Ofício para o CNJ, Ministro Joaquim Barbosa, requerendo dados dos processos relativos à demarcação de terras e garantia de direitos dos povos indígenas

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, MINISTRO JOAQUIM BARBOSA.



PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS

LEVANTAMENTO DE PROCESSOS

DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS





“Pessoa descolorida das misérias coloniais,

É teu o direito de não ter direitos?

Revelas o inapreensível das injustiças mais óbvias

Na peleja de teu povo pelo respeito às diferenças.



Indígena criança que vive entre humanos e espíritos

Não sabes que o Direito não cresceu os teus direitos,

Porque fostes na pátria o último a ser parido,

E quando o berro foi ouvido a Justiça estava surda”

Assis da Costa Oliveira



A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, representada pelo Presidente de seu Conselho Executivo, vem à presença de Vossa Excelência e desse Egrégio Conselho Nacional de Justiça, respeitosamente, para REQUERER seja realizado um levantamento sobre todos os processos que, tramitando por todo o país e em todas as instâncias, tenham por objeto a demarcação das terras indígenas, pelos seguintes motivos de direito e justiça:

1.- DA AJD.

Inicialmente, com a devida vênia, e antes da abordagem do tema que empolgou este requerimento, é preciso dizer que a AJD- ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA é uma entidade não governamental, sem fins lucrativos e corporativistas, que congrega juízes e juízas federais, estaduais e trabalhistas de todo o território nacional e de todas as instâncias.

Os primaciais objetivos estatutários da AJD são a conscientização crescente da função judicante como proteção efetiva dos direitos fundamentais do ser humano, individual e coletivamente considerado, a consequente realização substancial, não apenas formal, dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito e a defesa dos direitos das minorias, na perspectiva de emancipação social dos desfavorecidos.

2.- DA CAMPANHA “EU APOIO A CAUSA INDÍGENA”.

Em 2012, a AJD e o CIMI- Conselho Indigenista Missionário coordenaram a campanha “Eu Apoio a Causa Indígena”, que extrapassou as fronteiras nacionais e colheu mais de 20.000 assinaturas em um documento que reivindicava a efetivação das garantias dos direitos dos povos indígenas brasileiros, especialmente no que diz respeito à demarcação de suas terras nos termos dos preceitos e princípios adotados por nossa Constituição Federal e pelo sistema internacional de garantia dos Direitos Humanos.

Aliás, é oportuno lembrar que aderiram a essa campanha, além de diversas entidades indígenas, personalidades brasileiras e estrangeiras de prestígio inegável e de reconhecida credibilidade, como Antonio Candido de Mello e Souza, Boaventura de Sousa Santos, Noah Chomsky, Eduardo Galeano, Orlando Vilas Boas, Kabengele Munanga, Dalmo de Abreu Dallari, Fabio Comparato, Marilena Chaui, Milton Hatoun, Fernando Morais, Wagner Moura, Leticia Sabatela, D. Erwin Kräutler, D.Pedro Casaldáliga, Frei Betto, Michel Löwy, Helio Bicudo, Nita Freire e Heloísa Fernandes, entre tantas outras não menos ilustres e representativas da cidadania e da causa dos Direitos Humanos.

E, em dezembro de 2012, a AJD e o CIMI estiveram em Brasília e, acompanhadas de uma delegação de povos indígenas, entregaram o documento acima mencionado, com as suas mais de 20 mil assinaturas, para os representantes dos três Poderes da República, fortes na esperança de que providências imediatas e efetivas sejam dotadas para garantir a dignidade dos povos indígenas e para debelar a terrível situação que os aflige e infelicita a tantos e tantos anos.

3.- DA RESPONSABILIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO E OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS.

O referido documento cuidou de apontar os problemas e obstáculos, existentes no âmbito dos três poderes da República, que estão causando prejuízos imensos e terríveis aos povos indígenas e que, por isso, carecem de imediato enfrentamento e solução pronta e eficaz.

Com efeito, como ficou expressamente consignado nesse documento, “as terras não são demarcadas com a presteza fincada na CF; obras públicas são realizadas sem qualquer diálogo com as comunidades afetadas, descumprindo a necessidade de consulta e participação; órgãos oficiais permanecem vulneráveis às pressões dos poderes econômicos e políticos locais e/ou com estrutura precária. Assim temos o extermínio, a desintegração social, opressão, mortes, ameaças, marginalização, exclusão, fome, miséria e toda espécie de violência física e psicológica, agravada, especialmente, entre as crianças e jovens indígenas”.

