PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO
9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro
ACPCiv 0100370-10.2020.5.01.0009
RECLAMANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
RECLAMADO: MUNICIPIO DE RIO DE JANEIRO, UNIÃO FEDERAL (AGU)
Nesta data faço conclusos os autos à Exmª Juíza do Trabalho.
Em 11.05.2020 Margareth Abelha Técnico Judiciário
Vistos, etc.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou Ação civil pública em face de MUNICIPIO DE RIO DE JANEIRO e UNIÃO FEDERAL (AGU) pretendendo, em sede de tutela de urgência, compelir o Município do Rio de Janeiro e a União Federal (cada um no limite de suas competências) à adoção de medidas no Hospital Municipal Salgado Filhopara,através da melhoria das condições de trabalho e do meio ambiente laboral, prevenir o contágio pela COVID 19 de todos os trabalhadores (servidores, prestadores de serviços de saúde, dentre eles médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, maqueiros, residentes e terceirizados) que ali prestam serviços. Argumenta que a Procuradoria Regional do Trabalho da Primeira Região recebeu denúncia, encaminhada pela Procuradoria Geral do Trabalho, por intermédio da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades na Administração Pública – CONAP, em face do Hospital Municipal Salgado Filho, com notícia da falta de equipamentos de proteção individual para o atendimento à população, além de outras irregularidades relacionadas ao meio-ambiente de trabalho, que poderiam agravar os riscos de dano irreparável à saúde física e mental desses trabalhadores. Em razão da referida denúncia, foi instaurado o Inquérito Civil Público n.º 001955.2020.01.000/4 p ara apurar a situação da unidade de saúde em comento no contexto atual de calamidade pública ( DOC 01 – Notícia de Fato, Apreciação Prévia e Portaria de Instauração do IC). No curso da investigação, o Ministério Público do Trabalho constatou uma situação caótica no Ho spital Municipal Salgado Filho - HMSF, com ele atuando bastante despreparado no enfrentamento da COVID 19, colocando em risco a saúde e a vida de todos que lhe prestam serviços e de seus pacientes. Afirma, ainda, que foram apuradas diversas irregularidades, em especial o déficit de profissionais, inclusive médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e fisioterapeutas; que os existentes trabalham sem equipamentos de proteção coletiva, sem fornecimento e reposição segura de equipamentos de proteção individual (EPI´s), sem treinamento/capacitação profissional adequada (individualizada e continuada) para o manejo clínico da COVID 19, sem divulgação e condições de seguir os protocolos de atuação e sem atendimento em caso de adoecimento psicológico ou contaminação, entre tantas outras más condições comosuperlotação de pacientes com COVID 19,que afetam sobremaneira o exercício de suas funções e o meio ambiente do trabalho no hospital, a ponto dos trabalhadores. Argumenta o MPT que a situação constatada tende a se agravar em razão do deslocamento de profissionais lotados no HMSF, para prestarem plantão de 12hs no hospital de campanha da prefeitura, pois não há nenhum planejamento das rés para a reposição desses profissionais, quando o número de trabalhadores em atividade já é insuficiente. A parte autora chama a atenção, ainda, para a situação do elevado número de óbitos na unidade. Apresenta fotos e reportagens para demonstrar um expressivo número de cadáveres, enfileirados em macas fora do necrotério, denunciando que o refeitório dos maqueiros e dos trabalhadores do setor administrativo fica ao lado do local onde os cadáveres estão acomodados de modo irregular, sem refrigeração. Diante de tudo que está narrado na inicial, das normas jurídicas apontadas pela parte autora e dos documentos trazidos aos autos, requer a tutela de urgência, em caráter liminar, para imposição das obrigações indicadas no rol de pedidos aos réus. É o breve relatório, tudo visto e examinado, decido: Primeiramente, constato que a parte autora é legítima para o ajuizamento da presente demanda, pois o direito discutido nos autos é de cunho evidentemente coletivo e difuso, relacionado ao meio ambiente de trabalho. Os fatos articulados atingem de forma indivisível todos os trabalhadores que atuam no HMSF e, ainda, todos os pacientes, familiares e demais pessoas que tenham contato com o ambiente potencialmente nocivo denunciado nos autos. Trata-se, portanto, de defesa de direito coletivo e difuso, relacionado tanto à preservação da saúde física e mental dos trabalhadores da unidade médica, quanto à questão de saúde pública relacionada à síndrome respiratória aguda grave (SRAG) COVID 19 e sua propagação. Logo, o Ministério Público do Trabalho – MPT - é parte legítima para ajuizar a presente Ação Civil Pública, bem como, a via processual utilizada é pertinente para a apreciação judicial dos fatos alegados.
