Oficio aos Deputados Federais ref. projeto de lei complementar 227/2012

A Associação encaminhou ofício aos deputados federais manifestando-se sobre o projeto de lei complementar 227/2012, acerca da demarcação de terras indígenas em 20/08/2013.


EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA DOSDEPUTADOS, DEPUTADO HENRIQUE EDUARDO ALVES.



Assunto: Projeto de Lei Complementar 227/2012





A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental, sem fins lucrativos ou corporativistas, que congrega juízes e juízas trabalhistas, federais e estaduais de todo o território nacional e de todas as instâncias, e que tem por objetivos primaciais a luta pelo império dos princípios democráticos, dos direitos humanos e da independência judicial, vem à presença de Vossa Excelência, respeitosamente, representada pela presidenta de seu Conselho Executivo, requerer seja rejeitado o Projeto de Lei Complementar 227/2012, pelos motivos a seguir expostos:

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar nº 227/2012, que tem por finalidade oficial regulamentar o artigo 231, § 6º da Constituição Federal de 1988.

Dispõe mencionado dispositivo constitucional que: “São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé".

Vale dizer, estipulou o legislador constituinte, como preceito geral, a proibição da ocupação, domínio, posse e exploração das riquezas naturais em terras indígenas. Apenas em caráter excepcional permitiu tais condutas, desde que existente relevante interesse público da União a ser definido em lei complementar.

O Projeto de Lei Complementar nº 227/2012 elenca, assim, os atos a serem considerados como de relevante interesse público da União para fins de demarcação de Terras Indígenas, conforme consta nos setes incisos do seu artigo 1º: assentamentos rurais realizados pelo Poder Público, em programasde reforma agrária e colonização;a exploração e aproveitamento de jazidas minerais;o aproveitamento de potenciais hidráulicos;o uso e ocupação de terras públicas destinadas à construção deoleodutos, gasodutos, estradas rodoviárias e ferroviárias, portosfluviais e marítimos, aeroportos e linhas de transmissão;concessões e alienações de terras públicas localizadas na faixa defronteiras; as ocupações de terras públicas na faixa de fronteiras resultante das formações de núcleos populacionais, vilarejos e agrupamentosurbanos e os campos de treinamento militar e as áreas destinadas àsinstalações policiais e militares, das forças armadas e de outros órgãosde segurança.

Ora, a ampla diversidade das hipóteses acima mencionadas revela, por si só, que aquilo que constitucionalmente estipulou-se como excepcional, por força de ato do legislador complementar terminará por se tornar preceito geral. Por consequência, a não ocupação, domínio, posse e exploração em terras indígenas acabarão por consistir verdadeiras exceções.

Como se não bastasse, o Projeto de Lei Complementar nº 227/2012 ignora por completo a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho de 27 de junho de 1989, a qual compõe o ordenamento jurídico brasileiro em razão da sua aprovação pelo Decreto Legislativo nº 143 de 20 de junho de 2002 e da sua promulgação pelo Decreto nº 5.051 de 19 de abril de 2004. Tal documento prevê a obrigatoriedade da consulta prévia, livre e de boa fé aos povos indígenas sempre que existam medidas suscetíveis de afetá-los diretamente, o que não foi observado no projeto em debate.

Percebe-se, pois, que o Projeto de Lei Complementar nº 227/2012 viola frontalmente o sistema jurídico brasileiro de proteção aos indígenas, o que, se aprovado, tornará tais povos ainda mais vulneráveis ao processo de colonização – e dizimação - que ainda sofrem em pleno século XXI.

Por tudo isso, a Associação Juízes para a Democracia espera a rejeição do Projeto de Lei Complementar nº 227/2012.



São Paulo, 20 de agosto de 2013.



Kenarik Boujikian

Presidenta do Conselho Executivo

Associação Juízes para a Democracia