Conclusão do II Encontro

Conclusão do II EncontroConclusões do II Encontro "A Mulher no Sistema Carcerário" realizado em 30 e 31 de outubro de 2003 pelo Grupo de Estudos e Trabalho "Mulheres Encarceradas", na PUC/SP

1. PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
1.1 VARA DE EXECUÇÕES PENAIS ESPECIAL
Recomendar a criação de vara de execuções criminais especial para a mulher encarcerada, priorizando a manutenção do núcleo familiar, considerando não só suas especificidades, como também a agilização dos benefícios e outras medidas que garantam os direitos das internas. Deverá ser formada por funcionários com capacitação promovida pelo Estado para tal fim.

1. 2 CONSELHOS DA COMUNIDADE
Criar mecanismos efetivos para o cumprimento da Lei de Execuções Penais (art. 66 inciso IX da LEP), quanto à instalação dos Conselhos da Comunidade em cada comarca. Inserir nos orçamentos federal e estadual a previsibilidade de verbas para criação e sustentação dos Conselhos da Comunidade.

1. 3 DIREITO À INFORMAÇÃO E À FORMAÇÃO
Garantir às presas o acesso à informação sobre os seus direitos e os de seus familiares, bem como sobre o andamento dos procedimentos penais. No caso das internas estrangeiras, as unidades deverão possuir intérpretes permanentes para atendimento das suas necessidades. Incentivar a realização de projetos educativos de capacitação em direitos, a exemplo das Promotoras Legais Populares. Informatizar as unidades prisionais para que todos possam ter acesso aos dados processuais e administrativos. Incluir, através de política pública nacional de educação, o penitenciarismo nas grades curriculares dos cursos universitários, tais como: arquitetura, direito, pedagogia, serviço social, saúde pública, psicologia e medicina. Incentivar a realização de convênios com universidades para prestação de serviços, especialmente no modelo de estágios supervisionados.

1.4 CONSTRUÇÃO DE PENITENCIÁRIAS
Construir presídios femininos de pequeno porte e adequados à legislação específica (creches, berçários, médico ginecologista, etc) para que as mulheres deixem de cumprir, sistematicamente, suas penas em cadeias públicas e possam permanecer próximas da família. Providenciar a liberação de recursos do Departamento Penitenciário Nacional para os Estados, como os do Fundo Penitenciário, para atendimento daquelas especificidades. Fiscalizar a utilização dos recursos do DEPEN pelos Estados, através dos Conselhos da Comunidade e/ou de outros que vierem a ser criados para tal finalidade. Os critérios para a construção dos presídios com recursos do DEPEN deverão ser elaborados em parceria com outros órgãos especializados, tais como, com as Secretarias e Conselhos Nacionais e Estaduais de Direitos da Mulher. Criar seção administrativa no DEPEN para atendimento da questão feminina.

1. 5 ADMINISTRAÇÃO DAS UNIDADES PRISIONAIS FEMININAS
Estabelecer critérios fixos para indicação de diretores das unidades femininas. Aperfeiçoar e capacitar os agentes para atendimento especifico às mulheres presas. Criar, no âmbito estadual, junto às secretarias responsáveis pela questão penitenciária, seção administrativa para atendimento específico à mulher encarcerada, com atribuição para formulação de cursos de capacitação dos agentes penitenciários que contemplem os estudos de gênero. Adotar política pública para a inserção formal da pessoa presa, através da emissão de documentos, em respeito à sua cidadania. (ex.: ao ingressar no sistema, o preso passaria por um Centro de Observação e Triagem para atualização e obtenção de sua documentação, inclusive, do título de eleitor).

Recomendar aos órgãos federais (ex.: DEPEN), que organizem suas informações em Banco de Dados sobre experiências positivas e bem sucedidas no sistema carcerário nacional, a fim de que sejam difundidas e aproveitadas. O mapeamento dessas experiências poderá ser realizado nos Estados pelos Conselhos Penitenciários e/ou outras organizações da sociedade civil. Medidas de socialização desses dados deverão ser adotadas pelo órgão federal, através de divulgação pela Internet ou por boletim específico, da realização de congressos, encontros etc.