Quanto ao pedido de concessão de liminar, passo a analisar os requisitos de relevância dos fundamentos da demanda e da urgência da medida requerida (fumus boni iuris, periculum in mora ) conforme art. 84, §3º do CDC, aplicado por autorização expressa do art.21 da Lei 7347/85, norma que regula a matéria e que se aplica subsidiariamente ao rito processual trabalhista, diante da omissão da CLT nesse particular. Por se tratar de ação coletiva, os requisitos para a tutela de urgência antecipatória, ou seja, que assegura liminarmente o efeito pretendido no pedido principal da ação, são a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final, não havendo necessidade da evidencia e da probabilidade previstas no art.300 do CPC, que é aplicado apenas de modo subsidiário na Ação Civil Pública. (BEZERRA LEITE, Carlos H. Tutela de urgência em Ação Civil Pública no Direito Processual do trabalho. In Ação coletiva na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo, LTr, 2006. p. 237-261) Pois bem. Trata a hipótese dos autos de controle judicial de ato administrativo, valendo lembrar que tal controle é limitado, tendo em vista a forma Republicana de Governo, o regime político do país e a tripartição dos poderes, instituídos na Constituição da República, promulgada em outubro de 1988. Organizado o Estado em três Poderes independentes e harmônicos – Executivo, Legislativo e Judiciário, há que se estabelecer competência e limite de atuação de cada um deles. Por tais motivos, o controle judicial do ato administrativo restringe-se à análise de sua legalidade, em caso de ato vinculado, e de legalidade e mérito (moralidade e razoabilidade), quando se trata de ato discricionário. Nestes autos o questionamento doparquetse volta para ato administrativo discricionário, decorrente do dever da União, Estado e Municípios garantirem à população assistência médica e da já mencionada pandemia relacionada à síndrome COVID 19. A matéria, portanto, se insere na discricionariedade dos entes públicos de elaborarem e implementarem política pública para fazer frente à dita pandemia, contudo, essa discricionariedade não é absoluta, uma vez que essa política pública deve estar dentro dos parâmetros legais, bem como, deve atender aos princípios da moralidade e eficiência (art.37, cap ut, CF/88). Dito de outra forma, compete ao administrador público gerir a saúde pública com eficiência e legalidade, mesmo no quadro excepcional ora vivenciado. Nessa perspectiva, compete ao Poder Judiciário o controle dos atos do Poder Executivo, verificando se o exercício discricionário do agente público está cumprindo com o dever de garantir saúde à população sem, contudo, substituí-lo.
