Ação Trabalhista - Rito Ordinário 0000402-61.2020.5.21.0005
Processo Judicial Eletrônico
Data da Autuação: 07/08/2020
Valor da causa: R$ 145.600,00
Partes:
AUTOR: MARCOS ANTONIO FELIX ADVOGADO: LUCAS BATISTA DANTAS
ADVOGADO: MARCOS VINICIO SANTIAGO DE OLIVEIRA ADVOGADO: JOÃO HÉLDER DANTAS CAVALCANTI ADVOGADO: MANOEL BATISTA DANTAS NETO
AUTOR: CARMELA MARIA DE SOUZA MEIRA SILVA ADVOGADO: LUCAS BATISTA DANTAS
ADVOGADO: MARCOS VINICIO SANTIAGO DE OLIVEIRA ADVOGADO: JOÃO HÉLDER DANTAS CAVALCANTI ADVOGADO: MANOEL BATISTA DANTAS NETO
AUTOR: PAULINO DE SOUZA ADVOGADO: LUCAS BATISTA DANTAS
ADVOGADO: MARCOS VINICIO SANTIAGO DE OLIVEIRA ADVOGADO: JOÃO HÉLDER DANTAS CAVALCANTI ADVOGADO: MANOEL BATISTA DANTAS NETO
RÉU: COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO CONAB ADVOGADO: ANTONIO CARLOS DE ASSIS DANTAS
Processo: ATOrd - 0000402-61.2020.5.21.0005
AUTOR: MARCOS ANTONIO FELIX, CPF: 074.988.964-00; CARMELA MARIA DE SOUZA MEIRA SILVA, CPF: 284.536.034-72; PAULINO DE SOUZA, CPF: 336.598.004-06
REU: COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO CONAB, CNPJ: 26.461.699/0001-80
No dia 27 (vinte e sete) do mês de janeiro de 2021, o Sr. Juiz do Trabalho Substituto VLADIMIR PAES DE CASTRO, em exercício na 9ª Vara do Trabalho de Natal/RN, proferiu sentença nos termos abaixo.
Reclamante: MARCOS ANTONIO FELIX e OUTROS
Reclamado: COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB
S E N T E N Ç A
Vistos etc.,
1- RELATÓRIO.
Os reclamantes, qualificados na inicial, propuseram reclamação trabalhista em face da reclamada, idem qualificada, perseguindo a nulidade da dispensa efetuada pela CONAB e a conseqüente reintegração, conforme pedidos discriminados na inicial.
Regularmente notificada, a reclamada compareceu à audiência e apresentou defesa, sustentando a validade do desligamento efetuado em face dos três reclamantes. Apresentada impugnação à contestação. Recusada a primeira proposta de conciliação. O valor de alçada foi fixado pela inicial. Após a produção da prova oral, com a oitiva de testemunhas, a instrução foi encerrada. Razões finais reiterativas.
Recusada a segunda proposta de acordo. É o relatório.
2 - FUNDAMENTAÇÃO.
- - JUSTIÇA GRATUITA
Considerando que os reclamantes informaram a sua miserabilidade jurídica através de seu Patrono, sob as penas da lei, estando todos desempregados, defiro o pedido em tela com base no § 3º do art. 790 da CLT, porquanto atendidos os requisitos das Leis nº 1.060/50 e 7.115/83, dispensando a parte do pagamento de custas e demais despesas processuais.
2.2. DA PRESCRIÇÃO.
Considerando que a parte autora formulou seus pedidos observando o corte prescricional quinquenal, sendo que pugna pela declaração de nulidade de rescisão contratual efetivada no mês de julho/2020, rejeito a arguição da prejudicial apresentada pela reclamada.
2.3. DO MÉRITO.
Inicialmente cumpre destacar que os reclamantes Marcos Antônio Félix, Carmela Maria de Souza Meira e Silva, e Paulino de Souza foram admitidos originariamente e respectivamente em 01/02/1974 (Companhia Brasileira de Alimentos-COBAL), 01/07/1984 (Companhia Brasileira de Armazenamento-Cibrazem) e 04/08/1983 (Companhia Brasileira de Alimentos-COBAL), sendo demitidos arbitrariamente na época do Governo Collor em meados de 1990.
Como é cediço, doravante foi editada a Lei nº 8.878/1994 concedendo anistia ampla aos servidores públicos demitidos ilegalmente naquele período (16/03/1990 a 30/09/1992 – Art. 1º da Lei de Anistia supra mencionada).
No caso dos reclamantes, verifica-se que levaram a sua situação a Subcomissão Setorial de Anistia, cujo retorno de todos foi reconhecido, mas como até nov/1995 ainda não tinham sido readmitidos pelo Governo Federal, ajuizaram reclamação trabalhista que tramitou perante a mm. 01ª VT de Natal (processo nº 0855500-80.1995.5.21.0001).
Após a sentença de improcedência proferida pelo juízo de 1º grau, os reclamantes obtiveram êxito no recurso ordinário interposto perante o eg. TRT21-RN, sendo que foi determinado a imediata readmissão, o que foi efetivado pela reclamada CONAB em 03.08.1998.
Desde então, ou seja, há mais de 21 anos, os reclamantes passaram a exercer suas atividades profissionais na CONAB do Rio Grande do Norte, e foram subitamente surpreendidos com seu desligamento sumário em 22/07/2020.