2. PROPOSTAS PARA A QUESTÃO DISCIPLINAR
2.1 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD)
Padronizar os critérios para as transferências ao RDD, sendo indispensável prévia comunicação ao juiz da Vara das Execuções Criminais, com encaminhamento de cópia da sindicância, no prazo de até 24 horas, pela direção do presídio que efetuou a transferência. Determinar que as transferências sejam realizadas após a instauração do competente procedimento administrativo/disciplinar, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa e fazendo-se acompanhar de parecer da Comissão Técnica de Classificação, com os motivos autorizadores da transferência ao RDD. Propor às autoridades legislativas para que a LEP inclua a relação de faltas graves que justifiquem a transferência do preso ao RDD. Permitir a participação das organizações da sociedade civil na fiscalização do procedimento de transferência e execução do RDD.

2. REGIME DISCIPLINAR ESPECIAL (RDE)
Definir os estabelecimentos prisionais que deverão receber e atender as mulheres em RDE. Capacitar os agentes penitenciários e contar com corpo técnico na unidade para atendimento do RDE.
Permitir a participação da sociedade civil na fiscalização dos procedimentos adotados para a inclusão do grupo.

3. REVISTA VEXATÓRIA
3.1 CRITÉRIOS MÍNIMOS
Exigir o cumprimento do artigo 51 da Resolução n1 01 de 21/03/2000, realizando a revista pessoal somente nos casos de fundada suspeita. Investir em tecnologia para detectar metais e drogas. Adotar critério de amostragem para realização da revista pessoal, respeitando-se a intimidade e a vontade do visitante. Sugerir a presença de representantes da Defensoria Pública durante as visitas. Introduzir a revista pessoal nos presos/as, antes e depois de receberem as suas visitas, adaptando-se os estabelecimentos prisionais para essa finalidade, evitando-se, assim, a revista nos visitantes.

3.2 AGENTES PENITENCIÁRIOS
Incentivar e promover a formação de equipes específicas para o atendimento das visitas. Incentivar e promover a formação de grupos de estudo e trabalho, compostos por agentes, familiares e presos/as para definição das regras da revista pessoal.

3.3 DENÚNCIA DE ABUSOS
Incentivar e prestar assistência às pessoas dispostas a denunciar os abusos sofridos. Encaminhar relatório à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre os abusos cometidos durante as revistas pessoais.

3.4 RELATÓRIOS INSTITUCIONAIS
Oficiar à Secretaria da Administração Penitenciária e Secretaria de Segurança Pública para que informem sobre os procedimentos instaurados nos últimos dois anos, sobre as apreensões de objetos, armas e drogas com as visitas neste Estado, para posterior avaliação da eficácia dos métodos utilizados nas revistas pessoais.

4. VISITA ÍNTIMA
4.1 GRAVIDEZ
Efetuar levantamento sobre o número de mulheres que recebem visitas íntimas, bem como o número de gestações havidas após a sua implementação. Promover e incentivar cursos de prevenção de gravidez indesejada e de cuidados com a saúde reprodutiva, mantendo-se a distribuição gratuita de preservativos masculinos e femininos.

4.2 IGUALDADE DE DIREITOS
Promover o exercício igualitário do direito das mulheres para a recepção de maridos, companheiros, namorados ou outros parceiros. Adotar critérios nacionais para a padronização da visita íntima em todos os estabelecimentos prisionais (local, data, freqüência, critérios para os vínculos, etc.), estabelecendo convênios com secretarias estaduais e municipais de saúde para orientação e prevenção de DST/Aids e contracepção. Garantir o exercício pleno da sexualidade (opção sexual, indicação de parceiro e condições do exercício desse direito).

