VOTO Nº 1215
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2019978-41.2014.8.26.0000
COMARCA: OSASCO – 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
AGRAVANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO REGIONAL DE OSASCO
AGRAVADO: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
JUIZ: OLAVO SÁ PEREIRA DA SILVA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação Civil Pública. Obrigação de não fazer. Centros de Detenção Provisória de Osasco (CDP Osasco I e CDP Osasco II) ocupados por população carcerária quatro vezes maior do que a permitida. Proibição de recebimento de novos detentos. Redução da população carcerária para o limite de 1.000 presos. Pedido de antecipação de tutela indeferido. Reforma. Competência do Juízo das Execuções Criminais que não exclui a competência do Juízo da Fazenda Pública. Precedentes. Violação de direitos constitucionalmente tutelados que autoriza a atuação do Poder Judiciário. Transposição do limite da suportabilidade humana. Imposição, pelo Poder Público, de tratamento desumano e degradante aos custodiados. Razoabilidade da multa diária. Concessão da tutela antecipada. Agravo provido.
Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão de fls. 150 em que o magistrado indeferiu a liminar, por ausência de “fumus boni juris”, uma vez que seria da competência do Juízo Criminal a administração do fluxo de detentos nos presídios, determinando a citação da ré.
Irresignada, recorre a Defensoria Pública. Aduz, primeiramente, a existência de interesse processual em pleitear, via ação civil pública, a remoção de presos detidos ilegalmente em CDPs, haja vista que a atribuição do juízo das execuções para fiscalizar instalações de estabelecimentos penais não seria exclusiva, colacionando jurisprudência em abono à sua tese. No mérito, informa que os CDPs de Osasco (CDP Osasco I e CDP Osasco II) abrigam população 400% maior do que a capacidade permitida, colocando em risco os detentos e os funcionários, em afronta aos arts. 87 e 92 que propugnam a garantia da individualização da pena. Requer a concessão da liminar para que se proíba o recebimento de novos detentos nos mencionados CDPs; se determine a redução do número de detentos das unidades, de forma gradativa, para o patamar de 1.000 (mil) presos; e seja fixada multa diária para o caso de descumprimento da ordem.
Foi concedido efeito ativo ao agravo para o fim de proibir a agravada de receber novos detentos nos Centros de Detenção Provisória de Osasco, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) (fls. 155/156).
A Fazenda Pública do Estado de São Paulo apresentou pedido de reconsideração da liminar (fls. 163/170), que foi denegado (fls. 297/298).
Na sequência, ofereceu contraminuta ao agravo, na qual argumenta a existência de periculum in mora inverso, uma vez que a superlotação carcerária dos CDPs de Osasco não representaria problema exclusivo desta localidade, já que o sistema prisional brasileiro estaria em crise, com déficit de 86.232 vagas, dentre outros motivos, pelo aumento da criminalidade, de sorte que a proibição da entrada de novos detentos nos referidos CDPs atrapalharia o gerenciamento de todo o sistema prisional, o que refletiria na segurança pública e acarretaria tratamento desigual em face dos encarcerados de outros centros de detenção.
Acrescenta, ainda, que a resolução do problema demandaria providências de outros Poderes e entidades, não só do Poder Público Estadual, asseverando a existência de plano de expansão, com projeto de construção de 49 novas unidades prisionais, e ressalvando a impossibilidade de o Poder Judiciário intervir na política pública, sob pena de violação à tripartição de poderes.
Por derradeiro, sustentou a inadmissibilidade da imposição de multa diária, bem como a sua fixação desprovida de razoabilidade e limitação (fls. 194/222).
Após, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do agravo para que: a) seja mantida a determinação de não acolhimento de novos presos até que se atinja o número de 1.000 presos provisórios nos CDPs, e, depois, que seja mantido este número, até decisão final da ação civil pública; b) seja mantida a multa diária de R$ 10.000,00; c) seja estabelecido prazo de 180 dias para a redução do número de detentos para 1.000 (fls. 308/314).
É O RELATÓRIO.
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo para o fim de obstar o encaminhamento de novos presos provisórios aos Centros de Detenção Provisória de Osasco e compelir a Administração a reduzir a sua população carcerária ao limite de 1.000 (mil) presos, de forma gradativa e razoável. Isso porque tais estabelecimentos contariam hoje com excedente populacional quatro vezes maior do que a capacidade de ocupação das unidades.
Pleiteada a antecipação de tutela para que se proibisse o recebimento de novos detentos pelos mencionados Centros de Detenção Provisória, o MM Juiz “a quo” indeferiu o pedido, sob a justificativa da ausência de “fumus boni juris”, pois a competência para a administração do fluxo de detentos nos presídios seria do Juízo Criminal.
