Título: Liminar Reintegração Trabalhadores demitidos em razão da pandemia COVID-19

Poder Judiciário

Justiça do Trabalho

Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região

Ação Trabalhista - Rito Sumaríssimo

0000399-37.2020.5.12.0012

Processo Judicial Eletrônico

Data da Autuação: 26/03/2020

Valor da causa: R$ 20.000,00

Partes:

RECLAMANTE: SIND DOS TRAB NAS INDS DA CONST E DO MOBIL DE JOACABA

ADVOGADO: DEMETRIUS DE OLIVEIRA

ADVOGADO: LUCIANO LAERTE PAGNO PAGINA_CAPA_PROCESSO_PJE

RECLAMADO: CONSTRUTORA ELEVACAO LTDA

100 ANOS da OIT: 1919-2019.

A Organização Internacional do Trabalho comprometida com a melhoria da condição de vida das pessoas que vivem do trabalho e na convicção de que a justiça social é essencial para garantir uma paz universal e permanente.

DECISÃO LIMINAR

SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA CONSTRUÇÃO E DO MOBILIÁRIO DE JOAÇABA - SC (SITICOM – JOAÇABA/SC) ajuíza, em 26-03-2020, ação trabalhista em face de CONSTRUTORA ELEVAÇÃO LTDA. Atribui à causa o valor de R$ 20.000,00.

Relata que “primeiro, o reclamado formalizou Aviso de Rescisão de Contrato de Trabalho, com base no artigo 502, inciso II, da CLT, em razão da pandemia de COVID-19; segundo, vem promovendo reiteradas demissões aos trabalhadores da empresa, efetuando o pagamento de metade das verbas rescisórias; terceiro, a empresa conta com aproximadamente 40 (quarenta) funcionários. Por seu turno, fundamenta as Rescisões do Contrato de Trabalho utilizando o Decreto Estadual n° 507/2020, que dispõe sobre medidas de prevenção e combate ao contágio pelo coronavírus (COVID-19); o Decreto Estadual de n° 515/2020 que declara situação de emergência em todo o território catarinense; e por fim o Decreto Municipal de Joaçaba, n° 5905 /2020, que dispõe de medidas para enfrentamento da emergência de saúde decorrente no novo Coronavirus COVID-19”. Insurge-se contra a rescisão contratual dos substituídos, argumentando que “tal medida é extrema e representa flagrante prejuízo aos funcionários, comprometendo inclusive a subsistência destes, em razão da impossibilidade de procurar novo emprego em período de estado de emergência, sem falar de enriquecimento ilícito decorrente do pagamento injusto de metade das verbas rescisórias, diante de cenário epidemiológico transitório e passageiro, inexistindo, no presente caso, a extinção da empresa reclamada”. Invoca a tutela de urgência prevista no art. 300 do CPC, com a concessão de liminar inaudita altera pars para que “a empresa reclamada promova a reintegração dos empregados demitidos no período de vigência dos Decretos elencados, bem como se abstenha e efetuar novas demissões até o julgamento final da presente ação, sob pena de aplicação de multa diária”.

DECIDO:

Trata-se de ação em que o Sindicato da categoria profissional busca tutela liminar de reintegração ao emprego e impeditiva de novas rescisões contratuais dos substituídos, cabendo o destaque de que as rescisões já formalizadas pela empresa estão sob a justificativa de força maior por conta das medidas de prevenção e combate ao COVID-19, e contemplam tão somente o pagamento 50% das verbas rescisórias.

O pedido liminar merece acolhida.

Inicialmente há se dizer que a pandemia que assola o mundo nos nossos dias apela para a solidariedade, para a responsabilidade social, e não para o abandono. São tempos difíceis, de dúvidas, de incertezas que envolvem todas as pessoas do mundo, pois não há blindagem contra o vírus que se espalha e mata, e vitimiza sempre os mais vulneráveis

É inegável a precipitação do empregador que rompe os contratos de trabalho, até mesmo desprezando as demais alternativas viáveis sinalizadas pelo Executivo, em questionáveis Medidas Provisórias editadas para contornar o drama vivenciado por quem vive do trabalho diante das políticas de contenção ao novo Coronavírus, sendo que nenhuma das alternativas propostas pelo Governo Federal aponta para a rescisão contratual.

Mesmo a possibilidade de suspensão contratual foi revista pelo Governo, sendo retirada da cena de alternativas, ante o reconhecimento de que o/a trabalhador/a depende de seu salário para sobreviver e a vida humana deve ter um valor maior.

