Aviso Prévio Proporcional

Luiz Alberto de Vargas

A auto-aplicabilidade da norma constitucional que prevê o aviso prévio proporcional.

CONTEXTO DE AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
A Constituição de 1988 é um marco relevante para a afirmação dos direitos sociais no Brasil. Ainda que tal constitucionalização tenha sido tardia em relação aos demais países, a Constituição-cidadã afirmou sério compromisso com a evolução da sociedade.

Antes de tudo, é importante relembrar que o processo constituinte foi, talvez, o mais importante evento político-legislativo ocorrido em nosso País, com ampla mobilização popular e acompanhamento diuturno de seus trabalhos pelos setores organizados da sociedade, gerando enormes esperanças de um novo tempo de progresso e justiça social em um Brasil, que emergia após o período obscuro do regime militar.

A Assembléia Constituinte tornou-se palco de acirrada disputa parlamentar entre os blocos progressista e conservador (este último, autodenominado “Centrão”), sendo os direitos sociais reunidos no correspondente ao art. 7º do anteprojeto original, um dos principais pontos de embate[1]. Ao final, como resultado dos enfrentamentos, chegou-se a uma fórmula conciliadora, podendo-se dizer que o texto final representa um compromisso mínimo de toda a sociedade brasileira.

É este compromisso mínimo expressado no atual art. 7º da Constituição Federal que foi entregue à Nação pelo Constituinte de 1988, incumbindo prioritariamente ao Poder Judiciário a tarefa de zelar pela efetivação dos direitos ali consagrados.

Entre esses direitos sociais, explícitas promessas de resgate da histórica desigualdade que ainda marca nosso país, está o direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço prestado ao empregador. O direito de o trabalhador receber uma comunicação prévia do empregador de que será despedido sem justa causa é previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde 1850, tendo sido originalmente destinado a contratos comerciais. Introduzido na legislação trabalhista em 1935 (Lei n°. 62/35), não era um direito do trabalhador, mas um dever em face do empregador em caso de rompimento contratual. Como direito do trabalhador, o aviso aparece definitivamente com a CLT (Capítulo VI, artigos 487 a 491) em 1943.[2]

Não se trata de originalidade brasileira, porque tal direito está previsto na legislação trabalhista da maior parte dos países e, inclusive, se integra no macro-conceito do “direito ao trabalho”, sendo um elemento do elenco de institutos destinados a proteger o trabalhador contra os riscos da despedida imotivada e do consequente provável período de desemprego que a seguirá[3]. No caso do aviso prévio, pensava-se em conceder ao trabalhador um período de tempo em que, já sabedor do desemprego em futuro breve, pudesse reavaliar sua condição profissional, buscando um novo emprego, outra atividade remunerada ou melhor qualificação profissional. A ideia é que esse período de tempo fosse remunerado, ainda que o trabalhador não estivesse dispensado de todo da prestação de trabalho, mantendo-se parte da jornada de trabalho.

O instituto do aviso prévio em tempos modernos não é tampouco exclusividade do Direito do Trabalho, mas é típico dos contratos de trato sucessivo, sendo bastante usual nos contratos de Direito Civil. Porém sua aplicação no Direito do Trabalho é tão diferenciada quanto pode ser um contrato de compra e venda em relação a um contrato de trabalho, já que o que se discute, no caso, é a proteção à pessoa do trabalhador, a preocupação com sobrevivência deste e de sua família, o resguardo da sua dignidade humana contra os riscos do desemprego e da miséria.

Assim, ao estabelecer o legislador constituinte que os trinta dias do antigo aviso prévio previsto na CLT passassem a ser o mínimo para qualquer trabalhador, urbano ou rural, contratado por prazo indeterminado, implicitamente pretendeu-se assegurar, por meio da “proporcionalidade ao tempo de serviço” que os empregados “com mais tempo de casa” – e, assim, provavelmente mais idosos e sujeitos a maiores riscos em relação ao desemprego – teriam um tempo adicional remunerado para reconstruir sua vida profissional em relação aos trabalhadores com menos tempo de serviço. E, na medida em que não se pode presumir que o legislador constituinte subestimasse fortemente as dificuldades evidentes dos trabalhadores mais idosos para obtenção de novo emprego, esse “tempo adicional” certamente deveria ser significativamente superior a trinta dias, ou seja, ao período mínimo que um aviso prévio poderia ter, mínimo de proteção previsto em lei.

