Decisão - Tutela cautelar antecipada para liberação de FGTS - SP

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

Gabinete do Juiz do Trabalho Convocado - 6ª Câmara

TutCautAnt 0006397-38.2020.5.15.0000

REQUERENTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

REQUERIDO: PRISCILA DE OLIVEIRA REVEJES

TUTELA CAUTELAR ANTECIPADA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. LIBERAÇÃO DOS DEPÓSITOS DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO EM FAVOR DE TRABALHADOR NECESSITADO. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA NACIONAL (PANDEMIA). HIPÓTESE DO ART. 20, XVI, DA LEI 8.036/1990. DEFERIMENTO FORA DOS PARÂMETROS ESTRITOS DA MEDIDA PROVISÓRIA 946 /2020. POSSIBILIDADE. 1. A despeito da resistência que a requerente formaliza nos autos, a decisão atacada encerra típico procedimento de jurisdição voluntária, já que os depósitos de FGTS pertencem ao trabalhador, sendo a Caixa Econômica Federal mera depositária (conquanto o depósito, na espécie, sofra regência legal específica, "ex vi" da Lei 8.036/1990). Noutras palavras, a CEF não detém interesse próprio sobre tais depósitos, já que não é titular do respectivo crédito e nem detém propriedade sobre os dinheiros acautelados (sequer de natureza resolúvel). Seu único interesse, de cariz administrativo, diz com a preservação da legalidade dos procedimentos; e apenas nessa medida pode oferecer “resistência”, não como titular de direitos ou pretensões, mas como gestora do FGTS e fiscal da respectiva regularidade. Daí não haver lide na clássica acepção carneluttiana (i.e., conflito de interesses qualificado por pretensão resistida, disputando-se a subordinação de interesse alheio ao interesse próprio): a CEF não resiste à pretensão da autora como legítima detentora de contrapretensões de direito material (i.e., por “interesse próprio”); “resiste” apenas como fiscal da legalidade administrativa do Fundo. Nesses termos, o caso não atrai a competência da Justiça Federal, já que a CEF não é “ré” (CF, art. 109, I), tratando-se mesmo de procedimento da competência material da Justiça do Trabalho (CF, art. 114, I), notadamente após o cancelamento da Súmula n. 176 do C.TST. . O art. 20, XVI, da Lei 8.036/1990 traduz hipótese mais ampla que a da MP 946/2020 2( art. 6º), alcançando todos os casos de calamidade pública aos quais se associe a necessidade pessoal do trabalhador (derivada da urgência das provisões e da gravidade do fato posto); sob tais requisitos, diversamente do que prevê a MP 946/2020, é possível inclusive a liberação integral do FGTS, a depender da necessidade, independentemente dos prazos da própria medida provisória; e, de todo modo, o valor-referência não será o da MP 946/2020 (R$ 1.045,00), mas o do Decreto 5.113/2004 (R$ 6.220,00). 3. De outra parte, é certo que, para os fins do art. 20, XVI, da Lei do FGTS, as pandemias perfazem hipótese de desastre natural de origem biológica, o que não poderia ser limitado por ato regulamentar da União. Írrita, portanto, a limitação conceitual operada pelo Decreto n. 5.113 /2004 (art. 2º), que nessa parte regulamentou “contra legem”, distinguindo entre as possíveis naturezas dos desastres naturais - onde, a propósito, o legislador não distinguiu - e “escolhendo” as que estariam sob a égide da Lei 8.036/1990. 4. A hipótese da MP 946 /2020, ao revés, não exige a prova (ou a presunção) da necessidade pessoal do trabalhador, bastando o específico estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6/2020 para que, diante de mero requerimento administrativo, movimente-se o FGTS, a partir de 15/6, até R$ 1.045,00. 5. Para mais, é certo que, na sua tripla natureza, o FGTS tem, para o empregado, caráter de salário diferido, o que mais justifica poder fruir prontamente dos valores depositados, em tempo de pandemia, mercê do principal valor constitucional a se preservar neste momento: a segurança alimentar e econômica do trabalhador e de sua família. 6. Tutela cautelar antecipada indeferida.