E, especialmente no que se refere ao Poder Judiciário, é inegável, com a devida vênia, que a demora da prestação jurisdicional, em todas as instâncias, nos processos relativos à demarcação de terras indígenas, tem sido o grande e mais amargo problema a ser arrostado.

Infelizmente, a demora no julgamento dos processos tem agravado ainda mais a notória situação de violência, pela qual passam os povos indígenas.

Aliás, lembre-se de que há casos paradigmáticos de processos relativos a causas indígenas que tramitam, sem que a jurisdição seja prestada, há mais de três décadas.

E essa inaceitável procrastinação das decisões judiciais com relação aos direitos dos indígenas está legitimando a omissão inconstitucional do Estado quanto à delimitação e demarcação dos territórios tradicionais, o que aguça e intensifica os conflitos que se retroalimentam da inoperância do Poder Judiciário.

A indefinição das demandas judiciais, decorrente da desídia do Poder Judiciário, data maxima venia, agrava a situação das comunidades indígenas, especialmente em razão da violação dos direitos consagrados no artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece aos povos indígenas o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e osdireitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

A demora da prestação jurisdicional, nessa matéria, rompe com o trato constitucional estabelecido em 1988, pois a Constituição Federal, além de consagrar expressamente os direitos acima mencionados,fixou prazo para a realização das demarcações das terras indígenas, como ficou estabelecido no artigo 67 da ADCT, que determinou que a União deveria concluí-las em cinco anos.

E, depois de mais de duas décadas de omissão constitucional da União, extrapassado há muito o referido prazo constitucional, cabe ao Poder Judiciário cumprir o seu mister e garantir que a vontade do Constituinte seja cumprida e resguardada, com a necessária e exigida presteza.

É evidente e inegável, pois, com a devida vênia, que a agilização do processamento e do julgamento dos mencionados processos seja adotada como prioridade absoluta para o Poder Judiciário.

Aliás, o artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, com o respaldo dos princípios de garantia do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos, consagrados pelo Pacto de São José da Costa Rica e por tantos outros compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, exige que os processos tenham tramitação em prazo razoável.

E, especialmente nos casos de demarcação das terras indígenas, a razoabilidade do trâmite processual deve encontrar os seus limites nos parâmetros gizados por esse marco temporal fixado para a União.

Assim, com a devida vênia, a AJD acredita que cabe ao CNJ adotar providências, incontinenti, no âmbito de suas atribuições constitucionais, para garantir que os Juízes e Tribunais pátrios assegurem o processamento e o julgamento célere e pronto dos processos em menção.

Como é cediço, esse Colendo Conselho tem se destacado na sua atribuição de gestão, definindo o planejamento estratégico, os planos de metas e os programas de avaliação institucional do Poder Judiciário, em atenção à sua missão de contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com eficiência e efetividade, adotando, com presteza e exação, diversas estratégias, como o estabelecimento de metas e a implantação de programas de âmbito nacional que priorizam áreas como Meio Ambiente e Direitos Humanos.

É por isso que a AJD acredita que o CNJ pode adotar a mesma postura em relação à temática indígena.

Diante disso, a AJD pede vênia para requer a Vossa Excelência e a esse Colendo Conselho seja realizado levantamento de todos os processos em trâmite no Judiciário brasileiro, em todas as suas instâncias, relativos aos casos de demarcações de terras indígenas e garantia de direitos dos povos indígenas, com as cabíveis e necessárias informações, como a data da distribuição, nº do processo, partes, fase processual, data da distribuição do recurso e nº do recurso, para que seja possível a implantação de providências destinadas ao controle e agilização desses processos, como tem sido feito com outros temas igualmente relevantes e urgentes.

Além disso, a AJD também requer que esses dados sejam colocados no sitio do CNJ e que metas sejam estabelecidas para que se dê cumprimento ao mandamento constitucional de celeridade.

Por derradeiro, a AJD clama a Vossa Excelência e ao Egrégio Conselho Nacional de Justiça que façam cessar o sofrimento dos povos indígenas, marcando todos os processos em menção com o sinete da prioridade e da urgência, pois, somente dessa forma poderá ser construída uma nova etapa da história brasileira, consagrando-se, definitivamente, a primazia da dignidade humana em sua integralidade, sob a luz da alteridade estabelecida em nossa Constituição Federal.

