A Magistratura Democrática da Itália realizou seu XVI Congresso, em fevereiro de 2007, em Roma. Trata-se de conhecida Associação cujo Princípio de numero seis dispõe: “la democratizzazione della magistratura, nel reclutamento e nelle condizioni di esercizio della professione, sostituendo il principio democratico a quello gerarchico, specialmente nel governo del corpo giudiziario” (site www.magistraturademocratica.it acessado em fevereiro de 2007).
Esta previsão está coerente com a Constituição daquele País. Lá, desde 1947, está fixado, no artigo 104, que dois terços dos integrantes do Conselho Superior da Magistratura são escolhidos por eleição na qual participam todos os juizes.
No Congresso antes referido, mais de duzentos juízes debateram as suas condições de trabalho, relacionamento entre as diversas instâncias e autoridades judiciárias e, acima de tudo, as conseqüências da integração da Europa.
Na construção de centros públicos de decisão jurídica, supra-nacionais, provavelmente, estejamos, todos, “tateando às escuras em uma seara perigosa”, sabendo-se que ao questionar o conceito de “soberania” implicitamente também estamos debatendo o de “cidadania”, conforme observações de Anderson Vichinkeski Teixeira (“Estado de Nações – Hobbes e as relações internacionais no Século XXI”, Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2007, p, 160 e 177).
Luigi Ferrajoli apontou que “se é verdade que a curto prazo não podemos nos iludir, é também verdade que a história nos ensina que os direitos não caem do céu e um sistema de garantias efetivas não nasce numa prancheta, não se constrói em poucos anos, nem tampouco em algumas décadas. Assim foi com o estado de direito e com nossas democracias ainda frágeis, que só se afirmaram à custa de longas bata¬lhas no campo das idéias e de lutas sangrentas. Se¬ria irracional pensar que o mesmo não acontecerá com o direito internacional e não nos empenharmos na parte que nos cabe.” (“A Soberania no Mundo Moderno”, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 63).
A complexidade do processo histórico italiano permitiu outro aprendizado, que foi expresso pelo jurista e Deputado ex-Presidente da Comissão Anti-máfia do Parlamento. Giuseppe Lumia salientou que “mais recentemente, ganhou espaço na ciência jurídica a opinião segundo a qual o direito não é tanto um conjunto de normas reforçadas pela ameaça do uso da força, quanto o rejunto de normas que regulam o uso da força”. (“Elementos de Teoria e Ideologia do Direito”, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 31).
Ora, se uma Associação de Juízes entrega-se ao exame das inúmeras normas externas ao seu País; se o conceito de soberania é visto como necessário e, ao mesmo tempo, como insuficiente; se não se sabe, exatamente, quais esferas de poder, efetivamente, estão comprometidas com os direitos da cidadania, muito mais profunda deve ser nossa meditação.
Outro autor italiano, na condição de professor em Florença, apresentou uma análise igualmente cuidadosa. Emilio Santoro lembra que “na teoria oitocentista do Estado de Direito, havia a idéia de que o poder soberano gozava de prerrogativa do uso ilimitado da força”. Hoje, a “globalização dos mercados financeiros com os fenômenos da desregu¬lamentação e da flexibilidade do trabalho, da simplificação das transa¬ções, da diminuição dos ônus fiscais e a paralela globalização das trocas culturais e das informações que tende a difundir identidades particulares desvinculadas do contexto territorial, parece privar a soberania estatal de seus fundamentos. Quanto mais a economia foge do controle da po¬lítica, quanto mais os meios de comunicação eletrônica abatem as dis¬tâncias e as fronteiras, permitindo o aparecimento de grupos virtuais que compartilham cultura e linguagem, tanto mais diminuem os recursos, econômicos e culturais, à disposição dos Estados e, assim, se corrói sua soberania”.
O quadro antes delineado justifica a afirmativa de que “é a própria idéia que seja possível governar através de leis gerais e abstratas que se mostra impraticável” e a função esperada e, freqüentemente, exigida do juiz é de que “não se limita a dirimir controvérsias, mas tende a resolver problemas que outros órgãos públicos, ou outras instituições sociais, não percebem em sua gravidade ou não estão em condições de afrontar de modo satisfatório”. (“Estado de Direito e Interpretação – por uma concepção jusrealista e antiformalista do Estado de Direito”, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 111 e 114).
O desenvolvimento democrático, de modo cada vez mais acentuado, não permite outra legitimação que não decorra da capacidade de solução dos problemas do cotidiano, no rumo de superação dos obstáculos ao crescimento da sociedade, do ponto de vista de nossa humanização.
Imagine-se, aqui, a facilidade em adivinhar o papel que o juiz pode/deve cumprir, especialmente nos Países “emergentes”. Por outro lado, nem se indague, ao menos agora, nestas linhas, sobre a dificuldade da maioria das direções dos órgãos judiciários, moldadas sob outros conhecimentos, inclusive nos Países “centrais”.
Na esfera da Justiça do Trabalho, tem relevo o conhecimento da celeridade dos processos na cidade de Turim, ao contrário do restante da Itália. Entre outros, naquela região, viu-se que a conciliação deve ocorrer “dentro” do processo e não antes ou de modo prévio, no dizer do advogado Foglia (outras considerações no site www.anamatra.org.br relativamente ao evento da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, em janeiro de 2007).
Os valores da democracia e participação, acaso bem compreendidos e aceitos, se entrelaçam com a legitimidade das decisões e, inclusive, com a celeridade no funcionamento dos órgãos encarregados dos ajustes sociais deliberados juridicamente.
Ricardo Carvalho Fraga
Juiz do Trabalho no TRT RS, membro da AJD