Desde 20 de março de 2020, ficou reconhecido, pela República Federativa do Brasil, o estado de calamidade pública, nos termos do Decreto Legislativo de nº 06/2020, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. Em relação especificamente ao HMSF, no dia 16.03.2020 foi realizada vistoria na unidade pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro - CREMERJ. O relatório da visita, ID. 5d0ed3d, já apontava diversas deficiências como número insuficiente de EPI’s mínimos para a atividade, como máscaras N95 ou PFF2, avental descartável, ALCOOL 70%, óculos ou face shield para uso individual, entre outras. Inicialmente não havia previsão de leitos para internação decorrente da síndrome COVID 19 no HMSF, que é referencia para atendimento de trauma/ortopedia. Contudo, na ocasião os fiscais constataram o não isolamento de paciente com suspeita de CODIV-19 em leito com ventilação mecânica ao lado de mais 12 leitos, separado apenas por cortina, o que é incompatível com as orientações da Secretaria de Estado de Saúde no Plano de Resposta de emergência ao Coronavirus no Estado do Rio de Janeiro, ID. 38c678b - Pág. 1, inclusive porque ali de forma expressa - ID. 38c678b, Pág. 2 - apresenta seus objetivos incompatíveis com as práticas observadas no referido hospital. Ou seja, em meados de março do corrente ano o HMSF começou a receber pacientes com suspeita de COVID 19, sem que fosse estabelecido nenhum procedimento especial para limitar a transmissão humano a humano, isolar pacientes precocemente, bem como organizar a resposta assistencial de forma a garantir o adequado atendimento. Ainda em março o CREMERJ aponta a urgência em estabelecer protocolos e procedimentos para recebimento de pacientes infectados ou com suspeita de infecção por Coronavirus, carência de equipamentos individuais mínimos e acentuado déficit de profissionais para atendimento dos pacientes. Nessa mesma época foi encaminhado ao procurador-chefe ofício da Associação Médica Brasileira – AMB, onde já se apontava a insuficiência de equipamentos de proteção individual em diversas unidades de atendimento, entre elas o HMSF, como se vê no documento ID. 5df6fe2 - Pág. 1. Em 16.04.2020 foi alterada a estratégia para atendimento dos doentes, que passaram a ser pulverizados por diversas unidades de atendimento, entre elas o HMSF onde havia a previsão de 14 leitos para esse atendimento - ID. 959dfd5. Denuncia o MPT que não houve prévia preparação do Hospital Municipal Salgado Filho para o recebimento de pacientes com suspeita e/ou confirmação de síndrome COVID 19, bem como, que o número real de pacientes nessas condições é muito superior ao inicialmente previsto. Segundo a inicial “dados extraídos da plataforma SISREG o hospital possuía, em 28/04/2020, 28 pacientes internados com COVID 19, sendo metade em leitos de UTI e, em 07 de maio de 2020, 25 pacientes, sendo 12 em leitos de UTI”, fato confirmado pelos documentos de ID. ed439fd e ID. ed439fd. Portanto, desde o final de março de 2020 é de conhecimento das autoridades responsáveis pela elaboração de política pública de enfretamento da pandemia relacionada ao COVID 19, que o HMSF estava a receber pacientes infectados em número superior ao estimado (14), apesar do preocupante déficit de trabalhadores na unidade, da insuficiência de equipamento de proteção individual, da ausência de treinamento e de procedimento para triagem, isolamento e atendimento desses pacientes. Ao longo do mês de abril de 2020 a situação no HMSF se agravou, com um alto índice de contaminação e mortes, tanto entre os pacientes quanto entre os trabalhadores, aumentando o déficit de profissionais para atendimento dos pacientes e o risco de todos que acessavam a unidade. Tal cenário foi resultado da falta de planejamento, da ausência de isolamento dos pacientes acometidos de COVID 19, falta de EPI’s, ausência de filtro para ar condicionado do setor onde havia pacientes infectados. Os elementos trazidos aos autos comprovam que pouco mais de um mês após a unidade receber o primeiro paciente infectado pelo Coronavírus, as condições ambientais do hospital se deterioraram e transformaram o local e os trabalhadores ali lotados em vetores de propagação da síndrome COVID 19. Em 25.04.2020 é noticiada a morte do pastor Fábio A. M. Santiago Santos, de 34 anos no HMSF
