Independência judicial do Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho

Ofício nº 16/2020 – AJD

 

Sr(a) Conselheira(o) Relator(a)

 

Ao cumprimentá-lo (a) cordialmente, a Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade sem fins lucrativos, criada em 1991 e formada por magistradas e magistrados comprometidos com a concretização dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e com a defesa abrangente da dignidade da pessoa humana, vem se manifestar em favor da independência judicial do Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho, nos autos da Revisão Disciplinar nº 0004729-35.2019.2.00.0000.

O processo está em pauta para julgamento no dia 24/11, às 14 horas.

Trata-se de revisão proposta em razão da decisão proferida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por maioria de votos, julgou parcialmente procedente o processo administrativo disciplinar instaurado sob o nº 95.822/2016, aplicando ao Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho a pena de CENSURA com base em suposta “atuação pautada por viés ideológico”, ou seja pelos fundamentos de suas decisões, todos eles alinhados com a ordem constitucional vigente.

É mister ressaltar o perigo, para a ordem democrática, de as Corregedorias ou Órgãos Colegiados no âmbito de nossos Tribunais, arvorarem-se a punir juízas e juízes, cujo teor de seus atos jurisdicionais devidamente fundamentados envolvam a solução a indagações postas em face do direito aplicável - sejam normas de ordem material ou processual -, e que se sujeitam exclusivamente à revisão jurisdicional, por meio das vias disponíveis no ordenamento

- embargos, recursos, mandado de segurança.

Trata-se de procedimento que claramente busca coibir a atuação independente da(o)s juíza(e)s de primeiro grau. Algo que se reveste de extrema gravidade, especialmente no momento de exceção em que vivemos.

 

As decisões que foram objeto de escrutínio e que estão referidas na condenação imposta ao Juiz Roberto Corcioli estão fundadas em posicionamentos já adotados pelas cortes superiores e em ampla jurisprudência nacional.

A inconformidade da Corte com posição estritamente jurisdicional, como retrata a literalidade da decisão que nos parece ferir de morte a independência judicial, fala por si:

Em resumo, os elementos de convicção trazidos aos autos conduzem à conclusão de que as decisões do Dr. Corcioli, maculadas por vícios já amplamente mencionados e movidas por razões de ordem ideológica – curiosamente vinculadas à ideia de ‘garantismo’ , acarretaram cenário de aumento da insegurança social e descrédito das instituições no Município de Itapevi. Evidente que isso se deu em prejuízo da população honesta, trabalhadora e humilde da região, a qual, por força da atuação do requerido, viu-se obrigada a assistir ao arrefecimento do combate a criminosos e menores delinquentes” (p. 40 do acórdão, g.n.).

 

Pois bem, A AJD vem se manifestar nos autos no sentido de pleitear seja observada a independência judicial, salientando que garanti-la é, em última análise, garantir a liberdade de atuação de magistradas e magistrados, essencial para que os processos sejam conduzidos sem o perigo de pressões internas ou externas.

A AJD tem denunciado as perseguições e pressões sobre magistradas e magistrados que exercem, com independência, seu dever de garantir os direitos constitucionais, dando início, inclusive, a campanhas públicas de conscientização acerca da importância que a independência e o garantismo judicial têm para a consolidação de uma sociedade realmente democrática.

A independência judicial se concretiza quando um(a) magistrada(o) é livre para analisar a demanda de acordo com seu entendimento das normas existentes, fundamentando evidentemente sua decisão.

O que é inadmissível, é sujeitá-la(o) a qualquer tipo de influência, pressão, ameaça ou interferência, incluindo as advindas do próprio sistema judicial, mesmo aquelas que se perfectibilizam na tentativa de obrigá-la(o) a agir em conformidade com determinado pensamento, evidentemente não unânime, de parte do Poder Judiciário.

A consolidar-se tal entendimento, restará fatalmente prejudicada a independência no ato de julgar. Por consequência, estará irremediavelmente comprometida a impessoalidade e a própria função do Poder Judiciário, que se qualifica justamente como o poder de Estado capaz de garantir a ordem jurídica, mesmo que isso contrarie interesses de grupos específicos.

Temos uma Constituição vigente em nosso país.

Respeitar e fazer cumprir seus preceitos é exatamente o que as juízas e juízes prometem ao assumir a magistratura. Admitir que sejam punidos disciplinarmente por fazê- lo é ferir de morte a Constituição da República e a democracia já tão combalida no Brasil.

Esperamos, portanto, que o CNJ, neste caso concreto, restitua a ordem e a garantia à independência judicial e reafirmamos nosso apoio integral ao Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho.

São Paulo, 23 de novembro de 2020.


 Veja o documento na íntegra: Ofício_n_16_Roberto_Corcioli.pdf