A reclamada alega que logrou êxito no Recurso de Revista interposto em face da decisão acima mencionado nos autos do processo nº 0855500-80.1995.5.21.0001, e que houve o trânsito em julgado desta decisão que reformou o acórdão do 2º grau e julgou ao final improcedentes os pleitos autorais, em 04/03/2013 (fl. 609 do PDF). Dessa forma, alega a CONAB, a situação dos reclamantes se tornou ilegal a partir da formação da coisa julgada material, já que não estavam mais sob a tutela da decisão judicial precária que tinha determinado a sua readmissão, razão pela qual assevera que a manutenção dos reclamantes em suas atividades se tornou ilegal, e não havia outra conduta a fazer que não desligá-los.
Passemos agora a análise do mérito propriamente dito.
2.3.1. DA NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. AMPLA DEFESA. CONTRADITÓRIO.
Impende destacar que a reclamada CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento é uma empresa pública federal, criada por meio da lei nº 8.029/1990 e proveniente da fusão de outras três empresas públicas, quais sejam, Companhia de Financiamento da Produção (CFP), a Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) e a Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem).
Nesta esteira, tratando-se de Empresa Pública federal, cumpre aferir se deveria observar o mínino de contraditório e ampla defesa no processo administrativo que ensejou o desligamento sumário dos reclamantes.
Como é cediço, o Processo Administrativo lato sensu no âmbito da administração pública federal, direta e indireta, é regido pela lei nº 9.784/1999, que em seu art. 3º, II, estabelece que é direito do administrado “ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas”.
Outrossim, em se tratando especificamente de interesses de servidor público, onde evidentemente se aplica a lei nº 9.784/1999, há ainda a regulação do Processo Administrativo Disciplinar estabelecida na lei nº 8.112/1990 (título V), que em diversos momentos impõe regras consagradoras do contraditório e ampla defesa em favor do servidor público, a exemplo do art. 151 que pontua como uma das fases do processo a instrução e defesa do servidor investigado, art. 153 que estabelece a plena observância do contraditório e ampla defesa nos inquéritos administrativos, dentre outros.
Dessa forma, tem-se que as regras acima citadas estabelecem um contraditório e ampla defesa mínimo em qualquer modalidade de processo administrativo, ainda mais em se tratando de situação que possa ensejar a demissão/desligamento sumário do servidor público interessado.
Impende destacar que ademais dessas regras, sabemos que nossa Carta Magna de 1988 é rica em princípios fundamentais de defesa de matiz processual, aplicáveis diretamente também às situações concretas em processos administrativos e judiciais, com destaque para o contraditório e ampla defesa em favor dos litigantes, em processos administrativos ou judiciais (art. 5º, LV); devido processo legal (art. 5º, LIV).
Com todo esse cenário normativo e principiológico de nosso ordenamento jurídico, logicamente tem-se que em qualquer espécie de procedimento administrativo, mesmo que seja para resolver situação precária de interesse de servidor, como no caso em tela, deve ser observado um contraditório e ampla defesa mínimo.
Ao contrário do alegado pela reclamada, não houve determinação judicial para que a relação de trabalho fosse imediatamente desfeita, o que impunha maior observância pela empresa pública do contraditório e ampla defesa em favor dos interessados, ora reclamantes, principalmente por que a situação de todos estava estabilizada há mais de duas décadas (21 anos).
A decisão que transitou em julgado no âmbito do processo nº 0855500-80.1995.5.21.0001 apenas reconheceu que os reclamantes somente poderiam ser readmitidos caso fossem preenchidos todos os requisitos estabelecidos na Lei de anistia, principalmente a necessidade e disponibilidade financeira/orçamentária da Administração, ou seja, não houve um comando judicial para desligamento sumário e imediato vindo do órgão jurisdicional competente no âmbito da reclamação trabalhista mencionada.
Em sendo assim, da análise de todo o bojo documental juntado pelas partes, inclusive pela reclamada (documentos relacionados ao Processo Administrativo nº 21216.0000001/2020-51 – fls. 434/773 do PDF integral desta reclamação), denota-se de forma cristalina que os reclamantes não tiveram nenhum acesso ao processo administrativo que redundou em seu desligamento, que tramitou desde o fim de 2019 até meados de 2020 em diversos setores e órgãos da CONAB.
Vale destacar que chama a atenção que se tratava de um procedimento administrativo delicado, complexo e que poderia acarretar no desligamento de três servidores públicos que estavam com sua situação funcional estabilizada há mais de vinte anos, e nenhum dos setores pelos quais tramitou esse procedimento teve o cuidado e o respeito aos princípios constitucionais de defesa basilares (devido processo legal, ampla defesa e contraditório), e em nenhum momento deram oportunidade para os servidores interessados se manifestarem, muito menos de produzir provas, alegações e até defesa.
Todo esse cenário de violação de direitos fundamentais de defesa dos reclamantes, de matiz constitucional, é um retrato muito simbólico de nosso atual momento de autoritarismo que aflige nosso país e nossas instituições, onde normalizou-se o total desrespeito aos valores fundantes de nosso sistema constitucional.
Ante o exposto, o malferimento ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal (arts. 5º, LIV e LV, da CF/1988) por si só já enseja a nulidade do processo administrativo que ensejou a demissão/desligamento dos autores, mas passo a analisar também as demais situações meritórias que são igualmente relevantes para a adequada e integral resolução da lide.
