Carta aberta ao CNJ: em favor e pela ampliação da audiência de custódia

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI.


Ref.: Audiência de Custódia



A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, vem manifestar seu apoio ao Provimento Conjunto nº 03 de 27 de janeiro de 2015 do Tribunal de Justiça de São Paulo e da Corregedoria Geral de Justiça, que regulamentou a audiência de custódia, concedendo efetividade à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, expondo e sugerindo o que segue.

Estudo recentemente publicado pela Conectas, Núcleo do Estudo da Violência da USP, Pastoral Carcerária, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e Associação dos Cristãos para Abolição da Tortura não deixa dúvida de que a tortura perdura como método de investigação por parte de determinados agentes públicos do Brasil.[1]

Como se não bastasse, o país ostenta a posição de terceira maior população carcerária do mundo, em considerável parcela formada por pessoas submetidas a prisões cautelares, medida que, conforme o art. 5o, LVII da Constituição Federal, deveria ser aplicada apenas em casos excepcionais.

Ao possibilitar o pronto contato do Juiz de Direito com o detido, a audiência de custódia poderá traçar um caminho concreto para a superação de práticas estatais violentas e abusivas contra cidadãos detidos. Poderá, ainda, proporcionar racionalidade na aplicação da prisão cautelar, compatibilizando-a ao seu verdadeiro caráter excepcional.

Lembra-se, aqui, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) é dotada de força normativa no território brasileiro, tendo em conta que o artigo 5º, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988 consagra a aplicabilidade imediata das normas referentes aos exercícios dos direitos fundamentais.

Lembra-se, também, que tal documento internacional não se limita a determinar a apresentação imediata do preso em flagrante, mas a apresentação imediata de todas as pessoas custodiadas. É o que dispõe, expressamente, o seu artigo 7º: “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais”.

Vale dizer que os tribunais do país podem ir além do citado provimento paulista e determinar a realização da audiência em favor de todas as pessoas presas, cautelarmente ou não, em razão de flagrante, de decretação de prisão preventiva ou de sentença condenatória.

Com relação à prisão preventiva, por exemplo, o juiz, na audiência de custódia, além de verificar a ocorrência de eventual arbitrariedade no cumprimento da ordem de custódia, poderá certificar-se da correta identidade da pessoa presa, dar-lhe ciência dos motivos que determinaram a decretação de sua segregação cautelar, colher informações sobre os fatos que determinaram essa medida extrema e, diante disso, depois desse contato pessoal com a pessoa presa, ouvidos o Ministério Público e a Defesa, decidir pela mantença da prisão provisória, revogá-la ou, ainda, se for o caso, aplicar outra medida cautelar, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal. Evita-se, assim, um aprisionamento desnecessário.

Com isso, será possível ao Judiciário promover, de forma mais eficaz, o pleno respeito aos Direitos Humanos consagrados na Constituição Federal e nos tratados internacionais subscritos pelo Brasil, especialmente a integridade física daqueles que se encontram presos sob a responsabilidade de um Estado que historicamente faz lamentável uso de métodos primitivos e cruéis de investigação.

Sendo assim, no presente momento em que o Judiciário paulista sensibiliza-se para a necessidade da implementação da audiência de custódia, a Associação Juízes para a Democracia manifesta o seu integral apoio às medidas já adotadas e sugere para todos os tribunais do país:

a) que seja implantada a realização da referida audiência para todos os casos de prisão, qualquer que seja a natureza e o fundamento da custódia, como determina o Pacto de San Jose da Costa Rica;

b) que se faça constar de todos os mandados de prisão que, quando do respectivo cumprimento, a pessoa presa deva ser imediatamente apresentada ao Juiz de Direito que determinou a custódia ou ao Juiz de Direito competente da Comarca para a hipótese em que o mandado for cumprido em outro espaço territorial de jurisdição.

A Associação Juízes para a Democracia enviará ofício, com o mesmo teor do presente, ao Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.

Aproveitando o ensejo para lhe externar protestos de consideração e respeito, aguarda-se o deferimento.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2015.

André Augusto Salvador Bezerra

Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia


[1]A íntegra do estudo encontra-se disponível em: http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Julgando%20a%20tortura.pdf