PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 17ª REGIÃO
9ª Vara do Trabalho de Vitória
ATOrd 0000597-45.2020.5.17.0009
AUTOR: MARLENE PIMENTEL FERREIRA DOS SANTOS
RÉU: ASSOCIACAO EVANGELICA BENEFICENTE ESPIRITO-SANTENSE - AEBES
Vistos, etc.
MARLENE PIMENTEL FERREIRA DOS SANTOS propõe ação trabalhista em face de ASSOCIACAO EVANGELICA BENEFICENTE ESPIRITO-SANTENSE - AEBES.
A Autora foi admitida pela Requerida em 22/05/2013. Em 15/05/2020, a Autora foi comunicada da resilição contratual; aviso prévio indenizado. Exercia a função de “Técnico de Enfermagem”.
A Autora sustenta ser injustificável a conduta da Requerida por dispensá-la sem justa causa pela condição de compor grupo de risco da COVID-19. Afirma que tal fato configura dispensa discriminatória, bem como assédio para com toda categoria.
A Autora aduz, ainda, que foi demitida após a decisão da assembleia em iniciar a greve. Sustenta que o fato de o movimento de greve ter sido sustado por ordem judicial não retira o impedimento de a Requerida não demitir empregados durante o processo de tramitação do dissidio coletivo, configurando o direito à reintegração quando se observa a data da dispensa e a data do início do movimento da categoria.
Com isso, a Autora pretende: “sua imediata reintegração ao trabalho não só pela demissão discriminatória como também por demissão em momento de greve, nas mesmas condições de trabalho anteriores a demissão, sob pena de multa diária equivalente a R$ 1.000,00 (um mil reais), garantindo-se a manutenção do emprego até o transito em julgado do dissidio coletivo 0000282- 44.2020.5.17.0000”.
A Requerida, por sua vez, afirma que foi declarada a ilegalidade da greve, por meio de decisão liminar proferida no bojo da Ação Declaratória de Abusividade da Greve, distribuída sob o nº 0000280- 74.2020.5.17.0000.
A Requerida afirma, ainda, que o contrato de gestão firmado com o Estado do Espírito Santo se encontra defasado, necessitando de reajuste; que, com o aumento das despesas para enfrentamento do novo corona vírus, manter a suspensão de contratos de trabalho de pessoas do grupo de risco da Covid-19, com o pagamento de 30% do salário, somado à necessidade de se contratar novos profissionais, revelou-se financeiramente inviável.
Vejamos.
O documento ID. 9682d34 consiste em Ata de Mediação do Ministério Público do Trabalho, datada de 29/05/2020, com a participação da ASSOCIAÇÃO EVANGÉLICA BENEFICENTE ESPÍRITO SANTENSE – AEBES, ora Requerida, e o SINDICATO DE TÉCNICOS E AUXILIARES DE ENFERMAGEM DO ES – SITAEN. A Ata de Mediação consiste em:
“(...). Aberta a audiência, concedeu-se a palavra à AEBES, em razão do requerimento para a realização desta assentada, que solicitou a manifestação inicial do Sindicato, em especial sobre o resultado da assembleia com relação à proposta oferecida na última audiência pela AEBES e, caso fosse essa rejeitada, o oferecimento de contraproposta para novos debates. Diante disso, o sindicato informou que a proposta foi rejeitada à unanimidade pela assembleia, bem como que a categoria reivindica novos pontos: a reintegração dos trabalhadores demitidos que se enquadram no grupo de risco, considerando que estas dispensas configuraram ato de discriminação, uma vez que poderiam ter seus contratos de trabalho suspensos ao invés de serem demitidos; a contratação imediata de maqueiros, já que os técnicos de enfermagem têm cumulado suas atribuições com atividades inerentes a deslocamento de macas; (...). Ainda, informa que a categoria vem sofrendo assédio moral, sendo exigidos resultados que não têm como serem alcançados com o quadro reduzido de pessoal, assim como solicita que conste em ata que a publicação do chamamento para a assembleia foi negligenciado pela AEBES, que não o afixou no quadro de avisos para possibilitar o conhecimento, e consequente participação de toda a categoria. Por fim, afirma que a AEBES está realizando novas contratações com base salarial distinta e superior, ao tempo em que indaga a todos se há alguma norma estadual que determina a implantação de plano de cargos e salários pela AEBES. Em resposta, o patrono da AEBES informa que o pleito inicial, objeto deste procedimento de mediação, estava delimitado e que quase todos os pontos já haviam sido acordados. Todavia, com relação aos novos pedidos, informa que nenhuma demissão foi realizada de forma vexatória e discriminatória, tratando-se de demissões sem justa causa, após o gozo de férias, de empregados que se enquadravam no grupo de risco, de forma que foi razoável a decisão da associação uma vez que estariam expostos diretamente ao contágio com grande possibilidade de óbito, além disso a associação não dispõe de recursos financeiros e orçamentários para manter o pagamento dos salários aos afastados (até