Porém, tal direito social, como outros tantos do art. 7º da Constituição Federal, caíram no vazio, não foram efetivados mesmo após tantos anos da promulgação da Constituição-cidadã. O que ocorreu é que esses direitos, tão festejados e que tanta expectativa criaram, não conseguiram “sair do papel”, não tendo superado a infeliz conjugação da inação legislativa e da timidez dos próprios agentes sociais supostamente interessados em sua normativização pela via da negociação coletiva. Mais; também o Poder Judiciário, buscado como última esperança de efetivação, tem falhado em dar eficácia a esses direitos sociais.

O acompanhamento da trajetória do direito ao aviso prévio proporcional é representativo das dificuldades de efetivação de todos os direitos sociais constitucionais, podendo-se dizer que as objeções teóricas que se lhes opõem são as mesmas e repousam em um discurso que varia desde a negativa do valor jurídico das normas constitucionais até a inexequibilidade dos direitos sociais.

Porém, antes de tudo, a primeira dificuldade a ser enfrentada é a de base axiológica: a valoração do direito social como um direito humano fundamental. De acordo com a Teoria Crítica dos Direitos Humanos (Herrera Flores, 2009, p. 61-5), estes são um produto da luta coletiva concreta de determinada coletividade em determinado período histórico, ou seja, produtos culturais, não sendo o papel do jurista indiferente no resultado de tais processos. A luta pelos direitos humanos integra o processo pelo qual cada formação social, cultural e historicamente, constrói seu caminho para a dignidade. Assim, do jurista o que se espera é a atitude de compromisso com a construção de atitudes e aptidões que permitam levar adiante tais lutas por espaços mais amplos de dignidade.

Sendo o Direito uma obra cultural na busca da Justiça, CAPÓN FILAS aponta como elementos estruturais do sistema: como entradas, a realidade e os valores críticos; como saídas, as normas e a conduta transformadora (CAPÓN FILAS, 1998, p. 19). Tal conduta, a ser praticada por atores sociais e operadores jurídicos, está orientada para a transformação da sociedade, quando esta pareça injusta e de pouca valia.

Uma segunda dificuldade pode estar situada em uma limitada compreensão da importância dos contextos sociais, culturais e econômicos que marcam as arenas em que se disputa politicamente o real alcance que esses direitos possam ter.

Uma visão supostamente universalista tende a ignorar as implicações decisivas que as concretas circunstâncias históricas e sociais podem ter na definição das lutas pelos direitos humanos. A ideia de um homem universal com direitos abstratos comuns a todos os espaços históricos e temporais minimiza a importância de compreender os direitos humanos – e particularmente os direitos sociais - como produtos da luta coletiva concreta de determinada coletividade em determinado período histórico, de modo que a contextualização dessa luta como essencial para a devida compreensão do fenômeno jurídico, sem o que se corre o risco de uma teorização vazia e descarnada, que desconhece de onde provém e, em especial, para onde se encaminha o processo de conquista de maiores e mais elevados espaços de dignidade no mundo atual.

Daí, podemos dizer que

a) os direitos humanos não podem ser entendidos fora dos contextos sociais, econômicos, políticos e territoriais em que se dão, devendo fugir de todo tipo de análise metafísica ou transcendental que procure negar sua essência real e material (e, portanto, humana);

b) o estudo e a prática dos direitos humanos devem ser praticados desde um saber critico que desvele os conflitos de interesses dentro da sociedade. Além disso, devem ter em conta as transformações que ocorrem continuamente nos contextos sociais, culturais e políticos.