- ID. e9da53f - Pág. 23 – sem que a família recebesse o resultado do teste para confirmar se o óbito decorreu de COVID 19. No dia 01.05.2020 a reportagem do portal O GLOBO - ID. 24d8fc - informava sobre a insuficiência de leitos e de planejamento para atendimento da população durante a pandemia, situação que estaria sendo inclusive averiguada por parlamentares do Município e do Estado do Rio de Janeiro. A reportagem publicada em 02.05.2020 - ID. 33202df – denuncia a situação caótica do HMSF, exibindo fotos de corpos enfileirados em área sem refrigeração, diante da incapacidade do necrotério da unidade acomodar todos os cadáveres. O CREMERJ realizou nova vistoria na unidade hospitalar em questão no dia 04.05.2020 - ID. 74165d9 – constatando que “o HMSF mantém 87 pacientes suspeitos/ confirmados para COVID- 19 internados”, ou seja, um número bem superior aos 14 leitos previstos no plano de atendimento acima indicado, pois “frente à pandemia foram criados leitos extras para atender a grande demanda” constando, ainda, no relatório de inspeção: “A fim de ilustrar a superlotação, citamos a adaptação de alguns setores: Unidade intermediária com capacidade para 13 leitos foi adaptada para receber 16 pacientes; as salas amarelas, masculinas e femininas, com capacidade total para 14 pacientes detêm 39 pacientes; sala vermelha mantém todos os 05 leitos ocupados. Ressalta-se que há também internação isolada em diversos setores como Unidade Intensiva, Unidade Coronariana, Pediatria, Clinica Médica, entre outros.” Consta nesse relatório que cerca de 30% dos 224 casos suspeitos/ confirmados da doença atendidos no HMSF evoluíram para óbito dos pacientes. Nessa inspeção se constatou, ainda, um elevado número de cadáveres fora do necrotério, além de estoque de máscaras cirúrgicas em estado crítico e grave insuficiência de profissionais para atendimento da população. Esses elementos trazem verossimilhança à alegação da inicial, de que o HMSF foi transformado em unidade de tratamento para síndrome respiratória aguda grave (SRAG) COVID 19, de modo totalmente improvisado. Sem o devido planejamento, tal atividade deteriorou o meio ambiente de trabalho, acarretando fundado risco para as pessoas que freqüentam o local. Esses elementos já são suficientes para demonstrar a relevância da questão trazida à apreciação judicial, bem como, o perigo na demora da prestação jurisdicional, uma vez que a situação ambiental do HMSF vem se agravando desde março deste ano, sendo justificado o requerimento de tutela de urgência para efetivar as medidas de proteção contra o agravamento e propagação da COVID 19, tanto entre os trabalhadores quanto entre os pacientes. Ensina a doutrina acompanhada pelo Juízo que: “o Direto Ambiental do trabalho constitui inerente às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (CF, art.196), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art.225 da Constituição Federal. É difusa a sua natureza, ainda, porque as conseqüências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem, finalmente, toda a sociedade” (MELO, Raimundo S. Direit o Ambiental do Trabalho e a Saúde Trabalhador”, São Paulo: Ed. LTr., 2008 - 3ª Ed., p.29). O mesmo autor chama a atenção para a responsabilidade do Estado pelos atos e/ou omissões causadores de danos diretamente ao meio ambiente de trabalho ou que potencializem a criação de riscos ambientais laborais: “A responsabilidade do Estado surge, portanto, da ausência de serviços ou do seu mau funcionamento, porque cabe ao Poder Público ser prudente e cuidadoso no vigiar, orientar e ordenar a saúde ambiental nos casos em que haja prejuízo ou potencialidade de riscos para o meio ambiente e para as pessoas” (MELO, Raimundo S. ob. cit. p.232). Como bem salientado pelo MPT na inicial, mesmo no cenário de pandemia ora vivenciado, é necessário compatibilizar o direito dos trabalhadores à proteção dos riscos de sua atividade, com o direito da população de receber assistência. Até porque, sem o trabalho dos profissionais lotados no HMSF não será nem mesmo possível prestar a tão necessária assistência médica à população. Vale dizer, são direitos que se complementam, pois apenas com a preservação da saúde física e mental dos trabalhadores lotados no HMSF será possível dar efetiva assistência médica à população.