mesmo com a suspensão dos contratos, já que teria que arcar com 30% dos salários) e, concomitantemente, contratar novos empregados para suprir o quadro. Ademais, afirma que alguns empregados demitidos são excelentes e que está disposta a recontratá-los após a pandemia. (...). Já sobre a alegação de assédio moral, aduz que não houve aumento no número de leitos no hospital, mas contratação de novos empregados como forma atender ao aumento do serviço em razão da demanda, mas não há esse constrangimento porque foram contratadas 500 pessoas para suprir o quadro permanente e com as mesmas bases salariais dos atuais empregados. (...). Acrescenta, ainda, que esses novos pedidos devem ser discutidos em outra oportunidade, que não eram objeto inicial da mediação, a fim de que seja possível chegar a uma autocomposição. (...). Este Procurador observa que de acordo com a AEBES o ato de dispensa por ela realizado foi racional e segundo sua perspectiva de custeio, mas além da dimensão financeira, há um componente humano e emocional no pleito de reintegração encaminhado pelo sindicato. Ademais, é notório que há um percentual altíssimo de profissionais da área de saúde contaminados e este é um problema que aflige bastante o MPT. O Dr. Douglas se pronuncia afirmando se sensibilizar com o pleito do sindicato e que irá verificar, junto ao Estado, se há alguma possibilidade de custeio por este dos percentuais salariais necessários para a suspensão dos contratos de trabalho dos empregados enquadrados no grupo de risco, indagando à AEBES quantos profissionais foram demitidos nessa condição. A AEBES, pela Sra. Milsa, informa que foram 13 técnicos de enfermagem dispensados e que se enquadravam no grupo de risco no HEJSN. Assim, o Dr. Douglas se propõe a levar ao Estado este fato a fim de verificar se é possível, inclusive legalmente, auxiliar nesse sentido. (...). Isto posto, foi designada, como última tentativa de autocomposição extrajudicial e a fim de que o sindicato informe o posicionamento da categoria com relação à nova proposta da AEBES, audiência para a próxima quarta-feira, dia 03.06.2020, às 9h, por videoconferência, estando todos os presentes cientes da nova assentada. (...)”.
O documento ID. ebe6e6d consiste em Ata de Mediação do Ministério Público do Trabalho, datada de 03/06/2020, com a participação da ASSOCIAÇÃO EVANGÉLICA BENEFICENTE ESPÍRITO SANTENSE – AEBES, ora Requerida, e o SINDICATO DE TÉCNICOS E AUXILIARES DE ENFERMAGEM DO ES – SITAEN. A Ata de Mediação consiste em:
“(...).Com a palavra, o Dr. Douglas informou que a PGE realizou uma consulta formal à SESA sobre a viabilidade do Estado auxiliar com o pagamento de eventual dispêndio necessário à reintegração dos empregados demitidos por se enquadrarem no grupo de risco, e que, apesar de não ter obtido resposta formal, realizou contato telefônico com a respectiva Secretaria que informou que esse tipo de questão é de atribuição do gestor do contrato, não podendo envolver o Estado, sob pena de abrir um precedente contratual negativo nesse sentido. tendo ouvido a manifestação do Procurador do Estado, a AEBES ressaltou que não é possível criar despesa sem a chancela da SESA, entendimento contrário seria irresponsável por parte dos gestores, especialmente pelo motivo de o contrato com o Estado não ter tido reajuste nos últimos anos. (...). O Sindicato profissional, então, por meio do seu presidente, sustentou que a AEBES não participou da discussão das CCTs anteriores e que, na citada reunião no SINDHES, organizou-se com outras empresas do setor hospitalar para que a proposta fosse rejeitada. Ademais, ressaltou que a rescisão dos contratos dos empregados fundada no fato de que seria para protegê-los por se enquadrarem no grupo de risco é preconceituosa e, portanto, inaceitável, bem como que a AEBES não cumpriu a CCT 2017- 2018, de modo que ratifica todos os pedidos da categoria. Em razão disso, a AEBES lamenta a impossibilidade de avanço em direção à autocomposição, ao tempo em que informa que só tem dois votos no SINDHES, em um universo de 40 a 50 votos, e que a rejeição da proposta de CCT ocorreu por unanimidade. Mas ressalta que, uma vez aprovada eventual CCT, seu cumprimento é cogente já que tem força de lei. Ratifica a proposta de reajuste salarial em 4.73%, sem pagamento retroativo, a partir de 1º de junho de 2020, com o primeiro pagamento até o 5º dia útil de julho de 2020, assim como a elevação da base de cálculo do adicional de insalubridade para R$ 1.100,00, a partir de junho/2020, e R$ 1.200,00, a partir de junho/2021, aduzindo ainda que a dispensa dos empregados integrantes do grupo de risco foi responsável e razoável, considerando o caráter humanitário e os limites financeiros da Associação. Além disso, ressaltou que, caso o Sindicato entenda que houve descumprimento de CCT pela AEBES, há meios judiciais cabíveis para fazer cumprir tais obrigações e que o momento requer sensibilidade de ambas as partes em realizarem o acordo, sustentado em concessões recíprocas, a fim de evitarem o movimento de greve, permanecendo à disposição para a realização do acordo. (...).Assim, esta mediação se esgota sem acordo até mesmo pela carência de uma maior objetividade no que pode ser resolvido de imediato e no que pode continuar sendo discutido, de forma que é necessário que as partes decidam por um dos encaminhamentos seguintes:
