Márcia Novaes Guedes*
Hoje [17/12] a Juíza Marielza Brandão Franco vai receber a Comenda Maria Quitéria. Trata-se de uma homenagem realizada pela Câmara de Vereadores da cidade do Salvador numa solenidade especial às 19 horas no Plenário Cosme de Farias.
Conheci Marielza na Faculdade de Direito da UCSal. Dava meus primeiros passos bambos na árdua tarefa de compreender a hermética ciência do Direito e ela já dirigia o Diretório Acadêmico dos Estudantes. Tímida e magricela, jeans e camiseta [não tinha "tempo" para shopping], aos 20 anos dialogava com professores, diretor e reitor da Faculdade. Elaborava discursos, combinava debates, palestras e conferências com intelectuais. Com voz suave deslizava pelos corredores da Escola do Engenho Velho da Federação convocando todos a espantar a preguiça mental e alargar os horizontes culturais. Destemida, liderava passeatas em defesa da Universidade, do ensino público do crédito escolar, da redemocratização do país e contra o FMI e sua amarga receita de arrocho salarial.
Naquela época, o país era comandado por um General que dizia preferir o cheiro de cavalo ao cheiro de gente e resolvia tudo afirmando: "eu prendo e arrebento". Na triste Bahia, um alcaide fazia cumprir zelosamente as ordens dos generais e não deixava os estudantes manifestarem em paz seu protesto nas ruas e praças em defesa da democracia e dos direitos humanos. Correrias e gás lacrimogêneo faziam parte do nosso cotidiano estudantil, mas pouco importava. Mesmo lhe fazendo oposição, estava segura de que no Diretório Acadêmico de Direito havia uma liderança na qual se podia confiar.
Hoje, a Juíza Marielza Brandão preside uma das Varas da Justiça Estadual de Salvador e vai receber uma justa homenagem do povo da Bahia, a comenda Maria Quitéria. Talvez tenha gente torcendo o nariz. Natural. Na caminhada de todos e todas que, mesmo sem conhecer, seguem a lição de Antonio Gramsci, intelectual italiano que gastou sua vida [boa parte no cárcere] para nos deixar um dos melhores legados contra o fascismo, nem sempre agrada. Ensina Gramsci que, "o primeiro dever de uma pessoa que queira viver o seu tempo, de modo consciente, é aquele de recompor, de dar uma dimensão universal à visão fragmentada e ocasional que a experiência cotidiana lhe propõe". Gente dessa estirpe assume posição, toma partido, rema contra a corrente [des]constrói realidades mantidas no interesse de pequenos grupos apegados a interesses individualistas.
Maria Quitéria foi uma camponesa de Cachoeira do Paraguaçu que, disfarçada de homem, se alistou nas tropas que combateram os portugueses na guerra da Independência da Bahia [1822]. Homenagear a Juíza Marielza Brandão Franco com a comenda Maria Quitéria é uma demonstração pública de que ela segue com a consciência "gramsciana" enriquecida dos louros, invisíveis aos olhos de alguns, destinados apenas aos que imantando experiências realizam o bom combate, e provam com a vida profissional que sonhos não envelhecem.
* Doutora em DT pela Universidade de Roma [Tor Vergata], Juíza do Trabalho, associada da AJD.