Vistos etc. Assinado

A análise dos autos considera o em formato PDF, download na ordem crescente (mencionando-se a seguir as páginas do referido documento eletrônico). Trata-se de pedido de tutela cautelar antecipada para concessão liminar de efeito suspensivo a recurso ordinário da sentença de proferida em procedimento de jurisdição voluntária nos autos do Processo de nº 0010391-61.2020.5.15.0069 (que determinou a liberação do FGTS, à autora e ora requerida, até o valor de R$1.045,00, por força do art. 20 da Lei 8.036 /1990, com a limitação da MP 946/2020). Alega a requerente que a medida pleiteada faz-se necessária, com caráter de urgência, ante a ilícita determinação de liberação do FGTS à requerida, com ofensas ao contraditório, à ampla defesa e à própria estrita legalidade, todos princípios alegadamente vulnerados na ordem emanada pelo Juízo de Origem. Nessa alheta, sustenta, a uma, que não foi intimada da tramitação do procedimento de origem e nem pôde ali se manifestar; a duas, que esta Especializada não detém competência material para a ordem de liberação deferida pelo Juízo de primeiro grau; e, a três, que a ordem viola calendário fixado pela Medida Provisória 946/2020 para os pagamentos em razão da pandemia do COVID-19, podendo configurar dano irreversível ao interessadorequerente. Relatados. DECIDO 1. DO CABIMENTO “IN TESE” DA TUTELA CAUTELAR ANTECEDENET Ressalto, “ab initio”, que, nos termos do item I da Súmula 414 do C. TST, cabe requerimento ao Tribunal para postular a concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto. É precisamente o caso, mesmo porque já não caberia o ajuizamento de mandado de segurança, em razão de a sentença de mérito já ter sido proferida (itens II e III da Súmula 414 do C. TST). Cabível, ao revés, o requerimento de concessão de tutela cautelar antecedente, perfeitamente adequada à obtenção do almejado efeito suspensivo contra sentença proferida com força de alvará judicial (ut arts. 299 e 305 do CPC/15 c.c. art. 769 da CLT). Na espécie, analisando-se os autos na origem, vê-se haver recurso ordinário interposto pela requerente, ainda não distribuído para este Regional. Daí que, na perspectiva deste Sodalício, trata-se mesmo de hipótese de medida cautelar antecedente, idônea a gerar a prevenção deste Relator para o futuro recurso ordinário, uma vez admitido.

Nesses termos, ante a regularidade procedimental, a legitimidade ativa, o interesse processual e a adequação objetiva da medida, conheço do pleito cautelar e passo à apreciação do “meritum causae”. 2. DOS FATOS Conforme consta da sentença de mérito proferida nos autos principais e juntada pelo ora requerente às fls. 25/29 dos autos em PDF, a Vara do Trabalho de Registro decidiu conceder, em procedimento de jurisdição voluntária ajuizado pela requerida, a liberação do respectivo FGTS, limitado a R$1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais), com espeque na Lei 8.036 /1990 e na Medida Provisória 946/2020. Inconformada, a Caixa Econômica Federal interpõe a presente cautelar antecedente, postulando a concessão de efeito suspensivo ao recurso aviado nos autos de origem (0010391-61.2020.5.15.0069). Sustenta inicialmente a incompetência desta Especializada para apreciação da matéria; e, na sequência, aponta violação às garantias do contraditório e da ampla defesa, havendo pretensão resistida por parte da requerente. Por fim, divisa ilegalidade na medida deferida pelo Juízo “a quo”. Vejamos. 3. DA MATÉRIA PRELIMINAR: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA É cediço que doutrina e jurisprudência trabalhista sempre resistiram à admissão de processos — ou procedimentos — de jurisdição voluntária no Direito Processual do Trabalho, eis que a Justiça do Trabalho foi originalmente concebida para resolver conflitos de trabalho entre trabalhadores e empregadores (i.e., “dissídios”, como constava do caput do art. 114 até o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004). Hodiernamente, porém, já se reconhecem inúmeras exceções, algumas de curso legal - como é a hipótese das ações de homologação de acordos extrajudiciais, introduzidas pela Lei 13.467/2017 (CLT, art. 652, “f”), e como era, outrora, a hipótese das ações declaratórias de quitação dos créditos de trabalhadores rurais, ut art. 233 da CF/88 ("Disposições Constitucionais Gerais"), revogado pela EC n. 28/2000 - e outras de cariz eminentemente jurisprudencial - como as ações judiciais para soerguimento compulsório do FGTS ou para a habilitação no Programa do Seguro-Desemprego -, em todo caso pela inexistência de lide idônea a configurar um autêntico processo litigioso (v., a propósito, FELICIANO, G. G.; DIAS, C. E. O.; SILVA, J. A. R. O.; TOLEDO FILHO, M. C. Comentários à Lei da Reforma Trabalhista: dogmática, visão crítica e interpretação constitucional. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2018, p.168).