- ajuizamento de dissidio coletivo, em comum acordo, pelas partes, sem a deflagração de greve, para que o Tribunal Regional do Trabalho imponha uma solução heterocompositiva sobre todos os pontos pleiteados pelo sindicato, salvo evidentemente os que dependem de nova negociação coletiva, conforme vem decidindo o TST; 2) ajuizamento de dissidio de greve por qualquer ente legitimado, em caso de deflagração de greve pela categoria, que afinal é um instrumento de autodefesa e de utilização discricionária dos trabalhadores dentro dos requisitos legais, sendo que, uma vez decidida em assembleia a deflagração da greve, o sindicato assume a gestão do movimento e da negociação coletiva no contexto da paralisação, destacando-se que esta alternativa é a mais prejudicial para as partes e que, normalmente, o dissídio vem acompanhado de pedido de ordem liminar de manutenção das equipes a fim de que haja continuidade da prestação do serviço público de acordo com as necessidades da população; 3) as partes avançarem nas negociações coletivas da categoria como um todo, firmando CCT para todo o setor hospitalar, com a possibilidade de serem fixadas na CCT algumas ressalvas que tenham pertinência com interesses específicos de setores da categoria econômica; ou 4) ajuizamento, pelo sindicato, das ações judiciais que entende sejam capazes de tutelar os direitos que ora defende perante a AEBES e deixar para o campo negocial aqueles que se discutem interesses de natureza econômica ou social da categoria. Todos esses cenários são juridicamente possíveis. Mas é preciso muito bom senso para realizar a escolha considerando o contexto de pandemia que vivenciamos, que acaba por gerar uma grande ansiedade em todos, sobretudo da população pouco esclarecida sobre alguns fatos específicos da organização e do contrato de direito publico que a vincula ao Estado, bem como das posições sociais e econômicas da categoria profissional. A esta se assegura o direito de se manifestar e, em assembleia convocada para essa finalidade, estabelecer ou declarar o movimento grevista, desde que haja fundamento – o qual deve pautar-se rigorosamente pela Lei nº 7783, com os requisitos exigidos (tal como o aviso em 72 horas), para se evitar a abusividade da greve, que, se decretada judicialmente, implicaria na suspensão do contrato de trabalho sem possibilidade de pagamento de salários durante o período de paralisação, além da imposição de multa ao sindicato, dentre outras sanções possíveis). Após esta digressão do MPT, concedeu-se a palavra ao Dr. Douglas para eventual mensagem final às partes, inclusive quanto ao encaminhamento das ações posteriores a esta mediação, tendo S.Exa. agradecido o convite para a sua participação como representante do Estado e lamentado a ausência de autocomposição na presente assentada. Ato contínuo, o Dr. Douglas revelou sua preocupação, que inclusive é da própria PGE com a possibilidade de paralisação no HEJSN já que é hospital-referência no tratamento contra o convid-19. Espera que esse impasse se resolva da melhor forma, destacando que a quarta via sugerida é bastante interessante, até porque as matérias que forem objeto de ação judicial não ficam impedidas de serem objeto de posterior acordo. Este Procurador, então, reiterou que o MPT está à disposição para ajudar a buscar uma solução se ainda houver espaço suficiente para isso, salientando que estamos diante de um fenômeno sanitário com contagio em larga expansão, de modo que é necessário ter-se um olhar sensível às necessidades econômicas e da população. Além disso, trata-se de uma categoria valorosíssima, mas os meios disponíveis às vezes não são suficientes para que se dê um valor trabalho à altura do seu merecimento. Ao ensejo, concedeu-se a palavra final às partes que agradeceram a oportunidade, apesar de lamentarem a ausência de auto composição. Por fim, o sindicato solicitou que a AEBES permita a afixação da convocação de assembleia em todas as suas unidades operacionais, dentre elas a Maternidade de Cariacica, o que não foi negado pela Associação, até porque a lei garante tal direito. Ante o exposto, determinou-se a suspensão do presente procedimento por 30 dias”.
