Nota de Repúdio e Representação à declaração sexista de parlamentar

NOTA DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA



A Associação Juízes para a Democracia – AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade a luta pelo respeito incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem apresentar sua manifestação de repúdio ao pronunciamento do Deputado Federal Jair Messias Bolsonaro, que, conforme amplamente divulgado pela mídia, afirmou à colega congressista, em plena ribalta parlamentar, que somente não a estupraria por ela não merecer.

A lamentável fala do parlamentar, ao sugerir uma distinção entre “mulheres que merecem” e “mulheres que não merecem” ser estupradas, ultrapassou os lindes da discussão política protegida pela imunidade parlamentar para desbordar ao puro e simples discurso de ódio, atingindo, de um modo geral, todas as mulheres brasileiras e colocando em risco conquistas arduamente aquinhoadas ao longo dos anos pelos movimentos feministas e pela sociedade como um todo, por cuja solidificação e necessária expansão ainda se luta com frequência diária.

Basta verificar que, segundo estudo divulgado pelo IPEA, estima-se que 527 mil pessoas são estupradas anualmente no Brasil, sendo 89% das vítimas do sexo feminino, e que, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 12 segundos uma mulher sofre algum tipo de violência no país, dados que revelam a sobrevivência de uma cultura arcaica e retrógrada que coloca a mulher em posição de submissão com relação aos homens, lógica que encontra no abuso sexual a sua mais infausta expressão.

Esse odioso caldo cultural, cuja superação consiste em imprescindível marco civilizatório a ser alcançado, foi reavivado e reforçado, sob os holofotes de uma tribuna parlamentar, pelo pronunciamento do Deputado.

Em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, de forma expressa ou velada, irônica ou não, em retorsão à ofensa anterior ou não, é dado a qualquer pessoa – sobretudo ao titular de um mandato eletivo – nem sequer dar a entender que uma mulher, por qualquer motivo seja, mereça ter sua liberdade sexual violada.

Em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, o discurso de um parlamentar – que não fala por si e nem apenas por seus eleitores, mas por toda a sociedade – pode contrastar os fundamentos e objetivos da República, valores imprescindíveis a um Estado Democrático de Direito, tais como a dignidade da pessoa humana (artigo 2°, III, CF) e a erradicação de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3°, IV, CF), notadamente aqueles que impliquem ataques discriminatórios a setores sociais historicamente vulneráveis.

É evidente que a imunidade material dos congressistas por suas opiniões e palavras (artigo 55, II, § 1°, CF) não pode ser utilizada como salvaguarda a práticas atentatórias a valores caros ao Estado Democrático de Direito, sendo que o exercício de tal garantia encontra limitação na própria Constituição Federal, ao estabelecer ser incompatível com o decoro parlamentar “o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional”, (artigo 55, § 1°, CF), bem como no artigo 231, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e artigos 4°, I e 5°, III, do Código de Ética e Decoro Parlamentar daquela Casa.

A Associação Juízes para a Democracia, ao tempo em que clama pela apuração de quebra de decoro parlamentar pelas instâncias competentes, manifesta sua repulsa ao sexismo e a qualquer forma de discriminação, reforçando seu posicionamento de integral solidariedade e respeito às mulheres que se viram aviltadas em sua dignidade pela manifestação parlamentar, e colocando-se como aliada nas lutas pelo empoderamento e isonomia do gênero feminino (artigos 1°, III e V, 3°, I e IV e 5°, I, da Constituição Federal).

São Paulo, 11 de dezembro de 2014.

André Augusto Salvador Bezerra

Presidente do Conselho Executivo

da Associação Juízes para a Democracia

Célia Regina Ody Bernardes

Secretária do Conselho Executivo

da Associação Juízes para a Democracia

Dora Aparecida Martins

Tesoureira do Conselho Executivo

da Associação Juízes para a Democracia





REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL SUBSCRITA PELA AJD



Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.