Aproveitando o ensejo para externar a admiração e o respeito de todos os seus associados e associadas, a AJD coloca-se à disposição de Vossa Excelência e dos demais eminentes Conselheiros desse Egrégio Conselho.

São Paulo, 26 de março de 2013.



José Henrique Rodrigues Torres

Presidente do Conselho Executivo

Associação Juízes para a Democracia

CNPJ 65.518.532/0001-60





CARTA DA CAMPANHA “EU APOIO A CAUSA INDÍGENA”

Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Ayres Brito e exmos(as). srs.(as) ministros(as) .

Exma. Presidenta da República Federativa do Brasil, Sra. Dilma Vana Rousseff

Exmo. Sr. Presidente do Senado, da Câmara Federal e exmos(as). senadores(as) e deputados(as) federais.

O Estado brasileiro pinta o quadro de violência e espoliação dos povos indígenas, pois não cumpre o artigo 231 da Constituição Federal (CF), que reconhece aos povos indígenas o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Não cumpriu o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que obriga a União a concluir a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos, a partir de 1988 (apenas 1/3 das terras indígenas foram demarcadas). Anda em descompasso com as normas internacionais, particularmente com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

As terras não são demarcadas com a presteza fincada na CF; obras públicas são realizadas sem qualquer diálogo com as comunidades afetadas, descumprindo a necessidade de consulta e participação; órgãos oficiais permanecem vulneráveis às pressões dos poderes econômicos e políticos locais e/ou com estrutura precária. Assim temos o extermínio, a desintegração social, opressão, mortes, ameaças, marginalização, exclusão, fome, miséria e toda espécie de violência física e psicológica, agravada, especialmente, entre as crianças e jovens indígenas.

A falta de delimitação e demarcação dos territórios tradicionais aguçam os conflitos que se retroalimentam da inoperância do Poder Judiciário. A falta de definição das demandas judiciais agrava a situação das comunidades indígenas.

No STF (e outras instâncias do Poder Judiciário) tramitam processos que tratam das terras indígenas. Premente que o STF julgue, em caráter de urgência e prioridade, todas as ações que envolvam os direitos dos povos indígenas.

A garantia de duração razoável do processo, direito humano previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF, no tema das demarcações, é reforçada pelo marco temporal fixado para a União. Estas normas estão a exigir que o Poder Judiciário dê prioridade a estes processos. Clamamos ao STF que faça cessar o sofrimento do povo indígena. Somente desta forma haverá paz e será construída nova etapa da história brasileira, no qual a primazia da dignidade humana estará presente em sua integralidade, sob a luz da alteridade estabelecida na CF.

Apelamos para a Presidenta da República, para que reverta este quadro dramático, concretizando os direitos constitucionais atribuídos aos índios. Para tanto, aguardamos que estruture e disponibilize o necessário para que seja resguardada a vida dos indígenas, que se dê garantia de segurança e proteção a eles ; que se resguarde a incolumidade das comunidades indígenas em todos os aspectos, especialmente quanto aos direitos econômicos, sociais e culturais; que faça respeitar o caráter sagrado da terra atribuído pelos povos indígenas, providenciando em caráter de urgência as demarcações; que escute suas demandas quando da realização de obras públicas.

O direito ao prazo razoável também se aplica ao processo administrativo. Diante do longo período decorrido do prazo fixado na CF, urge que sejam implementadas políticas públicas para que todos os passos necessários para a regularização de todas as terras indígenas sejam efetivados com presteza.

Conclamamos aos membros do Congresso Nacional para que cumpram a missão constitucional sobre o primado da submissão às cláusulas pétreas, razão pela qual rejeitamos e repudiamos a PEC 215, que pretende retirar do Executivo o processo administrativo das demarcações e homologações de terras indígenas, transferindo-o para o Legislativo, substituindo critérios e competências administrativas técnicas, para inviabilizar as demarcações. Esta projeto é sobretudo um atentado contra o protagonismo dos povos indígenas no processo constituinte brasileiro.

É imperativo que o Congresso Nacional resguarde o direito de consulta prévia que os povos indígenas têm em relação a todas propostas legislativas suscetíveis de afetá-los.

Os povos indígenas não podem esperar mais.