Os profissionais da saúde certamente merecem tratamento isonômico para minimizar os riscos de exposição ao Coronavírus e contágio. Dessa forma todos os esforços precisam atuar para conter e/ou minimizar os efeitos da pandemia, especialmente para preservação do seu meio ambiente laboral. No que se refere às condições mínimas de trabalho, estas, de fato, não estão sendo observadas no hospital Salgado Filho, visto que a própria escala de plantão apresentada, consta funcionários que já estão aposentados (DOC 30 – escala de plantão com empregados aposentados consta nte em ID. 02b2924 - Pág. 16), o que demonstra a falta de controle quanto inclusive com os servidores que atuam no local. Além disso, o já mencionado relatório da vistoria realizada no HMSF pelo CREMERJ em 04.05.2020, informa que: “Em relação ao quantitativo de pessoal, há grande preocupação pela direção da unidade. A escala médica da emergência que já apresentava grande déficit antes do início da pandemia apresenta-se crítica no momento, principalmente em relação ao quantitativo de médicos clínicos. Atualmente, como forma de manter o atendimento ao grande número de pacientes de COVID internados na unidade de emergência, os médicos cirurgiões estão ficando responsáveis pela evolução e atendimento de intercorrência destes pacientes. [...] Conforme divulgado recentemente na mídia, a unidade apresenta número de óbitos muito além da capacidade instalada para armazenamento adequado. Das 12 gavetas disponíveis para armazenamento individual e refrigerado de cadáveres, apenas 08 estão disponíveis. As demais apresentam problemas relacionados a vedação ou estão ocupadas com peças anatômicas. Constatamos a presença de 11 corpos fora da unidade de refrigeração, dentro da sala, devidamente identificados e embalados. Destes, o mais antigo estava há 02 dias no setor fora de refrigeração [...] Ressalta-se que já existe protocolo institucional próprio formatado, contemplando fluxo de atendimento e tratamento de pacientes, contudo, é importante destacar que a unidade não é referência para atendimento de COVID-19. Houve grande esforço da direção em aumentar a oferta de leitos e garantir o atendimento destes pacientes em ambiente exclusivo, evitando a disseminação da doença. Entretanto, constatamos que há grande número de pacientes internados, com superlotação do setor de emergência, consequentemente com necessidade de internação em outros ambientes. Fato este que se agrava a medida que não são mais ofertadas vagas para transferência. Conforme informado, havia paciente aguardando transferência há 18 dias. Em meio à pandemia, o hospital que já enfrentava sérios problemas relacionados a recursos humanos, sobretudo de Médicos clínicos, teve sua escala ainda mais reduzida com o afastamento de médicos que contraíram a doença, foram afastados por possuírem idade maior que 60 e serem portadores de doenças crônicas ou, conforme decreto municipal, que foram convocados para trabalhar parte de sua carga horária no Hospital de Campanha do RioCentro.” Portanto evidente que no caso em tela resta prejudicada a preservação da vida e da saúde física e mental desses profissionais, por outro lado não se verifica efetiva atuação dos réus, de meados de março do corrente ano até a presente data, no sentido de resolver os problemas apontados na primeira inspeção do CREMERJ, em especial nos seguintes aspectos: Até a presente data não foi disponibilizada testagem para os trabalhadores lotados no HMSF; Nada foi feito para diminuição do déficit de profissionais; não houve contratação para substituir os profissionais afastados ou mortos em razão da COVID 19; Até hoje não foi realizado treinamento nem mesmo estabelecido procedimento de triagem de pacientes, de modo a isolar os casos de suspeita/confirmação de COVID 19; Ainda há deficiência no fornecimento de EPI’s, notadamente máscara cirúrgica descartável e óculo ou face shield individuais; Ainda não foi solucionada a acomodação de cadáveres, que continuam alocados em local impróprio, sem refrigeração. Os