O Poder Judiciário de Pernambuco dá um belo exemplo de que, quando se quer moralidade, não existe corporativismo nem escamoteamento da lei. Pela primeira vez, em 186 anos de história, o tribunal determina a aposentadoria compulsória de um juiz, afastado e preso sob a acusação de venda de sentenças. Ao mesmo tempo, afasta outros juízes sob suspeita de vários delitos, enquanto seu presidente, o desembargador Fausto Freitas, avisa que não será conivente com desvios de conduta de qualquer membro do Judiciário.
Eis aí um quadro que parecia impossível até pouco tempo. Havia a suposição – e para muita gente ainda há – de que um juiz de direito é uma pessoa intangível, acima de qualquer suspeita, à qual se deve reverência pelo alto posto que ocupa mas, também, porque tem o poder de decidir sobre a vida, a liberdade e o patrimônio de todos os demais. Essa armadura que a tradição, o medo ou o interesse criaram em torno da figura do juiz pode ser considerada líquida e certa em um regime autoritário, em que os notáveis se distinguem da sociedade e criam vida própria.
Num estado democrático de direito, tudo é regido pela Constituição e todos a ela estão sujeitos. Mais que isso, do guarda municipal ao presidente da República todos são servidores públicos. Significa dizer: todos são remunerados pelo povo e a ele devem respeito e atenção, de acordo com o saudável princípio da reciprocidade. O juiz de direito faz parte desse coletivo de servidores, tem os mesmos deveres, mas tem alguns direitos a mais pela peculiaridade de sua função pública: a ele cabe, por determinação legal, resolver os litígios, distribuir justiça.
Essa tarefa é extremamente delicada e exige postura e preparo diferenciados. No ato de distribuir justiça o juiz é sempre parcial, atende a um lado que venha a ser considerado o dono do melhor direito. Assim, entende-se que o magistrado venha a ter foro privilegiado, que corram em segredo de justiça as questões que o atinjam, a ele seja reservada a autonomia e outras pequenas distinções no exercício da função, até porque é dessa atividade que dependem os direitos da cidadania. Fora disso, o juiz é um cidadão como qualquer outro, sujeito aos mesmos rigores da lei, na forma como está sendo vista agora.
Esse é um bom, excelente começo no muito que se tem a andar, ainda, se queremos um Poder Judiciário que contribua para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Para isso, terá que ser dotado dos meios legais a fim de, por exemplo, agilizar a prestação jurisdicional e instalar segurança e certeza nas relações jurídicas, pressuposto para, entre outras coisas, o País atrair investimentos e empreendimentos internacionais. De outro lado, depende desse Poder a capacidade punitiva como forma de contribuir para enfrentar e diminuir a violência, a grande pandemia nacional. A impunidade é, todos sabem, o principal alimento da criminalidade.
Diante do esforço que faz hoje o Tribunal de Justiça de Pernambuco e, também, pela existência de entidades como a Associação do Magistrados e os Juízes para a Democracia, dá para acreditar que caminhamos o bom caminho. A Associação tem assumido uma postura que não se confunde com o corporativismo e os Juízes para a Democracia antecipam, entre nós, os movimentos que em outros países levaram a um Judiciário depurado de deformações típicas de corporações que se consideram acima da lei. Para essa entidade, os magistrados são assalariados pela sociedade e a ela têm obrigação de prestar contas da atividade que exercem. Tudo assim, pois, uma combinação extremamente salutar e promissora.
[Editorial do Jornal do Commercio, Recife, 25/01/2007]