É, como se vê, o caso dos autos, na esteira do que já se revelava, no campo doutrinário, desde 2007, com a aprovação do da 1ª Jornada Enunciado n. 63 de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. LIBERAÇÃO DO FGTS E PAGAMENTO DO SEGURO-DESEMPREGO. Compete à Justiça do Trabalho, em procedimento de jurisdição voluntária, apreciar pedido de expedição de alvará para liberação do FGTS e de ordem judicial para pagamento do seguro-desemprego, ainda que figurem como interessados os dependentes de exe m p r e g a d o f a l e c i d o . Logo, a despeito da resistência que a requerente ora pretende formalizar, tratase mesmo de típico ato de jurisdição voluntária, já que os depósitos de FGTS pertencem ao trabalhador, sendo a Caixa Econômica Federal mera depositária (conquanto o depósito, na espécie, sofra regência legal específica, ex vi da Lei 8.036/1990). Noutras palavras, a CEF não detém interesse próprio sobre tais depósitos, já que não é titular do respectivo crédito e nem detém propriedade sobre os dinheiros acautelados (sequer de natureza resolúvel). Seu único interesse, de cariz administrativo, diz com a preservação da legalidade dos procedimentos; e apenas nessa medida pode oferecer “resistência”, não como titular de direitos ou pretensões, mas como gestora do FGTS e fiscal da respectiva regularidade. Daí não haver lide na clássica acepção carneluttiana (= conflito de interesses qualificado por pretensão resistida, o que significa disputar a subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio): a CEF não resiste à pretensão da autora como legítima detentora de contrapretensões de direito material (i.e., por “interesse próprio”); “resiste” apenas como fiscal da legalidade administrativa do Fundo (ainda que economicamente tenha interesse na manutenção dos depósitos, inclusive para as políticas que gere; mas, como se sabe, o mero interesse econômico não perfaz necessariamente interesse jurídico exercitável judicialmente). Com efeito, na dicção de ARAÚJO CINTRA et. al. (Teoria Geral do Processo. 26ª ed. São Paulo, Malheiros, 2010, p. 173), há jurisdição voluntária quando "[…] não há um conflito de interesses entre duas pessoas, mas apenas um negócio [ou ato] com participação do magistrado. [...] Na jurisdição voluntária, o juiz age sempre no interesse do titular daquele interesse que a lei acha relevante socialmente”, como é, na hipótese, o interesse do titulardepositante, diante da verificação de uma das hipóteses do art. 20 da Lei 8.036/1990. Disso resulta, ademais, ser inaplicável à hipótese a inteligência da Súmula 82 do STJ, que pressupõe jurisdição litigiosa, o que se verifica a partir do exame do próprio Conflito de Competência nº 896-RS (1990/4-1, j. 4/6/1990), primeiro precedente na base de sua “ratio”, que tratava de hipótese tipicamente litigiosa. Na mesma ensancha, ademais, os precedentes ulteriores. E, em consonância com esse entendimento, o C. Tribunal Superior do Trabalho tem desenvolvido assertiva jurisprudência, iterativa e recente, reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho. Leia-se, por todos:

RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO . APELO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015 /2014. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FGTS. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DO FGTS. SUCESSORES DO TRABALHADOR FALECIDO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT ATENDIDOS. Com o cancelamento da Súmula 176 desta Corte, em razão da superveniência da Emenda Constitucional 45/2004, a discussão quanto à competência material acerca da expedição de alvará para saque do FGTS, quando estabelecida a relação processual diretamente entre o trabalhador titular da conta vinculada e a CEF, na qualidade de órgão gestor do FGTS, sem que haja demanda entre empregado e empregador, encontra-se superada nesta Corte. Observa-se a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar pretensão de ex-empregado de expedição de alvará judicial para fins de saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal - CEF, porquanto o pleito decorre de uma relação emprego, o que enseja a aplicação do art. 114, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela . Ressalte-se que o fato da presente ação Emenda Constitucional 45/04 ter sido proposta pelos sucessores do de cujus, trabalhador que deixou conta vinculada do FGTS em seu nome, não tem o condão de afastar a competência material da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de expedição de alvará para levantamento do FGTS. Recurso de revista conhecido e provido.(TST - RR: 1703020165230071, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 25/03/2020, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/03 /2020 - g.n.) E, com efeito, como realça a sentença de origem, a questão da competência restou afirmada, no âmbito do C. TST, pela revogação da Súmula 176 do C. TST. É o que também sinaliza o acórdão supra.