Contudo, tal entendimento não deve prevalecer.
Isso porque a competência administrativa do Juiz das Execuções Criminais, prevista no art. 66, inciso VIII, da Lei de Execuções Penais, não exclui a competência jurisdicional dos demais juízos.
Há inúmeros precedentes nesta Corte que confirmam a competência do Juízo da Fazenda Pública para o julgamento de ação como a presente – ações civis públicas questionando a superlotação carcerária e seus danosos efeitos (em sua maioria, inclusive, ajuizadas pelo próprio Ministério Público).
Confira-se, a propósito: Apel. nº 994.04.058117-9; Apel. nº 0010761-82.2011.8.26.0268; Apel. nº 0001463-85.2004.8.26.0244 e AI nº 892.246-5/1-00.
Ademais, o tema já foi enfrentado e superado por esta C. Câmara:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Barretos. Cadeia Pública. Interdição. Remoção de presos. - 1. Competência. A competência administrativa do Juiz das Execuções Criminais não exclui a competência jurisdicional dos demais juizes. (...) (Apelação nº 0383351-80.2009.8.26.0000. Relator(a): Torres de Carvalho. Comarca: Barretos. Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 31/01/2011. Data de registro: 09/02/2011).
Fica consignada, também, a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da presente Ação Civil Pública, nos termos do art. 5º, inciso II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação que lhe deu a Lei nº 11.448/07), bem ainda do art. 5º, VI, alíneas “b” e “g”, da Lei Complementar Estadual nº 988/06. Infelizmente, pouco se precisa para agregar como elemento de convicção de que parte expressiva, se não a totalidade da população encarcerada, se encontra na situação de hipossuficiência.
Sobre o tema, o Poder Judiciário está autorizado a atuar, sem que se diga da deletéria intervenção na esfera de atribuição dos demais poderes, porquanto se está a tratar de violação de direitos constitucionalmente tutelados.
Dito isso, passo a analisar o mérito do recurso.
De proêmio, explicita-se o comando normativo extraído do art. 273, caput e inciso I, do Código de Processo Civil, atinente aos requisitos necessários à concessão da tutela antecipada: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”.
Em outras palavras, na hipótese do inciso I, a tutela antecipada justifica-se em face da verossimilhança da alegação, amparada pela presença de prova inequívoca, quando há fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação.
A isso, acrescenta-se a possibilidade de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública (STF-RDA 222/244 apud Theotônio Negrão, in Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, São Paulo, 45ª edição, 2013, Ed. Saraiva, p. 397).
No caso, a par da notoriedade do alegado, bem ainda da incontrovérsia acerca da superpopulação carcerária residente nos CDPs Osasco I e II (a agravada não nega o quadro dramático), temos que a prova documental foi extraída do sítio eletrônico oficial do Governo do Estado de São Paulo e dá conta, de forma indubitável, do excesso demográfico dos referidos estabelecimentos prisionais.
Verifica-se que o CDP Osasco I “Ederson Vieira de Jesus” tem capacidade para 768 detentos, mas abriga 2.609 (fls. 55); enquanto o CDP Osasco II “Vanda Rita Brito do Rego” tem a mesma capacidade para 768 encarcerados, embora contenha 2.587 (fls. 56).
Há, portanto, prova inequívoca da verossimilhança alegação.
A agravada cuida apenas de justificar o excedente populacional com base no aumento progressivo da criminalidade, reputando o problema como crônico e difundido por todo sistema prisional.
No entanto, as atuais condições carcerárias dos Centros de Detenção Provisória de Osasco violam a Constituição Federal e desrespeitam, em muito, as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, estabelecidas pela Organização das Nações Unidas – ONU.
A Constituição Federal de 1988 reza, acerca do tema, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III); não haverá penas cruéis (art. 5º, inciso XLVII, alínea “e”); e é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, inciso XLIX).
As Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros estabelecem que:
As celas ou quartos destinados ao isolamento noturno não deverão ser ocupadas por mais de um preso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário da população carcerária, for indispensável que a administração penitenciária central faça exceções a esta regra, deverá evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou quarto individual. (Parte I. Regras de aplicação geral. Locais destinados aos presos. Item 9.1.)
Todas os locais destinados aos presos, especialmente aqueles que se destinam ao alojamento dos presos durante a noite, deverão satisfazer as exigências da higiene, levando-se em conta o clima, especialmente no que concerne ao volume de ar, espaço mínimo, iluminação, aquecimento e ventilação (Parte I. Regras de aplicação geral. Locais destinados aos presos. Item 10.)
Além das condições mínimas esperadas dos locais destinados aos presos, o mesmo diploma normativo estabelece parâmetros aplicáveis a categorias especiais, como a de presos condenados, mas que se moldam perfeitamente à hipótese em tela, tendo em vista a franca violação à teleologia do regramento.