Deputado Federal Henrique Eduardo Alves





Representação: Quebra Decoro Parlamentar nº

Representado: Deputado Federal Jair Messias Bolsonaro





As cidadãs que abaixo subscrevem, com respectiva indicação das entidades e movimentos das quais fazem parte, vêm à presença de Vossa Excelência, oferecer a anexa Representação para Apuração de Procedimento Incompatível com o Decoro Parlamentar contra JAIR MESSIAS BOLSONARO, brasileiro, deputado federal, militar, com endereço na Câmara dos Deputados – Anexo III – Gab. 482 – Brasília (DF), requerendo seja ela recebida e encaminhada ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, nos termos do artigo 9º, parágrafo 1º, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, instuído pela Resolução nº 25, de 2001.





Termos em que,

Pede deferimento



Brasília, 17 de dezembro de 2014.



ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA

Celia Ody Bernardes, título eleitoral 033863410957, seção 0157, zona 011, Brasília – DF

Dora Aparecida Martins de Morais, título eleitoral 14973710159, seção 51, zona 06, Município São Paulo/SP



INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO

Jacira Vieira de Melo, título eleitoral 086359370116, seção 0319, zona 001, Município São Paulo/SP

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS.













As CIDADÃS que abaixo subscrevem, com respectiva indicação das entidades e movimentos das quais fazem parte, vêm à presença de Vossa Excelência, oferecer a anexa Representação para Apuração de Procedimentos Incompatíveis com o Decoro Parlamentar contra JAIR MESSIAS BOLSONARO, brasileiro, deputado federal, militar, com endereço na Câmara dos Deputados – Anexo III – Gab. 482 – Brasília (DF), nos termos do artigo 9º, parágrafo 1º, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados - Resolução nº 25, de 2001, com fundamentos fáticos e jurídicos que seguem.





DOS FATOS

No dia 09 de dezembro de 2014, o deputado Jair Bolsonaro proferiu na tribuna do Plenário Ulysses Guimarães, da Câmara dos Deputados, uma ode à violência contra as mulheres, pregando e incitando à violência e a discriminação de gênero, como tem feito com frequência ao agir também age com discriminação étnica, racial.

Disse textualmente: “falei que eu não estuprava você porque você não merece”.

Proferiu tal manifestação, na tribuna, no exercício pleno da legislatura. Falou diretamente para a deputada Maria do Rosário, após a manifestação da parlamentar. Entretanto, tal peroração atinge a totalidade das mulheres brasileiras.

A grave ofensa contida na expressão utilizada “falei que eu não estuprava você porque você não merece”, afeta a todas as mulheres, que estão a exigir que esta Casa tome as devidas providências.

O fato causou tamanha indignação, que diversas organizações lançaram nota pública, requerendo que a Câmara dos Deputados tome providências, denotando que a população brasileira, homens e mulheres, independente de partidos, não aceitam que o Poder Legislativo tenha dentre seus membros deputado que fere as conquistas da humanidade.

O repudio à conduta do deputado pode ser observado nas diversas notas públicas que foram lançadas e apenas a título exemplificativo, junta-se as publicações: da Associação dos Juízes pela Democracia (AJD); da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB); da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP); da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados;da Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Senado Federal; do Conselho Nacional de Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica; do Conselho Federal de Psicologia; do Conselho Nacional de Direitos Humanos; do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação; da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços; da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); da Central Única dos Trabalhadores (CUT); da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; da Marcha Mundial de Mulheres; da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); da Prefeitura da Cidade de São Paulo; da Procuradoria da Mulher do Senado Federal; da Secretaria Nacional de Juventude do Governo Federal, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República; da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP); além dos quatro partidos que também já protocolaram representação junto a este Conselho. Além de campanha no sitio da AVAAZ que já conta com 247mil assinaturas.

Em que pese o fato ser público e notório, transmitido pela TV Câmara, em vários canais de televisão, repercutido em todos os meios, e, portanto, independer de prova, transcreve-se trechos, com negrito, da expressão utilizada pelo representado:

“O SR. PRESIDENTE (Amauri Teixeira) – Deputado Jair Bolsonaro, o senhor tem 3 minutos, prorrogáveis.