4.3 CAMPANHAS DE ORIENTAÇÃO
Realizar campanhas de formação e orientação sobre a saúde da mulher, em parceria com a sociedade civil.

4.4 ADEQUAÇÃO DO ESPAÇO
A construção de unidades prisionais femininas deverão prever local adequado para a realização da visita íntima. Os distritos policiais e as cadeias públicas deverão, de igual modo e com a participação das internas, estabelecer os critérios para a realização da visitação íntima.

5. SAÚDE
5.1 PREVENÇÂO e TRATAMENTO
Garantir a distribuição de material de higiene pessoal de acordo com as necessidades femininas, pois, como se sabe, as cotas mensais estabelecidas pela Secretaria de Administração Penitenciária são as mesmas para homens e mulheres (com exceção dos absorventes higiênicos), apesar de serem evidentes as diferenças entre eles. Determinar à Secretaria de Segurança Pública que garanta a distribuição de material de higiene pessoal às mulheres presas em distritos e cadeias públicas. Fiscalizar a compra e distribuição dos medicamentos através dos Conselhos da Comunidade. Promover programas de atendimento médico preventivo e curativo em razão das condições precárias de internação (falta de ventilação nas celas e no trabalho, de higiene nas celas, nos refeitórios e banheiros, etc.). Garantir em todas as unidades (presídios, cadeias, distritos) transporte adequado e permanente para atendimento e transporte de doentes. Garantir em todos os estabelecimentos prisionais femininos (penitenciárias, cadeias públicas e distritos policiais) a prestação de serviços permanentes de médico ginecologista para realização de consultas, encaminhamento de exames laboratoriais (papanicolau, HIV, HPV, e outras), acompanhamento pré-natal e orientação sobre aleitamento. Prestar efetivo atendimento psiquiátrico e psicológico, considerando o elevado número de pessoas presas com distúrbios mentais em razão do encarceramento. Com o fim da obrigatoriedade dos exames criminológicos, os psicólogos deverão ser remanejados para o atendimento clínico.

5.2 CADEIAS PÚBLICAS e DISDTRITOS POLICIAIS
Garantir atendimento médico às mulheres presas em distritos e cadeias públicas, incluindo-as no plano nacional de saúde do sistema penitenciário. Criar equipes médicas itinerantes, mantidas pelo SUS, para atendimento de rotina, sem prejuízo de internações em hospitais da rede pública de saúde. Propor projetos de lei nesse sentido, sem prejuízo da adoção de uma política pública nacional. (No Município de São Paulo, o projeto de lei apresentado pelo então vereador Ítalo Cardoso foi vetado pelo Poder Executivo.) Incluir na previsão orçamentária do SUS o sistema de segurança pública, considerando o número elevado de mulheres condenadas que cumprem suas penas em distritos policiais e cadeias públicas.

5.3 DROGAS
Identificar e dar tratamento adequado às mulheres presas que faziam uso de drogas antes da prisão ou que delas passaram a depender em razão do encarceramento e que sofrem com as crises de abstinência.

5.4 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS / A SAÚDE DENTRO DAS UNIDADES
Propor aos Ministérios da Saúde e da Justiça a inclusão dos presos(as) no SUS, a afim de que sejam atendidos(as) pelas Secretarias de Saúde do Estado e dos Municípios com previsão orçamentária (recebimento do repasse da verba do SUS para cada pessoa presa atendida), identificando-se e reconhecendo-se como população residente, de acordo com os critérios de classificação do IBGE.