2.3.2. DO PRAZO DECADENCIAL ADMINISTRATIVO.
Inicialmente cumpre trazer à baila o postulado da decadência administrativa estabelecido no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, senão vejamos in verbis:
“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.”
Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal já pacificou que o prazo decadencial inicia a partir da vigência da referida norma, ou seja, jan/1999, devendo ser observado em todas as situações consolidadas administrativamente e que possam acarretar efeitos desfavoráveis aos destinatários a exemplo de cassação de aposentadoria, anulação de nomeação, demissão/exoneração de servidores, dentre outras situações.
No caso dos autos é inconteste que a CONAB teve ciência do trânsito em julgado na reclamação trabalhista nº 0855500-80.1995.5.21.0001 logo após a sua ocorrência em 04/03/2013 (certidão de trânsito em julgado à fl. 609 do PDF), sendo que o desligamento dos autores somente ocorreu em julho/2020, ou seja, mais de sete anos após.
Impende destacar que ao contrário do alegado pela reclamada, em várias passagens da tramitação do Processo Administrativo nº 21216.0000001/2020-51(fls. 434/773 do PDF integral desta reclamação) constam afirmações de servidores da CONAB de que os advogados de Brasília tiveram ciência do trânsito em julgado mas não informaram ao pessoal da filial da empresa no Rio Grande do Norte.
A manifestação do Superintendente de Relações de Trabalho da CONAB, datada de 23/01/2019 (fl. 617 do PDF) pontua sobre a questão do “cumprimento extemporâneo da sentença”. O mesmo Superintendente através da manifestação colacionada à fl. 639 do PDF dos autos reconhece novamente a extemporaneidade na efetivação dos desligamentos e recomenda a cientificação da Corregedoria-Geral da CONAB para que adote as medidas cabíveis já que a empresa teve ciência do trânsito em julgado em 2013 e nada foi feito para efetivar o desligamento dos reclamantes naquela época.
Por fim, na manifestação (DESPACHO PROGE/GEFAT nº TRMA – 478/2020) do Gerente Proge/GEFAT da CONAB (fls. 683/687 do PDF dos autos) consta novamente a preocupação quanto a extemporaneidade do desligamento dos reclamantes:
“Sem prejuízo das apurações internas tendentes a identificar a responsabilidade pelo não cumprimento do decisum, alertamos para o risco de re-judicialização do tema, em face do lapso temporal decorrido entre o trânsito em julgado e seu efetivo cumprimento” (item 10 da referida manifestação).
Vale repisar, como destacado no tópico anterior, que a decisão que transitou em julgado no âmbito do processo nº 0855500-80.1995.5.21.0001 (fls. 531 e SS. do PDF do processo na íntegra) apenas reconheceu que os reclamantes somente poderiam ser readmitidos caso fossem preenchidos todos os requisitos estabelecidos na Lei de anistia, principalmente a necessidade e disponibilidade financeira/orçamentária da Administração, ou seja, não houve um comando judicial para desligamento sumário e imediato vindo do órgão jurisdicional competente no âmbito da reclamação trabalhista mencionada.
Ora, a partir do trânsito em julgado em 04/03/2013, a administração pública, no caso a reclamada CONAB, tinha cinco anos para efetivar a anulação do ato de readmissão dos reclamantes anistiados, sob pena de estabilização da situação funcional de todos em razão da decadência administrativa consagrada no art. 54 da Lei nº 9.784/1999.
Como não houve um reconhecimento de nulidade absoluta na readmissão dos reclamantes na decisão que transitou em julgado na reclamação trabalhista originária nº 0855500- 80.1995.5.21.0001, mas apenas restou definido que a readmissão deveria observar também os requisitos do art. 3º, caput, da Lei de Anistia (nº 8.878/1994), ou seja, que deveria observar a necessidade e disponibilidade financeira/orçamentária da Administração, tem-se que a situação administrativa restou consolidada após o transcurso do prazo decadencial de cinco anos, desde o trânsito em julgado no processo judicial que ocorreu em 04/03/2013.
Essa situação é fulcral para ratificar a ilegalidade do desligamento dos reclamantes efetuado pela reclamada CONAB. Não havia uma situação que se pudesse imputar a pecha de ilegalidade/nulidade absoluta, mas apenas uma questão administrativa de juízo de oportunidade e conveniência da administração em manter a readmissão dos reclamantes anistiados, desde que observados a necessidade e disponibilidade orçamentária/financeira.
Como após mais de 07(sete) anos a situação não foi alterada, e os reclamantes permaneceram realizando suas atividades laborais e funcionarias legitimamente na filial da CONAB no Rio Grande do Norte, restou observado o requisito estabelecido no art. 3º da Lei de Anistia de forma inconteste, havendo portanto orçamento disponível para a manutenção dos vínculos e também a necessidade da prestação de serviços pelos servidores.
A questão da necessidade funcional do serviço dos reclamante foi também revelada de forma cristalina no depoimento do preposto da própria reclamada que ouvido por esse juízo em audiência declarou o seguinte: que os reclamantes eram tidos como bons funcionários e cumpriam seus deveres funcionais; que todos os reclamantes tinham funções específicas, sendo que Paulino trabalhava no setor de operações, Marcos Félix na unidade armazenadora e Carmela estava cedida à Procuradoria Regional do Trabalho.
