EXMO. SR. MINISTRO DA JUSTIÇA DR. MÁRCIO THOMAZ BASTOS
Ref: INDULTO ESPECIAL DIA INTERNACIONAL DA MULHER
A Associação Juízes para a Democracia, o COLIBRI-Coletivo para a Liberdade e Reinserção Social, o ITTC- Instituto Terra, Trabalho e Cidadania a Pastoral Carcerária de São Paulo, a Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, o ILANUD- Instituto Latino Americano das Nações Unidas Para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, o CLADEM- Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher; a ASBRAD- Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude e o Centro Dandara de Promotoras Legais Populares, entidades que constituem, dentre outras, o GRUPO DE ESTUDOS E TRABALHO "MULHERES ENCARCERADAS" , que tem por objetivo primordial refletir a realidade da mulher presa, suas condições de encarceramento, seu acentuado perfil de exclusão social, a emergência de atendimento a seus direitos, a violência de gênero sofrida e apresentar propostas para que esta situação seja alterada, vem à presença de Vossa Excelência para expor e requerer o quanto segue:
O Brasil firmou compromissos internacionais reconhecendo a situação de exclusão da mulher e o respeito irrestrito aos seus direitos, com o fim de criar uma sociedade mais justa e solidária. Temos várias declarações, programas de ação e convenções com foco na mulher, dentre elas a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação da Mulher; a Declaração de Pequim; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher- a Convenção do Belém do Pará.
Neste último documento temos recomendação expressa no artigo 9° para os Estados Partes adotarem medidas atendendo dentre outras a situação das mulheres afetadas por privação de liberdade.
A Resolução 58/183 da Assembléia Geral da ONU, titulada “Os Direitos Humanos e a Administração da Justiça”, recomendou que se prestasse maior atenção às questões das mulheres que se encontram na prisão. Em decorrência, a Subcomissão de Promoção e Proteção de Direitos Humanos solicitou a preparação de documento sobre esta temática. O trabalho foi apresentado pela Sra. Florizelle O´Connor indicando que as mulheres constituem um percentual pequeníssimo da população carcerária no mundo; alta porcentagem de mulheres presas é mãe e se encarrega de cuidar dos filhos; não há políticas públicas adequadas no tratamento das presas. Constatou um aumento do aprisionamento feminino, que não se circunscreve a delitos violentos, há um aumento dos índices de encarceramento de mulheres presas em razão do aparecimento do tráfico de entorpecentes, sendo usadas, de regra como “mulas” e a maioria por delito de pouca quantidade de entorpecente.
Este retrato se aplica integralmente às mulheres presas no Brasil.
A renomada Professora da Universidade São Paulo, Dra. Esther de Figueiredo Ferraz, já na década de 50, ensinava sobre as mulheres envolvidas na criminalidade dizendo que elas “não assumem na peça criminosa os mesmos papéis...e nem cometem os delitos pelos mesmos motivos”.
Conforme dados referentes ao mês de junho de 2004, do Ministério da Justiça, de um total de 331.457 presos, tínhamos 11.000 mulheres detidas (sendo 2518 em prisão provisória).
No Estado de São Paulo esta concentrada a maior parte da população carcerária feminina, são quase 80% do total das mulheres do nosso país.
De acordo com o referencial de fevereiro de 2005, tínhamos 4.015 mulheres estavam presas no Sistema Penitenciário e 4304 mulheres no Sistema de Segurança Pública, portanto as mulheres, embora representem apenas 4% da população carcerária brasileira, cumprem pena em sistema de ilegalidade. Elas não têm como estudar e trabalhar, já que estes direitos não são garantidos no cumprimento de pena no sistema de polícia. Por conseqüência, são brutalmente prejudicadas, pois não podem fazer jus à remição de pena. Além disso, nas delegacias e cadeias públicas, não há a presença de Defensor Público para dar assistência judiciária, preconizada na Constituição Federal.
Forçoso reconhecer a desigualdade no tratamento entre homens e mulheres. “Nenhuma sociedade trata suas mulheres tão bem quanto seus homens” (relatório de desenvolvimento humano de 1977, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Precisamos de políticas públicas que diminuam este diferencial e garantam a isonomia.
A criminalidade, por si só, já é fator de discriminação, mas quando se trata de uma mulher, ela é agravada, tendo em vista a expectativa social e a ausência de políticas públicas para o encarceramento feminino.
Lamentavelmente, no processo de conhecimento penal, as diferenças de gênero, raramente são contempladas.
É indispensável que o Governo Brasileiro passe a realizar efetivas ações de inclusão da mulher presa, com ações afirmativas que busquem o equilíbrio e sanem a desigualdade histórica .
O Exmo. Sr. Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, demonstrou que comunga destas preocupações ao acolher no ano de 2004 o pedido da sociedade civil para inclusão da especificidade de gênero na concessão do indulto natalino, incluindo as mães.
Porém, é necessário avançar e atingir todas as mulheres. Indultos e comutações concedidos, ao longo da nossa história, se mostraram tímidos conforme dados fornecidos pelos seguintes Estados da Federação:
a) Santa Catarina, com indulto e comutação, referente ao decreto 4495/2002 foram beneficiados 291 homens e 5 mulheres; com o decreto 4904/2003, foram 245 homens e 17 mulheres;
b) Amazonas, entre 2001/2003, foram encaminhados 39 pedidos, dos quais 24 foram indeferidos; 3 foram deferidos e os demais estavam em diligência;
c) Maranhão, entre 2000 e 2003 foram formulados 7 pedidos de indulto para mulheres;
d) São Paulo entre 2000 e agosto de 2004, 26 mulheres recolhidas na Secretaria de Administração Penitenciária obtiveram indulto.
Tendo em vista que março é o mês de Comemoração da Mulher solicitamos que seja concedido indulto e/ou comutação especial para todas as mulheres presas, independente de idade, raça, condição social, de crime, para coroar este mês como aquele de inclusão da mulher presidiária, observando que ampliar o rol das situações de concessão de indulto coletivo é uma necessidade, segundo o Departamento Penitenciário Nacional-DEPEN ( O Sistema Penitenciário no Brasil: Diagnóstico e Propostas, 2005).
Desde já, colocamo-nos à disposição de Vossa Excelência com a mesma certeza que tivemos que 2004 seria um marco no processo de inclusão das mulheres encarceradas esperando que o recorte de gênero seja incorporado definitivamente nas políticas públicas criminais.
Atenciosamente,
São Paulo,10 de março de 2005.
Kenarik Boujikian Felippe
Grupo de Estudos e Trabalho “Mulheres Encarceradas”