Ademais, a suposta preocupação universalista também tende a reforçar análises comparativas, pelas quais se supõe que as pautas de direitos humanos de países em desenvolvimento (como o Brasil) necessariamente se estabeleçam pela adoção dos direitos já conquistados ou em processo de conquista em países desenvolvidos. No caso do aviso prévio proporcional, a escassa importância desse direito em países desenvolvidos reforça a ideia de que estaríamos diante de um “direito menor”, de pequeno valor econômico e de limitado alcance social.

A diferença notável entre o instituto do aviso prévio no Brasil em relação a outros países de desenvolvimento econômico equivalente é que, em nosso país, o aviso prévio tem uma importância incomum em decorrência da inexistência no ordenamento jurídico brasileiro de um eficaz sistema de proteção contra a despedida imotivada. Em outros países, o aviso prévio tem relevância para marcar temporalmente, de forma inequívoca, o término da relação contratual (e, também sinalizar o início do prazo prescricional) e, principalmente, para determinar a causa da despedida. De fato, a legislação de outros países, em especial na Europa, a despedida deve ser fundamentada em uma causa econômica, técnica ou disciplinar, não sendo admitida a despedida sem motivação[4].

No Brasil, o aviso prévio se constitui em um elemento complementar no deficiente sistema protetivo contra a despedida imotivada – e, por isso, mesmo, um elemento essencial de um sistema que carece do instituto da “despedida causal”.

De fato, no Brasil vige o sistema da “despedida livre”, havendo muitos que, com exagero, vislumbram um ilimitado direito potestativo de despedida do empregador. Não é assim, mesmo porque o ato patronal está sujeito ao crivo revisional em relação, por exemplo, a eventual despedida discriminatória, em afronta ao "caput" do art. 5º da CF/88.[5]

De toda sorte, comparando-se com outros países, chega-se à conclusão que o nível de proteção ao emprego no Brasil é dos menores do mundo. Os dados do Banco Mundial demonstram que o Índice de Dificuldade de Demissão no Brasil é zero, enquanto que, na Alemanha e na Argentina, ele chega a 40. Outros dados: Chile, 20; Espanha, 30; Portugal, 50 (Relatório “Doing Bussiness”, 2008).

Também em relação aos custos da despedida, os dados mostram, no Brasil, despedir um trabalhador é mais barato que na média dos países da América Latina e, também, da maioria dos países europeus. Custo no Brasil: 37 semanas de salário; Custo na Argentina: 139 semanas de salário; Alemanha: 69 semanas de salário; Chile, 52 semanas; Espanha, 56 semanas; Portugal, 95 semanas.

O constrangedor processo de ratificação e, um ano depois, de denúncia da Convenção n°. 158 da OIT pelo Governo brasileiro evidencia como o assunto é difícil e delicado no Brasil. Tal Convenção prevê medidas de proteção contra a despedida imotivada e, por isso, o reconhecimento de seu valor jurídico no ordenamento jurídico interno poderia ser um sucedâneo ao dispositivo do art. 7o, I da Constituição Federal. Porém, mesmo durante o curto período em que o Brasil incorporou em seu ordenamento jurídico a Convenção n°. 158 da OIT, o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, terminou afastando qualquer esperança de uma interpretação mais ampla das normas de proteção contra a despedida imotivada. Entendeu o STF (sessão do daí 04/09/1997), ao examinar medida cautelar na ADIN-1.480-3-DF, que as normas da Convenção nº 158 da OIT têm caráter meramente programático. Diante da denúncia da Convenção n°.158, a ADIN acabou sendo extinta sem julgamento do mérito em decisão monocrática do Relator, Ministro Celso de Mello, em 27/6/2001:

“... Vê-se, portanto, que a convenção nº 158/OIT não mais se acha incorporada ao sistema de direito positivo interno brasileiro, eis que, com a denúncia, deixou de existir o próprio objeto sobre o qual incidiram os atos estatais - dec. Legisl. 68/92 e 1855/96 - questionados nesta sede de controle concentrado de constitucionalidade, não mais se justificando, por isso mesmo, a subsistência deste processo de fiscalização abstrata, independentemente da existência, ou não, no caso, de efeitos residuais concretos gerados por aquelas espécies normativas. (...) Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, julgo extinto este processo de controle abstrato de constitucionalidade, em virtude da perda superveniente de seu objeto.”