Ante o exposto, entendo que de forma inconteste, cristalina e flagrante a demissão/desligamento efetuado pela reclamada CONAB em favor dos reclamante foi absolutamente ilegal, eis que não observou o prazo decadencial de 05 (cinco) anos estabelecido no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, desde o trânsito em julgado no processo judicial que ocorreu em 04/03/2013, acarretando, assim, a estabilização da situação funcional dos reclamantes ao longo do tempo. Destaque-se o fato de que a manutenção das suas readmissões como anistiados não malfere nenhum princípio fundamental ou norma infra constitucional regente da administração pública, não podendo ser imputada às readmissões a pecha de nulidade absoluta.
- DA ESTABILIZAÇÃO DA RELAÇÃO TRABALHISTA. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E CONFIANÇA.
Ademais das situações jurídicas já delineadas, a lide revela ainda uma controvérsia fundamental acerca da legalidade e legitimidade da demissão/desligamento, qual seja, a aferição da estabilização da relação jurídica, já que os reclamantes foram readmitidos há mais de duas décadas (21 anos) e estavam realizando normalmente suas atividades laborais como servidores públicos anistiados da CONAB.
Nessa esteira é primordial trazer à baila a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal a respeito de situações desta natureza, em que o exercício de cargo ou emprego público se consolidou no tempo, mesmo que de modo precário, como no caso dos autos em que os reclamantes foram readmitidos através de execução provisória de sentença/tutela antecipada.
Como é cediço, o Pretório Excelso em sua jurisprudência pacífica reconhece há tempos a absoluta relevância dos postulados da segurança jurídica e da confiança legítima, como subprincípios do Estado de Direito, que assumem valor ímpar no nosso ordenamento jurídico, incumbindo-lhes papel diferenciado na concretização da própria idéia de justiça material.
Como no caso dos autos, em situações de servidores que exerceram cargos, empregos e funções públicas por um tempo considerável, de forma legítima, e mesmo que precariamente em razão de decisão judicial proferida em sede de tutela de urgência, ou ato administrativo revogado posteriormente, a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima impõem a manutenção da relação jurídico-funcional estabilizada ao longo dos anos.
Demais disso, cumpre ressaltar também o malferimento do princípio da duração razoável do processo, na medida em que a administração pública ou o judiciário não o observa, e mesmo assim, ao fim e ao cabo, concretiza o desfazimento de situações jurídicas consolidadas no tempo, como no caso dos autos. Assim, com esteio na duração razoável do processo erige-se direito subjetivo do servidor público no sentido de que sua situação jurídica excepcional e legítima, seja mantida estabilizada.
Vale transcrever ementas de acórdãos do Supremo neste sentido. Vejamos:
“Ementa: Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa-fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido”. (MS 22357, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 5.11.2004)” (grifo nosso)
“Ementa: Agravo regimental no mandado de segurança. 2. Direito Administrativo. 3. Concurso público. Prazo de validade. Suspensão do curso do prazo de validade dos certames por ato administrativo do TJ/MT. Retomada do curso do prazo após mais de dois anos, com a consequente nomeação dos aprovados no certame. 4. Decisão do CNJ que declarou a nulidade do ato e determinou a exoneração dos servidores nomeados em período posterior àquele previsto no art. 37, III, da CF. 5. Situação excepcional. Exercício das funções públicas por mais de dez anos. 6. Presunção de legitimidade dos atos da Administração Pública. Demora na tramitação dos feitos administrativos e judiciais relacionados aos fatos. Princípio da razoável duração do processo, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. 7. Agravo
regimental a que se nega provimento. (MS 30662 AgR/DF, Relator: Min Gilmar Mendes; 2ª Turma; DJ 06.09.2017” (grifo nosso)
Vale destacar o equívoco no argumento da defesa de que a situação dos reclamantes era de nulidade contratual e que por conta disso, à luz da Súmula nº 363/TST, deveriam ser sumariamente desligados, com direito à percepção somente de saldos de salários e FGTS.
Ora, como é absolutamente pacificado, antes da promulgação e vigência de nossa Carta Magna de 1988, era permitido o ingresso no serviço público sem a exigência do concurso público, sendo que os três reclamantes ingressaram nas empresas públicas já mencionadas (COBAL e CIBRAZEM) bem antes de 1988.
Ademais, como já relatado acima, a CONAB foi originada justamente da fusão dessas empresas públicas, ou seja, os reclamantes foram legalmente e legitimamente readmitidos na reclamada CONAB, que foi a empresa pública originada da fusão das instituições que primeiramente contrataram os reclamantes antes de sua demissão ilegal praticada em 1990.
Nesta esteira, não se enquadra na presente discussão o postulado da nulidade contratual em razão da ausência de concurso público pelos reclamantes, eis que o vínculo originário de todos teve início antes da CF/1988, seno que sua contratação naquela época observou todos os trâmites legais e constitucionais que vigoravam em seu tempo.