E, já por isso - por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária -, não diviso nulidade, “a priori”, no fato de a CEF não ter sido citada como ré; afinal, não é mesmo ré, de fato ou de direito, já que não defende em juízo interesse próprio (e não poderia defender interesse alheio em nome próprio sem expressa autorização legal, ut art. 18 do CPC). Como fiscal da legalidade administrativa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, poderia, sim, trazer a lume questões de interesse público, independentemente de citação; e as questões de fundo que acaso pudessem impedir o levantamento deveriam ser levadas ao Juízo “a quo”, a qualquer tempo, para a devida apreciação. Mas a ré preferiu apresentá-las diretamente a este 2º Grau. 4. MÉRITO CAUTELAR No que pertine ao mérito cautelar, tem-se que o Juízo “a quo” limitou-se a antecip ar no tempo os efeitos da MP 946/2020. A MP 946, com efeito, previu em seu artigo 6º a possibilidade de levantamento dos valores de FGTS depositados em conta vinculada do trabalhador, até o limite de R$ 1.045,00, com base no inciso XVI do art. 20 da Lei 8.036/1990 e no art. 1º do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (reconhecendo o estado de calamidade pública em razão da pandemia de COVID-19), porém a partir de 15 de junho deste ano. E a antecipação autorizada pela Origem tem razões bastantes, como se verá. Ademais, não representa qualquer prejuízo econômico sensível para as políticas habitacionais da requerente (ou outras quaisquer), já que se ateve estritamente aos valores que, daqui a um mês e meio, a CEF teria de liberar por força da MP 946/2020. Não houve, pois, qualquer exorbitância RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO . APELO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015 /2014. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FGTS. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DO FGTS. SUCESSORES DO TRABALHADOR FALECIDO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT ATENDIDOS. Com o cancelamento da Súmula 176 desta Corte, em razão da superveniência da Emenda Constitucional 45/2004, a discussão quanto à competência material acerca da expedição de alvará para saque do FGTS, quando estabelecida a relação processual diretamente entre o trabalhador titular da conta vinculada e a CEF, na qualidade de órgão gestor do FGTS, sem que haja demanda entre empregado e empregador, encontra-se superada nesta Corte. Observa-se a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar pretensão de ex-empregado de expedição de alvará judicial para fins de saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal - CEF, porquanto o pleito decorre de uma relação emprego, o que enseja a aplicação do art. 114, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela . Ressalte-se que o fato da presente ação Emenda Constitucional 45/04 ter sido proposta pelos sucessores do de cujus, trabalhador que deixou conta vinculada do FGTS em seu nome, não tem o condão de afastar a competência material da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de expedição de alvará para levantamento do FGTS. Recurso de revista conhecido e provido.(TST - RR: 1703020165230071, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 25/03/2020, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/03 /2020 - g.n.) E, com efeito, como realça a sentença de origem, a questão da competência restou afirmada, no âmbito do C. TST, pela revogação da Súmula 176 do C. TST. É o que também sinaliza o acórdão supra. E, já por isso - por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária -, não diviso nulidade, “a priori”, no fato de a CEF não ter sido citada como ré; afinal, não é mesmo ré, de fato ou de direito, já que não defende em juízo interesse próprio (e não poderia defender interesse alheio em nome próprio sem expressa autorização legal, ut art. 18 do CPC). Como fiscal da legalidade administrativa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, poderia, sim, trazer a lume questões de interesse público, independentemente de citação; e as questões de fundo que acaso pudessem impedir o levantamento deveriam ser levadas ao Juízo “a quo”, a qualquer tempo, para a devida apreciação. Mas a ré preferiu apresentá-las diretamente a este 2º Grau. 4. MÉRITO CAUTELAR No que pertine ao mérito cautelar, tem-se que o Juízo “a quo” limitou-se a antecip ar no tempo os efeitos da MP 946/2020. A MP 946, com efeito, previu em seu artigo 6º a possibilidade de levantamento dos valores de FGTS depositados em conta vinculada do