São Paulo, 15 de setembro de 2015.
Ref.: Termo de Cooperação Técnica n. 000.045/2015 – Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT).
A respeito do Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT), criado pelo Termo de Cooperação Técnica n. 000.045/2015, celebrado entre o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a Associação Brasileira de Medicina (ABRANGE) e a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FENASAÚDE), a Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental, sem fins lucrativos ou corporativistas, que congrega juízes trabalhistas, federais e estaduais de todo o território nacional e de todas as instâncias, e que tem por objetivos primaciais a luta pelo respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem, perante Vossa Excelência, expor e requerer o que segue.
O atual cenário de judicialização de conflitos recomenda o estímulo à autocomposição e a adoção de medidas destinadas a imprimir celeridade e eficiência à prestação jurisdicional. A Associação Juízes para a Democracia é sensível aos esforços desse E. Tribunal de Justiça para o alcance desses objetivos.
No que concerne ao setor de saúde suplementar, o alto índice de acolhimento de pedidos de tutela jurisdicional, em caráter definitivo, evidencia que a causa da excessiva procura do Poder Judiciário reside na recusa ilegítima, pelas operadoras de planos e seguros de assistência à saúde, ao custeio de atendimento médico-hospitalar.
A alteração do panorama de litigiosidade depende, assim, de ações tendentes ao ajustamento das condutas das operadoras à jurisprudência consolidada desse E. Tribunal de Justiça e do E. Superior Tribunal de Justiça acerca dos direitos de seus consumidores, com base na Lei n. 9.656/1998 e no Código de Defesa do Consumidor.
O inexpressivo número de propostas de transação formuladas por operadoras de planos e seguros de assistência à saúde, em processos versando sobre cobertura assistencial, enfraquece a perspectiva de incremento da solução conciliatória no setor de saúde suplementar.
O acesso ao Poder Judiciário é, em regra, precedido de (i) requerimento de cobertura contratual à operadora e (ii) expressa recusa ou silêncio desta. Ou seja, a operadora dispõe, na fase extrajudicial, de espaço para ações voltadas à autocomposição, sendo desnecessária a atuação conjugada do Poder Judiciário para o fim de viabilizar a oferta pela operadora “aos seus clientes de alternativas ou serviços satisfatórios em tempo célere e em ambiente neutro” (cf. Termo de Cooperação Técnica em epígrafe).
Diante desse quadro, o Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT) poderá se revelar ineficaz ao fim proposto.
O setor apresenta, ainda, fragilidades sob a ótica do Direito Processual Civil, do Direito do Consumidor e do Direito Administrativo.
O Termo de Cooperação Técnica em epígrafe confere ao juiz a faculdade de submeter o processo ao Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT), independentemente de anuência do autor da demanda, a fim de viabilizar a formulação, pela operadora de plano ou seguro de assistência à saúde, de proposta de mediação liminar.
O condicionamento da apreciação de pedido de tutela de urgência à formulação de proposta de mediação é incompatível com o direito do consumidor à “facilitação da defesa de seus direitos” (artigo 6o, VIII, da Lei n. 8.078/1990); a sujeição do processo à mediação liminar representa, sob a ótica do Direito do Consumidor, entrave ao acesso à ordem jurídica justa.
A mediação liminar esbarra, igualmente, na regra do artigo 303, § 1o, II, do Novo Código de Processo Civil, que prevê a adoção de método de autocomposição após a concessão da tutela de urgência.
A atuação do Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT) extrapola o próprio escopo da Recomendação n. 36, de 12.7.2011, do Conselho Nacional de Justiça, que propõe exclusivamente a formação de núcleos de apoio técnico a juízes, nada dispondo sobre autocomposição liminar de conflitos no setor de saúde suplementar.
Ademais, as demandas envolvendo assistência privada à saúde apresentam peculiaridades que não se harmonizam com a sistemática de mediação liminar.
