas de controle ao tabagismo não excedam os limites de abstinência suportável durante a jornada de trabalho a que o trabalhador está submetido, já que o tabagismo é uma doença.Para avaliar a situação concreta a que estão condicionados os trabalhadores fumantes da WETZEL, a partir da implantação do Programa de Controle do Tabagismo, foi realizada inspeção judicial, nas três unidades fabris da empresa, com a verificação do processo produtivo e contagem do tempo de deslocamento dos empregados, da saída do posto de trabalho até o portão da fábrica, onde então seria possível fumar (fora do parque fabril).Constatou-se que o tempo médio de deslocamento representa, no máximo, tendo em conta o local de trabalho mais distante do portão da fábrica, metade do período do intervalo de descanso, que é de 10min, isto é: o fumante gasta no máximo 5min, somando ida e volta, para se deslocar até o portão da fábrica. Resta-lhe 5min para fumar e para todo o resto que desejar fazer em seu intervalo para descanso.Esses dados permitiram ver que, na situação concreta, se o fumante desejar fumar poderá fazê-lo, ainda que com prejuízo de metade do tempo de seu intervalo em deslocamento do seu posto de trabalho até fora do parque fabril, comprometendo o desfrute de outras coisas no período de descanso. Ou seja: as condições de fato não impõem a abstinência ao fumante, durante toda a jornada de trabalho, mas apresentam a ele – como condição desfavorável ao fumo – o tempo gasto com deslocamento, além, é claro, da segregação, já que poderá fumar apenas fora do parque fabril.ESCLARECIMENTO E CONSULTAO caráter educativo que orienta a Convenção-Quadro e a esfera de direitos individuais e coletivos que são atingidos pela implantação do Programa de Controle do Tabagismo no parque fabril reclama se projete o debate a todos os trabalhadores.Para isso, no caso concreto foi realizado um amplo processo de esclarecimento e consulta aos trabalhadores, contemplando as três unidades fabris, nos três turnos de trabalho.O processo de esclarecimento teve início com a distribuição de três notas explicativas, no Dia Nacional de Combate ao Fumo, para cada trabalhador, nas quais o Juízo explicou a questão debatida e as partes fizeram as defesas de suas teses. Na seqüência, foi realizada a exposição oral da questão, aos trabalhadores, com a fala desta magistrada, do Sindicato e da WETZEL, contando, ainda, com a presença do Dr. FELIPE ARTHUR WINTER, Ex.mo Juiz do Trabalho, e com a participação da médica pneumologista, Dr.a MARIA JÚLIA ALVES COIMBRA KREIN, em todas as etapas.Concluídas as inspeções judiciais e o processo de esclarecimento, foi feita a consulta aos trabalhadores, que responderam às seguintes perguntas, nas opções “sim”, “não”, “branco”, “nulo”: deve haver fumódromo na empresa?; você fuma?; você participou do programa de controle ao tabagismo? Apurados os votos. Na votação ao quesito “deve haver fumódromo na empresa”, quase dois terços (2/3) dos trabalhadores responderam “não” ao fumódromo. Foram 1.128 votantes: 669 disseram “não”; 430 responderam “sim”; e foram 29 os votos brancos e nulos (menos de 2,6%). Destes, 196 se declararam fumantes. A abstenção foi mínima, ainda que facultativo o voto, pois muitas ausências foram justificadas por férias ou licença médica.PARTICIPAÇÃO CIDADÃ DOS TRABALHADORESA difícil discussão acerca de interesses comuns e escolhas individuais, em tema inerente à saúde pública e de interesse humano geral, faz necessário o resgate da participação cidadã dos trabalhadores, em torno de uma decisão que irá atingi-los diretamente, em seu cotidiano e ambiente de trabalho.Por conta disso, no caso em análise, a solução do conflito entre a eliminação do fumo no parque fabril e a reivindicação sindical em prol dos direitos individuais dos fumantes, fez imprescindível deslocar o eixo de decisão para a coletividade diretamente atingida, não sem antes se realizar uma minuciosa verificação das condições reais impostas aos fumantes, seguida de um amplo processo de esclarecimento e debates sobre todas essas questões até aqui expostas, relativas ao fumo, a fim se qualificar a capacidade deliberativa.E por que esse deslocamento do eixo de decisão? A dimensão coletiva dos conflitos em questões ainda não sedimentadas, apresenta o desafio se buscar soluções de caráter metajurídico para o alcance de uma decisão com largueza suficiente a contemplar o máximo possível de efetividade das garantias constitucionais, o que se perderia em riqueza de compreensão nos estreitos limites de uma decisão individual, resultante dos aspectos vistos a um só olhar, distanciado da dinâmica de vida e trabalho das pessoas diretamente envolvidas.Note-se que até pouco tempo atrás eram os não-fumantes que buscavam fosse delimitado um lugar específico para o fumo, a fim de se protegerem. E agora se discute, neste processo, a reivindicação dos fumantes de terem um fumódromo