trabalhador, até o limite de R$ 1.045,00, com base no inciso XVI do art. 20 da Lei 8.036/1990 e no art. 1º do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (reconhecendo o estado de calamidade pública em razão da pandemia de COVID-19), porém a partir de 15 de junho deste ano. E a antecipação autorizada pela Origem tem razões bastantes, como se verá. Ademais, não representa qualquer prejuízo econômico sensível para as políticas habitacionais da requerente (ou outras quaisquer), já que se ateve estritamente aos valores que, daqui a um mês e meio, a CEF teria de liberar por força da MP 946/2020. Não houve, pois, qualquer exorbitância por parte da sentença, que entendeu regulamentada a hipótese do art. 20, XVI, da Lei 8.036 /1990 pela própria medida provisória precitada. Apenas antecipou os seus efeitos, ao que revelam os elementos trazidos pela própria requerente, à vista do reconhecimento da especial necessidade pessoal da autora-requerida. Cabe, ademais, uma breve digressão. A meu sentir, o art. 20, XVI, da Lei 8.036/1990 traduz hipótese mais ampla que a da MP 946/2020 (art. 6º), alcançando todos os casos de calamidade pública a que se associe a n ecessidade pessoal do trabalhador (derivada da urgência das provisões e da gravidade do fato posto); sob tais pressupostos, diversamente do que prevê a MP 946/2020, entendo ser possível inclusive a liberação integral do FGTS, independentemente dos prazos da própria medida provisória. E não há dúvidas de que, “in casu”, trata-se mesmo de estado de calamidade pública derivado de desastre natural de origem biológica (= pandemia). Quanto a estaremos diante de estado de calamidade pública, já o reconheceu o Congresso Nacional, por intermédio do Decreto Legislativo 6/2020 (art. 1º): Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorr ência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. (g.n.) E, quanto a ser a pandemia uma hipótese de desastre natural de origem biológica, basta ver a literatura técnica acerca das modalidades de desastres naturais (que não se circunscrevem, portanto, aos desastres de base geológica, hidrológica ou meteorológica, como parece entender a requerente). Assim, e.g., na documentação disponível no sítio eletrônico do Ins tituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), pode-se identificar, entre as modalidades de desastres naturais fenomenologicamente possíveis, os de origem biológica, como epidemias, infestações por insetos e ataques coletivos de animais (cfr. http://www3.inpe.br/crs/crectealc/pdf /silvia_saito.pdf). É a hipótese do art. 20, XVI, da Lei 8.036/1990, que, “venia concessa”, não poderia ser limitada, quanto ao conceito de desastre natural, por ato regulamentar da União. Mas tal limitação írrita ocorreu no Decreto n. 5.113/2004, em seu art. 2º; e, ao fazê-lo, a União regulamentou “contra legem”, distinguindo entre as possíveis naturezas dos desastres naturais e “escolhendo” as que estariam sob a égide da Lei 8.036/1990; restringiu, pois, onde o legislador não restringira. Em tal caso, portanto, demonstrado o concurso dos dois pressupostos - o estado de calamidade pública por desastre natural de ordem biológica (como é o caso) e a necessidade pessoal da reclamante (que a Origem reconheceu) -, sequer haveria limites monetários para o saque, como antecipei; ou, se muito, seriam aqueles do Decreto 5.113/2004 (art. 4º: “O valor do saque será equivalente ao saldo existente na conta vinculada, na data da solicitação, limitado à quantia correspondente a R$ 6.220,00” , bem superiores ao da MP 946 se, insisto, de hipótese diversa daquela da MP 946/2020, desafiando regulamentação própria quanto aos proced imentos e valores (Decreto 5.113/2004, no que não exorbitou). A MP 946/2020, ao revés, não exige a necessidade pessoal, bastando o específico estado de calamidade reconhecido pelo DLeg n. 6/2020 para que, diante do requerimento administrativo, movimente-se o FGTS, a partir de 15/6, até R$ 1.045,00. A própria requerente admite, enfim, que o rol do art. 20 da Lei 8.036/1990 não é taxativo, admitindo-se outras hipóteses em decisão judicial, diante da estrita necessidade do trabalhador e das circunstâncias em que se baseie a pretensão. Se é assim, com maior razão deveria admitir que o Decreto 5.113/2004, ao regulamentar o inciso XVI do art. 20 , não poseria restringir-lhe o alcance literal (= “desastre natural”, de qualquer origem); e, se restringiu indevidamente, com maior razão pode e deve o Poder Judiciário, diante de situações concretas de necessidade, repor o direito subjetivo aos