O SR. JAIR BOLSONARO (Bloco/PP-RJ. Sem revisão do orador.) – Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí. Fique aí, Maria do Rosário. Há poucos dias você me chamou de estuprador no Salão Verde e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir.

E, Sr. Presidente, o senhor não pode tomar partido de posições de Parlamentares aqui, não. E, quando eu sair daqui, eu vou ocupar o seu espaço aí, que pertence a mim.

O SR. PRESIDENTE (Amauri Teixeira) – Eu, na condição de Presidente, posso manifestar adesão.

O SR. JAIR BOLSONARO - Comissão da Verdade. Vamos aproveitar e falar um pouquinho sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, é o dia internacional da vagabundagem. Os direitos humanos no Brasil só defendem bandidos, estupradores, marginais, sequestradores e até corruptos. O Dia Internacional dos Direitos Humanos no Brasil serve para isso. E isso está na boca do povo na rua.

A Maria do Rosário saiu daqui agora correndo.....

Já temos 11 mil cubanos aqui, milhares de haitianos. Este Congresso votou aqui, sem ler, a isenção de visto para iraniano entrar em nosso País. Mujica aceitou agora presidiários, terroristas de Guantánamo. Estamos trazendo para dentro do Brasil o que há de pior no mundo: a escória do mundo para dentro do Brasil.

....

Parabéns aos vagabundos do Brasil que estão sob o guarda-chuva da Comissão de Direitos Humanos da Deputada Maria do Rosário!”.



DO DIREITO

Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal é a dignidade humana e dentre os objetivos sublinhados no artigo 3º, inciso IV, temos a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

O artigo 5º da Constituição Federal estabelece um rol de direitos fundamentais e inicia com o da igualdade.

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;”

Estas normas têm caráter vinculante para todos os que exercem poderes do Estado. Trata-se de dever absoluto, ínsito na soberania popular e nos valores da nação, que o legislador assume ao tomar posse do cargo.

O Brasil também é signatário de diversos documentos internacionais de direitos humanos, de caráter geral, e também temos as normas de proteção específica em relação às mulheres e, nos casos de violência contra as mulheres, os princípios vinculantes, da igualdade e não discriminação, são ponto central do sistema internacional de direitos humanos, estabelecidos em diversos instrumentos, como: a Convenção Americana de Direitos Humanos; a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; a Declaração e a Plataforma de Ação da 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará); e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).

Não é possível deixar de indicar que o artigo 7º do Estatuto de Roma entende por crime contra a humanidade a agressão sexual, escravidão sexual, prostituição, gravidez e esterilização forçadas ou, qualquer outra forma de violência sexual, de gravidade comparável (Artigo 7o - Crimes contra a Humanidade: 1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: (...) g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;)





OCódigo de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, por sua vez, define condutas caracterizadoras da quebra de decoro e estabelece no artigo 3º que são deveres fundamentais do deputado, dentre outros:

“I – promover a defesa do interesse público e da soberania nacional;

II – respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e do Congresso Nacional;

III- zelar pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo,

IV- exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade;

VII – tratar com respeito e independência os colegas, as autoridades, os servidores da Casa e os cidadãos com os quais mantenha contato no exercício da atividade parlamentar, não prescindindo de igual tratamento”

“Art. 4° - Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:

I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1°);

“Art. 5° - Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código:

X - deixar de observar intencionalmente os deveres fundamentais do deputado, previstos no artigo 3º deste Código”.

MULHER

Em que pese a significativa normativa internacional, regional e nacional e a obtenção de conquistas em direitos sociais, com progressão em direção à igualdade, o fato é que a desigualdade, é marca forte, reflexo da tradição patriarcal da sociedade brasileira, expressada através da violência de gênero, fenômeno social que engloba diversos fatores e inclui um dos mais graves atos de agressão contra a mulher: a violência sexual.

