Prisão domiciliar concedida à detenta gestante

Autos n° 0034889-37.2011.8.24.0038

Ação: Execução da Pena/PROC

Reeducando: B.E.R.

Este Juízo, ao decidir pela prisão domiciliar da detenta, de 25 anos, primária, condenada por tráfico e associação ao tráfico juntamente com o companheiro, no sétimo mês de gravidez, que voluntariamente se entregou na Justiça para cumprir sua reprimenda, assim o faz porque compreende a responsabilidade histórica do Poder Judiciário para com o padrão ético decorrente da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim o faz porque compreende a necessidade de fortalecimento das instituições, no sentido de dar concretude aos direitos e garantias fundamentais. Assim o faz porque exerce sua prerrogativa constitucional irrenunciável da jurisdição.

VISTOS ETC Urgente.

Trata-se de execução penal em desfavor da reeducanda B.E.R., condenada à pena de 8 anos de reclusão, inicialmente em regime fechado, dos quais 5 anos pela prática de crime equiparado a hediondo e 3 anos por crime comum.

Atualmente em regime semiaberto (fls. 107-8), pende análise de prisão domiciliar e de instauração de incidente visado à regressão de regime.

Ao Ministério Público foi oportunizada vista ampla e integral dos autos no prazo legal, tendo postulado: 1) pela requisição de incidente disciplinar à unidade prisional e designação de audiência de justificação e; 2) pelo indeferimento, por ora, da prisão domiciliar, ao argumento de que inexiste atestado médico indicando que a gestação seja de risco, bem como em razão do regime de cumprimento da pena em que se encontra a reeducanda (semiaberto), que seria incompatível com a prisão domiciliar (fls. 223-4v).

É em síntese o relatório.

Decido.

1. Prisão domiciliar em razão da gravidez:

A apenada, atualmente com quase 25 anos de idade, primária, foi condenada à pena de 5 (cinco) anos de reclusão pela prática de tráfico, mais 3 (três) anos de reclusão pela prática de associação para o tráfico (arts.33 e 35, da Lei n.11.343/06), uma vez que juntamente com seu companheiro foi flagrada no lar praticando os referidos delitos.

Tendo cumprido parte da pena, foi-lhe deferida a progressão de regime do fechado ao semiaberto e autorizadas saídas temporárias (fls.107-8 e 130-2). Na segunda saída, acabou não retornando no sétimo dia, sendo considerada evadida, com mandado de prisão expedido (fls.198-9). Seis meses após, em 16/11/15, compareceu voluntariamente na Justiça para se entregar (fl. 206), quando então o mandado de prisão foi cumprido e realizada entrevista social.

Constatada a gravidez, já além da trigésima semana de gestação, com parto previsto para o dia 7.2.2016 (fl. 217), requereu a defesa a prisão domiciliar.

Dito isto, cumpre avaliar o pedido.

Sobre a evasão, a falta será deliberada em procedimento próprio, conforme item 3 abaixo. No momento, apenas registre-se que o retorno voluntário demonstra vontade em dar continuidade ao cumprimento da pena, o que é primordial aos objetivos da execução penal, dentre eles em especial a oferta de condições para a harmônica integração social do condenado (art.1º, da LEP).

Já sobre a prisão domiciliar, dispõe o art. 117 da LEP: “Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV – condenada gestante“ (grifou-se).

Pois bem, o art. 40, da LEP, exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde vem reafirmado no art. 41, VII, do mesmo Diploma.

E mais, atualmente o próprio Código de Processo Penal veio a disciplinar a prisão domiciliar para presos, sejam provisórios ou condenados.

Dispõe o CPP:

“Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.” (NR)

“Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidezou sendo esta de alto risco. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.” (NR) (grifou-se)

Destarte, antes a previsão de prisão domiciliar era apenas para reeducandos em cumprimento de pena em regime aberto (art.117, da LEP). Agora, com este dispositivo a prisão domiciliar será possível para os presos provisórios e por óbvio também a todos os demais presos, independentemente do regime, com requisitos como se vê mais flexíveis, inclusive para gestantes a partir do 7º mês de gravidez.

