DECISÃO - Afastamento sem prejuízo de remuneração - RS

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

Gabinete Marcelo José Ferlin D´Ambroso MSCiv 0021410-83.2020.5.04.0000

IMPETRANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

AUTORIDADE COATORA: Magistrado(a) da Vara do Trabalho de Três Passos

Vistos etc.

 

O impetrante, Ministério Público do Trabalho, interpõe agravo regimental e postula a imediata reconsideração da decisão agravada que indeferiu a liminar requerida para [A] determinar o imediato afastamento, sem prejuízo da remuneração, de todos os trabalhadores, empregados próprios ou terceirizados, do estabelecimento, inclusive todos os assintomáticos, sem exceção, pelos períodos de tempo mínimos previstos nos itens I, II ou III, conforme o caso, do protocolo constante do ID. "c21b663" da ação civil pública, aplicando-se para todos os trabalhadores assintomáticos, contactantes ou não, sem exceção, os tempos de afastamento e diretrizes de testagem previstos no referido item III, ou, subsidiariamente, [B] determinar o imediato afastamento, sem prejuízo da remuneração, de todos os trabalhadores, empregados próprios ou terceirizados, "assintomáticos não contactantes" do estabelecimento, aos quais se refere o tópico 6 da decisão ID "b7ea754" pelo período mínimo de 14 dias, com realização da testagem a partir do 10º dia do afastamento." Alega, em síntese, que como a disseminação do coronavírus entre os trabalhadores da empresa litisconsorte continua forma crescente, e tendo sido verificado o descumprimento da liminar deferida no Mandado de Segurança anteriormente impetrado sob o nº 0020963-95.2020.5.04.000 em pontos cruciais, conforme constatado pela Inspeção do Trabalho, no intuito de conter o grave surto do referido vírus que está se desenvolvendo, fez diversos requerimentos, os quais foram deferidos somente em parte pelo Julgador da origem. Refere que em 23/06/2020, considerando a crescente progressão do surto do coronavírus no frigorífico, o afastamento de todos os trabalhadores é única medida que poderá estancar, de imediato, a propagação do vírus, sendo que esta medida está prevista no art. 4º, I, da Portaria SES 407/2020. Ressalta que, tendo eclodido no frigorífico um surto de coronavírus, cuja extrema gravidade foi inclusive reconhecida pelo juiz do primeiro grau, e não estando a empresa a aplicar plenamente, como também admite o magistrado da Vara do Trabalho, as medidas preventivas inicialmente postuladas na ação civil pública (o que, diga-se, o surto, por si, já evidencia) e que lhe haviam sido determinadas em decisão proferida no MS 0020963-95.2020.5.04.000, fez-se necessário requerer medidas adicionais urgentes, quais sejam, basicamente, o afastamento temporário dos trabalhadores e a realização de testagem, sendo que esta providência está relacionada àquela de modo indissociável, pois a testagem sem afastamento dos operários resulta prejudicada. Esclarece que a autoridade judicial da Vara determinou a testagem, mas com afastamento apenas parcial dos trabalhadores, permitindo o labor da grande maioria, quais sejam, aqueles assintomáticos "não contactantes", distinção essa que, nas circunstâncias, para fins de autorizar a permanência em atividade, perdeu o sentido, pois, dada a progressão do

 

surto, não há mais como precisar quem seria "contactante" e quem seria "não contactante" até porque, também e aliás, a litisconsorte já excluía dessa classificação obreiros que, por critérios previstos no ordenamento jurídico, deveriam ser tidos como "contactantes". Informa que a cada dia a situação se agrava, porquanto a disseminação do coronavírus é exponencial: passou-se de

2 casos para 104 rapidamente, sendo agora o momento de afastar temporariamente os empregados para conter o surto, o que tem previsão no art. 4º, I, da Portaria SES 407/2020. Refere que a constatação de número expressivo de infectados evidencia, por si só, que a empresa não vem adotando a contento as medidas necessárias e que lhe foram exigidas para debelar o surto que ora progride no estabelecimento. Diz que não se sustenta o fundamento da decisão agravada de que "a contaminação na empresa não é mais grave do que a do Município", e de qualquer forma, há deficiências em pontos cruciais do plano de contingência da empresa. Renova o argumento de que o afastamento imediato de todos os trabalhadores é medida que se impõe para que a empresa adeque e reimplemente o seu plano de contingência e passe a adotar plenamente as medidas que já lhe foram determinadas no já mencionado MS 0020963- 95.2020.5.04.0000, bem como resolva as desconformidades flagradas pela Inspeção do Trabalho. Destaca que a testagem ordenada pelo magistrado da Vara de Três Passos é medida importantíssima, mas, só por si, não impedirá que operários hoje saudáveis venham a se contaminar no ambiente laboral, pois a empresa não está implementando, ou não de modo pleno e eficiente, as providências que lhe foram determinadas conforme decisão proferida por esse E. Tribunal Regional. Salienta, ademais, que a própria testagem fica, em boa parte, comprometida em sua eficácia se não há o imediato afastamento de todos os trabalhadores. Sustenta que o dano é evidente e caso não haja o mediato afastamento de todos os trabalhadores, a progressão do surto irá resultar em um número cada vez maior de infectados e doentes, com risco de morte ou de sequelas permanentes, sendo desnecessárias maiores considerações acerca da gravidade que pode adquirir a síndrome respiratória provocada pelo coronavírus, fato público e notório. Refere, também, que a probabilidade do direito está evidenciada não só no teor da portaria SES 407/2020 como na prevalência lógica e constitucional do direito à vida e saúde sobre os demais direitos.

Pois bem.