depoimentos de trabalhadoras lotadas no HMSF, colhidos no inquérito civil - ID. 46018fb - confirmam os fatos apurados pelo CREMERJ, destacando-se os seguintes trechos: “no plantão médico há hoje um único médico atendendo casos de coronavírus e casos outros; hoje há apenas um médico na emergência; não são fornecidos equipamentos de proteção individual e coletiva em respeito às normas do Ministério da Saúde; os profissionais da saúde, dentre eles, médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, maqueiros e do setor administrativo receberam apenas máscaras comuns e estão utilizando, por dias, duas máscaras comuns; [...]com relação a face shield forneceram 3 (três) ou 4 (quatro) para uso coletivo o que não é permitido, eis que a mesma deve ser utilizada individualmente; [...]muitas mortes ocorreram nos últimos dias no referido Hospital, em torno de 12 (doze) mortes a cada 12 (doze) [...]o ambiente que o paciente de COVID-19 fica é munido de um ar-condicionado central sem filtro bacteriológico e sem sistema de exaustão, o que proporciona ainda mais a contaminação; inúmeros profissionais da saúde, do setor administrativo e terceirizados vieram a falecer por conta disso”. Por outro lado, a postura dos réus traz fundado receio de que esse quadro se agrave ainda mais. Não há notícia de contratação de pessoal, elaboração de fluxo e protocolo de atendimento, instalação de filtro bacteriológico no ar condicionado do setor onde estão os infectados pelo Coronavirus.
Quanto ao Executivo Municipal, a Resolução SMS 4389 de 03.05.2020 - ID. 1ce499e – determina que servidores que hoje atuam no HMSF “exerçam, em caráter excepcional e temporário, 12 (doze) horas de sua carga horária no Hospital Municipal de Campanha, situado na Avenida Salvador Allende nº 6.555, Pavilhão 03 – Barra da Tijuca”. A par de não esclarecer se essa atividade excepcional será semanal ou mensal, não há previsão de reposição desses profissionais deslocados, o que certamente agravará o colapso já instaurado no HMSF. Chama a atenção do Juízo, ainda, que toda a compra de material e equipamentos de proteção individual para o HMSF é realizada através da empresa CORPO ASTRAL COMERCIAL E INDUSTRIAL LTDA ME, a mesma que desde março vem falhando no fornecimento de máscaras cirúrgicas descartáveis, óculos ou face shield e outros equipamentos de proteção individual. As compras estão sendo realizadas sem necessidade de licitação, diante do estado de calamidade pública, logo, o ente deveria estar mais atento à sua obrigação de buscar eficiência na aquisição desses equipamentos essenciais para a preservação do meio ambiente laboral. Outro aspecto relevante, é que mesmo sem providenciar local apropriado para acomodação dos cadáveres do HMSF, em 04.05.2020 foi publicada no DORJ a resolução de remoção dos corpos de pessoas falecidas na área 3.2 para o HMSF, o que certamente agravará ainda mais as condições ambientais impróprios no aludido hospital, como já apontado pelo CREMERJ. No que se refere aos recursos necessários para a implementação imediata das medidas postuladas peloparquetuma rápida busca no Diário Oficial revela que no período recente o Município do Rio de Janeiro efetuou os seguintes gastos, todos com dispensa de licitação: No segundo semestre de 2019 o Município perdoou dívida de R$450.000.000,00 (quatrocentos e cinqüenta milhões de reais) dos cartórios. Entrementes, em 15.04.2020 consta na pg. 48 do DORJ que o Município gastou, sem licitação, R$8.424.000,00 (oito milhões, quatrocentos e vinte e quatro mil reais) para a compra de álcool em gel destinado a escolas que estão fechadas desde março, sendo fornecedora a empresa TRANSNOGUEIRA COMÉRCIO E MERCADO EIRELI. No dia 08.05.2020 a prefeitura contratou a empresa DIMENSIONAL ENGENHARIA LTDA, para serviço de recuperação de pavimentação de vias públicas, no montante de R$10.826.778,73 (dez milhões, oitocentos e vinte e seis mil, setecentos e setenta e oito reais e setenta e três centavos). Já nas pg.59 do DORJ de 11.05.2020 consta a contratação de agencias publicitárias, também