A proteção aos direitos das mulheres tem ampla proteção normativa, entretanto, forçoso reconhecer que a violência contra as mulheres ainda é um desafio prioritário destacando que a dignidade sexual é um dos prismas da dignidade humana e a autodeterminação sexual, deve ser foco das atenções de todos os agentes estatais.

A violência contra as mulheres, e dentre elas, a violência sexual, é mal que aflige percentual significativo de mulheres de todo o mundo e a compreensão dos direitos das mulheres como direitos humanos não está efetivamente e integralmente incorporada.

A violência sexual foi reconhecida como um problema de saúde pública global em 1993, pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS), dada a gravidade do problema no que tange à violação dos direitos humanos e aos efeitos devastadores nas esferas física, psíquica e social. Para a OMS, violência sexual é “qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção”. Pode ser praticado, segundo o organismo, por qualquer pessoa, independentemente da relação com a vítima, e em qualquer cenário, incluindo a casa e o trabalho.

O sentido da autodeterminação sexual pode ser melhor compreendido quando analisado em seus vários aspectos. Neste diapasão confira-se “Direitos Sexuais como um Direito Humano”, de Elida Séguin, “in”, Direito, Relações de Gênero e Orientação Sexual, editado pelo IBAP, que aponta a compreensão de direitos sexuais, adotada em 1998, no XV Congresso Mundial de Sexologia, que abrange uma série de aspectos, dos quais destaco alguns:

“a. Direito à liberdade sexual - a liberdade sexual diz respeito à possibilidade de os indivíduos expressarem seu potencial sexual, excluídas todas as formas de coerção, exploração e abuso em qualquer época de vida.

b. Direito à autonomia sexual, integridade sexual e à segurança do corpo sexual - este direito envolve a possibilidade de uma pessoa em tomar decisões autônomas sobre a própria vida sexual num contexto de ética pessoal e social. Inclui o controle e o prazer do corpo livre de tortura, mutilação e violência de qualquer tipo.

c. Direito à privacidade sexual - o direito às decisões individuais e aos comportamentos sobre intimidade, desde que não interfiram nos direitos sexuais dos outros”.

Verifiquemos os dados de violações:

A partir de informações do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan) de 2011, o IPEA apresentou em 2014, a Nota Técnica Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde. A pesquisa estima que no mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil e que, destes casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia e que 89% das vítimas são do sexo feminino.

Os dados do 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apontam para o registro de 50.320 estupros no Brasil, em 2013, uma média de quase seis a cada hora, um a cada 10 minutos. No mesmo ano, também foram registradas 5.931 tentativas de estupro no País.

A violência sexual como método de tortura física e psicológica, como política de Estado, vitimou homens, e mais intensamente as mulheres, durante a Ditadura Civil Militar, constituindo grave violação aos direitos humanos, constituindo-se em crime contra a humanidade.

Foi no contexto de comemoração do Dia Internacional de Direitos Humanos e com a entrega do relatório da Comissão Nacional da Verdade, que o deputado afirmou: “eu falei que eu não estuprava você porque você não merece”.

Estes dados de violência de gênero refletem a ideologia patriarcal, a cultura do machismo, disseminada muitas vezes de forma implícita ou sub-reptícia, legitimando e alimentando diversos tipos de violência, com consequências, de curto e longo prazo, que se estendem no campo físico, psicológico e econômico.

É necessário estabelecer a cultura de dignidade; rechaçar a apologia à discriminação e incitamento à violência contra as mulheres, não deixar impune atos do jaez praticado pelo deputado Bolsonaro, que perpetuam a violência contra as mulheres, com menoscabo aos direitos humanos.

DA IMUNIDADE PARLAMENTAR

A legitimidade parlamentar advém inicialmente da votação do candidato somado ao ato da Justiça Eleitoral, que reconhece que o até então candidato possui legitimidade para assumir o cargo para o qual foi eleito.