O Ministério Público impetrou mandado de segurança (nº 0020963-95.2020.5.04.00000) no mês de maio do corrente ano, contra decisão proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Três Passos, Dr. Ivanildo Vian, que, nos autos da Ação Civil Pública - ACP número 0020175- 98.2020.5.04.0641, indeferiu o pedido liminar para que a empresa SEARA ALIMENTOS LTDA, ora litisconsorte, adotasse as medidas de proteção previstas na Recomendação do MPT, bem como se abstivesse de praticar atividades extraordinárias enquanto perdurar a pandemia de COVID-19. Este Relator, à época, deferiu a liminar , a qual foi confirmada pelo Colegiado da 1ª Seção de Dissídios Individuais do TRT4, concedendo a segurança postulada, determinando que a empresa litisconsorte adotasse diversas medidas, dentre elas; "Implantar medidas de vigilância ativa e passiva recomendadas pelas autoridades sanitárias nacionais e internacionais, com vistas à identificação precoce de sintomas compatíveis com a COVID-19 (sintomas respiratórios, tosse

 

seca, dor de garganta ou dificuldade respiratória, acompanhada ou não de febre e ou sintomas gripais), e garantir o imediato afastamento, sem prejuízo da remuneração, de todas as pessoas trabalhadoras com sintomas até submissão a exame específico que ateste ou não a contaminação - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; Custear, integralmente, os valores decorrentes da realização de testes, a trabalhadoras e trabalhadores que forem enquadrados como casos suspeitos ou prováveis de doença pelo novo coronavírus (COVID-19), a partir de indicação de corpo médico da empresa ou de profissionais médicos assistentes não vinculados à empresa (profissionais médicos do SUS e particulares) - prazo de 48 horas a contar da ciência desta decisão.

 

Esta liminar foi confirmada em decisão final da SDI1 desta Corte. E, como visto, foi determinado expressamente à empresa litisconsorte a obrigatoriedade de realização dos testes. Além disso, todos os pedidos realizados pelo Ministério Público em virtude da Portaria da Secretaria Estadual da Saúde dizem respeito ao teste, ou seja, são medidas que simplesmente explicitam a forma de realização dos testes.

Assim, não restam dúvidas que houve descumprimento da liminar deferida no mandado de segurança anteriormente impetrado e o que se está pretendendo neste writ é o cumprimento do que já foi determinado, com medidas acessórias para adimplemento da ordem mandamental.

Sabe-se que, desde a impetração do primeiro mandado de segurança foram noticiados mais de 100 casos de contaminação pelo coronavírus em empregados da empresa litisconsorte, inclusive com um óbito.

Além disso, o MPT traz no Id. 15c5517, a informação de que o Município de Três Passos, onde está localizada a sede da empresa SEARA, está na Bandeira Vermelha na 9º semana do Distanciamento Controlado e, ainda, que os próximos meses serão os mais difíceis no enfrentamento da COVID.

Estudos científicos têm sido divulgados em toda a mídia de que o interior do Estado está sofrendo aumento da taxa de contágio por focos de contaminação nos frigoríficos.

Não é demais frisar, novamente, que a expansão do vírus está em ritmo acelerado, sendo que a adoção de medidas a fim de evitar, ou pelo menos diminuir os casos de contaminação, se tornam extremamente necessárias e obrigatórias, para que o Estado possa ampliar sua rede de atenção à saúde para contemplar a demanda, como também permitir desenvolvimento de medicamentos e futura vacina.

Portanto, em que pese a Exma. Desembargadora Vânia Cunha Mattos, quando do exame do pedido liminar do Ministério Público do Trabalho no presente mandado de segurança, tenha entendido pelo seu indeferimento, não vejo outra alternativa senão determinar o cumprimento do que já havia sido determinado quando da decisão final do mandado de segurança nº 0020963- 95.2020.5.04.00000.

 

Nestes termos, RECONSIDERO a decisão anterior e casso parcialmente as decisões do Juízo da origem (Ids b7ea754 e 11c53e2 da ação subjacente) para determinar o imediato afastamento, sem prejuízo da remuneração, de todos os trabalhadores, empregados próprios ou terceirizados, "assintomáticos não contactantes" do estabelecimento, aos quais se refere o tópico 6 da decisão de Id. b7ea754 da ação subjacente, pelo período mínimo de 14 dias, com realização da testagem a partir do 10º dia do afastamento.

Em relação às medidas já determinadas no MS nº 0020963-95.2020.5.04.00000, expeça-se ofício à Polícia Federal, para apuração do crime de desobediência (art. 330 do CP), em tese, em relação à liminar deste Relator e ao Acórdão da eg. SDI1 deste Tribunal, com cópia integral daqueles autos e destes.

Cientifique-se o Juízo impetrado do inteiro teor desta decisão.

Cumpra-se com a máxima urgência mediante expedição do competente mandado à litisconsorte, a ser intimada por Oficial de Justiça, na pessoa de seu diretor responsável pela unidade de Três Passos, que fica incumbido, a partir de sua ciência desta decisão, de comunicar, nos autos, em quarenta e oito horas, o cumprimento das medidas acessórias ora impostas, sob pena de desobediência/prevaricação (art. 330/319 do CP).

Ainda, requisite-se fiscalização do inteiro e fiel cumprimento desta decisão à inspeção do trabalho, à vigilância sanitária do Município de Três Passos e ao CEREST.

Oficie-se à autoridade apontada como coatora para prestar informações no prazo legal e intime- se a litisconsorte, para responder a ação mandamental no prazo de 10 dias.

Após, ao Ministério Público do Trabalho, em cumprimento ao disposto no art. 12 da Lei 12.016

/09.

Intimem-se.

PORTO ALEGRE/RS, 16 de julho de 2020.

MARCELO JOSE FERLIN D'AMBROSO

Desembargador Federal do Trabalho