A prisão e outras medidas cujo efeito é separar um delinqüente do mundo exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem do indivíduo o direito à auto-determinação, privando-o da sua liberdade. Logo, o sistema prisional não deverá, exceto por razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação (Regras aplicáveis a categorias especiais. Presos condenados. Princípios mestres. Item 57.)
É conveniente evitar que nos estabelecimentos fechados o número de presos seja tão elevado que constitua um obstáculo à individualização do tratamento. Em alguns países, estima-se que o número de presos em tais estabelecimentos não deve passar de quinhentos. (Regras aplicáveis a categorias especiais. Presos condenados. Princípios mestres. Item 63.3.)
Ademais, não se justifica a violação do direito de um indivíduo, pela simples coexistência da violação do mesmo direito de outro indivíduo. O desrespeito à dignidade humana, à integridade física e moral de um preso que seja, reclama agasalho do direito, não estando o Poder Judiciário autorizado a se omitir na sua função de apreciar qualquer lesão ou ameaça de direito quando compelido a tanto. Cabe, porém, a cada um dos ofendidos buscar a proteção dos seus respectivos interesses.
Conquanto não se desconheça a atual situação de descalabro do sistema penitenciário brasileiro – incluído, portanto, o sistema penitenciário paulista – as específicas condições prisionais dos CDPs de Osasco (atualmente ocupados por população carcerária quatro vezes superior ao número de vagas existentes, como já exposto) indicam a transposição do limite da suportabilidade humana e a imposição, pelo Poder Público, de tratamento desumano e degradante aos que estão lá custodiados, em clara afronta à vedação constitucional e às regras mínimas para o tratamento de prisioneiros, estabelecidas pela ONU, quadro intolerável que demanda providência urgente, sob pena da ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação à dignidade humana e saúde dos detentos, bem como à segurança de todos os que circulam por esses ambientes.
No caso, em vez de invasão da seara administrativa e, por consequência, da separação de poderes, o que existe é o cumprimento do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, CF). Ainda que concorra ao Poder Executivo a administração penitenciária, a garantia do cumprimento das disposições legais não pode ser afastada do controle judiciário. Assim, não basta que o Executivo seja o responsável por custodiar os presos – faz-se imprescindível que sua custódia se faça de acordo com os princípios constitucionais, as regras de tratados internacionais que o país ratifica, e segundo suas próprias normas legais.
A custódia de presos que não corresponde a tais ditames, que ofenda tão frontalmente a direitos fundamentais, resulta ser, na verdade, descumprimento da obrigação assumida pelo próprio Estado. E não há descumprimento de lei, tanto mais de direitos constitucionais (como a já mencionada proibição de penas cruéis e degradantes) que não possa ser apreciada pelo Estado-Juiz.
E a reserva do possível, no caso, nada mais é do que a reserva do negligenciado, a reserva da omissão. O que se busca, em suma, é o direito do Estado-administração a descumprir suas próprias normas –justamente na aplicação de sanções a quem descumpriu normas por ele fixadas.
Isso, todavia, é inadmissível, sob pena de transformarmos o Estado em um criminoso tão ou mais cruel do que aqueles que sua autoridade de titular do poder punitivo pretenda encarcerar. E, com isso, repetirmos as lamentáveis cenas que se tem tornado comuns em presídios condenados, onde as penas ao final aplicadas aos detentos são muito superiores do que a mera privação de liberdade.
A ação do Judiciário visa, sobretudo, impedir que a omissão do Executivo amolde as cadeias como masmorras impenetráveis, palco de descasos que convirjam para violências, doenças e mortes, que, no futuro, retornarão como pedidos de indenização ao próprio Estado.
E é nesse sentido a jurisprudência desta Corte de Justiça:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Condições precárias de Presídio Estadual que, além de superlotado, não possui estrutura mínima de atendimento médico aos presos Possibilidade de o Judiciário determinar uma série de providências para corrigir a ilegalidade perpetrada, já que sacrificado o núcleo mínimo do principio da dignidade da pessoa humana Dilatação do prazo para cumprimento da obrigação Redução da sanção pecuniária Recurso parcialmente provido, com determinação. (Apelação nº 0002109-77.2004.8.26.0153. Relator(a): Magalhães Coelho. Comarca: Cravinhos. Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 17/02/2014. Data de registro: 19/02/2014).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER DE NÃO FAZER. Cadeia pública com população carcerária além dos limites legais. Regularização da ocupação pela remoção de condenados definitivos e proibição do ingresso de presos além da capacidade máxima. Sentença que julgou improcedentes os pedidos. Reforma. Necessidade. Discricionariedade da Administração que deve ser exercida nos termos da lei. Inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito constitucional à segurança pública (art. 1º, inciso III, e art. 6º, da CF). Constatação. Situações que autorizam a atuação do Poder Judiciário. Desrespeito ao princípio da separação dos Poderes. Inocorrência. Aplicação de multa em caso de descumprimento da obrigação. Admissibilidade. Pedido parcialmente procedente. Recurso parcialmente provido. (Apelação nº 0010761-82.2011.8.26.0268. Relator(a): Paulo Galizia. Comarca: Itapecerica da Serra. Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 12/08/2013. Data de registro: 14/08/2013).