A validade da denúncia da Convenção n°. 158 (Decreto Federal nº 2.100, de 20/12/1996) continua em discussão no STF – ADIN- 1625. Votou pela improcedência o Min. Nelson Jobim e pela procedência parcial, condicionando a denúncia ao referendo do Congresso Nacional, os Ministros Maurício Corrêa e Carlos Britto.

Como bem evidencia o recente episódio da crise econômica de 2008, quando as empresas recorreram, mais uma vez, à prática da despedida coletiva, não há, no Brasil, seja no arcabouço legislativo, seja em políticas públicas, uma proteção eficiente para os desempregados, nem medidas que desestimulem os abusos patronais quando desempregam massivamente ao primeiro sinal de crise.

A tímida reação de parte do Judiciário Trabalhista, especificamente os Tribunais das 15a. e 2a. Regiões[6], que apenas suspendiam os efeitos das despedidas por determinado prazo para que negociações coletivas pudessem acontecer (medida mais do usual em outros países, em especial na Europa), foi contida pelo TST, que não encontrou base normativa para que os Tribunais Regionais concedessem este “aviso prévio de natureza coletiva”, filiando-se à corrente do ilimitado direito potestativo do empregador a despedir, mesmo que coletivamente.

Destaque-se, entretanto, o voto vencido do Ministro Maurício Godinho Delgado, pelo qual:

DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n°. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (artigos 1o, IV, 6o e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (artigos 5o, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8o, III e VI da CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, observados os fundamentos supra”. Processo TST 00309/2009. Publicado em 04/9/2009. Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Embraer, Dissídio Coletivo, oriundo do TRT 15ª. Região.

Por outro lado, há de se entender a importância do elastecimento do aviso prévio a partir da insuficiência da proteção social no Brasil.

Uma importância algo desmesurada do instituto do aviso prévio nas relações de trabalho no Brasil não decorre apenas da inexistência da despedida causal no Brasil, sendo este apenas um dos elementos – ainda que o principal – do deficiente sistema de proteção ao emprego. A esse elemento, já analisado anteriormente, deve-se acrescentar outros, também decorrentes da estrutura social-econômica de um país ainda insuficientemente desenvolvido e com um enorme “déficit” social que deixa à margem dos benefícios do progresso ainda significativa parte da população brasileira, ainda que o país já se encontre entre os chamados “emergentes” ou “em vias de desenvolvimento”.

Entre os elementos que compõem o quadro de aguda deficiência de proteção social que atinge o “Welfare State” nacional pode-se mencionar: a insuficiência geral dos serviços públicos; a reduzida rede de assistência social (ainda que incluída a parte dos recursos públicos “desviada” da Previdência Social); a inexistência de proteção previdenciária para boa parte dos trabalhadores e a insuficiente cobertura previdenciária para os demais; a inexistência de uma política salarial que recupere a renda em geral dos trabalhadores (ainda que algo tenha sido feito, nos últimos anos em relação ao salário mínimo); a existência de uma política fiscal regressiva, que penaliza justamente os que ganham menos; uma política monetária que privilegia os que vivem de renda, prejudicando a economia produtiva; a inexistência de uma política sólida de desenvolvimento econômico que alavanque a criação de empregos e, assim, diminua o desemprego e valorize o fator trabalho na distribuição da renda nacional; entre outros.

Especificamente contribuem para a vulnerabilidade do trabalhador em vias de ser despedido e ingressar no contingente de desempregados, o insuficiente seguro-desemprego, que cobre, no máximo, cinco meses de não-ocupação e, ainda assim, apenas para os trabalhadores de salário mais baixo; a baixa qualificação profissional do trabalhador brasileiro, o que dificulta sobremaneira sua realocação do desempregado; a insuficiência de crédito para trabalhadores de baixa renda e a inexistência de crédito ao desempregado.

