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Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2.253/22, substitutivo de proposição inicial (PL 583/2011), apresentado na Câmara de Deputados e, atualmente, em tramitação no Senado Federal, devendo ser levado à votação, na Comissão de Constituição e Justiça desta Casa, em 06/02/2024. O PL 2.253/22, dentre outras disposições, pretende extinguir a Saída Temporária, prevista na Lei de Execuções Penais, art. 66, inciso IV; e, arts. 122 a 125.
Trata-se de mais uma proposta legislativa tendente ao recrudescimento do tratamento penal de pessoas em conflito com a lei, a exemplo de tantos outros diplomas legais recentes.
O alvo do momento é a Saída Temporária, destinadas às pessoas que cumprem pena no regime semiaberto, permitindo que tenham contato com o meio externo e a família, reestabelecendo vínculos sociais, familiares e laborativos positivos. A Saída Temporária é consectário do sistema progressivo de cumprimento da pena e objetiva o retorno gradual da pessoa presa ao convívio social e familiar. O direito é adstrito a condições legais e judiciais a serem cumpridas pela pessoa presa e pode ser sustado se essas forem desrespeitadas.
Na contramão do sistema progressivo de cumprimento da pena, surge, agora, o PL 2.253/22, cujo intuito é erradicar a Saída Temporária. Com tal proposta legislativa, os Congressistas pretendem atender reclamos de setores da sociedade que pugnam pela redução dos crimes, praticados, em especial, por pessoas em cumprimento de penas, em Saídas Temporárias. Alega-se que o instituto gera impunidade e causa despesas desnecessárias ao setor de segurança pública a quem incumbirá a recaptura das pessoas que não retornarem ao término da Saída Temporária. Em suma, quer-se fazer crer que a Saída Temporária não atende a qualquer finalidade social e de segurança pública e, por isso, deve ser extinta.
Apesar do discurso do legislativo replicar muitas vozes que negam ao preso o direito à reinserção social gradativa, tem-se na argumentação que sustenta o PL 2.253/22 uma série de enganos e falácias.
Com efeito, a supressão da Saída Temporária não trará a redução da criminalidade, ao contrário do anunciado. Já vimos outras leis agravadoras do tratamento penal que efeito positivo nenhum tiveram sobre os índices de criminalidade. Além de não possuir nenhum vínculo com a “geração de impunidade”, a erradicação da Saída Temporária aumentará o tempo de convivência do preso com o nefasto ambiente prisional, permitindo o aprofundamento dos vínculos com facções criminosas que dominam o universo do cárcere.
A eventual prática de crimes por indivíduos em Saída Temporária não serve de motivo para a eliminação desse direito. Afinal, é o próprio Estado (Poder Executivo) que falha em criar formas de controle e monitoração eficazes o suficiente dos reeducandos em meio aberto. Não basta o uso de tornozeleira eletrônica, a qual, diga-se, não costuma ser empregada nas situações de Saída Temporária.
O suposto aumento de despesas causadas ao setor de segurança pública, pela necessidade de recaptura das pessoas que não retornam, não é argumento sério a sustentar o fim da Saída Temporária, se o próprio Estado, através do Poder Executivo, deixa de investir na criação de vagas no semiaberto e em programas de fiscalização do(a) reeducando(a) no ambiente externo, além de fracassar na criação e manutenção de políticas efetivas de educação e reinserção da pessoa presa no trabalho, vida social e familiar. A alegação de gastos mal esconde a concepção de que o(a) reeducando(a) é um “peso social” e, quanto menos despesas causar ao erário, melhor.
Em verdade, extinguir a Saída Temporária é apenas a medida mais fácil e imediatista, mas que não ultrapassa a superfície do fenômeno criminal, privilegiando o poder midiático das soluções agravadoras do tratamento penal das pessoas presas.
Na tentativa de apresentar respostas rasas ao gosto do clamor social, perde-se uma oportunidade de tratar a criminalidade como um fenômeno complexo, a merecer enfrentamento multi e transdisciplinar e que deveria ser alvo de programas governamentais e políticas públicas de médio e longo prazo, com abordagem nos diversos níveis geradores do crime na sociedade brasileira.
Enquanto não for adotada tal abordagem e perdurarem as soluções casuísticas, o índice de fugas e práticas criminosas no semiaberto não cederão, assim como continuará alta a taxa de reincidência.
O que se espera do Legislativo brasileiro é que resista a soluções fáceis e vazias para a criminalidade e segurança pública, e que seja capaz de olhar além, com “olhos de ver”, a pessoa presa como sujeito de direitos e não um inimigo social que se deve manter trancafiado para sempre.
Artigo escrito por Lourdes Helena Pacheco da Silva, Juíza de Direito e Membra da AJD