A Associação Juízas e Juízes para a Democracia vem a público manifestar o seu apoio à luta das pescadoras e pescadores artesanais do Mato Grosso contra a Lei estadual 12.197/2023, que altera dispositivos na Lei 9.096/2009, sobre a Política de Pesca naquele estado.
A referida legislação, objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADIs n. 7471, n. 7514 e n. 7590, Relator Ministro André Mendonça), determina a proibição geral e imediata da pesca artesanal profissional no Estado pelo período de cinco anos, sob a justificativa, não comprovada, de proteção dos estoques pesqueiros. A tramitação do projeto de lei pelo Governo do Mato Grosso não oportunizou a escuta das populações atingidas, assim como desconsiderou por completo diversos estudos científicos e técnicos sob os impactos ambientais e sociais da referida legislação.
Em Mato Grosso inexiste pesca industrial, a pesca se dá de forma artesanal. A pesca comercial artesanal é “praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte” (inciso I, alínea a, do art. 8°, da lei n° 11.959/2009 – Lei Geral da Pesca). Além de ser a profissão e meio principal de vida, a pesca artesanal representa um modo de vida de cerca de 15.000 pescadoras e pescadores de comunidades tradicionais e povos do Mato Grosso.
A Lei estadual ao instituir o Auxílio Pecuniário aos Pescadores Profissionais Artesanais do Estado de Mato Grosso, para conceder, durante três anos e fora do período do defeso, apoio financeiro aos pescadores artesanais (que estarão proibidos de exercer sua profissão), impõe aos pescadores outra profissão como condição para o recebimento; não promove a recomposição integral da renda perdida; gerando, ainda, impactos previdenciários com a retirada compulsória da previdência social.
Referida legislação impacta diretamente o modo de vida do grupo social, seus direitos fundamentais como pescadores/as artesanais, guardiões dos rios, inviabilizando a realização da justiça socioambiental ao proibir o exercício legítimo, digno e tradicional da pesca artesanal profissional. A vedação do direito ao trabalho e geração de renda comprometem a própria sobrevivência e segurança alimentar de milhares de famílias, sob o falso argumento de proteção ambiental por precaução e prevenção. Contrariando os diversos estudos técnico-científicos sobre os impactos ambientais e diminuição dos estoques pesqueiros, o poder executivo estadual
atribuiu aos/às pescadores/as artesanais profissionais a responsabilidade pela infundada e não comprovada diminuição dos estoques pesqueiros.
A atividade pesqueira é um elemento da dimensão existencial das pescadoras e pescadores de comunidades tradicionais, e por ser uma atividade de caráter tradicional e relacionada à identidade, é evidente que a proibição da pesca profissional artesanal pelo período de cinco anos viola o princípio da dignidade humana e também os direitos culturais dos pescadores artesanais, privados de um elemento central de sua dimensão existencial. A AJD vê com extrema preocupação os impactos culturais, sociais e ambientais que a referida legislação está promovendo ao proibir a prática da pesca por comunidades rurais negras, pobres e tradicionais, inviabilizando o seu modo de vida e subsistência em desrespeito à Constituição e aos Direitos Fundamentais.
Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) - 16 de fevereiro de 2024