Em 07/06/2020, foi protocolado Dissídio Coletivo de Greve (0000282- 44.2020.5.17.0000) ajuizado por SITAEN - SINDICATO DOS TÉCNICOS E AUXILIARES DE ENFERMAGEM DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO em face de ASSOCIAÇÃO EVANGÉLICA BENEFICENTE,
ESPÍRITOSANTENSE para que "seja determinada a legalidade do movimento paredista", além de que "seja o SUSCITADO compelido a atender as demandas da categoria em sua integralidade"; "seja concedido reajuste salarial no percentual de 13,31% sobre o salário de janeiro de 2016, em fevereiro de 2017 o reajuste de 6,64%, em junho de 2017 de 1%, em junho de 2018 de 1,76%, em junho 2019 de 4,78%, e 3,5% em maio de 2020, totalizando 30,99", entre outros pedidos.
Decisão proferida no Dissídio Coletivo de Greve supracitado, número 0000282- 44.2020.5.17.0000, registrou que existe o Dissídio Coletivo de Greve proposto pela Associação Evangélica Beneficente, ora Requerida, em desfavor do sindicato suscitante, DCG 0000280- 74.2020.5.17.0000, com pedido liminar já deferido para que o sindicato laboral se abstenha de deflagrar o movimento paredista anunciado, em 05/06/2020, mantendo-se a integralidade da prestação de serviço.
Pois bem.
A Autora foi admitida pela Requerida em 22/05/2013. Em 15/05/2020, a Autora foi comunicada da resilição contratual; aviso prévio indenizado. A Autora exercia a função de “Técnico de Enfermagem”. Na data da dispensa, a Autora contava com 60 (sessenta) anos de idade, pertencente, assim, ao grupo de risco COVID-19.
A Ata de Mediação acima transcrita sinaliza que foram contratados novos empregados para desempenhar a mesma função da Autora.
A despedida nessas circunstâncias caracteriza-se discriminatória, infringindo ao que preceitua o artigo 1º da Lei 9.029/95 a seguir transcrito: “Art. 1o É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal”.
Está na liberalidade da Requerida escolher se mantém ou não um contrato de trabalho. Entretanto, a resilição contratual, que tem como fundamento o fato de o empregado se enquadrar em grupo de risco do COVID-19, denota, em análise superficial, tratamento não isonômico e direcionado a um grupo com características específicas.
A dispensa de trabalhadora em situação de vulnerabilidade e cujo conhecimento pela empregadora é incontroverso, como no caso em análise, com dificuldades de reinserção no mercado de trabalho, viola o comando constitucional de valorização do trabalho humano e da busca do pleno emprego. Na data da dispensa, a Autora contava com 60 (sessenta) anos de idade, pertencente, assim, ao grupo de risco COVID-19.
Tenho por preenchidos os requisitos legais estabelecidos no artigo 300 do CPC, defiro o pedido de antecipação da tutela para determinar a reintegração da Autora ao emprego, ressaltando que, na data da dispensa, contava com 60 (sessenta) anos de idade, pertencente, assim, ao grupo de risco COVID-19.
Expeça-se mandado de reintegração. A Autora deverá ser realocada para atividades compatíveis com sua condição enquanto durar a situação de pandemia provocada pelo COVID-19 ou até que regulamentação posterior indique a sua exclusão do grupo de risco.
Cumpra-se no prazo de 08 dias após a ciência dos termos do mandado, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (mil reais), limitada a 30 (trinta) dias multa.
VITORIA/ES, 07 de outubro de 2020.
LUCY DE FATIMA CRUZ LAGO
Juiz(íza) do Trabalho Titular
Segue a decisão na íntegra: DECISÃO_Justa_causa_por_compor_grupo_de_risco_COVID_ES.pdf