Além disso, a formalização das rescisões contratuais com o pagamento de apenas 50% do valor das verbas devidas, invocando a força maior, é capaz de caracterizar verdadeiro oportunismo diante da pandemia COVID-19 que assola a humanidade, haja vista o curto período inicial de isolamento – 9 dias desde o Decreto do Governador – com previsão de retomada das atividades fim da empresa – construção civil –, anunciadas pelo Governador do Estado para o dia 1 de abril de 2020, data sabidamente prematura frente às recomendações da OMS – Organização Mundial da Saúde.

Não fora isso e a despedida em massa seria passível de questionamento, porquanto não precedida de negociação coletiva.

Neste quesito, adoto o posicionamento do Enunciado 57, aprovado na 2a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada pela ANAMATRA em Brasília no mês de outubro de 2017, a seguir transcrito:

“DISPENSA COLETIVA. INCONSTITUCIONALIDADE. O art. 477-A da CLT padece de inconstitucionalidade, além de inconvencionalidade, pois viola os artigos 1o, III, IV, 6o, 7o, I, XXVI, 8o, III, VI, 170, caput, III e VIII, 193, da Constituição Federal, como também o artigo 4o da Convenção no 98, o artigo 5o da Convenção no 154 e o art. 13 da Convenção no 158, todas da OIT. Viola, ainda, a vedação de proteção insuficiente e de retrocesso social. As questões relativas à dispensa coletiva deverão observar: a) o direito de informação, transparência e participação da entidade sindical; b) o dever geral de boa fé objetiva; e c) o dever de busca de meios alternativos às demissões em massa”. Disponível em https://drive.google.com/file/d /1oZL9_JohYjNInVvehEzYDp-bl0fcF6i6/view Acesso em: 26 mar 2020

Assim também decidiu o Ex.mo Juiz do Trabalho LEONARDO SAGGESE FONSECA, da 3a Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, a o analisar a tutela de urgência na ACPCiv 0100251- 67.2020.5.01.0003:

“Outrossim, as demissões coletivas devem preceder a observância da negociação sindical prévia, necessária em toda e qualquer discussão que envolva uma pluralidade de trabalhadores, mormente em se tratando de demissões em massa, em flagrante violação ao art. 1o, incisos III e IV, art. 5o, inciso XIV, art. 7o XXVI, art. 8o, III e VI, todos da Constituição Federal, assim como aos ditames da Convenção no 98 da OIT e Recomendações no 94 e 163”.

E por quê?

Ora, no sistema capitalista de produção, o acesso aos recursos mínimos de sobrevivência – alimentação, moradia habitável, saúde, educação – são alcançáveis, para a generalidade das pessoas, por meio do resultado do trabalho.

Produz-se e se paga pela comida, pela água, pelo local em que se habita, pela energia que se utiliza, pelos remédios com que se medica, pelo aprendizado que se tem.

A esse kit básico de sobrevivência, associam-se outros itens necessários a um grau mínimo de vida civilizada, igualmente dependentes do resultado do trabalho para serem alcançados.

A essa dimensão econômica do trabalho agrega-se, ainda, o aspecto de transcendência humana que está implicado no trabalho, que não se reduz a mero meio de subsistência: é através do trabalho que o ser humano alcança sua autonomia como sujeito integrante das relações sociais, da vida em comunidade.

A pessoa humana ganha identidade social, realiza e se realiza pelo trabalho, ainda que as possibilidades do ser não se limitem às dimensões do trabalho.

Justamente por todos esses aspectos é que o trabalho tem sido reconhecido como um direito humano fundamental

Bem, a primazia da pessoa humana e o reconhecimento de sua dignidade, expressos em instrumentos internacionais que partem da concepção do traço distintivo e igualitário que todo ser humano possui, tem centrado no valor social do trabalho as possibilidades de concretude dos direitos humanos concernentes à condição de uma vida digna de ser vivida.

Daí a Declaração Universal dos Direitos Humanos anunciar, no artigo XXIII, item 1, que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

Sabe-se que os direitos humanos foram inicialmente construídos na afirmação dos direitos civis e políticos frente às arbitrariedades estatais sobre o indivíduo.

Do processo de juridicização da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, foram elaborados dois tratados internacionais interdependentes e interrelacionados, buscando dar força obrigatória e vinculação universal à Declaração: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

As interligações entre os direitos humanos fazem ver que a efetividade dos direitos civis e políticos depende da concretude dos direitos econômicos, sociais e culturais, e vice-versa.

No Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o direito ao trabalho está expresso no artigo 6o do Protocolo adicional, num claro sentido de centralidade, aparecendo como meio necessário e honroso à obtenção da subsistência para “uma vida digna e decorosa”, assim constando: “Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que inclui a oportunidade de obter meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida e aceita” (item 1).

A Constituição da República, por sua vez, ao definir os princípios regedores das relações internacionais, estabelece no artigo 4, inciso II, a “prevalência dos direitos humanos. No parágrafo 2 do artigo 5, consta que os direitos e garantias expressos na Constituição “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

E a emenda Constitucional n. 45, de 2004, positivou que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos tem equivalência de emendas constitucionais, quando aprovados com o mesmo quorum exigido para estas, conforme se lê no artigo 5, parágrafo 3, da Constituição.

Seguindo esta linha assecuratória do direito ao trabalho, a Constituição da República arrola, no capítulo dos Direitos Sociais, o direito ao trabalho (artigo 6). Ao anunciar o princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a Constituição elencou, entre outros, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (artigo 5). Em seguida, ao dispor sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, lançou que “a propriedade atenderá a sua função social”.

Além disso, a Constituição assumiu a proteção do emprego contra a despedida arbitrária e sem justa causa no artigo 7. E, mais adiante, ao tratar da Ordem Econômica, pontuou a finalidade de assegurar a todas as pessoas uma existência digna, lançando, ao longo dos incisos que se seguem, uma série de princípios direcionados a realização da justiça social, com claros limites ao exercício da atividade econômica (artigo 170).

Nesse quadro, percebe-se que o direito ao trabalho é cercado por um feixe de normas direcionadas a lhe dar efetividade.

A inserção da livre iniciativa no mesmo dispositivo constitucional que o trabalho, ambas as categorias colocadas em patamar de Princípio Fundamental (artigo 1, IV), e também como fundamentos maiores da Ordem Econômica (artigo 170), está a demonstrar que a iniciativa provada foi alçada para além do interesse meramente especulativo, centrado no lucro, estando seu aspecto econômico fundamentalmente ligado ao valor social que possui, ao lado do trabalho.

Se por um lado a Ordem Econômica constitucional reconhece a propriedade privada, ela também põe em cena a função social da propriedade, o que, aliás, também está escrito nos incisos XXII e XXIII do artigo 5 da Constituição.

A resposta às necessidades materiais apresenta-se como questão de primeira grandeza, dada a implicação e urgência que elas têm na sobrevivência do indivíduo, ou seja, na vida humana, pressuposto essencial a toda e qualquer outra possibilidade.

Por isso, indispensável o diálogo e a negociação coletiva para solução dos problemas que atingem um universo maior de pessoas.

Foi justamente esta compreensão que fez a construção do direito ao trabalho. Negar o trabalho e desprezar o diálogo social significa negar a própria possibilidade de sobrevivência de quem depende do esforço diário para prover seu sustento, o que se eleva em grau de perversidade quando a pessoa é despedida num momento em que está impedida de sair de casa para contenção de um vírus fatal que assola o mundo e sem negociar alternativas com o Sindicato para as pessoas que serão atingidas.

O que poderia ser mais cruel que isso?

CONCEDO a liminar requerida ante a urgência e o inegável bom direito que ampara a tese da entidade sindical autora e DETERMINO a REINTEGRAÇÃO imediata de todos/as os/as trabalhadores/as despedidos por conta da COVID-19, bem como determino que a ré se ABSTENHA de rescindir os contratos de trabalho de seus/suas empregados/as durante a pandeia da COVID-19, sob pena de multa de R$ 1.000.000,00, revertidas 50% aos/às trabalhadores/as vitimados/as e 50% a entidade sindical autora.

A empresa tem 72 horas para reintegrar os/as trabalhadores/as despedidos.

INTIME-SE pelos meios eletrônicos/telefônicos disponíveis, ante a suspensão dos atos processuais presenciais, certificando nos autos.

Por tratar-se de medida de urgência, os prazos não estão sujeitos a suspensão.

CIÊNCIA ao Sindicato autor .

Encaminhem-se os autos ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.

JOACABA/SC, 27 de março de 2020.

ANGELA MARIA KONRATH

Juiz(a) do Trabalho Titular