sem licitação, no valor de R$7.000.000,00 (sete milhões de reais). Tais elementos indicam que o Município dispõem de recursos financeiros, inclusive para atividades não prioritárias no momento, o que afasta alegação de reserva do possível em relação aos gastos urgentes dos quais depende a adequação do meio ambiente de trabalho no HMSF. Como já explicitado, a situação ora vivenciada é inédita, entretanto as normas de segurança do trabalho e as recomendações existem e devem ser cumpridas, tanto assim que o Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar proferida em 29 de abril de 2020 suspendeu a eficácia dos artigos 29 e 30 da Medida Provisória 927/2020, sob o fundamento de que as regras neles contidas fogem da finalidade social do trabalho e ofendem inúmeros trabalhadores de atividades essenciais que continuam expostos ao risco da contaminação, e também no intuito de evitar que empregadores e entes públicos se descuidem do cumprimento de seus deveres com inversão das práticas necessárias em tempos de estado de emergência. Nesse sentido: “a preservação da dignidade do trabalhador, enquanto ser humano, é verificada, necessariamente, pelo cotejo de suas condições de trabalho. Nesse aspecto, registramos que não existe qualquer possibilidade de flexibilização daquilo que seria o mínimo necessário à preservação de sua dignidade. [...] Assim, se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador [...] há trabalho em condições degradantes” (RIBEIRO JUNIOR, José H. Tutela inibitória nas Ações Coletivas. In Ação coletiva na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo, LTr, 2006, p. 137-138). Os réus têm responsabilidade solidária na preservação ambiental, como preconizam os art.196, 197 e 225 da CF/88. Com relação aos trabalhadores envolvidos, são todos aqueles que atuam efetivamente nas dependências no HMSF, sejam os diretamente contratados pelos réus, terceirizados, temporários, prestadores de serviço, autônomos, como reconhecido nas recomendações de proteção aos trabalhadores dos serviços de saúde no atendimento de COVID- 19 e outras síndromes gripais, elaboradas pelo Governo Federal: “Trabalhadores dos serviços de saúde são todos aqueles que atuam em espaços e estabelecimentos de assistência e vigilância à saúde, sejam eles hospitais, clínicas, ambulatórios e outros locais10. Desta maneira, compreende tanto os profissionais da saúde – como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas, fisioterapeutas, etc. – quanto os trabalhadores de apoio, como recepcionistas, seguranças, pessoal da limpeza, cozinheiros, entre outros, ou seja, aqueles que trabalham nos serviços de saúde, mas que não estão prestando serviços direto de assistência à saúde das pessoas” - ID. 9246821. Diante do acima exposto e considerando o dever geral de cautela, bem como, a necessidade de resguardar o resultado efetivo da lide, com fundamento no art.84, §3º do CDC c/c art.21 da 7347 /85 c/c parágrafo 2º do artigo 300 do CPC c/c artigo 769 da CLT, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA para determinar solidariamente aos réus o cumprimento das seguintes obrigações: EM CINCO DIAS:
1) Comprovar a efetiva instalação de container refrigerado, adequado para acomodação dos cadáveres recebidos das enfermarias e da AP 3.2; 2) comprovar a adequação e higienização dos sistemas de ar condicionado, com disponibilização de filtro bacteriológico e sistema de exaustão a fim de evitar novas contaminações cruzadas no HMSF;