Diante o exposto, com esteio no princípio da segurança jurídica, e seu subprincípio da confiança legítima, assim como no princípio da duração razoável do processo, frisando que os reclamantes exerceram suas atividades laborais durante mais de vinte anos em favor da reclamada, desde a readmissão por determinação judicial em 1998 (reclamação trabalhista nº 0855500- 80.1995.5.21.0001), e considerando que após o trânsito em julgado dessa reclamação, que se deu em 04/04/2013, eles permaneceram ainda por mais de 07(sete) anos no exercício de suas atividades laborais perante a reclamada, não há outro caminho a ser tomado que não a declaração da absoluta nulidade da demissão/desligamento efetivada pela reclamada em julho/2020.
Diante dos fundamentos esposados em todos os tópicos da presente sentença até aqui, estando reconhecida a gravidade das nulidades da demissão/desligamento dos reclamantes, julgo procedente o pedido de REINTEGRAÇÃO com todos os direitos e vantagens decorrentes do período desde a demissão ilegal até a efetivação da reintegração (promoções, PLR, férias + 1/3, 13ºs), assim como indenização relativa dos salários vencidos, 13ºs vencidos e férias + 1/3 vencidas do mesmo período.
Deverá a ré, ainda, efetuar os depósitos fundiários a partir demissão ilegal dos reclamantes, não havendo que se falar em liberação, na medida em que o vínculo está em vigor, devendo o quantum permanecer na conta vinculada dos trabalhadores até que sobrevenha condição prevista em lei que autorize o seu saque.
Por fim, considerando a absoluta verossimilhança da tese autoral, eis que a reclamada efetivou ilegalmente a demissão/desligamento dos servidores ora reclamantes, sem a observância do contraditório e ampla defesa, após o prazo decadencial administrativo de 05 (cinco) anos, e em desrespeito à segurança jurídica, proteção da confiança e duração razoável do processo, e sendo evidente a existência do PERICULUM IN MORA tendo em vista que os reclamantes tiveram sua fonte de sobrevivência e o seu trabalho ilicitamente e abruptamente vilipendiados, concedo os efeitos antecipatórios da tutela de urgência, ordenando que a reclamada proceda à imediata reintegração dos autores, no prazo de 15 (quinze) dias após a publicação/ciência da sentença, sob pena de multa diária de R$ 500,00 para cada reclamante, limitada a 30 (trinta) dias, a teor do disposto no art. 497 do NCPC. Os autores deverão comparecer ao RH da empresa no prazo supra para fins de efetivação de sua reintegração.
Deverão ser mantidos todos os direitos e vantagens que fariam jus desde a sua demissão ilegal (nível salarial, promoções, PLR, férias + 1/3, 13ºs, FGTS).
Em caso de descumprimento da ordem judicial, após o prazo supra, ressalvo à reclamada que poderá ser configurado o crime de desobediência, a teor do previsto no art. 330 do Código Penal, sendo que o gestor da CONAB/RN que teria à competência para efetivar o cumprimento do provimento jurisdicional poderá ter a prisão decretada, tudo a ser avaliado no momento oportuno.
Condena-se ainda a ré a proceder ao cancelamento da baixa contratual na CTPS dos reclamantes, considerando-se que o vínculo foi restabelecido por força do presente decreto judicial, devendo tal obrigação de fazer ser procedida no mesmo prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa diária de R$ 50,00 (NCPC, art. 497), limitada a 30 (trinta) dias.
Deverão os reclamantes comparecerem na reclamada portando suas CTPS´s para que as devidas anotações sejam efetuadas por ocasião do cumprimento do Mandado de Reintegração.
2.4. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
A Lei 13.467/2017 trouxe profunda modificação ao Processo do Trabalho, sendo devidos os honorários pela mera sucumbência.
Eis a redação do art. 791-A, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017:
Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
- 1o Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.
- 2o Ao fixar os honorários, o juízo observará:
- - o grau de zelo do profissional;
- - o lugar de prestação do serviço;
- - a natureza e a importância da causa;
- - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
- 3o Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.
- 4o Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes
ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
- 5o São devidos honorários de sucumbência na reconvenção.
Como a parte autora foi vencedora na totalidade dos pedidos formulados na inicial (art. 86, parágrafo único do CPC), e levando em consideração a diligência dos patronos e a relevante complexidade da lide, fixo os honorários em 15% sobre o benefício econômico em favor do Patrono do autor.
2.5. DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E FISCAIS - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA.
Os recolhimentos previdenciários serão calculados sobre as parcelas que tenham natureza de salário de contribuição, nos termos do art. 28, IV, §7º/9º da Lei 8212/91.
Quanto à responsabilidade das partes, devem ser observadas as alíquotas constantes dos arts. 20, 21 e 22 da Lei 8212/91, incidentes sobre tais parcelas. A responsabilidade pelo recolhimento no tocante à parcela de responsabilidade do autor ocorrerá quando da disponibilização de seu crédito, devendo as reclamadas comprovar o recolhimento da parte que lhe cabe.
De acordo com o novo mandamento contido no § 2º, do art. 43, da Lei n° 8.212/91, “considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço”. Assim, o cálculo das contribuições previdenciárias deve obedecer ao § 3o, do art. 43, da Lei n° 8.212/91, “in verbis”: “As contribuições sociais serão apuradas mês a mês, com referência ao período da prestação de serviços, mediante a aplicação de alíquotas, limites máximos do salário-de- contribuição e acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo o recolhimento ser efetuado no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos encontrados em liquidação de sentença ...”
