Rafael da Silva Marques
O que se discute neste breve ensaio é se a diferença superior a dois anos constante do artigo 461, parágrafo primeiro, da CLT, foi ou não recepcionada pela CF/88. Para tanto, serão analisados além dos dispositivos constitucionais sobre o tema, a declaração de direitos fundamentais da OIT e a convenção 100 da mesma instituição internacional.
O artigo 7o, XXX, da Constituição brasileira de 1988 consagra a impossibilidade de discriminação salarial. Este é o primeiro parâmetro.
Esta norma, como se pode ver, concretiza o princípio de igual trabalho e igual salário, e não faz qualquer referência a um limitador temporal. É por isso que, em princípio, a partir de 05 de outubro de 1988, não haveria mais fundamento legal para se entender cabível os dois anos na função como justificadores da diferença de salário.
Deve-se ter em mente, a fim de reforçar este argumento, que a norma constitucional que consagra este direito fundamental, serve justamente para incentivar que as empresas, uma vez querendo bem remunerar determinado empregado, adotem um sistema de plano de cargos e salários, este sim, atribuindo funções distintas e critérios objetivos de promoção por exemplo. De outro lado, podem as empresas, por regulamento, estabelecerem adicionais por tempo de serviço, o que remuneraria maior tempo de empresa. Ou ainda, por convênio coletivo, consagrado justamente no artigo 7o, XXVI, da CF/88, teriam a possibilidade de estabelecer adicional por tempo de serviço, premiando os empregados com mais tempo de empresa.
De outro lado, é princípio de direito fundamental da Organização Internacional do Trabalho, item 2, “d”, a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, norma esta que entrou no ordenamento jurídico brasileiro quando da Conferência 86o da OIT, o fazendo independentemente de ratificação, conforme item 2, cabeça, da declaração da OIT sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho[1].
Ainda, é bom não perder de vista que pelo Decreto Legislativo n. 24, de 29.5.56[2], o Brasil ratificou a Convenção número 100 da OIT, norma esta que determina a igualdade de remuneração entre homens e mulheres, além da igualdade remuneratória no caso de trabalho de igual valor. Note-se que esta norma não prevê a possibilidade da diferença salarial entre o trabalhador e o paradigma por questão temporal ou mesmo por tempo de empresa ou função, ao contrário do que preceitua o artigo 461, parágrafo primeiro, da CLT. Inclusive, para confirmar o que está dito aqui, Marín Valverde, Rodriguez-Sañudo Gutiérres e García Murcia aduzem que as normas da Convenção número 100 da OIT consagram e visam à concretizar, no mundo fático, a igualdade de salário para os casos de igual trabalho.[3]
A Convenção 100 da OIT estaria, portanto, em consonância com o que preceitua a CF/88, artigo 7o, XXX, devendo ser aplicada aos casos em que envolvem a equiparação salarial.
É de bom grado se dê destaque ao fato de que o artigo 7o, cabeça, da CF/88, norma/princípio também de interpretação, e que vincula igualmente o poder judiciário, exige a melhoria da condição social dos trabalhadores não apenas quando da elaboração da lei mas da interpretação dela, consagrando a cláusula do não-retrocesso em matéria trabalhista. Isto quer dizer que a interpretação possível, hoje, do artigo 461, parágrafo primeiro, da CLT seria aquela que afasta a aplicação da diferença de dois anos, por não possuir ela, após o advento da Constituição de 1988, respaldo constitucional. Antes pelo contrário, consagra a possibilidade de discriminação em matéria de salário, o que fere os artigos 7o, XXX, da CF/88, artigo 2.1 da Convenção n. 100 da OIT e artigo 2, “d”, da declaração da OIT sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho.
Pelo que está dito supra, creio não ser possível considerar recepcionado pela CF/88 os dois anos constantes do artigo 461 da CLT e que seriam causa impeditiva do direito à equiparação salarial. Até porque há várias formas de se premiar tempo de empresa, todas elas previstas e fortalecidas pela lei e pela Constituição.
[1]http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/oit/doc/declaracao_oit_547.pdf- acesso 08 de julho de 2013, às 17h47min.
[2] Promulgação: Decreto n. 41.721, de 25.6.57; vigência 25 de abril de 1958.
[3]Marín Valverde, Antonio, Rodriguez-Sañudo Gutiérres, Fermin y García Murcia, Joaquín, Derecho del trabalho, Madrid; Técnos, 18º Ed, 2009, p. 150.
Rafael da Silva Marques é Juiz do Trabalho e membro da AJD.