Na espécie, portanto, este o único caminho a seguir, ou seja, da concessão da prisão domiciliar. Não seria prudente a manutenção da apenada no ergástulo até o parto. A precariedade de instalações no Presídio Regional de Joinville, cuja ala feminina é anexa à masculina (não há presídio próprio), frequentemente inspecionadas por este Juízo, objeto inclusive de procedimento próprio instaurado para efeito de eventual interdição do local (autos n. 0003521-05.2014.8.24.0038) é patente. O ambiente é insalubre e as dificuldades no atendimento das questões de saúde são notórias. Isto tudo leva a crer que a manutenção da apenada no ergástulo traria risco a ela e ao nascituro.

Isso sem esquecer da nocividade, após o nascimento, seja da permanência do infante no cárcere, seja da privação de seu contato com a mãe.

Nesse sentido:

“Haverá prejuízo de qualquer forma, seja por permanecer na prisão, pelas próprias condições do local e dinâmica prisional, seja por sair do ambiente prisional, pela separação da mãe – que tem a aptidão de ser vivenciada pela criança como uma perda. […] É necessário, por isso, focar na redução de danos, estudar e aplicar alternativas para as mães cumprirem suas penas ou mesmo aguardar a sentença em liberdade, evitando de todas as formas o encarceramento. Devemos analisar de forma complexa e multifatorial o destino de cada criança, a fim de evitar que os danos causados deixem cicatrizes profundas. Partindo-se da premissa de que os aspectos positivos do encarceramento centram-se no potencial protetivo frente aos cuidados da saúde da mulher e de seu filho e à manutenção do vínculo materno, deve-se questionar, necessariamente, até que ponto os mesmos benefícios não seriam obtidos fora das prisões […]” [1].

Por outro lado, é cediço que a Constituição Federal consagra o princípio da proteção integral da criança com absoluta prioridade, conforme art. 227, in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Leciona FARIAS [2]:

A proteção integral serve, assim, como instrumento vinculante de todo o tecido infraconstitucional, impondo ao jurista compreender toda e qualquer situação concreta de acordo com o que o melhor interesse da criança e adolescente recomendar. Em cada caso concreto, exige-se a construção de soluções derivadas do melhor interesse infanto-juvenil, oxigenando clássicos institutos jurídicos (como a guarda, a filiação e, é claro, o poder familiar e os alimentos). Todo e qualquer instituto concernente a interesse de criança ou adolescente precisa estar sintonizado na frequência da proteção integral constitucional, pena de incompatibilidade com o sistema constitucional.

Com base em tais fundamentos, constituindo-se inclusive direito subjetivo da presa gestante, conforme fundamentação supra, resta com clareza meridiana a solução que melhor se amolda ao caso concreto: a concessão da prisão domiciliar.

É bom ressaltar no mais que, conforme estudo feito pelo Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ [3], a situação da apenada lamentavelmente não foge à regra nacional. Pela pesquisa, no Brasil são 367.380 – 6,4% da população prisional do país – maior parte dessas em regime fechado (44.7%), presa por tráfico de drogas (58%), jovens entre 18 e 28 anos (50%), solteiras (57%), cumprindo penas de até 8 anos (54%), sendo mais concentrado esse percentual entre 4 e 8 anos (35%). Conforme a pesquisa, ainda, no RJ, 70% é de ré primária e dentre as grávidas a maioria afirma não receber atendimento ginecológico, com pré-natal incompleto, sofrendo de carências como por exemplo falta d’água para banho, má qualidade da comida, precariedade da higiene local, além de reclamarem do uso indevido de algemas, inclusive no parto.

E ainda, segundo o mencionado estudo, “A questão das mulheres encarceradas, especialmente aquelas que experimentam a gravidez e o nascimento de seus filhos na prisão, constitui um dos aspectos mais perversos da opção por uma política criminal repressiva, com foco preferencial na pena privativa de liberdade. Se a situação das mulheres presas configura uma dupla sanção, por ser ela considerada como ‘criminosa’, que ousou violar a lei dos homens numa sociedade patriarcal, no caso de grávida e de mães de filhos pequenos, estas ainda recebem mais uma punição: são também privadas da convivência com seus filhos, com todas as consequências sociais que decorrem desse distanciamento.”