A partir de então, o parlamentar fala pelo povo e exerce o poder pelo povo e nesta medida não pode ferir os fundamentos e objetivos da República, valores imprescindíveis para existência do próprio Estado Democrático de Direito, tais como a dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III, CF), a erradicação de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3°, IV, CF), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I, da CF)

A legitimidade do parlamentar deve ser mantida ao longo do mandato e o controle desta legitimidade ocorre de diversos modos: pelas vias judiciais, administrativas e políticas.

Para garantir o exercício livre do mandato, a Constituição Federal confere imunidade material parlamentar no artigo 53, ao dispor:

“Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Trata-se de mecanismo de proteçãodirigido ao próprio mandato, como forma de garantir a democracia e é festejada como conquista do Estado Democrático de Direito. Não é estabelecida em favor do indivíduo exercente do poder e nem pode ser escudo para atos atentatórios aos valores que justificam a própria existência do Poder Legislativo.

A imunidade não tem caráter absoluto e o seu exercício abusivo caracteriza quebra de decoro e pode gerar, nos termos da própria Constituição Federal, perda de mandato. É o que se extrai do artigo 55, inciso II e § 1°, da Lei Maior:

“Art. 55 – Perderá o mandato o Deputado ou Senador:(...)

II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;(...)

§1° - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.



Nesta toada, as manifestações emitidas com violação aos fundamentos e objetivos da República, nomeadamente a dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III, CF) e a erradicação de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3°, IV, CF), como o são aquelas emitidas no âmbito dos discursos de ódio, que impliquem ataques discriminatórios sobretudo a setores sociais historicamente vulneráveis, não podem estar salvaguardadas pela imunidade material.



Verifique-se preciosa lição:

“Quanto à expressão quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, reforça o entendimento de que a imunidade material abrange as esferas penal, cível e administrativa/política. Mas isso não quer dizer que possa invocar a prerrogativa o parlamentar que tenha feito pronunciamento – dentro ou fora do parlamento – em desconexão com o exercício do mandato legislativo. Ou seja, a imunidade somente deflui de atos praticados em decorrência da função. Imunidade não é blindagem. Seria uma contradição que, em nome da democracia e da garantia da liberdade do exercício do mandato, viéssemos a entender que o parlamentar é uma pessoa acima da lei, podendo ‘dizer qualquer coisa’ e invocar a proteção da expressão semântica ‘quaisquer de suas opiniões, palavras e votos’. Também não bastará a simples invocação de estar proferindo determinadas opiniões no ‘exercício do mandato’. Essa conexão deve estar demonstrada à saciedade, nos mínimos detalhes, para evitar abusos e impunidades” (Lênio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Dierle Nunes, em Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1076).

O exercício do mandato legislativo exige responsabilidade ética e comportamento compatível com os valores agasalhados pelo povo brasileiro, registrados na carta cidadã e nos documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

A expressão utilizada pelo deputado Bolsonaro, “eu falei que eu não estuprava você porque você não merece”, é um explícito ato de discriminação contra as mulheres brasileiras. Tal expressão naturaliza a violência contra as mulheres e, nesta medida, não se adequa aos valores abraçados pelo povo brasileiro.



PEDIDO



À toda evidência as palavras proferidas pelo deputado Jair Bolsonaro não estão acobertadas pela imunidade parlamentar. A gravíssima expressão “eu falei que eu não estuprava você porque você não merece”, constituiviolação de tal grandeza aos fundamentos e objetivos da República e aos documentos internacionais ratificados pelo Brasil,que rompe com o decoro parlamentar, por abuso extraordinário das prerrogativas do mandato, aviltando o patamar civilizatório alcançado pelo povo brasileiro e pela humanidade, com desprestígio para o Poder Legislativo.