Assim, a aposição da baixa na CTPS do trabalhador marca o início de um tempo de verdadeira “tragédia pessoal e familiar”, em que a insegurança quanto ao futuro se soma à certeza quanto a um presente de penúria e privações. A data que assinala o “término da relação contratual” marca também o fim da cobertura médica para os trabalhadores que usufruem de convênio-saúde; o fim do vale-transporte; o fim do vale-refeição.

Não parece difícil imaginar que o interesse do trabalhador é que tal data seja postergada o maior tempo possível. Por certo as dificuldades de recolocação aumentam conforme a idade do trabalhador desempregado. Estatísticas recentes demonstram que o afastamento dos mais idosos das atividades produtivas importa, em muitos casos, “em uma situação de precariedade e não a conquista de um benefício recebido após uma longa vida de trabalho”. De fato, a população idosa encontra maior dificuldade de ser absorvida na atividade produtiva em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e, assim, em geral, “sua inserção se dá em condições mais desfavoráveis — menores possibilidades de emprego, vínculos empregatícios mais frágeis, postos de trabalho menos qualificados e, não raro, principalmente para as mulheres, remunerações inferiores e instáveis” (KRELING, 2009).

Além disso, conforme MARCELO AFONSO RIBEIRO, o trabalho tem um valor fundamente para todos os indivíduos, sendo uma forma de participar da construção do mundo, de forma que a impossibilidade de trabalhar pode gerar rupturas psicossociais significativas. Este autor analisa a ruptura biográfica (descontinuidade na história da vida das pessoas) decorrente de situações de desemprego, afirmando que o desemprego “produz a perda de referência e uma situação de fronteira, pois a pessoa se encontra à margem da lógica dominante, em uma situação de exclusão” (RIBEIRO, 2007).

Por sua dificuldade de inserção no mercado laboral, os idosos constituem parcela vulnerável à ocorrência de depressão (OLIVEIRA, 2006), o que, por si só, justificaria uma política pública diferenciada de proteção ao emprego para esse contingente da população.

O aturdimento que sofre o recém-desempregado é similar ao da crise psicótica, uma vez que as pessoas que atravessam tais situações, ainda que diferentes, sofrem experiências psicossociais semelhantes, pois “algo mudou em sua situação que não conseguem compreender, assimilar e lidar com seu momento, planejar o futuro, ficando presos ao eterno presente” (GINGRAS & SYLVAIN, 1998).

Por outro lado, quanto mais “tempo de casa” tem o trabalhador, maiores são os vínculos sociais, econômicos e psicológicos que ele mantém com o emprego, sendo mais difícil o rompimento abrupto.

Parece, assim, inequívoco que a postergação no tempo do momento fatal do desligamento do emprego é benéfica à saúde psicológica do trabalhador despedido, mormente quando tem maior tempo de serviço.

Nesse contexto, portanto, conceder ao trabalhador despedido com maior tempo de serviço prestado ao empregador o benefício de um tempo adicional para consumação da despedida tem perfeita coerência com a realidade brasileira e com a necessidade de proteção social a um contingente mais vulnerável da população.

Por fim, parece extreme de dúvidas de que a preocupação em efetivar o direito ao aviso prévio proporcional tem, ao menos, o mérito de trazer mais luz ao debate a respeito da urgente necessidade da sociedade brasileira em repensar a insuficiente proteção social ao trabalhador em geral (“livre despedida”, bem como a grupos específicos de trabalhadores (em especial, os de menor renda e/ou idosos).



2 - QUESTIONAMENTO DA BASE TEÓRICA DA NEGAÇÃO DE SUA EFETIVIDADE

Quando se trata da efetividade de um direito constitucional, há de se entender as variadas objeções apresentadas pelo liberalismo, desde a negação do valor jurídico das normas constitucionais[7] até a redução de sua efetividade a conteúdos mínimos ou bastante diluídos.[8] Do mesmo modo, alguns autores apontam para a existência de direitos constitucionais meramente programáticos, negando que sejam verdadeiros direitos, mas meras recomendações ao legislador.[9] Outros, por constatarem a judiciabilidade deficiente dos direitos sociais se opõem a incluí-los como normas constitucionais, já que não representariam mais do que fonte de frustração e equívoco, pois os únicos direitos fundamentais que mereceriam esse nome seriam os individuais ligados à liberdade[10]. Por fim, também há os que negam, na prática, a aplicabilidade direta dos direitos sociais trabalhistas previstos na Constituição[11].