Por isto este Juízo, ao decidir pela prisão domiciliar da detenta, de 25 anos, primária, condenada por tráfico e associação ao tráfico juntamente com o companheiro, no sétimo mês de gravidez, que voluntariamente se entregou na Justiça para cumprir sua reprimenda, assim o faz porque compreende a responsabilidade histórica do Poder Judiciário para com o padrão ético decorrente da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim o faz porque compreende a necessidade de fortalecimento das instituições, no sentido de dar concretude aos direitos e garantias fundamentais. Assim o faz porque exerce sua prerrogativa constitucional irrenunciável da jurisdição.

Aliás, mutatis mutandis, conforme tem orientado o Supremo Tribunal Federal, “tendo em conta as precárias condições materiais em que se encontram as prisões brasileiras, de um lado, e, de outro, considerada a delicada situação orçamentária na qual se debatem a União e os entes federados, esta Suprema Corte concluiu que os juízes e tribunais estão autorizados a determinar ao administrador público a tomada de medidas ou a realização de ações para fazer valer, com relação aos presos, o princípio da dignidade humana e os direitos constitucionais a eles garantidos, em especial o abrigado no art. 5º, XLIX, da Constituição Federal” (STA 807/RJ; Relator: Ministro Presidente Ricardo Lewandowski; Julgamento: 23.11.2015).

Por fim, repita-se: é preciso admitir e reafirmar, sempre, que a pessoa do condenado jamais perderá sua natureza humana e por este motivo será sempre merecedora de irrestrito respeito em seus diretos e garantias fundamentais. Este salto ético já foi dado e o atual padrão de civilidade assim exige, bem como a humanidade em paz agradece.

Ex positis:

Por estarem presentes os requisitos para o deferimento do pretendido, com base no art. 117, inciso II (doença grave), art. 114, parágrafo único e art. 115, todos da LEP, c/c art. 317 e art.318, II, ambos do CPP, por analogia,DEFIRO A PRISÃO DOMICILIAR favor da reeducanda B.E.R., na seguintes condições: (1) recolhimento domiciliar em período integral, autorizando-se apenas eventuais saídas para acompanhamento da gestação e tratamento de saúde; (2) comparecimento em Juízo sempre que requisitado e (3) comunicação prévia de mudança de endereço. Deverá ainda a reeducanda informar seu endereço residencial no prazo de 10 dias.

Cientifique-se o Assistente Social do Juízo.

Requisite-se a imediata apresentação em Juízo.

Intimem-se e comunique-se à Administração do ergástulo. Expeça-se o termo respectivo.

2. Manutenção da prisão domiciliar após o nascimento do infante:

Considerando a previsão para nascimento do infante em 7.2.2016 (fl. 217), aguarde-se até março/2016. Após, proceda-se ao estudo social, que deverá abranger a (im)prescindibilidade da reeducanda aos cuidados especiais do bebê.

Juntada o documento, vista ao Ministério Público e, sucessivamente, à defesa. Prazo: 5 dias.

3. Falta grave – não retorno de saída temporária:

Designo audiência de justificação para o dia 15.1.2016 às 14h30min.

Intime-se a defesa constituída para manifestar-se, querendo, em 5 dias.

Intime-se a reeducanda por ocasião da assinatura do termo de compromisso da prisão domiciliar (item 1 supra).

4. Oportunamente, resolvida a questão disciplinar, será deliberado sobre prognóstico de eventuais benefícios.

Joinville (SC), 02 de dezembro de 2015.

João Marcos Buch

Juiz de Direito

Notas e Referências:

[1] MELLO, Daniela Canazaro de. A prisão feminina : gravidez e maternidade : um estudo da realidade em Porto Alegre – RS/Brasil e Lisboa/Portugal – Porto Alegre, 2014. Disponível em: Acesso em: 2.dez.2015.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de. A Possibilidade de Prestação de Contas dos Alimentos na Perspectiva da Proteção Integral Infanto-juvenil. Ano de 2010. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=582.

[3] BOITEUX, Luciana et alli. Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro. RJ: LADIH, 2015.