Diante do exposto, presentes os requisitos para abertura de processo por quebra de decoro parlamentar, requer:

a) instauração do Processo Disciplinar, ante a quebra de decoro parlamentar pelo Deputado Jair Bolsonaro, com a designação de relator;

b) notificação do representado para, querendo, apresentar defesa, no prazo regimental;

c) oitiva de testemunhas arroladas, protestando desde já por eventual substituição:

1) Ana Flávia Pires Lucas D’Oliveira, médica e professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

2) Flávia Piovesan, procuradora do Estado de São Paulo

3) Heloísa Buarque de Almeida, antropóloga e professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

4) Jacqueline Pitanguy, socióloga e coordenadora da Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação

5) Jurema Pinto Werneck, médica e integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil da ONU Mulheres Brasil

6) Kenarik Boujikian, juíza do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

7) Silvana Brazeiro Conti, professora municipal

8) Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, juíza do Tribunal Penal Internacional

d) produção de provas em direito admitido, como juntada de documentos e parecer.

e) juntada pela Comissão de cópia das notas taquigráficas do discurso do Deputado na Tribuna da Câmara dos Deputados, na data referida.

f) intimação para todos os atos do procedimento, por via eletrônica, a fim de imprimir a necessária agilidade ao procedimento da representante da ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA, Celia Ody Bernardes e Dora Aparecida Martins de Morais, através do endereço eletrônico Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo., e do INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, Jacira Vieira de Melo, através do endereço eletrônico Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

g) a procedência da presente Representação com a recomendação ao Plenário da Câmara dos Deputados das sanções cabíveis, entre as quais, a PERDA DE MANDATO, com o que, essa Casa, de fato, reconhecerá que cumpre o marco civilizatório estabelecido nas normas mencionadas e não admite que a tribuna parlamentar seja o campo para rasgar a Constituição e assume seu papel de criar uma sociedade justa e solidária, sem descriminação de qualquer espécie.



Termos em que,

Pedem deferimento.

Brasília/DF, 17 de dezembro de 2014.



Subscrevem ainda esta Representação:



ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS

Guacira César de Oliveira, título eleitoral 001373572097, zona eleitoral 014, seção 0251, Brasília – DF



ARTICULAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DE MULHERES NEGRAS

Maria das Dores Rosário de Almeida, título eleitoral 000139772577, zona eleitoral 010, seção 032 – Macapá - AP



ASSOCIAÇÃO MULHERES PELA PAZ

Vera de Fátima Vieira, título eleitoral 254368450108, zona eleitoral 258, seção 0277, São Paulo – SP



CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR

Maria José Fontelas Rosado Nunes, título eleitoral 229062060175, zona eleitoral 006, seção 107, São Paulo - SP



CFEMEA – CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA

Nina Madsen, título eleitoral 014202082054, zona eleitoral 002, seção 0290, Brasília - DF



COLETIVO FEMININO PLURAL

Télia Negrão Tonhozi, título eleitoral 068791710426, zona eleitoral 160, seção 0374, Porto Alegre – RS



CRIOLA

Jurema Pinto Werneck, título eleitoral 070815410302, zona eleitoral 055, seção 0472, Maricá – RJ



GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA

Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, título eleitoral 138428340141, zona eleitoral 327, seção 0155, São Paulo – SP



MARCHA MUNDIAL DE MULHERES

Nalu de Faria da Silva, título eleitoral 149606150108, seção 251, seção 258, São Paulo - SP



MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS

Noeli Welter Taborda, título eleitoral 037969280957, zona eleitoral 0065, seção 0062, Tunápolis - SC



REDEH – REDE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Maria Aparecida Schumaher, título eleitoral 001246430175, zona eleitoral 00164, seção 0024, Rio de Janeiro – RJ



REDE MULHER E MÍDIA

Rachel Moreno, título eleitoral 414629930116, zona eleitoral 346, seção 0651, São Paulo – SP



UNIÃO BRASILEIRA DE MULHERES

Lúcia Helena Rincón Afonso, título eleitoral 021195541040, zona eleitoral 146, seção 0244, Goiânia -GO



UNIÃO DE MULHERES DE SÃO PAULO

Maria Amélia de Almeida Teles, título eleitoral 383050183, zona eleitoral 001, seção 0080, São Paulo – SP