Entendo incabível a multa moratória de que trata o art. 34 da Lei 8.212/91. O referido dispositivo não se aplica às contribuições previdenciárias devidas em virtude de sentença judicial, não havendo como se interpretar desta forma o comando legal, uma vez que esta Especializada definitivamente não tem o papel de órgão arrecadador, sendo aquela multa aplicada às contribuições sociais e outras importâncias arrecadadas pelo INSS.
No tocante ao Imposto de Renda sobre o montante das parcelas tributáveis do crédito do reclamante, deve ser recolhido o imposto pela Secretaria, tão logo ocorra o fato gerador, na forma da Lei nº 12.350, de 20 de dezembro de 2010 e da Instrução Normativa RFB nº 1.127 de 8 de fevereiro de 2011.
Incabível qualquer indenização em caso de dedução de algum valor do crédito do reclamante à título de imposto de renda e contribuição social, por se tratar de descontos previstos em lei.
2.6. DA ATUALIZAÇÃO (CORREÇÃO MONETÁRIA + JUROS DE MORA). DOS JUROS COMPENSATÓRIOS.
O julgamento realizado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no âmbito das ADC´s nºs 58 e 59, ADI´s nºs 5.867 e 6.021 (18.12.2020), tratou exclusivamente da correção monetária e JUROS DE MORA, sendo reduzidos em um único índice chamado de “Atualização” (IPCA até a propositura da ação e SELIC depois do ajuizamento ou da “citação”).
O voto do Ministro relator Gilmar Mendes que acabou prevalecendo é por demais evidente ao sustentar que estava-se decidindo apenas sobre correção monetária + juros de mora. Confira trecho in verbis:
“A meu sentir, ainda que o STF tenha declarado a inconstitucionalidade da TR quando utilizada de forma retroativa ou nas relações entre administrados e a Fazenda Pública, o que acabou ocorrendo na seara trabalhista foi que o TST realizou uma verdadeira interpretação autêntica da jurisprudência do STF. Além de afastar a constitucionalidade da TR, a Corte Superior Trabalhista optou por substituir o legislador e eleger uma sistemática de atualização monetária, com a incidência de índice de correção monetária mais juros de mora, que não guarda compatibilidade com o nosso ordenamento jurídico“.
Note-se que todo o raciocínio jurídico invocado nas razões de decidir, assim como a jurisprudência transcrita no voto condutor, concentra-se nos juros de mora. Aliás, o artigo 406 do Código Civil brasileiro trata, exatamente, dos juros de mora.
Vale destacar, ainda, que como o crédito trabalhista possui natureza absolutamente patrimonial, em respeito ao direito fundamental à propriedade insculpido no art. 5º, caput da CF/1988, deve ser observado o princípio do fundamental do restituto in integrum, ou seja, quando a obrigação não for cumprida, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária (art. 389 do Código Civil), e além disso, caso os juros de mora não sejam suficientes para restituir integralmente o crédito, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar (art. 404, parágrafo único do Código Civil), no caso a título de juros compensatórios /remuneratórios (art. 591 do Código Civil) ou perdas e danos/lucros cessantes.
Nesta esteira, o julgamento do STF ora mencionado, em dissonância com sua própria jurisprudência pacificada em relação a outras modalidades de obrigações (ADI´s 4425, 4357 e RE 870947), concluiu que a correção monetária + juros de mora devem ser abrangidos exclusivamente pela SELIC, que atualmente está fixada em percentual de 2% ao ano. Assim, tem-se que o crédito trabalhista, de natureza alimentar, não estará razoavelmente e justamente remunerado, malferindo o princípio do restituto in integrum, sendo que a aplicação somente da SELIC malfere o direito de propriedade do trabalhador e por outro lado estimula o inadimplemento pela parte devedora.
Ora, como essa forma de atualização (correção monetária + juros de mora pela SELIC) não mantém o mesmo poder de compra do crédito trabalhista, não refletindo a perda do poder aquisitivo da moeda, causando profundo prejuízo ao credor laboral, o princípio do restituto in integrum impõe que o Judiciário estabeleça indenização suplementar, no caso em questão podendo ser inclusive através de juros compensatórios/remuneratórios (Art. 591 do Código Civil).
Dessa forma, e somente assim, o direito de propriedade do credor trabalhista poderá ser respeitado, e todos os prejuízos que sofreu por não receber no tempo devido o crédito que fazia jus poderão ser contemplados e indenizados integralmente (Arts. 389 e 404 do Código Civil).
Impende destacar ainda a distinção entre juros de mora e juros compensatórios/remuneratórios: aquele decorre única e exclusivamente pela mora no pagamento de obrigações; ao contrário, os compensatórios remuneram o patrimônio suprimido pelo devedor, que mesmo obrigado a pagar o crédito reconhecido por obrigação contratual ou legal, deixa de fazê-lo e permanece utilizando o capital alheio ilegalmente em seu benefício.
A jurisprudência do c. STF reconhece há tempos a aplicabilidade de juros compensatórios/remuneratórios não somente em obrigações decorrentes de mútuo (art. 591 do Códig Civil), mas também para outras modalidades de obrigações como é o caso da Súmula 618 que estabelece de forma cristalina: “na desapropriação, direta ou indireta, a taxa de juros compensatórios é de 12% ao ano”.
A cumulação, em um processo judicial, das duas espécies de juros é questão que encontra ressonância na jurisprudência há décadas, como revelam as Súmulas 102 e 131 do STJ:
102 : “A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”.