2.1 Valor jurídico da Constituição

Em primeiro lugar, reafirma-se o valor jurídico da Constituição, entendendo-a como norma jurídica fundamental, não apenas como no sentido de que seja fundamento de validade de todo o ordenamento, mas, principalmente, porque

"contém a ordem jurídica básica dos diversos setores da vida social e política, de modo que pré-configura de forma similar aos programas de partido, um modelo para a sociedade" (OTTO, 1998, p. 44, trad.).[12]

Com o passar dos anos, por uma lenta elaboração, os direitos sociais se cristalizaram nas constituições ocidentais, a elas se incorporando como valores fundantes dos Estados do pós-guerra. A normatização de tais direitos importa, na prática, na plasmação de um pacto constituinte que, abarcando amplamente as classes sociais, definiu um modelo de sociedade, que se pretende integradora e solidária e, assim, assumiu um solene compromisso de tornar realidade os direitos fundamentais, definidos como valores centrais da modernidade. É necessário lembrar que, sobre tal compromisso se assenta boa parte da legitimação democrática dos Estados modernos, passando suas constituições a ser bem mais do que emblemáticos signos de um pacto social. Elas mesmas, as Constituições, passam a ser a garantia de tais compromissos, no caso, de que os direitos reconhecidos como fundamentais sejam efetivos.

Assim, formam-se desenhos básicos para a ordem econômica e para a sociedade em seu conjunto, em que não se assinala apenas para o Poder Público os limites do permitido, mas que impõe a este também o dever positivo de criar uma ordem. Assim, a Constituição, toda ela, se transforma em um programa, e a legislação já não é mais o instrumento de uma ação política livre, dentro dos limites negativos impostos pela Constituição, mas é o desenvolvimento da Constituição, do programa que ela contém. A Constituição já não incorpora somente a concepção política do que o Estado deve ser, mas sim o programa que ele deve fazer (OTTO, 1998, loc. cit.).

Referindo-se à Constituição brasileira, EROS ROBERTO GRAU (2000, p. 199) denomina-a Constituição dirigente, na medida em que contém um conjunto de diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade que lhe conferem o caráter de um plano global normativo, o do Estado e da sociedade.

Na correta interpretação desse plano global contido na Constituição, é preciso ter em conta os princípios fundamentais que a conformam, ou seja, a dignidade da pessoa humana, como fundamento da República e como fim da ordem econômica; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1o, IV) como fundamento da República e a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa como fundamento da ordem econômica (art. 170, caput) e construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um dos objetivos fundamentais da República (art. 3o, I).

Além disso, a Constituição serve para fundamentar um modelo de organização política para a comunidade[13], cumprindo uma função de unificação do ordenamento jurídico em torno dos valores fundamentais, visando evitar sua dissipação por apreciações pontuais ou desvios que possam ser produzidos nos sucessivos desenvolvimentos normativos. Trata-se, assim, de colocar tais valores fundamentais a salvo de “possíveis excessos das dinâmicas políticas”, colocando-os em uma posição de “primazia constitucional” de forma que se projetem sobre toda a dinâmica normativa e atividade jurídica, sem que sejam afetados “pelas tensões ou desvios que se produzam nos planos inferiores” (PEÑA FREIRE, 1997, p. 80, trad.).[14]

Estes valores, que se aglutinam em macro-conceitos da liberdade, da dignidade e da igualdade têm, nas normas constitucionais, uma forte expectativa de realização plena, ainda que diferida no tempo. Trata-se de valores permanentes e definitivos, que, ainda que possam ser atualizados, devem ser resistentes a políticas econômicas conjunturais.

