Nota de apoio ao protesto via ocupação da Coordenação Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde e repúdio à nomeação do Coordenador Nacional de Saúde Mental

A Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem a público apoiar o exercício do direito de protesto, por via da ocupação da Coordenação Geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde por Militantes da Luta Antimanicomial, Movimento Pró-Saúde Mental do DF, trabalhadores e trabalhadoras, familiares e pessoas atendidas pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), bem como repudiar a nomeação do Coordenador Nacional de Saúde Mental, nos seguintes termos:


1. Inicialmente, é importante destacar que a ocupação de espaços públicos, pacificamente, por manifestantes está inserido no direito ao protesto e à livre expressão, garantidos constitucionalmente. Não há qualquer esbulho possessório em tal ato, especialmente pelo fato de não haver a intenção de apossamento do bem público, mas tão somente a demonstração de insatisfação com os rumos da Coordenação Nacional da Saúde Mental. O Poder Judiciário vem demonstrando que não mais tolera a utilização da via judicial para impedir o exercício pleno da liberdade individual, tal como recentemente decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no caso da ocupação das escolas públicas.

2. Como já afirmado no Manifesto pelas Liberdades sociais e pela Democracia, emitido por esta entidade em 19 de novembro de 2015, é inconstitucional inibir a ação de movimentos políticos e sociais, por afetar o pluralismo, que constitui valor essencial de qualquer democracia.

3. A nomeação de Psiquiatra, declaradamente contrário à Reforma Psiquiátrica, para a Coordenação Nacional de Saúde Mental, representa um retrocesso incalculável para o Brasil, reconhecido internacionalmente pelas conquistas e avanços nessa área.

4. Para além das declarações contrárias á Lei nº 10.216/01, o recém nomeado Coordenados Nacional de Saúde Mental ocupou o cargo de Diretor Técnico na Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi-RJ, o maior hospital Psiquiátrico da América Latina, fechado em 2012 pelo Poder Judiciário em razão de ação promovida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. O motivo: a constatação de inúmeras violações de direitos humanos às pessoas ali internadas, muitos, uma vida inteira.

5. A Lei nº 10.216/01, marco da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que reorientou a rede de atenção psicossocial brasileira para que o cuidado passasse a ser em liberdade, priorizando a escuta à medicalização, não representa apenas uma ideologia em detrimento da Psiquiatria Científica. Representa uma mudança na vida das pessoas diretamente afetadas, que passaram a ser tratadas como indivíduos, portadores de direitos e voz. Afirmar o contrário é atestar o desconhecimento do impacto no dia a dia dos usuários dos serviços de saúde mental, bem como ignorar a violação de direitos humanos cometida na história da humanidade pelas práticas da dita Psiquiatria Científica.

6. Por fim, Loucura não se prende. Loucura, com amor, se cuida.

São Paulo, 18 de dezembro de 2015.

A Associação Juízes para a Democracia