131: “Nas ações de desapropriação incluem-se no cálculo da verba honorária as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas.”
Para arrematar, a distinção entre juros moratórios e juros compensatórios/remuneratórios foi brilhantemente esclarecida em um acórdão histórico do próprio STF, datado de 1951:
“Juros moratórios e juros compensatórios. Os primeiros são devidos pelo atraso do devedor (mora), enquanto os segundos assentam numa causa diversa: sendo-lhe estranha qualquer ideia de mora ou culpa do devedor, mediante eles se exerce o princípio da justiça, que proíbe o enriquecimento injusto de um com dano de outro, e por isso impõe a quem, sem justa causa, retenha ou tire proveito de capitais alheios dar ao seu titular o correspondente do uso, que se calcula pela taxa legal. RE 19651/DF.
Neste diapasão, entendo que se a aplicação de juros compensatórios/remuneratórios vale para ações de desapropriação de imóvel, nas quais o interesse protegido é a propriedade imobiliária, com muito mais razão deve ser utilizado como fator de consagração do princípio do restituto in integrum no caso do crédito trabalhista, de natureza alimentar hiper privilegiada.
Esta modalidade de juros se trata de verba distinta e complementar, que pode e deve ser cumulada com a atualização quando verificados os seus pressupostos. Assim, ao fixar os juros compensatórios/remuneratórios, o juiz não estará, em absoluto, descumprindo a decisão do STF proferida no âmbito das ADC´s nºs 58 e 59, ADI´s nºs 5.867 e 6.021 (18.12.2020), já que nesse julgamento houve decisão tão somente em relação aos juros de mora e correção monetária.
Por fim, em relação ao percentual dos juros compensatórios/remuneratórios a ser aplicado com o intuito de indenizar adequadamente o credor que não recebeu seu crédito no tempo devido, entendo por bem perfilhar a taxa habitualmente permitida pela legislação e chancelada pela jurisprudência do c. STJ quando se trata de juros compensatórios/remuneratórios praticados por entes privados que não possuem a natureza de instituição financeira, a exemplo de empresas de comércio varejistas.
Ora, se a jurisprudência pacificada do c. STJ reconhece que empresas varejistas possam fixar legitimamente juros compensatórios/remuneratórios de 1% ao mês (12% a.a.), maior legitimidade há para a fixação desse percentual em se tratando de juros compensatórios/remuneratórios relacionados ao crédito trabalhista, de natureza hiper privilegiada alimentar, que não foi pago no tempo devido e esse capital foi ilegalmente utilizado pelo devedor trabalhista, no caso, o empregador. Trago à baila ementa de acórdão paradigmático do c. STJ retratando a legalidade/legitimidade na fixação de juros nesse percentual por instituição não financeira:
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. COMPRA E VENDA A PRAZO. EMPRESA DO COMÉRCIO VAREJISTA. INSTITUIÇÃO NÃO FINANCEIRA. ART. 2º DA LEI 6.463/77. EQUIPARAÇÃO. INVIABILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS/COMPENSATÓRIOS. COBRANÇA. LIMITES. ARTS. 406 C/C 591 DO CC/02.
SUBMISSÃO. DESPROVIMENTO
. 1. Cuida-se de ação revisional de cláusulas contratuais de pacto firmado para a aquisição de mercadorias com pagamento em prestações, cujas parcelas contariam com a incidência de juros remuneratórios superiores a 1% ao mês.
- Recurso especial interposto em: 04/08/2017; conclusão ao Gabinete em: 02/02
/2018; aplicação do CPC/15.
- O propósito recursal consiste em determinar se é possível à instituição não financeira - dedicada ao comércio varejista em geral - estipular, em suas vendas a crédito, pagas em prestações, juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, ou a 12% ao ano, de acordo com as taxas médias de mercado.
- A cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites estabelecidos pelo Código Civil de 2002 é excepcional e deve ser interpretada restritivamente.
- Apenas às instituições financeiras, submetidas à regulação, controle e fiscalização do Conselho Monetário Nacional, é permitido cobrar juros acima do teto legal. Súmula 596/STF e precedente da 2ª Seção.
- A previsão do art. 2º da Lei 6.463/77 faz referência a um sistema obsoleto, em que a aquisição de mercadorias a prestação dependia da atuação do varejista como instituição financeira e no qual o controle dos juros estava sujeito ao escrutínio dos próprios consumidores e à regulação e fiscalização do Ministério da Fazenda.
- Após a Lei 4.595/64, o art. 2º da Lei 6.463/77 passou a não mais encontrar suporte fático apto a sua incidência, sendo, pois, ineficaz, não podendo ser interpretado extensivamente para permitir a equiparação dos varejistas a instituições financeiras e não autorizando a cobrança de encargos cuja exigibilidade a elas é restrita.
- Na hipótese concreta, o contrato é regido pelas disposições do Código Civil e não pelos regulamentos do CMN e do BACEN, haja vista a ora recorrente não ser uma instituição financeira. Assim, os juros remuneratórios devem observar os limites do 406 c/c art. 591 do CC/02.10. Recurso especial não provido. (REsp 1720656/MG RECURSO ESPECIAL 2018/0017605-0; Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI; TERCEIRA TURMA; DJe 07/05/2020) (grifo nosso)
Ante o exposto, em observância ao princípio do restituto in integrum, e adotando a jurisprudência pacificada do c. STJ retratada no precedente acima mencionado, a teor do art. 591 e 406 do Código Civil c./c. art. 161, §1º do CTN (Lei nº 5.172/1966), aplico a taxa de 1% ao mês (12% a. a.), devendo incidir a partir do ajuizamento da ação nos termos do art. 883 da CLT.