lindes da lei, distendendo a indevida constrição regulamentar. A valer a intelecção do decreto, a própria gripe espanhola, nos albores do século XX - que ceifou entre 17 e 100 milhões de pessoas -, não poderia ser considerada um “desastre natural”, o que margeia o absurdo. No caso dos presentes autos, como dito, o Juízo de origem reconheceu a hipótese do art. 20, XVI, da lei 8.036/90 (e, portanto, a situação de necessidade pessoal), mas limitou o levantamento aos valores da MP 946/2020, aquém do que este próprio Relator entenderia, por entender serem hipóteses diversas. Isto significa - repita-se - que, do ponto de vista da gestão financeira do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, não houve qualquer prejuízo quantitativo aos interesses da CEF. E, de outra parte, não acompanha o presente pedido de tutela cautelar antecipada provas quaisquer de que não haja, de fato, uma situação de necessidade pessoal a justificar o soerguimento do FGTS. Se por acaso errou o Juízo “a quo”, reconhecendo o estado de necessidade do art. 20, XVI, da Lei 8.036/1990 em favor de quem detenha imensas fontes de renda e não precise do dinheiro para se alimentar e cuidar dos seus em tempos de pandemia, iss o havia de ser robustamente comprovado, porque naturalmente este Regional presume a legalidade do ato judicial atacado (e, recordo, trata-se de procedimento de jurisdição voluntária; logo, não cabe discutir “ônus da prova” nos termos do art. 818 da CLT). Mas não há, a respeito, o menor fiapo de prova. Assim, tendo em conta (a) que, na sua tripla natureza, o FGTS tem, para o trabalhador, caráter de salário diferido (v., por todos, SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, passim), pertencendo ao trabalhador (e não à Caixa Econômica Federal); (b) que o maior valor constitucional a se preservar, neste momento, é indiscutivelmente o da segurança alimentar (para a subsistência diária) e econômica (para remédios, itens de prevenção - álcool gel, máscaras etc. - e outras necessidades) do trabalhador e de sua família; e que não se extrai, dos presentes autos, (c) qualquer perigo de dano grave para a requerente, de difícil ou impossível reparação (há, sim, risco grave para a requ erida, diante das necessidades econômicas próprias de um período de pandemia e da escassez de vagas de trabalho neste momento), e nem tampouco risco para o resultado útil do recurso ordinário (eis que, a possuir a requerida uma confortável condição econômica - como parece supor a CEF -, poderá ser instada a oportunamente devolver o numerário), não reconheço “periculum in mora” para efeitos de tutela cautelar, e tanto menos para o seu sucedâneo fungível, que é a tutela antecipatória (a exigir, para além da probabilidade do direito, a sua vero ssimilhança, baseada em prova inequívoca do fato constitutivo do direito alegado – o que também não se tem “in casu”, como visto). E, por tudo isso, indefiro a tutela. trabalhador e de sua família; e que não se extrai, dos presentes autos, (c) qualquer perigo de dano grave para a requerente, de difícil ou impossível reparação (há, sim, risco grave para a requ erida, diante das necessidades econômicas próprias de um período de pandemia e da escassez de vagas de trabalho neste momento), e nem tampouco risco para o resultado útil do recurso ordinário (eis que, a possuir a requerida uma confortável condição econômica - como parece supor a CEF -, poderá ser instada a oportunamente devolver o numerário), não reconheço “periculum in mora” para efeitos de tutela cautelar, e tanto menos para o seu sucedâneo fungível, que é a tutela antecipatória (a exigir, para além da probabilidade do direito, a sua vero ssimilhança, baseada em prova inequívoca do fato constitutivo do direito alegado – o que também não se tem “in casu”, como visto). E, por tudo isso, indefiro a tutela. DECISÃO “Ex postis”, decido indeferir integralmente o pleito cautelar de atribuição de efeito suspensivo ao recurso ordinário do réu-requerente, nos termos da fundamentação supra. Ciência ao requerente e ao requerido. Oficie-se à Origem, para ciência da presente. Esta decisão deverá ser trasladada nos autos principais, cujo recurso ordinário, uma vez processado, deverá ser encaminhado a este Relator, ante a prevenção ora instaurada. Atente-se futuramente, ao tempo da respectiva distribuição no âmbito deste Regional, inclusive para fins de compensação, no que couber. Vencido o prazo, ao arquivo.

Nada mais.

Campinas/SP, 6 de maio de 2020.

 

GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO

Juiz Relator