O pedido de cobertura contratual é deduzido com base em prescrição do médico que assiste o consumidor. Supondo que a operadora de plano ou seguro de assistência à saúde, com base em parecer de sua equipe técnica, proponha o custeio de procedimento ou exame alternativo; a proposta envolverá necessariamente questão de ordem técnica; logo, o consumidor, antes de emitir aceitação ou recusa, terá de submetê-la a seu médico assistente. A busca da mediação implicará, assim, retardamento da prestação jurisdicional.
Ante a vulnerabilidade do consumidor perante a operadora de plano ou seguro de assistência à saúde, agravada pela fragilidade inerente à crise de saúde enfrentada e pela necessidade premente da assistência médico-hospitalar, a mediação conduzida pelo Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT) pode, ainda, resultar em transações inválidas sob a ótica do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor (artigo 51 da Lei n. 8.078/1990).
Pelas razões acima externadas, a mediação liminar se mostra inviável em demandas que versem sobre cobertura contratual de planos e seguros de assistência à saúde.
Acerca da atuação como apoio técnico, a Recomendação n. 36, de 12.7.2011, do Conselho Nacional de Justiça propõe que o setor seja composto por médicos e farmacêuticos indicados pelos Comitês Executivos Estaduais e “sem ônus para os Tribunais”.
O Termo de Cooperação Técnica em epígrafe, todavia, não contempla (i) proveniência e forma de seleção dos profissionais de saúde; (ii) forma de atuação do setor no caso concreto (individual ou colegiada), (iii) forma de escolha dos profissionais que atuarão em determinado processo, (iv) forma e origem da remuneração dos técnicos.
Para atender aos princípios do artigo 37, caput, da Constituição Federal e garantir a idoneidade probatória dos pareceres técnicos emitidos:
(1) o Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT) deve ser composto por profissionais de saúde sem vinculação direta ou indireta com operadoras de planos e seguros de assistência à saúde; caso seja admitido o ingresso de profissionais por elas indicados, na forma do item III da Recomendação n. 36, de 12.7.2011, do Conselho Nacional de Justiça, deve ser assegurada a participação, de forma igualitária, de profissionais indicados por entidades de defesa dos direitos dos consumidores e a avaliação técnica deve ser colegiada, por grupo formado por três profissionais, assegurada a participação de um profissional indicado por entidade de defesa dos direitos dos consumidores e de um profissional desvinculado;
(2) a listagem contendo os profissionais de saúde que integrarão o setor deve ser previamente publicada; a escolha dos profissionais que atuarão em determinado caso concreto deve observar à ordem da listagem, conforme respectiva área de especialização, ressalvados casos de impossibilidade, impedimento ou suspeição;
(3) aos profissionais de saúde do Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT) deverá ser aplicável a normatização pertinente ao perito, como auxiliar da justiça, especialmente no que concerne à responsabilidade pelas informações prestadas, na forma do artigo 158 do Novo Código de Processo Civil;
(4) os profissionais de saúde que comporão o setor não poderão receber qualquer remuneração ou auxílio, a que título for, direta ou indiretamente, de operadoras de planos e seguros de assistência à saúde suplementar.
Pelo exposto, a Associação Juízes para a Democracia requer a Vossa Excelência:
(a) a supressão do segmento de mediação liminar do Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação (NAT), mantendo-se tão-somente o setor de apoio técnico, na forma da Recomendação n. 36, de 12.7.2011, do Conselho Nacional de Justiça;
(b) a organização do setor de apoio técnico em conformidade com os princípios da moralidade e impessoalidade, conforme sugestões consignadas acima (itens 1 a 4).
Colocamo-nos à inteira disposição de Vossa Excelência e aproveitamos a oportunidade para apresentar-lhe nossos protestos de elevada estima e distinta consideração.
André Augusto Salvador Bezerra
Presidente do Conselho Executivo da
Associação Juízes para a Democracia
A SUA EXCELÊNCIA O SENHOR
DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO
E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
JOSÉ RENATO NALINI