3 - CONCLUSÃO.
Ante o exposto e o mais que dos autos consta, decido rejeitar a prejudicial de prescrição arguida; assim como julgar TOTALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por MARCOS ANTONIO FELIX e OUTROS em face de COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB, para, estando reconhecida a gravidade das nulidades da demissão/desligamento dos reclamantes, DETERMINAR A REINTEGRAÇÃO com todos os direitos e vantagens decorrentes do período desde a demissão ilegal até a efetivação da reintegração (promoções, PLR, férias + 1 /3, 13ºs), assim como indenização relativa dos salários vencidos, 13ºs vencidos e férias + 1/3 vencidas do mesmo período.
Deverá a ré, ainda, efetuar os depósitos fundiários a partir demissão ilegal dos reclamantes, não havendo que se falar em liberação, na medida em que o vínculo está em vigor, devendo o quantum permanecer na conta vinculada dos trabalhadores até que sobrevenha condição prevista em lei que autorize o seu saque.
Por fim, considerando a absoluta verossimilhança da tese autoral, eis que a reclamada efetivou ilegalmente a demissão/desligamento dos servidores ora reclamantes, sem a observância do contraditório e ampla defesa, após o prazo decadencial administrativo de 05 (cinco) anos, e em desrespeito à segurança jurídica, proteção da confiança e duração razoável do processo, e sendo evidente a existência do PERICULUM IN MORA tendo em vista que os reclamantes tiveram sua fonte de sobrevivência e o seu trabalho ilicitamente e abruptamente vilipendiados, concedo os efeitos antecipatórios da tutela de urgência, ordenando que a reclamada proceda à imediata reintegração dos autores, no prazo de 15 (quinze) dias após a publicação/ciência da sentença, sob pena de multa diária de R$ 500,00 para cada reclamante, limitada a 30 (trinta) dias, a teor do disposto no art. 497 do NCPC. Os autores deverão comparecer ao RH da empresa no prazo supra para fins de efetivação de sua reintegração.
Deverão ser mantidos todos os direitos e vantagens que fariam jus desde a sua demissão ilegal (nível salarial, promoções, PLR, férias + 1/3, 13ºs, FGTS).
Em caso de descumprimento da ordem judicial, após o prazo supra, ressalvo à reclamada que poderá ser configurado o crime de desobediência, a teor do previsto no art. 330 do Código Penal, sendo que o gestor da CONAB/RN que teria à competência para efetivar o cumprimento do provimento jurisdicional poderá ter a prisão decretada, tudo a ser avaliado no momento oportuno.
Condena-se ainda a ré a proceder ao cancelamento da baixa contratual na CTPS dos reclamantes, considerando-se que o vínculo foi restabelecido por força do presente decreto judicial, devendo tal obrigação de fazer ser procedida no mesmo prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa diária de R$ 50,00 (NCPC, art. 497), limitada a 30 (trinta) dias.
Deverão os reclamantes comparecerem na reclamada portando suas CTPS´s para que as devidas anotações sejam efetuadas por ocasião do cumprimento do Mandado de Reintegração.
Honorários de sucumbência devidos pela reclamada, fixados em 15% sobre o valor do crédito trabalhista apurado.
Tudo conforme fundamentação supra, que integra este dispositivo como se nele estivesse transcrita.
Liquidação por cálculo, devendo ser aplicado o IPCA-e até a data da citação e a partir de então a SELIC nos termos do julgamento das ADC #s 58 e 59, e ADI´s 5867 e 6021 do STF.
Os valores de FGTS deverão ser recolhidos na conta vinculada de FGTS dos autores.
Observe-se como base de cálculo o valor da evolução salarial dos autores, inclusive a atualização dos patamares salariais com base nos reajustes/promoções efetivados quando da efetivação da reintegração, bem como a dedução das verbas comprovadamente pagas na rescisão.
Conforme determina a Lei nº 10.035/00, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias, esclarece o Juízo que todas as verbas indenizatórias a ser pagas vencidas e vincendas desde a demissão ilegal até a efetivação da reintegração não possuem natureza salarial.
Juros compensatórios/remuneratórios de 1% ao mês (12% a.a.), em observância ao princípio do restituto in integrum, e adotando a jurisprudência pacificada do c. STJ retratada no precedente acima mencionado, a teor do art. 591 e 406 do Código Civil c./c. art. 161, §1º do CTN (Lei nº 5.172/1966), devendo incidir a partir do ajuizamento da ação nos termos do art. 883 da CLT.
Custas pela reclamada no importe de R$ 1.000,00, calculadas sobre o valor da condenação arbitrado em R$ 50.000,00.
Intimem-se as partes, sendo a reclamada através de MANDADO DE REINTEGRAÇÃO URGENTE.
Nada mais.
VLADIMIR PAES DE CASTRO JUIZ DO TRABALHO
* Segue documento na íntegra: DECISÃO_-_CONAB_Reintegração_de_anistiados_juros_compensatórios_-_RN.pdf