providenciar a testagem de todas e todos os trabalhadores em atividade no HMSF, nos moldes do pedido 6.1.d.; 4) providenciar local adequado para a refeição dos trabalhadores, especialmente maqueiros e trabalhadores do setor administrativo, distante no local onde estão acomodados os cadáveres; 5) comprovar aquisição e disponibilidade de máscara cirúrgica descartável em número adequado para o contato com pacientes infectados pelo Coronavírus. EM DEZ DIAS: 6) comprovar realização de treinamento e implementação de protocolo para triagem e atendimento de pacientes com suspeita/confirmação para COVID 19, bem como, adoção de fluxo de atendimento de pacientes sintomáticos respiratórios, separação do local de atendimento de casos suspeitos, isolamento de leitos dedicados para pacientes com COVID 19; 7) APENAS EM RELAÇÃO AO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, conforme o pedido: atualizar a s escalas de plantões do Hospital Municipal Salgado Filho para que elas reflitam a equipe que efetivamente trabalhará em cada plantão, bem como implementar rígido controle do cumprimento integral de tais escalas pelos profissionais; 8) APENAS EM RELAÇÃO AO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, conforme o pedido: estabelec er programa de atendimento psicossocial voltado à preservação da saúde mental de todas e todos os trabalhadores da unidade que inclua, no mínimo, atendimento psiquiátrico e psicológico; ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE PANDEMIA: 9) Manterem o abastecimento dos itens de EPIs necessários, de acordo com as atividades desenvolvidas pelos profissionais, conforme o número destes, e de sanitizantes adequados (álcool a 70%), a fim de garantir a todas e todos os trabalhadores em atividade no Hospital Municipal Salgado Filho, toda assistência envolvida no atendimento a potenciais casos de coronavírus COVID-19. 10) manter o fornecimento de testes necessários para testagem ampla e irrestrita semanal dos trabalhadores do Hospital Municipal Salgado Filho; 11) Complemente a mão de obra para completar o quantitativo necessário de pessoal na mesma unidade hospitalar, de acordo com o perfil assistencial do Hospital e recomendado pela Portaria 2048/02-MS, Resolução CREMERJ 02/96 e Resolução CFM 2077/14 e Resoluções do COREN, por meio de pessoal próprio ou das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) ou ainda mediante convênio de cessão de equipes médicas devidamente registradas de universidades públicas e particulares ou de grandes redes hospitalares privadas; TUTELA INIBITÓRIA:
Por fim, faz-se necessária a imposição de medidas que impeçam ou evitem o agravamento das graves violações ao meio ambiente de trabalho no HMSF, detectadas nessa verificação preliminar dos autos. A tutela, aqui, é preventiva e visa impedir o agravamento do colapso constatado pelo CREMERJ. Para garantir a efetividade das obrigações de fazer acima determinadas, bem como, no intuito de obter resultado prático desta demanda, nos termos dos art. 497 e 536 do CPC, considero necessária a adição da seguinte imposição de obrigação de não fazer: Suspender temporariamente os efeitos da Resolução SMS 4389 de 03.05.2020, em relação aos servidores que atuam efetivamente no Hospital Municipal Salgado Filho, para determinar que os réus se abstenham de designá-los para cumprir plantão de 12hs no Hospital Municipal de Campanha, situado na Avenida Salvador Allende nº 6.555, Pavilhão 03 – Barra da Tijuca, até que: a) todos esses servidores sejam devidamente testados de modo que eles não atuem como vetores de transmissão do Coronavirus/ síndrome COVID 19 e b) seja apresentado plano para reposição desses servidores, de modo que o HMSF não fique desguarnecido dos recursos humanos necessários a manutenção de sua atividade em condições mínimas de segurança para os trabalhadores e pacientes.
Cumpra-se COM URGÊNCIA por Oficial de Justiça em regime de plantão, CITANDO-SE A Ré, INCLUSIVE PARA ciência e cumprimento da presente decisão NO PRAZO DE 10 DIAS, FIXADA A multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por dia, para cada determinação descumprida pelos Réus ; sem prejuízo de apuração de crime de descumprimento de ordem judicial (art. 4º, VIII da Lei 1079/50), desobediência e resistência (art. 330 e 329 do CPB).
Expeçam-se mandados de cumprimento, com urgência, para que as Suscitadas cumpram as determinações acima, comprovando nos autos a efetivação das medidas nos prazos acima estabelecidos. Dê-se ciência à parte autora.
RIO DE JANEIRO/RJ, 15 de maio de 2020.
DANIELA VALLE DA ROCHA MULLER
Juiz do Trabalho Titular