Assim, a mudança de expectativas econômicas, como ocorreu, por exemplo, em face da recente crise mundial de crédito, não deveria implicar em uma alteração substancial das cláusulas de bem-estar geral contidas no pacto social constituinte, que deveria ser entendidos como “intangiveis, incorporados como estão às regras fundadoras do contrato social” (BRUNET e BELZUNEGUI, 1999, p. 158)[15].



2.2A supremacia da Constituição

Modernamente, não se admite que se possa resumir o poder normativo da norma constitucional a uma mera recomendação ao legislador, destituída, por completo, de efetiva e imediata aplicabilidade. Ao contrário, à norma constitucional se reconhece força normativa atual e vinculativa a todos os agentes públicos e, por efeito irradiante, também aos particulares.

Conforme GARCÍA DE ENTERRÍA, reconhece-se à Constituição uma “supralegalidade material” que a ela assegura “uma predominância jurídica hierárquica sobre todas às demais normas do ordenamento, produto dos poderes constituídos pela própria Constituição, obra do superior poder constituinte”. Assim, as demais normas somente são válidas se não contrariam, não apenas o sistema formal de produção das mesmas estabelecido pela Constituição, mas, sobretudo, o “quadro de valores e de limitação do poder em que a Constituição se expressa¨ (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 50 trad.). Assim,

(...) la Constitución es ¨resistente¨ frente a cualquier norma u orden contraria a sus mandatos (...) Esta resistencia o plus de validez, o inmunidad de la Constitución frente a todas las normas y actos que de ella derivan, es la base misma de su supremacía, y, por tanto, la piedra angular de su eficacia como pieza técnica en la construcción del Estado y del ordenamiento jurídico. (GARCIA DE ENTERRÍA, 1994. p. 64-5).

Temos, aqui, dois aspectos a considerar: primeiro, a Constituição define o sistema de fontes formais do Direito e mantém uma relação de superioridade com as demais normas do sistema, de modo que a norma constitucional prevalece e afasta do ordenamento jurídico qualquer outra norma que a contrarie; segundo, tal supremacia não se baseia em razões meramente formais, mas substanciais.

Assim, de um ponto de vista formal, basta por em relevo que as normas constitucionais, em seu conjunto, prevalecem sobre todas as demais normas jurídicas, sendo o parâmetro de validade no ordenamento jurídico. É o que se denomina a “primazia manifesta à vinculação constitucional” frente a todos as outras normas do ordenamento jurídico, que se constitui o elemento-chave na construção e na validade de todo o ordenamento jurídico. Por isso, em qualquer momento de aplicação das normas – por operadores públicos ou operadores privados, por juízes, legisladores ou administradores -, tal supremacia constitucional deve ser obrigatoriamente levada em conta “en el sentido que resulta de los principios y reglas constitucionales, tanto los generales como los específicos referentes a la materia de que se trate¨ (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p.95).

Conforme ENTERRÍA, as consequencias mais importantes da primazia normativa da Constituição podem ser assim resumidas na completa vinculação de todos os tribunais e sujeitos públicos e privadas a todas as normas constitucionais. Por outro lado, todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas no sentido mais conforme com a Constituição (princípio da interpretação conforme com a Constituição). Em caso das normas de direito ordinário não se conformarem com a Constituição, tais normas deve ser entendidas como inválidas, de forma que não devam ser aplicadas pelos Tribunais que, ao contrário, devem declará-las inconstitucionais. Alem disso, em certas matérias, em especial no que concerne à regulação de direitos fundamentais, a Constituição é de aplicação direta como norma de decisão de qualquer classe de processo, por ter revogado todas as leis que opõem à sua regulação. Por fim, em caso de leis posteriores à Constituição, entende ENTERRÍA que, em se tratando de tutela direta de direitos fundamentais, incumbe ao juiz dar efetividade à norma constitucional, independentemente da declaração de inconstitucionalidade da lei ordinária (GARCÍA DE ENTERRÍA, 1994, p. 78).

