Trata-se de autos de transação extrajudicial, em fase de cumprimento, com pedido de suspensão das obrigações formulado pela devedora (id fa3231f).
Alega a requerente que vem cumprindo com os termos do acordo homologado, tendo pago as parcelas devidas até o mês de fevereiro/2020; porém, em razão da situação de calamidade do país e do mundo em virtude da pandemia do novo corona vírus (Covid-19), não tem mais possibilidade de cumprir o pactuado; suas atividades comerciais estão paralisadas por ato do poder público, em razão de não se tratar de atividade considerada essencial. A petição destina-se a informar o juízo de que “não irá efetuar o pagamento das parcelas do acordo entabulado nos autos, até que se encerre o estado de calamidade pública decretado pelo governo brasileiro” e ainda a pugnar “pela suspensão do acordo pelo prazo, inicialmente, de 180 dias, bem como das penalidades impostas pelo seu não cumprimento, porquanto não terá condições de honrar com o acordo, tampouco de manter a subsistência de seus atuais funcionários e sócios”.
O requerimento é inovador, mesmo para os tempos excepcionais que vivemos atualmente. A devedora pretende que o Judiciário suspenda a eficácia da obrigação decorrente do acordo homologado nos autos, por meio da sentença de id 8f5bb77.
Em que pesem todas as corretas alegações da devedora, no tocante à gravíssima situação de calamidade causada pela pandemia, o requerimento não pode ser acolhido. A obrigação foi prevista em acordo homologado judicialmente, e o ato judicial de homologação tem natureza de sentença – como expressamente o qualifica o art. 855-D da Consolidação das Leis do Trabalho. Mais que isso, de acordo com o parágrafo único do art. 831 da CLT, trata-se de decisão irrecorrível. Por outras palavras, o conteúdo do acordo homologado judicialmente está protegido pela coisa julgada (art. 502 do Código de Processo Civil).
Nesse contexto, não é dado ao juiz o poder de alterar ou “suspender” o conteúdo da coisa julgada (CPC, art. 494), máxime por meio de despacho em mera petição do interessado – que não se equipara à ação revisional a que alude o inciso I do art. 505 do CPC. Ainda que a situação seja séria, e a suspensão das atividades comerciais efetivamente possa ensejar crise sem precedentes na história recente do país, o Direito continua vigente. Deferir a “suspensão” dos efeitos da obrigação equivaleria a nada menos do que suspender o Direito e substituí-lo pelo senso individual de cada julgador – o que obviamente não pode ser admitido. Hipoteticamente, seria possível, então, acolher um pedido de um credor para, apesar de o acordo prever o pagamento parcelado, executar a obrigação integral imediatamente, em razão de sua situação financeira debilitada (pelos mesmos motivos expostos pela ora requerente)? Caberia ao juiz impor ao devedor o pagamento integral e à vista, à revelia do que fora acordado e homologado?
Em verdade, não cabe ao juiz nem uma, nem outra decisão. Cabe-lhe nessa situação respeitar a coisa julgada e não a substituir pelo seu senso pessoal de justiça. Assim, é lícito às partes negociarem e eventualmente apresentarem novação da obrigação, para análise e nova homologação judicial. Mas não há fundamento jurídico que autorize o juiz a conceder moratória ao devedor, diante da situação de calamidade que atinge a todas as pessoas, inclusive, potencialmente, o próprio credor. Aliás, vale lembrar que o credor não teria obrigação de respeitar uma tal moratória, nos termos do inciso II do art. 5º da Constituição Federal.
Diante dos motivos expostos, indefiro o requerimento de suspensão da eficácia das obrigações previstas em acordo homologado. Quanto à “informação” de não cumprimento de parcelas futuras, nada a deferir.
Caso as partes negociem e cheguem a bom termo quanto a uma eventual novação da obrigação, deverão apresentar petição conjunta a qualquer tempo para homologação.
Intimem-se.
Eduardo Rockenbach Pires
Juiz Titular da 38ª Vara do Trabalho de São Paulo - SP