5.5 PROPOSTAS GERAIS
Estabelecer vinculação dos médicos que prestam atendimento nas penitenciárias à Secretaria EstaduaL de Saúde e não mais à Secretaria de Administração Penitenciária, cessando sua subordinação à direção do presídio, a fim de garantir total independência na atuação desses profissionais. Exigir, através da Associação Médica Brasileira e do Ministério do Trabalho, o cumprimento do horário de trabalho dos médicos nos estabelecimentos prisionais. Permitir aos agentes comunitários de saúde que realizem visitas nos presídios de sua atuação. Garantir a participação da Pastoral Carcerária ou de organizações não governamentais nos conselhos municipais de saúde. Realizar pesquisa para identificação das doenças adquiridas pelas mulheres durante o encarceramento, sua evolução e tratamento, a fim de que seja realizado atendimento preventivo. Incentivar e estabelecer convênios com universidades na área da saúde para atendimento regular das pessoas presas.

6. RELAÇÕES FAMILIARES
6.1 LARES SOCIAIS
Incentivar a criação e a instalação de lares sociais, coletivos e individuais, que recebam recursos para atendimento aos filhos das presas, nas proximidades das penitenciárias, facilitando a manutenção do vínculo afetivo. Os lares sociais deverão ser cadastrados junto às Varas da Infância e Juventude e por elas fiscalizados.

6.2 PROGRAMAS SOCIAIS
Orientar as mulheres presas sobre os programas sociais e sua inclusão, tais como: bolsa escola, renda mínima, etc.
Estabelecer convênios com empresas de ônibus para transporte dos familiares.

6.3 ASSISTÊNCIA JURÍDICA
Implementar assistência judiciária ampla, envolvendo também questões familiares, visando informar as mulheres presas sobre processos de adoção, suas implicações e defesa.

7. TRABALHO E EDUCAÇÃO
7.1 PARCERIAS
Incentivar parcerias entre ONGs, Pastoral e Administração Penitenciária para a criação de empregos. Articular campanhas de sensibilização na imprensa que difundam os benefícios do trabalho e da educação nos presídios. Ampliar a realização de convênios com instituições de formação profissional (SEBRAE, Frente de Apoio ao Trabalhador B FAT, etc.). Estimular a criação de cotas para que as empresas que empregam presidiários sejam obrigadas a contratar também egressos. Estimular a criação de programas de emprego que se iniciem no interior da prisão e que se estendam ao egresso.

7.2 REMIÇÃO
Admitir, definitivamente, o trabalho artesanal e o estudo para os efeitos da remição. Estender os benefícios da remição às pessoas doentes.

7.3 FISCALIZAÇÃO
Fiscalizar efetivamente a instalação de oficinas de trabalho no interior dos presídios, assim como a seleção e distribuição de tarefas. Exigir a extensão do trabalho aos presos provisórios.

7.4 TRABALHO PRODUTIVO
Incentivar o cooperativismo e o associativismo entre as internas e seus familiares, inclusive com incubadoras de cooperativas e associações provindas ou sob assessoria de universidades.
Incentivar o artesanato, como forma de emancipação e autonomia, com vistas à lucratividade no mercado extra-muros.

7.5 DIREITOS TRABALHISTAS
Eliminar qualquer atitude que denote exploração do trabalho do preso, garantindo-se que todo trabalho será remunerado.
Garantir condições dignas de trabalho (local, segurança) e direitos previdenciários e trabalhistas a todos.

7.6 EDUCAÇÃO ADEQUADA ÀS NECESSIDADES
Estimular as presas a ministrarem cursos nas áreas de suas especialidades (ex.: línguas estrangeiras, computação, dança, culinária, costura, etc), sendo reconhecendo-se esse trabalho para os efeitos de remição. Estimular a realização de cursos em horários diferentes aos dedicados ao trabalho.

8. VOTO
8.1 EMENDA CONSTITUCIONAL
Iniciar discussão sobre o direito ao voto para condenados, apresentando proposta de emenda constitucional.

8.2 QUESTÕES ELEITORIAIS
Estender programas como o Poupatempo às pessoas privadas de liberdade. Garantir a presença de candidatos durante as campanhas eleitorais nos presídios, cadeias públicas e distritos policiais. Promover a realização de trabalho de conscientização sobre direitos políticos nos distintos estabelecimentos prisionais do país.