Nota Pública Sobre o Controle Policial de Crianças e Adolescentes

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade trabalhar pelo império dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e pela promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista, a propósito do crescimento vertiginoso de atos estatais contrários aos limites constitucionais impostos ao exercício do poder, vem a público manifestar a sua indignação e preocupação com este momento histórico em que as políticas sociais são substituídas por medidas penais e atos de força, especialmente em razão das recentes notícias de utilização da Polícia Militar do Estado de São Paulo e da Guarda Civil Metropolitana no combate à evasão escolar.

O enfileiramento de alunos que pretensamente cabularam aulas e a sua colocação à força em veículos a serviço de Conselho Tutelar, após revista corporal, remetem-nos à primeira metade do século XX, quando o edifício normativo do Direito Infanto-Juvenil começava a se delinear, com intervenção, colaboração e apoio de diferentes segmentos do conhecimento científico mundial. De lá para cá, consagrou-se em inúmeros diplomas e tratados internacionais a substituição da antiquada idéia do “menor” como “algo” inferior e subalterno a ser protegido pelo Estado, erigindo-se a criança e o adolescente à condição de autênticos sujeitos de direito. Passou-se, então, a valorizar a sua peculiar condição de ser humano em desenvolvimento, essência e base da doutrina da Proteção Integral, por nós adotada tanto no campo constitucional (Constituição Federal – artigo 227), como no plano infraconstitucional (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei nº 8.069/90), em sintonia fina com a CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, aprovada pelas Nações Unidas em 1989 e por nós ratificada no ano seguinte (Decreto nº 99.710/90).

Portanto, a forma arbitrária, desastrada e ineficiente eleita para combater a evasão escolar, a despeito de encerrar evidente desvio de função pública dos policiais militares que participaram dessa operação, revela o total despreparo de autoridades, inclusive com a participação do Conselho Tutelar, que agem na contramão da história e teimam em adotar práticas anacrônicas e dissociadas da doutrina da Proteção Integral, o que é profundamente lamentável, na exata medida em que se aniquila a dignidade das crianças e dos adolescentes, vistas absurdamente, ainda, como objetos, e não como sujeitos de direitos.

Ademais, percebe-se, especialmente em razão desse lamentável episódio, que, em todas as regiões do Brasil, a repressão policial continua a ser o principal instrumento de controle social das populações indesejáveis, de supressão das divergências e de negação da alteridade.

Vivencia-se a naturalização do uso da força e do poder penal para esconder o fracasso das políticas públicas estatais. O aumento do número de prisões ilegais, a internação compulsória de usuários de drogas ilícitas, as invasões de domicílio sem mandado judicial ou com mandados judiciais expedidos em desconformidade com a legislação, o toque de recolher nas comunidades “pacificadas” do Rio de Janeiro, a criminalização dos movimentos sociais, a crença de que os direitos humanos são óbices à eficiência do Estado, os autos de resistência que buscam legitimar homicídios promovidos por agentes públicos, a demonização da política e a desqualificação e a criminalização dos defensores dos direitos humanos são sintomas de um processo de fascistização do Estado.

A AJD espera que a sociedade brasileira aposte na força transformadora do Estado Democrático de Direito.

Erros históricos não podem ser repetidos.