dentro do parque fabril, na defesa do direito de escolha de fumar sem ser segregado.Na lição de LUÍS ROBERTO BARROSO, não há efetividade possível da Constituição sem uma cidadania participativa. Em sua obra, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, o autor escreve:Veja-se que a ordem jurídica, como já afirmamos em outro estudo, na generalidade das situações, é instrumento de estabilização, e não de transformação. Sem deixar de reconhecer-lhes um ocasional caráter educativo, as leis, usualmente, refletem – e não promovem – conquistas sociais longamente amadurecidas no dia-a-dia das reivindicações populares.Assim é que, sem abandonar o modelo representativo, outras formas de intervenção vêm sendo estudadas e positivadas, com o fito de viabilizar manifestações de pessoas e entidades que não tomam parte no governo, mas que se pronunciam, por via institucionalmente disciplinada, nos processos decisórios, tanto os de cunho restrito e específico, quanto os que assumem caráter mais amplo e geral. Há, por assim dizer, um retorno à utilização de certos institutos ligados à prática da democracia direta, configurando um sistema híbrido, que muitos autores denominam de participação semidireta. (Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 127, 130)A necessidade de construção de espaços democráticos de deliberação coletiva, como afirmação da democracia participativa e desprendimento da forma impregnada de concentração de poder, impôs, no caso concreto, integrar os trabalhadores nos debates e na deliberação da questão relativa a ter ou não fumódromo no parque fabril, porque o trabalhador tem que estar como sujeito da relação, e não como objeto alvo de algum programa, por melhor que seja.E a decisão dos trabalhadores legitimou o Programa do Ministério da Saúde, de Controle do Tabagismo, implantado pela WETZEL, ao dizer “não” ao fumódromo.Essa posição não implica violação aos direitos individuais da pessoa decidir sobre fumar e expressar essa sua escolha, dadas as condições concretas que apresentam uma alternativa ao fumante: usar metade do tempo de seu intervalo no deslocamento até o portão da fábrica, para fumar.Um sacrifício razoável para quem está dinamitando a própria vida.A decisão representa a opção dos trabalhadores pela política de saúde pública, que propõe limitações ao exercício dessa vontade, de modo a inibir o consumo de cigarros, porque letal à saúde humana.O trabalhador tem um saber naquilo que faz e não está alheio às condições de trabalho a que está submetido. Ele conhece a realidade sua e de seus colegas. Sabe que se adoecer, vai cair no desalento do sistema público de saúde. Também sabe que perderá o emprego se não produzir além do que custa para o empregador. E mais do que isso, sabe que depende de seu trabalho para prover seu sustento.JUSTIÇA GRATUITAA atuação do Sindicato na defesa dos interesses coletivos da categoria, é compreendida pelos benefícios da assistência judiciária gratuita.OFÍCIOSOficie-se à CONTAPP – COORDENAÇÃO NACIONAL DE CONTROLE DE TABAGISMO E PREVENÇÃO PRIMÁRIA DE CÂNCER do Ministério da Saúde, e à OIT – Organização Internacional do Trabalho, com cópia desta decisão.CONSIDERAÇÕES FINAISRegistro os agradecimentos desta magistrada ao Dr. FELIPE ARTHUR WINTER, Ex.mo Juiz do Trabalho que acompanhou a inspeção judicial e os procedimentos de esclarecimento e consulta aos trabalhadores; à Dr.a MARIA JÚLIA ALVES COIMBRA KREIN, médica pneumologista engajada no Programa de Controle do Tabagismo, que participou ativamente de todas as etapas de esclarecimento aos trabalhadores; aos professores, Dr. HERVAL PINA RIBEIRO, Dr. NELSON PASSAGEM VIEIRA e Dr. CLEBER DE PAULA, do Curso de Extensão – Adoecimentos e Doenças Contemporâneas do Trabalho, da Escola de Saúde Pública, CEREST, pelas excelentes bibliografias repassadas sobre o tema. FUNDAMENTOS PELOS QUAIS rejeito as preliminares e julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES METALÚRGICOS, NA FUNDIÇÃO, NA SIDERURGIA E NA INDÚSTRIA DO MATERIAL ELÉTRICO DE JOINVILLE em face de WETZEL ALUMÍNIO S/A e WETZEL FERRO S/A (02).Concedo ao Sindicato autor os benefícios da justiça gratuita.Custas de R$ 320,00, pelo Sindicato autor, calculadas sobre o valor atribuído à causa, de R$ 16.000,00, isentas.Transitada em julgado, ARQUIVEM-SE.EXPEÇAM-SE os ofícios.INTIMEM-SE as partes e o MPT.Providencie, o/a OFICIAL DE JUSTIÇA, na fixação de cópia desta decisão nos murais dos refeitórios das três unidades fabris, entregando, ainda, em cada unidade e em cada turno de trabalho, cópias em mãos de nove trabalhadores da linha de produção, e para três da área administrativa, aleatoriamente escolhidos, identificando-os e indicando o turno e área de trabalho, para que repassem aos colegas, fazendo circular a sentença entre os empregados da empresa.ÂNGELA MARIA KONRATHJuíza do Trabalho

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