As famílias com crianças em idade escolar estão trabalhando. Algumas em teletrabalho, algo extremamente difícil com as crianças em casa. As mães, em especial, dividem os computadores com os filhos e os auxiliam nas tarefas escolares. Estão exaustas. Outras famílias estão trabalhando de modo presencial. Estão nas ruas, usando transporte coletivo, convivendo com pessoas não vacinadas. E suas crianças estão em casa, por vezes sozinhas. A volta às aulas é, portanto, uma demanda compreensível, que também encontra respaldo na nossa vontade profunda de que tudo volte a ser como era até 2019, ao menos da perspectiva das possibilidades de convívio social.
A questão é que, ao contrário de outros países, o Brasil não fez lockdown e nem atua de forma eficiente para imunizar a população. Em outubro de 2020, Bolsonaro desautorizou Pazuello e suspendeu a compra de vacinas. Até hoje, apenas 14,52% da população está vacinada. Já são mais de 14,5 milhões de pessoas infectadas. Já passamos de 400 mil mortes. Uma tragédia sem precedentes.
Em várias cidades, as professoras não figuram nos grupos prioritários. Voltam às aulas, portanto, sem proteção alguma. Há proposta de lei para que as professoras figurem como grupo prioritário, mas isso não será suficiente. Mesmo que já está vacinado pode carregar em seu corpo o vírus que atingirá, talvez de modo fatal, seus familiares não imunizados. E não é apenas a falta de vacina que implica risco. Há também a circunstância de que o sistema de saúde no Brasil está em colapso. Se uma criança, brincando no pátio da escola, sofrer traumatismo craniano ou quebrar o braço, algo que ocorre com mais frequência do que imaginamos, correrá o risco real de não conseguir pronto atendimento ou de se contaminar com COVID-19. À realidade das famílias que precisam trabalhar durante a pandemia, o Estado deveria responder com repasse de renda. Garantir que as empresas tenham aporte financeiro para seguir existindo e que as famílias tenham renda suficiente para comer, vestir, morar e se alimentar com decência, permanecendo em casa. Até que estejamos todos vacinados, o isolamento social é a única medida eficaz contra o adoecimento e a morte.
A opção de retorno às aulas presenciais depende, portanto, de vacinação e de contenção da disseminação do vírus. Sem isso, trata-se da deliberada opção de colocar as professoras, as crianças e todas as pessoas que com elas convivem, em uma situação de exposição incompatível com a premissa básica da vida civilizada: o cuidado com a manutenção da saúde e da própria existência.
As mortes e o adoecimento que daí advirão retornarão, talvez, sob a forma de indenização, contra quem está assumindo conscientemente esse risco. Mas aí já será tarde demais. Sem vida não há economia, não há escola, não há sentido.
A AJD tem defendido lockdown com renda decente, porque acreditamos ser essa a única forma rápida e segura de voltarmos ao tempo em que aulas presenciais sejam possíveis, sem elevado risco a toda a população brasileira. A afirmação de que a escola tem que ser o último estabelecimento a fechar e o primeiro a abrir só é correta em ambiente que assegure a vida de nossas filhas e filhos e de todas as pessoas que com eles convivem. Em uma situação de caos social como a que vivemos, essa opção política fará apenas com que sejamos atingidos, com ainda mais força, fúria, dor e sofrimento, pelos tantos efeitos terríveis dessa doença fatal.
* É Presidenta da AJD - Associação Juízes para a Democracia. Diretora e Professora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS; Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP e Juíza do Trabalho.