Ação civil pública. Cadeia pública com população carcerária além dos limites legais. Regularização da ocupação pela remoção de condenados definitivos e proibição do ingresso de presos além da capacidade máxima. Sentença de procedência. Recurso oficial e apelação parcialmente providos, apenas para excluir a condenação em verba honorária, incabível na espécie. (Apelação nº 9059156-53.2006.8.26.0000. Relator(a): Antonio Celso Aguilar Cortez. Comarca: Santos. Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 16/05/2011. Data de registro: 20/05/2011. Outros números: 005.22.546560-0).
Ação civil publica para obrigar a Administração a remover presos condenados de cadeia pública e a não permitir que os provisórios excedam a capacidade do estabelecimento, sob pena de multa diária. Legislação que destina as cadeias publicas aos presos provisórios, sem que la possam permanecer os condenados. Código sanitário que determina o espaço de 6,00m2 por recluso. Superlotação que não pode ser tolerada, mesmo porque a CF não admite tratamento desumano ou degradante e assegura aos presos respeito a integridade física e moral (art. 5, III e XLIX). O Estado deve se comprometer com a recuperação dos infratores, oferecendo-lhes condições para o reingresso na sociedade. Ação procedente. Recurso provido. (Apelação nº 27113-64.2005.8.26.0000. Relator(a): Urbano Ruiz. Comarca: Sertãozinho. Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 11/02/2008. Data de registro: 19/02/2008. Outros números: 004.62.627500-0).
Da jurisprudência colacionada, constata-se que na Apelação nº 0002109-77.2004.8.26.0153, relatada pelo Des. Magalhães Coelho, a Cadeia Pública de Serra Azul estava ocupada por 1.345 presos (capacidade 768) e na Apelação nº 0010761-82.2011.8.26.0268, relatada pelo Des. Paulo Galizia, a Cadeia Pública de Itapecerica da Serra abrigava 1.971 detentos (capacidade para 768).
Os Centros de Detenção Provisória de Osasco, de outro lado, também com capacidade para 768 presos, encontram-se com 2.609e 2.587encarcerados, ou seja, atingindo quase o dobro do número já considerado excessivo e intolerável em hipóteses análogas.
Presentes nos autos a plausibilidade do direito, consoante os dados oficiais juntados, correspondentes à expressiva superlotação carcerária das unidades em questão, com sensíveis e deletérios efeitos quanto ao cumprimento das obrigações do próprio Estado em relação aos que estão sob sua custódia, bem ainda o perigo de demora, ponderada a total desconsideração da dignidade humana que significa a simples colocação dos condenados em depósitos sem qualquer limitação, de rigor a concessão da tutela antecipada.
A aplicabilidade da astreinte ao próprio Estado é matéria de há muito pacificada na jurisprudência. E, no caso, sua imposição se revela como o meio mais eficaz para estimular a realização da obrigação imposta, não sendo vedada por qualquer dispositivo legal, desde que aplicada proporcional e razoavelmente. Ademais de estar afastada a hipótese de enriquecimento do demandante, a multa serve apenas como cerceadora da violação da decisão judicial, compatível com a dimensão da própria responsabilidade do Estado. Nunca é demais lembrar que sua aplicação será absolutamente desnecessária, caso seja a decisão judicial respeitada.
Além de restringir a recepção de novos detentos, consoante se determinou na concessão de efeito ativo deste agravo, é o caso de acolher-se também o pedido, de idêntica cautelaridade e propósito, de forma complementar, para que a administração proceda, gradativamente, à redução do número de detentos para 1.000, nos respectivos Centros de Detenção Provisória, no prazo de 180 dias, lastreando-se, neste ponto, na sugestão formulada pelo i. Procurador de Justiça, coberta de razoabilidade.
Sendo assim, dá-se provimento ao recurso para que a agravada se abstenha de receber novos detentos nos Centros de Detenção Provisória de Osasco, bem como proceda à redução do número de encarcerados para 1.000, no prazo de 180 dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), considerada a especial gravidade advinda do descumprimento desta determinação judicial.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao agravo.
MARCELO SEMER
RELATOR