Assim, se deduz o valor normativo e imediato de todas as normas constitucionais o que ¨afecta a todos los ciudadanos y a todos los poderes públicos, sin excepción y no sólo al Poder Legislativo como mandatos o instrucciones que a éste sólo cumpliese desarrollar - tesis tradicional del carácter ¨programático¨ de la Constitución - ; y entre poderes públicos, a todos los Jueces y Tribunales - y no sólo al Tribunal Constitucional¨.

No mesmo sentido, em comentários à Constituição portuguesa, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA apontam a possibilidade de aplicação direta de normas constitucionais, mesmo sem lei intermediária ou contra e em lugar dela, quando se trate de normas que dizem respeito a direitos, liberdades e garantias (GOMES CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 46).

De outro lado, como se viu, a supremacia constitucional não se limita ao plano formal, pois se reconhece uma “força conformadora” que não se limita apenas aos direitos e garantias individuais, mas se estende também aos campos da ordem econômica e social. Conforme GOMES CANOTILHO e MOREIRA,

Também está em crise a concepção clássica de Constituição que restringe a sua função à limitação do poder e à garantia das liberdades públicas. O texto constitucional não pode nem deve ser considerado como simples estatuto jurídico de repartição do poder de Estado e de garantia dos direitos e liberdades. (GOMES CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 43).

Tal característica de vinculatividade se encontra em todas as normas constitucionais, pois, conforme RUBIO LLORENTE, ¨a Constituição, toda Constituição que possa assim ser chamada, é fonte de direito no sentido pleno da expressão, quer dizer, origem mediata e imediata de direitos e obrigações – e não somente fonte das fontes¨ (RUBIO LLORENTE, 1997, p. 52, trad)[16].

Tal pensamento é incompatível com a ideia de normas praticamente destituídas de valor normativo, implícita no conceito de normas programáticas.

2.3Da superação do conceito de “normas programáticas”

Um dos aspectos mais importantes na análise do valor normativo da Constituição diz respeito à aceitação ou não de que determinadas normas constitucionais seriam destituídas de juridicidade, não tendo capacidade de tutelar qualquer tipo de direito ou de interesse.

Tal equívoco decorre da ideia de que parte da Constituição possa constitui apenas uma “promessa política”, destituída de força normativa, desconhecendo-se seu compromisso histórico-institucional e invertendo-se a hierarquia interpretativa, de forma a dar prevalência à regra ordinária em relação à constitucional.

VEZIO CRISAFULLI combate tal ideia, afirmando que, uma Constituição é, sempre e acima de tudo, um ato normativo, não diversamente da Lei Ordinária, mas dotada de um maior valor. Em conseqüência, as contradições internas devem ser eliminadas, dando-se prioridade às normas postas na Constituição, enquanto fonte superior a qualquer outra lei posterior. Ademais, o autor “reprova o procedimento administrativo e da jurisprudência de superar as contradições, suprimindo praticamente um dos termos (a Constituição nova), aplicando-se o direito precedente, como se a Constituição não fosse lei (ato normativo), e lei predominante e superior” (LYRIO PIMENTA, 1999, p. 151).

GOMES CANOTILHO, a respeito da Constituição portuguesa, pondera ser pouco apropriado falar de “normas constitucionais programáticas”, preferindo o termo “normas-fim”, pois “informam uma atividade” e “dirigem materialmente à concreção constitucional” (GOMES CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 89). Mesmo tais normas não são meras “exortações morais”, “promessas” ou “apelos ao legislador”, juridicamente não providos de qualquer vinculatividade, pois a elas se reconhece “positividade jurídico-constitucional”. O autor português as denomina “normas diretivas de ação estatal de alcance essencialmente político”, pois é certo que

não se limitam a legitimar a pressão política sobre os órgãos competentes, não sendo irrelevantes sob o ponto de vista jurídico-constitucional: por um lado, podem constituir fundamento constitucional de ações e medidas estatais que, sem elas, poderiam não ser constitucionalmente lícitas; por outro lado, elas consubstanciam valores constitucionais que não podem deixar de ser relevantes em sede de interpretação constitucional (e legais).

(GOMES CANOTILHO e MOREIRA, 1991, p. 113)